I - Relativamente à citação de pessoas coletivas, o CPC de 2013 instituiu a regra da sua citação na sede estatutária constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, cuja inscrição nesse ficheiro seja obrigatória (art. 246.º, n.º 2, do CPC e arts. 1.º e ss. do DL n.º 129/98, de 13-05).
II - Enviada a carta registada com aviso de receção para a sede legal da pessoa coletiva pode suceder que a carta seja entregue a representante legal ou a um empregado ou seja por estes recusada a assinatura do aviso de receção ou mesmo o recebimento da carta. Em qualquer destas situações, tem-se a citação (pessoal) por efetuada (art. 223.º, n.º 3, do CPC).
III - Se, no entanto, a carta para citação da pessoa coletiva, ainda que enviada para a sua sede estatutária, for recebida por terceira pessoa, sem qualquer vínculo à sociedade, é de presumir, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que este teve conhecimento dos elementos que foram deixados ao terceiro (arts 225.º, n.º 4, 228.º, n.os 2, 3 e 4, 230.º, n.º 1, e 246.º, n.º 1, do CPC).
IV - Deve ser admitido e seguir a sua normal tramitação, designadamente com a realização das diligências consideradas indispensáveis (cf. art. 700.º, n.º 1, do CPC), o recurso de revisão da sentença proferida na ação principal interposto pela sociedade autora com fundamento em factos tendentes a demonstrar que, não obstante a carta ter sido enviada para a sua sede legal, sem culpa sua, não tomou conhecimento do ato de citação, dado que a pessoa que assinou o aviso de receção – que não era seu representante legal nem empregado – não lhe entregou a carta, nem lhe transmitiu o seu conteúdo.
1. Na ação declarativa, com processo comum, instaurada em 28.4.2016 por AA - Gestão do Património, Lda. contra BB - Sociedade Imobiliária, S.A., a ré não contestou, nem constituiu mandatário, nem interveio no processo.
2. Foi proferida decisão que, por falta de contestação, julgou confessados os factos alegados pela autora na p. i. - cf. fls. 76, do processo apenso.
3. Seguidamente, cumprido o disposto no art. 567°, n°2, do CPC, foi, em 2.12.2016, proferida sentença, já transitada em julgado, que, julgando a ação procedente, declarou transmitido para a autora o direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em …, União de Freguesias de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 4…8/20…8 da extinta freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 36 da secção "EE" da mencionada União de Freguesias, condenando ainda a ré, para efeito de expurgação da hipoteca e cancelamento da penhora, a pagar à autora o montante da dívida hipotecária e o montante da dívida titulada pela penhora que oneram o imóvel, acrescido dos respetivos juros, vencidos e vincendos até integral pagamento.
4. Em 22.03.2017, ao abrigo do disposto no art. 697°, n°l, do CPC, a ré interpôs recurso extraordinário pedindo a revisão daquela sentença.
Em síntese, alegou que:
A ré apenas tomou conhecimento da sentença em 27.02.2017, sendo que o aviso de receção relativo à sua citação (datado de 03.05.2016) está assinado por CC, contabilista, que renunciou a membro de vogal do Conselho de Administração da ré em 19.11.2014, sendo então membro único do referido Conselho DD, pelo que não foi respeitado o artigo 246° do CPC.
Concluiu, dizendo que se verifica falta de citação nos termos do art. 188°, ai. e), do CPC, e desse modo, com fundamento na norma do art. 696°, ai. e), do mesmo diploma, pediu a anulação dos termos do processo posteriores à petição inicial e a realização da sua citação para a ação.
5. Respondeu a autora/recorrida, sustentando que a citação da ré foi efetuada em conformidade com o disposto no art. 246° CPC, uma vez que a carta para citação foi enviada para a sede da ré.
Concluiu, pugnando pela improcedência do recurso.
6. Por decisão proferida em 29.11.2017 foi indeferido o recurso, com fundamento na sua manifesta improcedência.
7. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Évora que proferiu acórdão a julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
8. Ainda irresignada, veio a ré interpor recurso de revista excecional, admitida pela Formação de Juízes, a que se alude no art. 672°, n°3, do CPC, atento o fundamento previsto na ai. a), do n°2, do art. 672°, do CPC, formulando as seguintes conclusões:
1. A citação das pessoas coletivas e sociedades, prevista na secção II do Capítulo II, do C.P.C, rege-se, coordenadamente, pelas Disposições consagradas para as pessoas singulares (subsecção II, art°s. 225.° a 245.°), pelas normas estatuídas diretamente (subsecção III, art. 246.°), e, ainda, pelas Disposições Comuns (subsecção I, art°s. 219.° a 224.°);
2. O n.° 1 do art. 246.° da Subsecção III determina, quanto à citação de pessoas coletivas (subsecção III), a aplicação da Subsecção II, em tudo o que nela "não estiver especialmente regulado";
3. A especial regulação está, expressamente, consignada no n.° 2 do art. 246.°, segundo o qual a carta de citação prevista no n.° 1 do art. 228.° (da subsecção II) é "endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas";
4. O Acórdão da Relação de Évora, de 12/07/18, na esteira da Decisão não rescisória, de 29/11/2017, da Ia Instância aplicou, em exclusivo, o n.º 2 do art. 246.° do CPC, considerado a citação judicial validamente efetuada, porque endereçada para a sede estatutária da co-recorrente, a BB, SA, aí rececionada e, aí, assinado o respectivo aviso de receção;
5. Nos termos do art. 223.° do C.P.C, das Disposições Comuns, as pessoas coletivas e as sociedades (entre outros sujeitos jurídicos e processuais) "são citadas ou notificadas na pessoa dos seus legais representantes..." (n.° 1 do citado artigo) e ainda,"... na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede onde funciona normalmente a administração" (n.° 3 do mesmo art. 223.°);
6. Nos termos do n.° 1 do art. 230.° {subsecção II) "a citação considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, "presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário", presunção igualmente ilidível nos termos do n.° 2 daquele art. 230.°;
7. O n.° 3 do art. 246.° do CPC, sobre o qual - a par do n.° 4 do mesmo - o Acórdão da Relação de Évora, na esteira da Ia Instância, se debruça, apesar de não ser aplicável ao caso sub-judice, conecta a recusa ou da assinatura do aviso de receção ou do recebimento da carta de citação, à autoria do "representante legal ou funcionário da citanda";
8. O aviso de receção relativo à citação da Soe. Serrasul, SA foi assinado em 03.05.2016 e a carta de citação que obedeceu ao determinado no n.° 2 do art. 246.° do C.P.C., foi, todavia, recebida por terceiro, que não era representante legal, nem empregado daquela, ao contrário do disposto nos n.°s 1 e 3 do art. 223.° do CPC (Disposições Comuns);
9. A (dita) citada Soc. BB, SA nunca teve empregados, conforme a conclusão 5a da Apelação Autónoma;
10. Esse terceiro - CC - não deu conhecimento à Soc. BB, SA da citação que recebeu, omitindo-a e silenciando-se, conforme o demonstrado nos autos {articulado 14 do indeferido Recurso Extraordinário de Revisão e alíneas F e G da Apelação Autónoma, interposta, em 20 de Dezembro de 2017, para a Veneranda Relação de Évora);
11. Estão demonstrados nos autos, tais omissão e silêncio, o que ilide o conhecimento pela Soc. BB, SA, da (dita) citação de 3.05.2016, de cuja ação, então movida, pela ora Recorrida, como A., a citanda Soc. BB, SA, tomou conhecimento apenas em 27 de Fevereiro de 2017, da sentença de preceito de 2 de Dezembro do anterior ano de 2016 (conclusão 7a da Apelação Autónoma);
12. Da ilisão demonstrada nos autos, resulta que a citanda não foi efetivamente citada, com as consequências legais (n.° 1, alínea e) do art. 188.° e n.° 1 art. 191.°, ambos do CPC) as quais importam a nulidade de tudo o que ocorreu posteriormente à petição inicial (alínea a) art. 187.°, igualmente do CPC);
13. Nomeadamente, são nulos, os factos articulados pela ora Recorrida, a Soc. AA, enquanto A. da ação de execução específica, os quais, estão indevidamente "dados por confessados" (conclusão 9a da Apelação Autónoma);
14. O Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 12/07/2018 não procedeu à aplicação, apesar de determinada pelo n.° 1 do art. 246.° do CPC, dos n°s. 1 e 3 do art. 223.° e do art. 230.°, ambos do CPC, cujos comandos, assim, violou;
15. A aplicação exclusiva do n.° 2 do art. 246.° do CPC tornaria desnecessária a imposição legal (n.° 1 deste mesmo artigo 246.°) da citação de pessoa coletiva ou da sociedade, mesmo que endereçada para a sede registada no ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, ter de ser rececionada e o correspondente aviso de receção serem do representante legal, empregado ou funcionário da citanda;
16. O endereçamento para a sede registada no ficheiro do Registo Nacional de Pessoas Coletivas é condição necessária, mas não é condição necessária e suficiente:
17. A questão sub-judice reveste-se de relevância jurídica, cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, o que constitui o requisito a) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C.;
18. A questão sub-judice reveste-se de particular relevância social, o que constitui o requisito previsto na alínea b) do n.° 1 do art. 672." do C.P.C.;
19. O Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 12 de Julho de 2018 está em oposição com o Acórdão da Veneranda Relação de Guimarães, de 1 de Fevereiro de 2018 - o Acórdão Fundamento -, o que preenche o requisito da alínea c) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C.;
20. Qualquer dos referidos requisitos é autónomo dos restantes, não sendo cumulativa a sua verificação, para fundamentar a presente Revista Excecional;
21. Não há Revista-Regra, dada a conformidade entre o Acórdão da Relação de Évora, de 12.07.2018 e a Decisão não rescisória da 1a Instância, de 29.11.2017;
22. Ao frustrar a aplicação coordenada do regime legal e processual, centrando-se, em exclusivo, no n.° 2 do art. 246.° do CPC, o Acórdão da Veneranda Relação de Évora violou o direito constitucional da tutela jurisdicional efetiva, o que se argui;
23. O direito constitucional da tutela jurisdicional efetiva está consagrado nos n.°s 1,°, 4.° e 5.° do art. 20.° da Constituição da República Portuguesa;
24. Sem a observância desta tutela, o processo judicial não é equitativo, em violação do art. 4.° do CPC.
Termos em que deve:
a) A presente Revista Excecional ser admitida, por verificação dos requisitos constantes das alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art. 672.° do CPC, e por ocorrer conformidade entre o Acórdão de 12 de Julho deste ano e a Decisão não rescisória da 1a Instância, de 29 de Novembro de 2017, que, indeferindo o Recurso Extraordinário de Revisão, determinou a Apelação Autónoma, de 20 de Dezembro de 2017;
b) Ser a presente Revista Excecional decidida favorável e procedente mente e, em conformidade, ser revogado o Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 12/07/2018, que considerou validamente efetuada a (dita) citação da Sociedade BB, SA, ocorrida em 03.05.2016;
c) Ser declarada e reconhecida a falta da referida citação nos termos do disposto no C.P.C. (n.° 1 do art. 188.°, alínea e));
d) Ser decidida nos termos do n.° 1 do art. 191.° do CPC, a nulidade da citação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, nomeadamente a não aplicação do regime coordenado da citação da Sociedade BB, SA, ao contrário do estatuído no n.° 1 do art. 246.° do CPC;
e) Serem, assim, considerados violados os n.°s 1 e 2 do art. 230.° e n.°s 1 e 3 do art. 223.°, ambos do CPC;
f) Ser considerado não observado o princípio fundamental consagrado no art. 4.° do CPC.
9. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se ocorre o invocado fundamento do recurso extraordinário de revisão interposto pela ré, ou seja se, tendo corrido a ação apensa à sua revelia, se verifica falta de citação.
11. Com relevância para a decisão da presente revista, as instâncias deram como provado, além do que já consta do precedente relatório, que:
- A citação da ré/ora recorrente foi efetuada através de carta registada com aviso de receçao, para a morada da sua sede, na Praceta …, 15, Io, … …;
- O aviso de receção junto a fis. 70 da ação principal, foi assinado por CC na data de 03.05.2016 e com a menção assinalada de que o aviso foi assinado «Por pessoa a quem for entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário».
- Previamente ao envio da carta de citação, em 29.04.2016, foi confirmada pela Secção junto do registo comercial a morada da sede da ré, constando da certidão permanente de fis. 65 a 69 da ação principal que a sede da ré é aquela onde foi recebida a carta de citação.
12. Da falta de citação
Como fundamento do recurso de revisão, a recorrente veio invocar a falta de citação para a ação declarativa, nos termos previstos no art.°. 696°, ai. e), do CPC.
No essencial, alegou que não tomou conhecimento do ato de citação, por a carta ter sido recebida por terceira pessoa, sem qualquer ligação à sociedade, e que não entregou à citanda a referida carta, nem lhe deu conhecimento do seu conteúdo.
O Tribunal a quo, porém, considerou que "para a efetivação da citação de pessoa coletiva não se mostra necessário que a pessoa que recebe a carta no local da sede seja representante legal ou funcionário da empresa", bastando o envio da carta registada com aviso de receção para a sede estatutária da sociedade.
Nesta conformidade, julgando inverificado o fundamento invocado pela recorrente, indeferiu liminarmente o requerimento, ao abrigo do disposto no art.°. 699°, n°l, do CPC.
Ora bem.
Relativamente à citação de pessoas coletivas, o CPC de 2013 instituiu a regra da sua citação na sede estatutária constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, cuja inscrição nesse ficheiro seja obrigatória - cf. n° 2 do art. 246°, do CPC e os arts. Io e ss. do DL n° 129/98, de 13/5.[1]
Enviada a carta registada com aviso de receção para a sede legal da pessoa coletiva pode suceder que a carta seja entregue a representante legal ou a um empregado, ou seja por estes recusada a assinatura do aviso de receção ou mesmo o recebimento da carta. Em qualquer destas situações, tem-se a citação (pessoal) por efetuada (cf. arts. 223°, n°3, do cpc}.2
Se, no entanto, a carta para citação da pessoa coletiva, ainda que enviada para a sua sede estatutária, for recebida por terceira pessoa, sem qualquer vínculo à sociedade, é de presumir, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que este teve conhecimento dos elementos que foram deixados ao terceiro (cf. arts. 225°, n°4, 228°, n°2, 3 e 4, 230°, n°l, ambos do CPC, aplicável ã citação das pessoas coletivas por força do disposto no art. 246a, n°l, do mesmo Código),
No caso dos autos, como fundamento da revisão da sentença proferida na ação principal, a recorrente (sociedade anónima, e, como tal, sujeita a inscrição no rnpc) veio precisamente alegar factos tendentes a demonstrar que, não obstante a carta ter sido enviada para a sua sede legal, sem culpa sua. não tomou conhecimento do ato de citação, dado que a pessoa que assinou o aviso de receção não lhe entregou a carta, nem lhe transmitiu o seu conteúdo. Mais alegou que a pessoa em causa não era representante legal da sociedade nem seu empregado.
Neste contexto, constituindo a citação pressuposto necessário do exercício do direito de defesa que a garantia constitucional de acesso à justiça postula, a ilidibilidade da presunção estabelecida, nos termos já referidos, não pode deixar de ser assegurada.
Reconhece-se, assim, não haver motivos para indeferir liminarmente o requerimento apresentado pela recorrente, devendo, por conseguinte, o recurso de revisão ser admitido e seguir a sua normal tramitação, designadamente com a realização das diligências consideradas indispensáveis, como se prevê no art. 700°, n°l, do CPC.
13. Em face do exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida que será substituída por outra que admita o recurso.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 28-03-2019
Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)
José Sousa Lameira
Hélder Almeida
1 Ao contrário do que sucedia no regime instituído pela Reforma do Processo Civil de 1995/96, que introduziu a sede de facto (local onde funciona normalmente a administração) como local onde podia ser efetuada a citação da pessoa coletiva, em
alternativa à citação na sede estatutária, com o CPC de 2013 cessa a alternativa e regressa-se à citação na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
2 Cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, Almedina, 3a edição, pág. 422-423 e 479-480.
_________
Revista n° 3073/16.0T8STB-A.E1
Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Adjuntas: Juiz Conselheiro José Sousa Lameira
Juiz Conselheiro Hélder Almeida