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REGIME DE PERDA ALARGADA OU AMPLIADA DE BENS
CRIMES DO CATÁLOGO
PATRIMÓNIO INCONGRUENTE
PRESUNÇÃO
ARRESTO
Sumário
I - O legislador português – Lei 5/2002, de 11 de Janeiro - criou um regime de perda ampliada ou alargada de bens, não se tratando, em bom rigor de uma perda de bens como a prevista no Código Penal (artigos 109º a 112°) pois que, do que na realidade se trata, é da perda de um valor: o valor correspondente à diferença entre o valor do património total do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. II - É esse valor do património incongruente que se presume constituir vantagem de actividade criminosa e que, em caso de condenação pela prática de algum ou alguns dos crimes catalogados no artigo 1º daquele diploma legal, será declarado perdido a favor do Estado. III - Na referida Lei nº 5/2002, o legislador assumiu a preocupação de garantir a efetividade das decisões de perda, e nesse sentido, introduziu um regime especial de arresto, prevendo ainda a possibilidade de, no âmbito do regime prescrito nessa mesma Lei, se aplicar a medida cautelar referida no artigo 10º, com a única e exclusiva finalidade de garantir a futura decisão de perda, independentemente de os bens arrestados possuírem algum relevo probatório. IV - O artigo 1º da Lei n.º 5/2002 estabelece um “catálogo” de crimes que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes. Daí a instituição de mecanismos especiais que visam facilitar a investigação e a recolha de prova e de um mecanismo sancionatório, repressivo, que garanta a perda das vantagens obtidas com a atividade criminosa, tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através dessa atividade. V - O TC (Ac 294/2008, de 01.07.2008), referindo-se à investigação dos crimes de catálogo mencionados no referido artigo 1º entendeu que os bens do arguido podem ser arrestados, não com a finalidade de garantia patrimonial do pagamento da pena pecuniária, de custas do processo ou de qualquer outra dívida relacionada com o crime (como prevê o artigo 228° do Código de Processo Penal), mas como garantia do pagamento do valor que se presuma constituir uma vantagem da actividade criminosa. VI - O regime da perda alargada está focado no trabalho de identificação do valor da incongruência, que opera por referência à totalidade do património, por um lado, e ao rendimento lícito, por outro.
Texto Integral
Proc. nº 2808/13.8TAVNG-E.P1
Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia (J2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia (J2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo nº 2808/13.8TAVNG-E, em 11.11.2018, o Sr. Juiz de Instrução proferiu o seguinte despacho (fls. 369):
“I- B…, C…, Lda., D…, Lda., E…, Lda., F…, Unipessoal, Lda, e G…, Lda. vieram deduzir oposição ao decretamento do arresto preventivo deduzido pelo Ministério Público.
Alegaram, em síntese, que:
- o arresto decretado é manifestamente ilegal quanto a alguns dos bens arrestados dos oponentes por violação do disposto nas als. a), b) e c), do n.º 2 do artigo 7º, da Lei 5/2002, de 11.01;
- a inexistência do fundado receio da perda de garantia patrimonial sobre os bens imóveis arrestados ids. a fls. 2163-2172 dos autos.
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O. M. P. pronunciou-se pugnando pela improcedência da oposição.
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II- Cumpre apreciar e decidir.
O M.P. veio requerer o arresto preventivo a fim de garantir o pagamento ao Estado do montante cujo perdimento requereu na sua acusação.
O arresto preventivo foi decretado ao abrigo do disposto no artigo 110º, n.º 1, al. b), na redacção dada pela Lei 30/2017, de 30.05 (note-se que pese embora no despacho se refira o artigo 111º, n.º 2, na redacção introduzida pela 32/2010, de 02.09, tal dispositivo encontra-se actualmente plasmado no artigo 110º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma legal) e do artigo 10º da Lei 5/2002, de 11.01 por referência ao artigo 7º do mesmo diploma legal e do artigo 228º do CPP.
No caso dos autos, os oponentes admitiram que todos os bens arrestados são de sua pertença.
Assim, não havendo controvérsia quanto à propriedade dos bens arrestados e tendo o arresto sido requerido para garantir o pagamento das vantagens dos crimes imputados aos arguidos na acusação, os pressupostos previstos na citada Lei 5/2002, de 11.01 (v.g. os requisitos previstos no artigo 7º quanto ao conceito de património) apenas são relevantes e atendíveis para a apreciação da efectiva perda alargada dos bens a favor do Estado (e não para a apreciação do arresto preventivo) quando essa perda é declarada no âmbito desse diploma legal.
No que se refere ao justo receio de perder a garantia patrimonial sobre os bens imóveis arrestados ids. a fls. 2163-2172 dos autos, conforme já decorre da decisão que decretou o arresto, nos termos do artigo 10º, n.º 3 da Lei 5/2002, de 11.01 “o arresto é decretado (…) independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227º do Código de Processo Penal (actual 228º, n.º 1), se existirem fortes indícios da prática do crime”.
Daqui resulta que o arresto é decretado independentemente da verificação dos pressupostos que a lei civil estabelece, lei para a qual o citado artigo 228º expressamente remete. Ou seja, o arresto é decretamento independentemente do justo receio de perda da garantia patrimonial.
Assim, temos que concluir que terá que se manter o arresto nos precisos termos já ordenados nos presentes autos.
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III- Em face do exposto, julgo improcedente a oposição e, consequentemente, mantenho, nos seus precisos termos, o arresto preventivo decretado.
Custas pelos oponentes.
Notifique.”
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Inconformados, os arguidos B…, C…, LDA., D…, LDA., E…, LDA., F…, UNIPESSOAL, LDA., e G…, LDA. interpuseram recurso deste despacho, terminando a sua motivação com as conclusões seguintes (transcrição):
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O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito devolutivo (despacho de fls. 385).
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Em resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso. Formulou as seguintes conclusões:
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Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, manifestando a total concordância com a resposta do Ministério Público junto do Tribunal a quo, emitiu parecer no sentido de que “o recurso não merece provimento”.
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Foi cumprido do dispostos no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo sido apresentado resposta pelos recorrentes em que pugnam, pelo provimento do recurso interposto.
Efetuando exame preliminar e colhidos os vistos legais, forma os autos submetidos á conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelos recorrentes, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).
Assim, face às conclusões apresentadas pelos recorrentes a questão que importa decidir radica em saber se, no âmbito da perda ampliada prevista na lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, um bem que está na titularidade do arguido há mais de cinco anos contados da respectiva constituição como arguido, poderá ou não ser arrestado.
Passemos a analisar esta questão.
O arresto preventivo foi decretado ao abrigo do disposto nos artigos 228º, nº 1 do Código Penal, 10º, por referência aos artigos 7º, nº 1 e 1º, nº 1, f) e h), todos da Lei 5/2002, de 11.01 e artigos 3º e 4º, nº 5 do Lei 45/2011, de 24.06.
Deduzida oposição ao arresto preventivo, o mesmo foi mantido nos precisos termos ordenados nos autos.
Vejamos.
O legislador português criou um forte regime de perda ampliada ou alargada (arts. 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro).
Como se refere no Acórdão desta Relação, de 11 de Junho de 2014, proferido no processo 1653/12.2JAPRT-A.Pl, relatado por Neto de Moura, disponível em www.dgsi.pt, “Em bom rigor, não se trata de uma perda de bens como a prevista no Código Penal (artigos 109.º a 112.º). Apesar de ser essa a denominação utilizada na Lei n.º 5/2002, do que se trata é da perda de um valor: o valor correspondente à diferença entre o valor do património total do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. É esse valor do património incongruente que se presume constituir vantagem de actividade criminosa e que, em caso de condenação pela prática de algum ou alguns dos crimes catalogados no artigo 1.º daquele diploma legal, será declarado perdido a favor do Estado”.
Na referida Lei nº 5/2002, o legislador assumiu a preocupação de garantir a efetividade das decisões de perda, e nesse sentido, introduziu um regime especial de arresto. Cumpre ainda ter presente a possibilidade de, no âmbito do regime prescrito nessa mesma Lei, se aplicar a medida cautelar prevista no artigo 10º, com a única e exclusiva finalidade de garantir a futura decisão de perda, independentemente de os bens arrestados possuírem algum relevo probatório.
O artigo 1.º da Lei n.º 5/2002 estabelece um “catálogo” de crimes que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes. Daí a instituição de mecanismos especiais que visam facilitar a investigação e a recolha de prova e de um mecanismo sancionatório, repressivo que garanta a perda das vantagens obtidas com a atividade criminosa, tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através dessa atividade.
O Acórdão do Tribunal Constitucional 294/2008, de 01.07.2008, referindo-se à investigação dos crimes de catálogo mencionados no referido artigo 1º entendeu que os bens do arguido podem ser arrestados, não com a finalidade de garantia patrimonial do pagamento da pena pecuniária, de custas do processo ou de qualquer outra dívida relacionada com o crime (como prevê o artigo 228º do Código de Processo Penal), mas como garantia do pagamento do valor que se presuma constituir uma vantagem da actividade criminosa (cfr. artigo 10º da Lei 5/2002).
Há, no entanto, que esclarecer que as premissas jurídicas para o cálculo do valor do património incongruente apenas deverão ser aplicadas no labor de identificação e quantificação das vantagens da actividade criminosa, não sendo transponíveis para a definição dos critérios a adoptar na escolha dos bens que podem ou devem ser arrestados.
Com efeito, no caso da perda ampliada ou alargada, prevista na Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, a referida identificação não opera por referência ao património contaminado, ou seja, àquele património que se encontra vinculado com a prática do crime, mas sim por referência ao património incongruente, tal como definido no artigo 7.º da referida Lei. Quer isto dizer que, ao contrário do que ocorre na perda clássica, não é a prova da conexão entre um determinado objecto ou valor e a prática do crime que sustenta a adopção de mecanismos ablativos, mas sim a presunção operada pelo legislador que aponta no sentido de considerar vantagem “de” actividade criminosa (e não da actividade criminosa) o valor da incongruência patrimonial, ou seja, da diferença entre a totalidade do património e os rendimentos lícitos do arguido durante determinado período.
No âmbito da perda ampliada o critério seguido, como se refere no texto, “A perda de bens no crime de tráfico de estupefacientes” de Hélio Rigor Rodrigues, in Revista do Ministério Público 134; Abril/Junho de 2013, pag. 233 “A identificação do património que pertence ao arguido é o primeiro passo de uma longa caminhada, onde a meta é a declaração de perda ampliada, e representa igualmente o ponto fundamental na concretização da perda das vantagens tal como prevista no artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
Sem património não há declaração de perda (Note-se que, para estes efeitos, não importa que o arguido tenha consumido, alienado, destruído ou vilipendiado simplesmente todo o seu património. Os bens que o arguido teve durante o período temporal de referência são “contabilizados” na determinação do seu património relevante, e são atendidos no juízo de incongruência que resultará do confronto com o seu rendimento lícito, ainda que, no presente, nada mais lhe reste. Obviamente que a ausência de bens em poder do arguido, se repercute irremediavelmente, na impossibilidade de assegurar a efectividade da declaração de perda do montante apurado como incongruente, o que não influencia a necessidade de realizar a liquidação). Por outro lado, existindo património, este há-de ser apurado em termos suficientemente amplos para que se minimize a possibilidade de ocorrência de fraude, ou ocultação do seu verdadeiro titular. Assim, de modo breve, consideram-se integrados no património do agente do crime, não só os activos de que ele é proprietário no momento presente, mas os bens que este teve, que deveria ter, e aqueles que, não tendo formalmente, são por ele dominados.
O artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, impõe que se considerem incluídos no património do arguido aqueles bens: “a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
(…)
Nesta fase, de identificação do património, (labor que deverá, sempre que estejam reunidos os pressupostos, ser realizado pelo GRA), não intervém qualquer juízo quanto à proveniência lícita ou ilícita dos bens. Importa aqui, apenas, identificar todos os activos possuídos pelo arguido que estejam nas condições definidas no artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, sejam moveis, imóveis, rendimentos de trabalho, produtos financeiros, participações sociais, subsídios ou subvenções, prémios, etc.”
Com efeito, conforme já referimos, o regime da perda alargada está focado nesse trabalho de identificação do valor da incongruência, que opera por referência à totalidade do património, por um lado, e ao rendimento lícito, por outro, sendo que o estipulado no artigo 7.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, tem como exclusiva finalidade definir o valor do património incongruente.
João Conde Correia, no artigo “Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime?”, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, (25 da RPCC, 2015, pag. 538 e 539) refere “O arresto para perda alargada insere-se noutro universo axiológico. Já não está em causa (como já fomos aflorando) garantir o confisco do valor da vantagem decorrente da prática de um crime, mas apenas assegurar a perda do valor do património incongruente do arguido, rectius daquele património que não é compatível com os seus rendimentos lícitos. Para além das vantagens associadas à prática do crime sub judicio, emerge aqui um património inexplicável, que urge confiscar. (…) No caso do confisco do património incongruente (art. 7.º da Lei n.º 5/2002) já nem sequer há uma relação entre o valor da incongruência e um qualquer crime pretérito. O grau de ligação entre o valor da incongruência e o crime é uma mera praesumptio: o valor do património incongruente presume-se proveniente da atividade criminosa, não sendo necessário proceder, sequer, à sua identificação e demonstração (Como referiu o TC «o estabelecimento da presunção legal … não tem em vista a imputação ao arguido da prática de qualquer crime e o consequente sancionamento, mas sim privá-lo de um património, por se ter concluído que o mesmo foi adquirido ilicitamente, assim se restaurando a ordem patrimonial segundo o direito» (ac. n.º 392/2015, de 12 de agosto). O que está em causa é uma situação patrimonial inexplicável, presumivelmente proveniente de atividade criminosa, que, todavia, o Ministério Público não consegue imputar a um qualquer crime concreto”.
Em face do estipulado no artigo 10º da Lei 5/2002, “Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do nº 1 do artigo 7º, é decretado o arresto de bens do arguido”.
Quer dizer, o que fundamenta a aplicação do arresto é precisamente a necessidade de garantir a eficácia do confisco do valor do património incongruente.
Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues, “in Recuperação de activos na criminalidade económico financeira”, Revista do Ministério Público 2013, pag. 92 e segs. refere que “No âmbito da criminalidade económico-financeira a decisão de perda abrange o património do arguido tal como identificado no artigo 7.º n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e não apenas os bens cuja propriedade pertença ao arguido, ou seja, os bens de que este é titular. Esta constatação é apenas o reconhecimento que “a tutela penal pode, pois, distanciar-se das categorias estritas do direito civil, assumindo um «significado próprio e autónomo de património para efeitos criminais»” (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2011, publicado em DR 1.ª série - n.º 105 - 31 de Maio de 2011).
É a própria letra da Lei que no artigo 10.º n.º 1 opera uma remissão expressa para o artigo 7.º n.º 1, onde se refere a amplitude que pode assumir a declaração de perda por referência ao património do arguido. No n.º 2 do mesmo artigo 7.º refere-se o que deve entender-se como património, não apenas para efeito da declaração de perda prevista no artigo 7.º mas, nas próprias palavras do legislador, “para efeitos desta lei”. Assim, a remissão que o artigo 10.º estabelece para o n.º 1 do artigo 7.º abrange, consequente e inevitavelmente, o conceito de património tal como delimitado no n.º 2 deste artigo.
Neste sentido, não poderemos deixar de considerar que quaisquer bens que naqueles termos integrem o património do arguido deverão ser considerados como sendo “bens do arguido”, sobre os quais pode incidir o arresto.
(…)
Todos os bens de que o arguido tenha o domínio e o benefício, ou tenham sido por este transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à sua constituição continuam, quer para efeitos de perda quer para efeitos de arresto, a ser «bens do arguido». Não existe assim qualquer juízo de inconstitucionalidade que possa ser assacado a este regime.
É por tudo isto que entendemos que o arresto não irá incidir, neste domínio sobre os bens que integram o tradicional direito de propriedade, mas sim sobre os bens que compõe o património do arguido tal como definido no artigo 7º, nº 2 da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro”.
Atentas as considerações supra expostas, importa referir que o regime da perda ampliada previsto no artigo 7.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro opera por referência ao conceito de património incongruente, sendo a incongruência patrimonial apurada através do confronto entre o conceito de património tal como definido pelo legislador no artigo 7.º da referida Lei e o conceito de rendimento lícito. Na perda alargada prevista na Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, o que se declara perdido é valor do património incongruente e não os bens concretos.
Assim, o regime do arresto haverá de operar por referência ao valor apurado como incongruente, sendo o mesmo decretado para garantir a eficácia do confisco do valor do património incongruente, e não por referência aos bens concretos que foram considerados nesse cálculo.
Para garantia do pagamento desse valor (o valor do património incongruente) podem ser arrestados quaisquer bens que estejam na titularidade do arguido, ainda que tenham origem comprovadamente lícita e ainda que não possam integrar o conceito de património relevante para efeitos de cálculo, nomeadamente pelo critério temporal.
O que equivale dizer que um bem que tiver sido adquirido pelo arguido há mais de cinco anos, contados da sua constituição como arguido, poderá ser arrestado com vista a garantir o confisco desse valor do património incongruente (que foi apurado nos termos do artigo 7.º), na medida em que pertence ao arguido.
Na verdade, determinado o valor do património incongruente, nada impede que quaisquer bens do arguido, mesmo que licitamente adquiridos há mais de cinco anos, relativamente à data da constituição como arguido, garantam a sua obrigação de pagamento do valor correspondente ao património incongruente, podendo tais bens ser arrestados para esse efeito.
Em consonância diremos que o facto de os bens terem sido licitamente adquiridos pelo arguido há mais de cinco anos, considerando a data da sua constituição como arguido, apenas obsta a que esses bens sejam considerados no cômputo do valor do património incongruente (neste sentido vide os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Junho de 2017, proferido no processo nº 928/08.0TAVNF-AD.G1 e disponível em www.dgsi.pt e de 24 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 2360/13.4TABRG-E.G1)
Com efeito, reiterando que na perda alargada o que é declarado é o valor do património incongruente e não os bens em concreto, a consequência da verificação que determinado bem está na titularidade do arguido há mais de cinco anos, contados da constituição como arguido, é apenas a impossibilidade de ser considerado para efeitos de apuramento do valor da incongruência.
Assim, face a todo o exposto, improcede o recurso.
*** III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos B…, C…, LDA., D…, LDA., E…, LDA., F…, UNIPESSOAL, LDA., e G…, LDA., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s a suportar por cada um deles.
Dê conhecimento de imediato à primeira instância.
***
Porto, 11 de abril de 2019
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva