CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário

No caso em apreço, relativo à prática de crime de condução em estado de embriaguez por agente já anteriormente condenado pela prática desse crime, a pena mais adequada às exigências da prevenção especial e da prevenção geral é a de prestação de trabalho a favor da comunidade, acrescida da imposição de regras de conduta.

Texto Integral

Processo nº 155/18.8PCVCD.P1
Data do acórdão: 11 de Abril de 2019

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto | Juízo Local Criminal de Vila do Conde

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;

I - RELATÓRIO
1. Em 9 de Novembro de 2018 foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
" Por tudo o exposto, julgo a acusação procedente, por provada e em consequência:
- Condeno o arguido B..., como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, n°1 em conjugação com o art. 69°, n°1, al.a), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
- Condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 2 (dois) anos.
- Vai ainda o arguido condenado a pagar as custas e encargos criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, já reduzida por efeito da confissão livre, integral e sem reservas, (…)
(…)"
2. Inconformado com os termos da sua condenação, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
"O arguido foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.e p. pelo art. 292.° n.° 1 em conjugação com o art. 69.°, n.° 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão efectiva.
Apenas tendo em conta os antecedentes criminais do arguido foi afastada sem mais a aplicação de penas de substituição, como a substituição por trabalho a favor da comunidade.
Que no entanto esta foi expressamente aceite pelo arguido em sede de julgamento e aquando da elaboração do relatório social.
As penas têm um papel pedagógico e ressocializador do arguido, que dificilmente se coaduna com a pena de prisão e para o qual é fundamental a criação de uma panóplia de medidas não institucionais, sendo o caso das penas de substituição.
O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena.
O relatório social que foi pedido, foi-o tendo como requisito que fossem efectuadas as diligências necessárias à eventual aplicação de prisão domiciliária.
Poderia e devia o Tribunal "a quo", salvo melhor entendimento, ter condenado o arguido na mesma pena de prisão, de 8 meses, mas substituída por trabalho a favor da comunidade.
Pelo que violou o Tribunal "a quo" o disposto nos art. 58.° e 70.° do Código Penal.
Sem prescindir, foi afastada qualquer tipo de pena de substituição, com base apenas nos antecedentes criminais do arguido, tendo o Tribunal "a quo" decidido que o arguido cumprisse pena de prisão efectiva, entendendo "não ser de ponderar a eventual execução da pena de prisão ora fixada em regime de permanência na habitação, desde logo porque o arguido não demonstrou interesse".
Não tendo nunca sido pedido o seu consentimento sobre esta eventual substituição.
O arguido apresenta condições habitacionais para aplicação da PPH e de enquadramento familiar coeso e apoio consentido.
Sendo o único entrave para a aplicação desta medida o trabalho do arguido como pescador na pesca internacional.
Foi pedido e prestado o consentimento das pessoas com quem convive, a sua filha e companheiro desta, para aplicação desta medida.
Mas o arguido ao ser condenado a prisão efectiva, irá cumpri-la em território nacional, deixando de trabalhar os referidos 8 meses.
O que também aconteceria se o arguido tivesse que cumprir a pena em prisão domiciliária.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
O cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do art.° 44.°, n.° 1, a), CP, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se se verificar que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessários
A morada onde o arguido iria cumprir a pena é Rua ..., n.° .., R/C Esq, Fracção ., em ..., Póvoa de Varzim. E foi prestado consentimento pelas pessoas que coabitam com o arguido.
As penas têm um papel pedagógico e ressocializador do arguido, que dificilmente se coaduna com a pena de prisão e para o qual é fundamental a criação de uma panóplia de medidas não institucionais.
Ao arguido deveria ter sido condenado a pena de prisão por oito meses a ser cumprida em regime de permanência na habitação, sujeitando-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada.
Pelo que deixando de aplicar ao arguido a possibilidade de execução da pena a que foi condenado em regime de permanência na habitação violou o Tribunal a quo os art. 42.°, 43.° e 70.° do Código Penal.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
Ser o arguido condenado à pena de prisão de 8 meses, a ser substituída por trabalho a favor da comunidade em igual medida,
ou subsidiariamente;
Ser o arguido condenado à pena de prisão de 8 meses, a ser cumprida em regime de permanência na habitação, com sujeição a tratamento médico ou cura em instituição adequada. (…)"

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo, imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, concluindo o seguinte:
"O Tribunal a quo decidiu aplicar ao arguido a pena de prisão, a título de pena principal, o que fez atendendo ao facto de o arguido, à data da prática dos factos, já haver sido julgado e condenado por 5 vezes pelo mesmíssimo tipo de crime e ainda outras 2 por crimes relacionados (como é o caso da desobediência em se sujeitar à fiscalização de álcool e violação de proibições ou interdições).
Atenta esta circunstância, deve a escolha incidir, como incidiu, concretamente sob a pena de prisão pois que nos parece claro que a pena não detentiva não lograria, neste caso, atingir as finalidades primordiais.
Quanto à eventual substituição desta pena por pena de trabalho, entendemos ser frontalmente de rejeitar a substituição da pena de prisão aplicada pela razão de o arguido já ter sido anteriormente sancionado (por diversas vezes) pela prática do mesmo ilícito penal, sendo manifesto que tal reprovação e punição não foram suficientes para o advertir e sensibilizar para a adopção de uma conduta conforme à ordem jurídica, como bem o demonstram os factos ora em apreço.
Efectivamente, entendemos que já não é possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à capacidade de o arguido ser sensibilizado por outra pena que não seja a efectiva execução de uma pena de prisão.
Importa frisar que o arguido se encontrou em período probatório de uma pena de prisão suspensa na sua execução até Maio de 2017, tendo voltado a praticar o mesmo tipo de crime logo 20 de Outubro de 2018, ou seja, pouco depois de decorrido um ano.
Por outro lado, expressiva é também a atitude perfeitamente displicente do arguido, revelando uma notória incapacidade de interiorização da censurabilidade da conduta adoptada, em especial quando vistas as anteriores condenações por si sofridas - facto que foi também percepcionado pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, quando concluiu que o arguido "adopta uma atitude de minimização das suas consequências, relativizando-as e desvalorizando-as.
O mesmo se diga quanto à requerida execução da pena na habitação, já que o art. 44º, nº1 do Código Penal determina que pode ser executada em regime de permanência na habitação a pena de prisão aplicada não superior a um ano, sempre que o Tribunal conclua que esta forma satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, também aqui valem as considerações que tecemos quanto às prementes necessidades de prevenção especial que o caso faz sentir. A estas associam-se ainda as crescentes necessidades de prevenção geral, já que os números da sinistralidade rodoviária têm voltado a crescer, situando-se em índices incomportáveis, traduzindo-se numa autêntica guerra civil que não poupa ninguém e à qual o Estado tem o dever máximo de responder de forma firme e segura.
Deste modo, impõe-se concluir que não foram violadas quaisquer normas ou princípios e o Tribunal julgou convenientemente a matéria de facto, tendo ainda aplicado bem o Direito aos factos, devendo, em conformidade manter-se a sentença proferida.
(…)"

5. Nesta instância, o Ministério Público[1] emitiu parecer, reproduzindo-se, a seguir, as passagens mais relevantes:
"O arguido tem antecedentes criminais pelo mesmo crime, com várias condenações em pena de multa e de prisão suspensas.
A sentença na medida da pena teve em conta esses antecedentes criminais como é de lei, previsto nos termos dos artigos 50.° 70.°, 71.° n.° 2 al, e) CP, estando esta bem doseada, proporcionada e fundamentada.
Porém, temos algumas dívidas que o arguido não possa beneficiar por razões também de prevenção especial que a pena de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação, parecendo também adequado.
TERMOS EM QUE,
Entendemos que o recurso pode proceder parcialmente. (…)"

6. Não foi apresentada resposta.
7. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].

Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetiza as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
- erros em matéria de direito, que resultaram na aplicação de prisão efetiva:
a. em vez da pena ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade;
ou, subsidiariamente,
b. a pena ser cumprida em regime de permanência na habitação, com sujeição a tratamento médico ou cura em instituição adequada;
*
Para decidir as questões controvertidas, importará, primeiramente, concretizar o facto jurídico-processual relevante – a decisão da matéria de facto e a fundamentação da pena aplicada –.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Fundamentação da sentença recorrida:
«Instruída e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de Outubro de 2018, pelas 1 horas e 50 minutos, na Avenida ...l, na Póvoa de Varzim, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PT. 
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar aludidas em 1), o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,024g/l, correspondente à TAS de 2,20 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.
3. O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, ao conduzir o veículo ligeiro de passageiros identificado nos autos depois de ingerir bebidas alcoólicas, bem sabendo que estas lhe poderiam determinar, como determinaram, uma taxa de álcool no sangue de 2,024g/l, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
4. Em audiência de julgamento o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados.
5. Extrai-se do relatório social do arguido o seguinte:
«1 - Dados Relevantes do Processo de Socialização
B... pertence a um grupo de 12 irmãos, tendo o seu processo de socialização decorrido no meio sociocultural piscatório de Vila do Conde, inserido na família de origem, grupo com uma dinâmica interna referida como equilibrada.
Habilitado com o 4° ano de escolaridade, o arguido iniciou o seu trajeto laboral aos 14 anos, como pescador, atividade que manteve ao longo dos anos, com registo de mobilidade entre entidades patronais, na procura de obter melhor remuneração, tendo outrora trabalhado na pesca do bacalhau e em Espanha.
Casou com 18 anos, tendo desta união uma descendente, atualmente com 29 anos. Após cerca de vinte anos de casamento, cujo equilíbrio foi perturbado pelos consumos abusivos de álcool por parte do arguido e da conflitualidade que tal comportamento terá provocado na dinâmica familiar, a relação terminou há alguns anos, por iniciativa da mulher, tendo esta integrado o agregado da filha do casal, entretanto autonomizada. 
Tendo o imóvel correspondente à morada de família sido colocado à venda, o arguido regressou a casa dos seus pais, passando a viver com três dos seus irmãos, igualmente pescadores, dispondo de espaço de habitação individualizado, mas posteriormente transacionado.
B... refere ter revelado dificuldades de adaptação à separação conjugal, formalizada pelo divórcio em 2012, tendo reagido com consternação e descontrolo, acentuando os consumos de álcool já anteriormente abusivos. (...)
B... foi acompanhado por esta Equipa da DGRSP, na sequência da pena suspensa aplicada no processo 17/12.2PAVCD, do extinto 1° Juízo Criminal do Tribunal, de Vila do Conde. Neste processo, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. Durante aquele período, o arguido cometeu dois crimes pelos quais foi condenado; nesta sequência e por decisão de 11/06/2014 foi decretada a prorrogação do período da suspensão por mais um ano, com a condição de se submeter a consulta e acompanhamento médico e a controle periódico da sua alegada abstinência alcoólica, com acompanhamento por esta Equipa da DGRSP. Durante este período manteve a actividade de marítimo, passando temporadas em várias localidades a pescar, nomeadamente no Algarve, nos Açores e na Madeira, permanecendo pouco tempo em terra.
Tal pena já se encontra extinta, por cumprimento.
A família reconheceu, na altura, que o arguido moderou o consumo etílico, porém registava dificuldade em manter-se efetivamente abstinente, como o próprio assumia, nomeadamente em convívios e épocas festivas.
Porém, B... viria a ser novamente condenado, no âmbito do Proc. n°240/15.8PCVCD (...). Durante o período de acompanhamento, B... manteve um comportamento adequado ao nível socioprofissional, moderou o consumo de álcool, registou até períodos de abstinência, compareceu na Unidade de Alcoologia para algumas consultas, frequentou o curso de "Condução de Veículo Automóvel em Estado de Embriaguez"- CVEE- Estratégias de Prevenção da Reincidência, da responsabilidade da DGRSP, nos dias 23 e 30 de Setembro de 2016, no Porto, porém sempre desvalorizou a sua problemática etílica, posicionamento que mantém, na actualidade.
O arguido pescava, durante a semana, na costa portuguesa, porém, a partir de Abril/Maio de 2017, deslocou-se para a pesca internacional (França, Escócia, Inglaterra), dada a remuneração ser compensadora, onde permanece, permanecendo ausente temporadas de dois ou três meses.
B... partiu para França no dia 25 do corrente mês, para a pesca internacional, no barco "C...", pertencente à empresa "D...", com sede em França, tendo apontado como data de regresso o dia 22 de Dezembro do corrente ano, com perspetiva de voltar a partir para o estrangeiro, no dia 5 de Janeiro de 2019, pelo que, na eventualidade da aplicação de PPH com recurso a vigilância eletrónica, não será possível a sua monitorização através daqueles meios, dado a mesma só ser possível em território nacional e nos períodos em que permaneça na habitação. (...) 
Conclui o relatório que:
Dispõe atualmente de algum apoio familiar, mas regista ausência de atividades de lazer estruturadas e incerta situação económica, apesar de laboralmente ativo.
Face ao tipo legal de crime pelo qual está acusado, o arguido adota uma atitude de minimização das suas consequências, relativizando-as e desvalorizando-as.
Em caso de condenação, será de realçar a falta de ressonância face aos anteriores confrontos judiciais, bem como a ausência de efeito ressocializador das penas aplicadas, pelo que consideramos, assim, que o arguido para inverter aquele que tem sido o seu percurso vivencial, necessita efetuar/retomar o tratamento à sua problemática etílica e interiorizar efetivamente o desvalor da sua conduta.
Apresenta condições habitacionais para aplicação da PPH e de enquadramento familiar coeso e apoio consentido. Porém, se o arguido continuar a desenvolver a atividade laboral, como pescador, na pesca internacional, como pretende, não existirá viabilidade para a execução da PPH, dada as ações de controlo e monitorização por vigilância eletrónica se restringirem ao território nacional apenas aos períodos de efetiva permanência na habitação.»
6. O arguido sofreu as seguintes condenações:


[4]
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados.
*
MOTIVAÇÃO
(…)
ESCOLHA E DETERMINAÇÃO E MEDIDA DA PENA
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal do arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e afixação da sua medida concreta.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (art.292° n°1 do Código Penal) ao que acresce ainda a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses a 3 anos (art. 69°, n° 1, al. a) do Código Penal).
Prevê, pois, o crime em análise, a aplicação, em alternativa, de pena de prisão ou de pena de multa.
(…)
No caso vertente, o arguido praticou um ilícito criminal que atenta, directamente contra a segurança rodoviária e que visa proteger bens jurídicos pessoais, como a integridade física ou a vida. Importa, pois, a bem da segurança desses outros bens jurídicos, e através da aplicação da pena reafirmar a validade da norma violada, preservar a segurança rodoviária, e desincentivar a generalidade dos cidadãos da prática de actos de índole semelhante, sendo muito elevadas as exigências de prevenção geral.
Por outro lado, as exigências de prevenção especial também se mostram muito elevadas, pois o arguido já foi condenado por quatro vezes por este tipo de ilícito (bem como uma vez por desobediência por se recusar a submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue), sendo 3 dessas condenações em penas de prisão ora substituída por multa ora suspensa na execução e a última suspensa na execução mas com regime de prova apenas foi declarada cumprida em Fevereiro de 2017.
Assim, entendemos ser de aplicar uma pena de prisão ao arguido em detrimento da pena de multa, relativamente ao crime por si praticado, pois que, entendemos que esta última se mostra insuficiente para as exigências de prevenção e reprovação do crime cometido.
Ponderando agora em sede de determinação da medida da pena, cujos critérios se encontram plasmados no art. 71° do Código Penal, dir-se-á desde logo que a fixação do quantum da pena deverá ser estabelecido em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Na determinação da medida concreta da pena, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, preceitua o n°2 do art.71 citado que haverá que atender a todas as circunstâncias que possam abonar em favor do arguido, ou pelo contrário, que imponham uma mais severa censura dos seus actos. 
Assim, ponderando a intensidade do dolo, pois o arguido agiu com dolo directo, o grau elevado de ilicitude do facto atentas as características do veículo que conduzia, o facto de o arguido já ter vários antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, e tendo ainda presente a concreta taxa de álcool (bastante elevada) circunstâncias que depõem contra o arguido; a seu favor apenas há a considerar a confissão integral e sem reservas dos factos.
Tudo ponderado julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 8 (oito) meses de prisão pelo crime praticado; pena essa que se entende, face aos múltiplos antecedentes criminais do arguido não poder já ser substituída quer por multa, trabalho a favor da comunidade.
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE
Em conformidade com o disposto no n.° 1 do art. 50° do Código Penal, "O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superiora cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como justamente se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/1997 (Proc. nº 293/96) factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena éa capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir.
Tendo sempre presente o que acaba de se referir, considerando as anteriores condenações, num total de 6, 5 delas também por crimes rodoviários, a última já em penas de prisão suspensa na sua execução com regime de prova;
Considerando ainda que resulta do relatório social que o arguido continua, ainda hoje, a adoptar face ao tipo legal de crime de que vem acusado uma atitude de minimização das suas consequências, relativizando-as e desvalorizando-as; o que denota uma total «falta de ressonância face aos anteriores confrontos judiciais, bem como a ausência de efeito ressocializador das penas aplicadas»;
Entendemos não ser possível fazer qualquer juízo de prognose favorável, figurando-se-nos que a única forma de o arguido inverter aquele que tem sido o seu percurso vivencial, e interiorizar definitivamente o desvalor da sua conduta, será o cumprimento da prisão efectiva pelo tempo estabelecido.
Igualmente entende-se não ser de ponderar a eventual execução da pena de prisão ora fixada em regime de permanência na habitação, desde logo porque o arguido nisso não demonstrou interesse, mas também e, fundamentalmente, por se entender que só a pena de prisão efectiva poderá já ter o pretendido efeito dissuasor sobre o arguido e fazê-lo, de uma. vez por todas, entender o desvalor da sua conduta.
Quanto à pena acessória de inibição de conduzir (…)

B – De jure:
Dos alegados erros em matéria de direito:
§ 1 A tese do recorrente
O recorrente motiva o seu recurso em alegado erro jurídico contido na fundamentação e escolha da pena corporizada na sentença recorrida, ao não substituir a pena de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Para tanto, recorda que tal solução foi afastada pelo tribunal recorrido, "Apenas tendo em conta os antecedentes criminais do arguido (…). Que no entanto esta foi expressamente aceite pelo arguido em sede de julgamento e aquando da elaboração do relatório social. (…) Poderia e devia o Tribunal "a quo", salvo melhor entendimento, ter condenado o arguido na mesma pena de prisão, de 8 meses, mas substituída por trabalho a favor da comunidade. Pelo que violou o Tribunal "a quo" o disposto nos art. 58.° e 70.° do Código Penal. (…)"
§ 2 As teses do Ministério Público
Em resposta, na primeira instância, o Ministério Público entendeu "ser frontalmente de rejeitar a substituição da pena de prisão aplicada pela razão de o arguido já ter sido anteriormente sancionado (por diversas vezes) pela prática do mesmo ilícito penal, sendo manifesto que tal reprovação e punição não foram suficientes para o advertir e sensibilizar para a adopção de uma conduta conforme à ordem jurídica, como bem o demonstram os factos ora em apreço. Efectivamente, entendemos que já não é possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à capacidade de o arguido ser sensibilizado por outra pena que não seja a efectiva execução de uma pena de prisão."
Por seu turno, o Ministério Público junto deste Tribunal divergiu daquele entendimento e admitiu como sanção adequada para o crime que a pena de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação (…)".
§ 3 A solução plasmada na sentença recorrida
A sentença recorrida optou por aplicar pena de prisão efetiva com base no seguinte fundamento: "(…) julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 8 (oito) meses de prisão pelo crime praticado; pena essa que se entende, face aos múltiplos antecedentes criminais do arguido não poder já ser substituída quer por multa, trabalho a favor da comunidade. (…)"
Cumpre apreciar e decidir.
§ 4 Apreciando e decidindo
De jure
A pretensão recursória principal do arguido visa a substituição da pena de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Para tanto, importa considerar o estatuído no artigo 58°, n.° 1, do Código Penal: "(…) se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
Recorda-se, a propósito, que a sentença recorrida excluiu tal possibilidade legal, por entender que as exigências de prevenção especial a isso se opunham, tendo em conta os quatro antecedentes criminais por crime idêntico.
Mostrando-se preenchido o requisito formal (ter sido aplicada pena de prisão não superior a dois anos), importa aferir a questão controvertida vertida no objeto do recurso que é a de avaliar se o caso concreto preenche o pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Para tanto, deve ser avaliado se esta se revela adequada e suficiente à realização das finalidades da punição e se, no caso, facilita - e, no limite, alcança - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.
Embora se compreenda a análise e conclusão do tribunal recorrido nessa matéria, uma vez que a diversidade de condenações precedentes por crime idêntico suscita evidentes e necessárias preocupações de prevenção especial – que também não foram negadas pelo próprio recorrente e foram também reconhecidas pelo Ministério Público -, não se pode sufragar a decisão recorrida.
Para tanto, interessa recordar as datas das sentenças e as penas concretas aplicadas nos aludidos antecedentes:
- o primeiro antecedente por crime idêntico resulta de sentença datada de 31 de Dezembro de 2008, tendo a pena principal aplicada sido de multa;
- o segundo antecedente por crime idêntico resulta de sentença datada de 16 de Maio de 2011, tendo a pena principal aplicada sido de três meses de prisão substituída por 90 dias de multa;
- o terceiro antecedente por crime idêntico resulta de sentença datada de 26 de Janeiro de 2012, tendo a pena principal aplicada sido de oito meses de prisão suspensa na sua execução;
- o último antecedente por crime idêntico resulta de sentença datada de 5 de Janeiro de 2016, tendo a pena principal aplicada sido de dez meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova;
Tais antecedentes não deixam de revelar um padrão preocupante, suscitando fortes preocupações de prevenção especial, acentuadas pelas características de personalidade do arguido, bem evidenciadas no relatório social e vertidas nos factos provados – o arguido desvaloriza e relativiza a gravidade do crime cometido, apesar das condenações penais já sofridas e do regime de prova a que se sujeitou -.
Porém, tendo em conta os hiatos temporais decorridos entre as diversas condenações e a circunstância do arguido nunca ter experienciado, em termos efetivos, outra pena que não seja a de multa (as penas de prisão foram sempre substituídas por multa ou suspensas na sua execução, não tendo representado verdadeiro "sacrifício pessoal" para o condenado), conclui-se que a sujeição do arguido a uma pena de prisão efetiva, embora adequada a sensibilizá-lo para a gravidade do crime cometido, será excessiva, uma vez que a substituição da pena de oito meses de prisão aplicada por trabalho a favor da comunidade traduzir-se-á num "sacrifício pessoal" incontornável e suficientemente penoso para recordar ao arguido a gravidade do crime cometido.
Entende-se, pois, que a substituição da pena de prisão aplicada pela prestação de trabalho a favor da comunidade constituirá o melhor modo de corresponder às exigências de prevenção geral e especial que o caso comporta, permitindo, ainda, não fragilizar os laços de integração social, familiar e profissional do arguido.
No entanto, voltando a ter presentes as elevadas preocupações de prevenção especial do arguido, tal substituição não poderá constituir a única pena principal, mostrando-se necessário ter presente a solução legal prevista no artigo 58º, nº 6, do Código Penal, "O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos números 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade."
Tendo em conta a natureza do crime cometido, as preocupações de prevenção da reincidência criminal e a situação pessoal do arguido, além da substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, o arguido terá de:
a) frequentar e concluir uma formação ministrada pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (P.R.P.)[5], a indicar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (D.G.R.S.P.) e custeada pelo arguido, visando a sua reabilitação, devendo o condenado juntar ao processo, até terminar o cumprimento integral da prestação de trabalho a favor da comunidade, o Relatório Individual Fundamentado respeitante à sua formação;
b) realizar consultas de alcoologia com o médico de família para despiste e tratamento de alcoolismo, em datas que serão indicadas ao arguido pela D.G.R.S.P.; e
c) realizar as entrevistas com o técnico da D.G.R.S.P. e prestar a este os esclarecimentos que este entenda necessários no decurso do cumprimento da pena;
Os deveres acima concretizados, fixados ao abrigo do disposto nos artigos 52º, nº1, alínea b) e c) e 58º, nº 6, ambos do Código Penal, destinam-se a promover a reabilitação do arguido e a mudar o seu comportamento estradal, deixando de conduzir sob a influencia de álcool. Tais deveres consideram-se adequados e proporcionais em relação ao fim preventivo da pena, à gravidade do ilícito, à culpa do arguido e à preocupação e necessidade de manter, nos moldes possíveis, a sua integração social, familiar e profissional.
Assim sendo, operando o critério legal estabelecido no artigo 58º, nº 3, do Código Penal, substitui-se a pena única de 8 (oito) meses de prisão por 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade (ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal da primeira instância considere de interesse para a comunidade), sujeitando-se o arguido, ainda, ao cumprimento dos deveres acima concretizados[6].
Das custas:
Sendo o recurso do arguido julgado procedente, não há lugar ao pagamento de quaisquer custas, conforme resulta do disposto no artigos 513°, 1, "a contrario sensu", do Código de Processo Penal.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade, julgar provido o recurso do arguido B... e, em consequência, substituem a pena aplicada de 8 (oito) meses de prisão por 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade (ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal da primeira instância considere de interesse para a comunidade, a fixar após o trânsito em julgado deste acórdão), sujeitando o arguido, ainda, ao cumprimento dos seguintes deveres:
a. frequentar e concluir uma formação ministrada pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (P.R.P.), a indicar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (D.G.R.S.P.) e custeada pelo arguido, visando a sua reabilitação, devendo o condenado juntar ao processo, até terminar o cumprimento integral da prestação de trabalho a favor da comunidade, o Relatório Individual Fundamentado respeitante à sua formação;
b. realizar consultas de alcoologia com o médico de família para despiste e tratamento de alcoolismo, em datas que serão indicadas ao arguido pela D.G.R.S.P.;
c. realizar as entrevistas com o técnico da D.G.R.S.P. e prestar a este os esclarecimentos que este entenda necessários no decurso do cumprimento da pena;
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, 11 de Abril de 2019
Jorge M. Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. E....
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[4] Corrige-se o lapso manifesto de escrita da data da prolação da última condenação do arguido, uma vez que resulta do boletim do C.R.C. constante a folhas 37, que a mesma é de 5 de Janeiro de 2016 (e não de 30 de Maio de 2017), tendo transitado em julgado em 4 de Fevereiro de 2016 (conforme bem assinalado no quadro plasmado na sentença).
[5] "A formação visa a prevenção da reincidência através da alteração de atitudes e comportamentos, uma vez que os estudos indicam que não é por desconhecimento da legislação que os condutores cometem infrações. São focadas na auto-reflexão baseadas mais em dinâmicas de grupo do que na transmissão de conhecimento embora complementarmente sejam transmitidos os conhecimentos considerados necessários para fomentar ou contribuir para a alteração de comportamentos.
As ações de formação são ministradas por especialistas no comportamento, psicólogos, com fortes conhecimentos de segurança rodoviária e iniciam-se com uma entrevista de avaliação inicial e estabelecimento de um protocolo de intervenção. No final da intervenção será feito um Relatório Individual Fundamentado fazendo referência aos objetivos, assiduidade, participação, aproveitamento do arguido, bem como, indicação da aptidão enquanto condutor e se existe alguma preocupação pelo cumprimento das regras em contexto rodoviário.
(Fonte: http://prp.pt/formacao/infracoes/ e http://prp.pt/formacao/infracoes/crime/intervencoes-individuais/)
[6] Em caso de incumprimento da pena de substituição e dos deveres associados a esta, o arguido poderá ver revertida a substituição da pena de prisão (vide, a propósito, o acórdão do T.R.E., de 10 de Julho de 2013, publicado na base de dados pública de jurisprudência nacional).