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EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO
CADUCIDADE
Sumário
1. A penhora de rendas é efetuada mediante notificação do agente de execução ao locatário que as deve pagar para que proceda ao seu depósito em instituição de crédito, quantias que ficam á ordem do agente de execução – n.ºs1 e 2 do art.º 779.º do CPC. 2. Decorre expressamente do n.º2 do art.º 344.º do CPC ser de 30 dias o prazo para a dedução dos embargos de terceiro e conta-se a partir do dia em que a diligência ofensiva do seu direito foi efetuada ou a partir do dia em que o embargante teve conhecimento dessa ofensa, mas, em qualquer caso, nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados. 3. Não é necessário que o embargante demonstre a tempestividade dos embargos, cabendo ao embargado a invocação e demonstração da respetiva caducidade, por constituir exceção perentória, nos termos do art.º 343.º/2 do C. Civil. 4. O valor processual dos embargos há de corresponder ao valor do direito ofendido - receber as rendas penhoradas - , aplicando-se a regra prevista no n.º1 do art.º 298.º, ex vi n.º1 do art.º 304.º, de modo a que o valor processual coincida com o valor correspondente ao valor da renda de dois anos e meio ( 30 meses).
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I- Relatório.
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa intentada por BB contra CC, veio DD, solteira, maior, residente na Rua dos … nº .., Moradia …, 2635-… Rio de Mouro, intentar os presentes embargos de terceiro, pedindo que seja levantada a penhora das rendas da fração autónoma identificada pela letra “A”, correspondente à loja do prédio urbano sito no Campo Grande, n.º …, Lisboa, inscrito na matriz sob o art.º …, alegando que em visita à sua avó e executada CC, realizada no dia 22 de Dezembro de 2017, tomou conhecimento que havia sido determinada a penhora das rendas desse imóvel, o qual lhe pertence.
Admitidos os embargos e notificada a exequente e executada, para contestarem, apenas a exequente BB veio contestar, alegando, em síntese, que há muito que a embargante tem conhecimento que as rendas estão penhoradas, não correspondendo à verdade que só tenha tomado conhecimento desse facto em 22 de Dezembro de 2017, já que foi testemunha indicada pela aqui embargada no processo de impugnação pauliana que correu termos na Comarca de Lisboa no Juízo Central Cível de Lisboa-Juiz 14, sob o nº 15570/15.0T8LSB e no depoimento que prestou, em 13/02/2017, a embargante foi assertiva ao referir conhecer a existência da penhora das rendas do referido imóvel, conforme resulta da gravação feita e que transcreveu, concluindo pela caducidade dos embargos e respetiva improcedência.
Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os embargos intempestivos.
Desta sentença veio a embargante interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: a) O depoimento prestado pela embargante, ora recorrente, nos autos de impugnação pauliana não traduz, de forma mínima, que a mesma tivesse conhecimento efetivo de uma qualquer penhora (seja esta, seja outra) sobre as rendas, que estivesse a ser realizada á ordem de um processo, tanto mais que as passagens do seu depoimento em que a sentença funda tal consideração não tem correspondência mínima com a realidade dos autos – e uma pessoa que tem conhecimento concreto sabe, no mínimo, se já está a ser efetivada a penhora ou não;
b) Não se podendo, pois, considerar verificado o prazo de caducidade a que alude o art. 344º, nº 2 do Cod. Proc. Civil, o qual, de qualquer modo, não tem aplicação ao caso, desde logo porque, tendo os embargos de terceiro função preventiva, nunca tendo sido concretizada qualquer penhora de renda, aquele prazo de caducidade nem sequer é ponderado na situação dos autos;
c) A ora recorrente é única e exclusiva proprietária de raiz do imóvel, o qual não está onerado por usufruto – que nunca foi constituído – ou por qualquer ónus constituído a favor da executada, verificando-se, pois, o fundamento dos embargos de terceiro a que alude o art. 342.º do Cod. Proc. Civil;
d) O valor atribuído à causa não atenta ao valor das rendas a penhorar, motivo pelo qual deve manter-se o valor atribuído na petição de embargos, atento os arts. 304º, nº 1 e 297º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
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Não foram juntas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões a decidir consistem em saber se os embargos foram tempestivamente apresentados e se o valor processual se mostra corretamente fixado.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica. 1. Matéria de facto. 1.1. A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, que não vem questionada, e com relevo para o conhecimento das questões colocadas, é a seguinte:
1. A exequente BB intentou em 23/03/2012 a presente execução contra a executada CC, a qual corre termos neste Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o nº 301/12.5TBVRS;
2. Nos autos de execução referidos em 1), em 04/12/2012, a senhora Agente de Execução notificou a sociedade «EE, Lda.» para a penhora de créditos, presentes e futuros, vencidos de que seja devedora à executada CC, proveniente de rendas, até ao montante de 136.171,75 €;
3. Foi lavrado o escrito que faz fls. 11 verso a 15 verso destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Partilha e Cessão de Quinhão Hereditário. No dia dezasseis de Junho de dois mil e dezasseis, no Cartório Notarial sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, número dezanove, segundo andar esquerdo, em Lisboa, perante mim, Frederico Fernandes Soares Franco, respetivo Notário, compareceram como outorgantes:
Primeira: Maria …, viúva (…)
Segunda: DD, solteira, maior (…)
E disseram: Que, no dia nove de maio de dois mil e oito, na freguesia de lumiar, concelho de Lisboa, faleceu Hélder … (…) no estado de casado com a ora primeira outorgante sob o regime da comunhão de adquiridos, com última residência habitual na Rua …, nº …, 1º Esqº em Lisboa, que não deixou testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeiros o cônjuge sobrevivo e a sua única filha, ora primeira e segunda outorgantes (…)
Que, pela presente escritura procedem à partilha dos seguintes bens deixados pelo referido Hélder …. Verba Um. Metade da fração autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão com estabelecimento para stand de automóveis e entrada pelos números …-A e …-B, com o valor patrimonial tributário de € 48.688,10, correspondendo à referida quota ideal o valor de € 24.334,05, a que atribuem igual valor (…) que faz parte integrante do prédio urbano sito em Campo Grande, números …, …-A e …-B, na freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da anterior freguesia de Campo Grande, do mesmo concelho, constituído em propriedade horizontal registada pela inscrição apresentação …, de vinte e nove de dezembro de mil novecentos e oitenta e nove, e inscrito na matriz da freguesia de Alvalade, sob o artigo … (…)
Que, então, procedem à partilha e em pagamento do que lhes pertence, adjudicam (considerando arredondamentos): a) à primeira outorgante, três quartos do bem identificado na verba número dois e três quartos do bem identificado sob a verba número três (um quarto do imóvel) no valor de cento e noventa e seis mil oitocentos e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos, pelo que leva a menos do que lhe pertence o valor de doze mil cento e setenta e dois euros e quatro cêntimos, que lhe é devido em dinheiro, a título de tornas pela presente partilha; e b) à segunda outorgante, a totalidade do bem identificado na verba número um, um quarto do bem identificado na verba número dois e um quarto do bem identificado na verba número três (um quarto do imóvel), no valor total de oitenta e nove mil novecentos e cinquenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos, pelo que leva a mais do lhe pertence o valor de doze mil cento e setenta e dois euros e dois cêntimos, que lhe cabe pagarem dinheiro, a título de tornas pela presente partilha (…)
Pela primeira outorgante foi ainda dito: (…)
Que pela presente e por conta da quota disponível, cede gratuitamente à sua filha, ora segunda outorgante, o quinhão hereditário que lhe pertence na herança indivisa aberta por óbito de Manuel … (…). Que o referido quinhão corresponde a cinquenta por cento da herança e é-lhe atribuído o valor de cento e quinze mil euros. Que da referida herança fazem apenas parte bens imóveis. Disse a segunda outorgante: Que aceita a presente cessão, nos termos exarados, e que fica sendo a titular da totalidade da referida herança. Assim o outorgaram (…)
4. A Embargante DD registou a seu favor, pela Ap. … de 2008/12/12 a aquisição de ½ da fração autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs …-A e …-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo … e pela Ap. … de 2016/08/18 registou a seu favor a aquisição do outro ½.;
5. A embargada CC registou a seu favor pela Ap. … de 2008/12/12 o Direito de Uso e Habitação da fração autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs …-A e …-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo …;
6. Maria … e DD intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra CC e «EE, Lda.» a qual correu termos sob o nº 2011/11.1TVLSB, na qual foi deduzida reconvenção nos seguintes termos: a) Serem as autoras condenadas a reconhecer que a fração autónoma designada pela letra “A” (estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos nºs …-A e …-B) do prédio urbano sito na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo … é efetiva propriedade da Ré CC; b) Ser declarado que a Ré CC adquiriu a fração por usucapião, condenando-se as autoras a reconhecê-lo, com as legais consequências;
7. Nessa ação nº 2011/11.1TVLSB, no dia 09 de Maio de 2014, foi celebrada transação, homologada judicialmente, nos termos seguintes:
i- As Autoras procedem à partilha da fração objeto dos presentes autos em termos de ser a mesma adjudicada pelo seu valor patrimonial à Autora DD, que assim ficará com a propriedade da mesma.
ii- A Autora DD constitui a favor da Ré CC o usufruto vitalício sobre a mesma fração.
iii- No âmbito dos atos de administração como usufrutuária, a Ré CC compromete-se a mensalmente entregar à Autora DD metade do valor das rendas efetivamente recebido.
iv- A Autora DD assume a obrigação de outorgar título de venda da fração, se tal lhe for solicitado pela Ré CC no prazo de 15 dias, condicionado ao facto de o preço de venda não ser inferior a € 300.000 (trezentos mil euros), sendo o resultado da venda repartido em partes iguais por ambas (…).
8. Por contrato de arrendamento reduzido a escrito, celebrado em 1 de junho de 2011, a executada CC, na qualidade de senhoria, enquanto titular do direito de uso e habitação do locado, deu de arrendamento a EE, Limitada, com sede na Rua …, nº …-B, em 1700-… Lisboa, a fração autónoma loja, com entrada pelo nº …-A do prédio urbano sito no Campo Grande, freguesia do Campo Grande, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art. … da referida freguesia, pelo prazo de dez anos, com início em 1 de Junho de 2011 e termo em 31 de Maio de 2021, podendo ser renovado por iguais períodos caso não ocorra a sua denúncia ou rescisão, para estabelecimento de papelaria e
reprografia, mediante a renda mensal é de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) ( conforme doc. de fls. 42 e 43 que se dá por reproduzido).
9. CC intentou contra “EE, Lda.» ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, a qual correu termos sob o nº 461/15.3T8LSB na qual pede a condenação da Ré no pagamento do montante de 93.516,50 € acrescido dos juros de mora, referente a rendas das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio urbano sito no Campo Grande, nº …, Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo …;
10. Na ação referida em 9), em 30 de Junho de 2017, foi celebrada Transação.
11. BB intentou contra CC, Ação Pauliana a qual correu termos sob o nº 15570/15.0T8LSB e na qual foi arrolada como testemunha a ora embargante DD;
12. No dia 13/02/2017, DD prestou depoimento no âmbito dos autos nº 15570/15.0T8LSB o qual está transcrito a fls. 22 a 25 verso destes autos, estando DD identificada por “T”, a qual disse, no essencial: - Que a executada CC, sua avó, “só tem o direito de uso e de habitação, mas propriedade é minha, pelo menos está registado assim”. - Claro que ela agora tem recebido esses rendimentos calculo eu, por essa penhora que eu conheço. - Sim, acho que o inquilino que está lá está a depositar a um agente de execução. E acho que está marcado, no qual eu também vou estar presente, dia 4 de Junho, sobre esse processo; - Desde o sentido em que recebo uma notificação de penhora do valor, do qual no mesmo dia em que recebo essa notificação carta eu ligo à minha avó o quê que era exatamente isto. Como ela não foi notificada eu digitalizei e mandei ao Sr. Dr. essa notificação para tentar perceber, como deve calcular eu assustei-me pelo valor. Como sou neta possa herdar essa divida. - A qual eu não poderia pagar. Como eu estava assustada fui logo ligar à minha avó para resolver este problema que eu já conheço a história. Como a minha avó diz que não é nada, que se resolve, tudo se resolve, eu tenho medo de herdar esta dívida. Certo? Já tenho a vida um bocadinho destruída (…)”.
13. Os presentes embargos foram instaurados em 27 de Dezembro de 2017 ( fls. 19v.º).
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2. O Direito.
2.1. Da extemporaneidade dos embargos.
Na decisão recorrida consignou-se: “Preceitua o nº 1 do artigo 342º do Código de Processo Civil que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”. De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 344º do Código de Processo Civil “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”. Feito o enquadramento legal, revertendo ao caso em apreço, temos que entre a executada CC, titular do direito de uso e habitação da fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito no Campo Grande em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …/19890825 e inscrito na matriz sob o artigo … e a sociedade “EE, Lda.” foi celebrado, com data de 01 de Junho de 2011, contrato de arrendamento pelo prazo de 10 anos com inicio em 01 de Junho de 2011 e termo em 31 de Maio de 2012, mediante o qual CC deu arrendamento à referida sociedade, que tomou de arrendamento, a referida fração autónoma, pagando em contrapartida a renda mensal de 1.500,00 €. Resulta dos autos de execução que em 04/12/2012 a senhora Agente de Execução endereçou à referida sociedade que ocupa a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito no Campo Grande, a nota de notificação, notificando-a da penhora de créditos, presentes e futuros, vencidos e não vencidos de que a mesma seja devedora à executada CC até ao montante de 136.171,75 €. À data da penhora, a embargante DD era proprietária de ½ da referida fração autónoma, aquisição inscrita pela Ap. …, de 2008/12/12/12 e veio a adquirir a outra metade por partilha de herança, aquisição inscrita pela Ap. …/2016/08/18, arrogando-se a mesma com direito a receber as rendas em virtude de ser a proprietária e alegando que a penhora ofende esse seu direito. Resulta do nº 2 do artigo 344º, do Código de Processo Civil que o embargante deve deduzir a sua pretensão nos 30 subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, sendo que a embargante alega que apenas teve conhecimento da penhora das rendas relativas à fração autónoma designada pela letra “A” no pretérito dia 22 de Dezembro de 2017, sendo certo que os presentes embargos de terceiro foram apresentados no pretérito dia 27 de Dezembro de 2017. Sucede, porém que resulta dos elementos carreados para os autos, nomeadamente da transcrição do depoimento efetuado pela ora embargante, na qualidade de testemunha, nos autos de ação pauliana com o nº 15570/15.0T8LSB, realizado no pretérito dia 13 de Fevereiro de 2017 que já nessa data a ora embargante tinha conhecimento da penhora incidente sobre as rendas relativas à fração autónoma designada pela letra “A”, sendo que a mesma à pergunta formulada pela Ilustre Mandatária da Autora naquela ação “Falou-se também de uma, não sei se é bem uma tipografia, uma casa de fotocópias que também estariam a discutir umas rendas, o pagamento de umas rendas. E portando ainda se encontram a discutir? A discutir o quê? Quem é que tem direito às rendas?”, respondeu “Quem é que tem direito, quem é o proprietário, se uma loja estava em nome do meu avô e outra em nome do meu pai quem é que será o herdeiro dessas lojas. Claro que ela agora não tem recebido esses rendimentos, calculo eu, por essa penhora que eu conheço” e de seguida a Ilustre Mandatária perguntou “Mas esses rendimentos como? Porque ela recebia dinheiro das rendas? ao que a ora embargante respondeu “recebia”, e à pergunta formulada pela Ilustre Mandatária “Mas essa questão não está a ser tratada em Tribunal?”, respondeu a ora embargante “Está.” Perguntando a Ilustre Mandatária “Das rendas em atraso ou eventualmente em atraso?”, ao que a ora embargante respondeu “Sim, acho que o inquilino que está lá está a depositar a um agente de execução. E acho que está marcado, no qual eu também vou estar presente, dia 4 de Junho, sobre esse processo”, pelo que não temos quaisquer dúvidas que nessa data a ora embargante já tinha conhecimento de que as rendas relativas á fração autónoma designada pela letra “A” estavam penhoradas e tendo os embargos sido deduzido apenas em 27 de Dezembro de 2017, mesmo admitindo que a ora embargante apenas tinha tido conhecimento da penhora das rendas na data em que prestou o dito depoimento (13/02/2017), é manifesto que quando deduziu os embargos em 27 de Dezembro de 2017 já estava ultrapassado, há muito, o prazo de 30 dias a que alude o nº 2 do artigo 344º, do Código de Processo, Civil, o que significa que os embargos de terceiro são intempestivos”.
Dissente a recorrente por entender que o depoimento que fez nos autos de impugnação pauliana não traduz, de forma mínima, que a mesma tivesse conhecimento efetivo de uma qualquer penhora (seja esta, seja outra) sobre as rendas, que estivesse a ser realizada á ordem de um processo.
Porém, a razão não está do seu lado, como se tentará sumariamente demonstrar.
Como é consabido, todo o património do devedor constitui, em regra, a garantia geral dos credores, respondendo pelo cumprimento das obrigações com todos os bens suscetíveis de penhora, como decorre do art.º 601.º do C. Civil. Essa garantia efetiva-se através da ação executiva – seu art.º 817.
Como flui do n.º 1 do artigo 342.º do novo Código de Processo Civil “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Decorre, assim, constituir requisitos dos embargos de terceiro: a) que o embargante tenha a posição de terceiro face à execução; b) que tenha a posse ou seja titular de um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
Nos termos do art.º 1251º do C. Civil, “posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
Segundo a doutrina tradicional, esta disposição legal, conjugada com a alínea a) do art. 1253º, do C. Civil, consagram a conceção subjetiva da posse, segundo a qual para a existência de uma situação possessória é necessário simultaneamente dois elementos essenciais: o corpus , elemento objetivo - situação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor; e o animus – elemento subjetivo, a intenção do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa . Sem corpus não haverá posse porquanto falta a atuação de facto correspondente ao exercício do direito e sem animus não haverá posse, porque falta a intenção da titularidade do direito (Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. III, pág. 5 ).
Como se diz no Acórdão do S. T. J. de 6/2/2007, Proc. n.º 06A4036, quando se fala em posse jurídica quer-se dizer posse verdadeira e própria, e não simples detenção; posse, portanto, integrada por corpus e animus possidendi, isto é, por atos materiais praticados com intenção correspondente ao conteúdo de determinado direito real ( art.º 1251.º do C.C.).
A posse adquire-se, entre outros, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito ou por inversão do título da posse – art.º 1263.º, als. a) e d) do C. C.
E é de observar o princípio geral que vigora em matéria probatória - àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos desse alegado direito - art.º 342.º, 1, C. Civil -, ou seja, compete ao embargante alegar e demonstrar ser possuidor em nome próprio ou titular do direito real de propriedade dos bens objeto da penhora, isto é, a demonstração da titularidade da posse ou outro direito incompatível com o âmbito da diligência.
No que respeita ao prazo para o exercício desse mecanismo processual estabelece expressamente o n.º2 do art.º 344.º do CPC que o “embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.
Assim, é inquestionável que o prazo para a dedução dos embargos é de 30 dias e conta-se a partir do dia em que a diligência ofensiva do seu direito foi efetuada/realizada ou a partir do dia em que o embargante teve conhecimento dessa ofensa, mas, em qualquer caso, nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
Mas no caso dos embargos com função preventiva, o prazo conta-se da data que o embargante teve conhecimento da futura penhora, ou seja, antes da sua realização mas depois de ter sido ordenada ( art.º 350.º do CPC) – cf. Rui Pinto, “A Ação Executiva”, 2018, AAFDL, pág. 752; e Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo2, 2016, Almedina, pág. 341.
Em qualquer caso não é necessário que o embargante demonstre a tempestividade dos embargos, visto que a respetiva caducidade constitui exceção perentória a deduzir pelo embargado, após a respetiva notificação para contestar – cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2018, pág.400, e Jurisprudência aí citada [1].
No mesmo sentido se pronuncia Rui Pinto, ob. cit., pág. 753/754, afirmando tratar-se de um prazo de natureza substantiva, de caducidade, “não cabendo ao embargante, nem a alegação, nem a prova da tempestividade, a qual não é requisito da admissibilidade dos mesmos. Ao contrário, é ao embargado que, por força da regra geral do art.º 343.º/2 do CC, está onerado com a alegação e com a prova do esgotamento do prazo para a dedução dos embargos de terceiro”.
Ora, a penhora de rendas é efetuada/realizada mediante notificação do agente de execução ao locatário que as deve pagar para que proceda ao seu depósito em instituição de crédito, quantias que ficam á ordem do agente de execução – n.ºs1 e 2 do art.º 779.º do CPC.
Assim, flui expressamente do citado preceito legal que a efetivação da penhora das rendas ocorre com a notificação do agente de execução ao arrendatário, sendo irrelevante, para esse efeito, a data em que iniciou o efetivo depósito dessas rendas.
Por isso, é descabida a invocação do prazo para os embargos repressivos, visto não poderem ser deduzidos depois de realizada a diligência ofensiva do direito incompatível de que o terceiro seja titular, no caso, a penhora das rendas devidas pelo locatário de imóvel cuja propriedade se arroga.
No caso concreto, a penhora foi realizada em 04/12/2012, data em que a senhora Agente de Execução notificou a sociedade «EE, Lda.» para a penhora de créditos, presentes e futuros, vencidos de que seja devedora à executada CC, proveniente de rendas, até ao montante de 136.171,75 € ( facto n.º2) - n.ºs1 e 2 do art.º 779.º do CPC.
Por isso, a embargante apenas podia deduzir os presentes embargos no prazo de 30 dias a contar dessa dia (04/12/2012) ou a partir do dia em que teve conhecimento dessa ofensa.
Ora, está provado que em 13/02/2017 a embargante DD prestou depoimento no âmbito dos autos nº 15570/15.0T8LSB, a qual fez declarações que evidenciam, sem margem para qualquer dúvida, que pelo menos nessa data, já tinha conhecimento da realização da penhora das mencionadas rendas, ao afirmar: “Claro que ela agora tem recebido esses rendimentos calculo eu, por essa penhora que eu conheço. Sim, acho que o inquilino que está lá está a depositar a um agente de execução”. Desde o sentido em que recebo uma notificação de penhora do valor, do qual no mesmo dia em que recebo essa notificação carta eu ligo à minha avó o quê que era exatamente isto. Como ela não foi notificada eu digitalizei e mandei ao Sr. Dr. essa notificação para tentar perceber, como deve calcular eu assustei-me pelo valor. Como sou neta possa herdar essa divida” (facto n.º12).
E tendo apresentado os presentes embargos em 27 de Dezembro de 2017, ou seja, dez meses após essas declarações, é apodítico que são manifestamente intempestivos.
Nesse sentido, a decisão recorrida não merece qual censura, já que aplicou corretamente o direito aos factos provados.
Improcede, pois, este fundamento.
2.2. Do valor processual.
Na sentença recorrida foi fixado o valor processual dos embargos nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto nos artigos 296º, nº 1, 299º, nº 1, 304º, nº 1 e 306º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, fixo o valor da causa em 136.171,75 € (cento e trinta e seis mil cento e setenta e um euros e setenta e cinco cêntimos)”.
A recorrente discorda, sustentando que o valor atribuído à causa não atenta ao valor das rendas a penhorar, motivo pelo qual deve manter-se o valor atribuído na petição de embargos (€30.000,01), tendo em conta o disposto nos arts. 304º, nº 1 e 297º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
Ora, flui do n.º1 do art.º 304.º do CPC que o valor processual dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente um valor diverso do da causa, caso em que o seu valor é determinado nos termos dos precedentes artigos.
Como se referiu no acórdão do STJ de 23/6/2016 [2], “Vivendo a execução, ontologicamente, sem os embargos e constituindo estes uma verdadeira ação declarativa, o seu valor deve ser olhado no tempo do seu nascimento e não no tempo em que nasceu a execução (…)”.
E acrescentam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa,ob. cit. pág. 400, que “Deve ser indicado o valor processual, tendo por referência o valor do bem ou direitos obre que incide, e não o valor da ação ou execução principal, atento o disposto no art.º 304.º/1 do CPC” (nosso sublinhado).
No caso concreto está em causa a penhora das rendas do imóvel, no valor mensal de € 1500,00 ( facto n.º 8).
Assim, o valor processual dos embargos há de corresponder ao valor do direito a receber as rendas, direito que foi ofendido, segundo a embargante, com a diligência de penhora.
Por isso, é de aplicar a regra prevista no n.º1 do art.º 298.º, ex vi n.º1 do art.º 304.º, de modo a que o valor processual coincida com o valor correspondente ao valor da renda de dois anos e meio ( 30 meses).
Sendo o valor da renda mensal penhorada de € 1500,00, será de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) o valor processual dos embargos e não o valor da ação executiva.
Destarte, o valor fixado na sentença não respeita o mencionado critério, já que esse valor não pode corresponder ao valor da execução apensa.
Nesta parte procede, pois, os embargos.
Vencida no recurso, suportará a recorrente as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando,nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. A penhora de rendas é efetuada mediante notificação do agente de execução ao locatário que as deve pagar para que proceda ao seu depósito em instituição de crédito, quantias que ficam á ordem do agente de execução – n.ºs1 e 2 do art.º 779.º do CPC.
2. Decorre expressamente do n.º2 do art.º 344.º do CPC ser de 30 dias o prazo para a dedução dos embargos de terceiro e conta-se a partir do dia em que a diligência ofensiva do seu direito foi efetuada ou a partir do dia em que o embargante teve conhecimento dessa ofensa, mas, em qualquer caso, nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
3. Não é necessário que o embargante demonstre a tempestividade dos embargos, cabendo ao embargado a invocação e demonstração da respetiva caducidade, por constituir exceção perentória, nos termos do art.º 343.º/2 do C. Civil.
4. O valor processual dos embargos há de corresponder ao valor do direito ofendido - receber as rendas penhoradas - , aplicando-se a regra prevista no n.º1 do art.º 298.º, ex vi n.º1 do art.º 304.º, de modo a que o valor processual coincida com o valor correspondente ao valor da renda de dois anos e meio ( 30 meses).
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida, revogando o despacho que fixou o valor processual, atribuindo aos embargos o valor processual de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).
Custas da apelação pela recorrente.
ÉVORA, 2019/05/16
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Tem voto de conformidade do Exm.º Desembargador Francisco Xavier, que não assina por não estar presente - art.º 153.º, n.º2, 2.ª parte, do C.P.C.
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[1] ) Nomeadamente o acórdão do STJ de 7/5/2015, Revista n.º 5122/07.4TBSTB-C.E1.S1 - 7.ª Secção, Silva Gonçalves (Relator), Sumários:
“ I - Tomando a descrição da norma do n.º 2 do art. 353.º do NCPC (2013), havemos de inferir que é o embargante quem tem o ónus de demonstrar, ao juiz que vai apreciar, se é de admitir ou não liminarmente os embargos, que os embargos são tempestivos.
II - A tutela final a conferir ao pedido do embargante, após a prolação do despacho que recebeu
liminarmente os embargos de terceiro, será indeferida se o embargado – e não o embargante – alegar e provar a extemporaneidade dos embargos, impondo-se-lhe ao embargado a prova de que o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva do seu implorado direito há mais de 30 dias, nos termos do art. 343.º, n.º 2, do CC; consagra este último normativo legal a presunção de que os embargos foram deduzidos em tempo”.
[2] ) Revista n.º 4083/14.8T8PRT-A.P1.S1, Pires da Rosa (Relator), Sumários.