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MEDIDA TUTELAR
INTERNAMENTO
RELATÓRIO SOCIAL
CÚMULO JURÍDICO
Sumário
I – Face ao caráter facultativo conferido ao relatório social, a eventual omissão da sua junção constitui mera irregularidade. II – Transitadas em julgado as sentenças que aplicaram as medidas tutelares educativas que se cumularam na sentença recorrida, tendo sido as medidas não institucionais preteridas em todas essas decisões, não há que reequacionar a aplicação dessas medidas. III – Face ao conhecimento superveniente da prévia aplicação ao mesmo menor de mais do que uma medida de internamento, sem que se encontre cumprida uma delas, importa apenas proceder ao cúmulo jurídico das medidas de internamento.
Texto Integral
Recurso 2262/16.2T8GDM-A.P1
Origem: Comarca do Porto, Gondomar- Juízo de Família e Menores- J2
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
No presente processo tutelar educativo, o menor B…, filho de C… e de D…, nascido a 17/10/2001, foi condenado, por sentença de 15 de fevereiro de 2018, constante de folhas 266 a 284, pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo consumados e 1 crime de roubo tentado (artigos 22º, 23º e 210° do Código Penal), na medida tutelar de internamento em Centro Educativo, em regime semiaberto, pelo período de 8 (oito) meses.
Posteriormente, verificou-se que o mesmo menor havia já sido condenado:
- por sentença proferida em 16 de novembro de 2017, transitada a 21/11/2017, nos autos de processo tutelar educativo nº 108/11.7TMMTS-D, que correu termos pelo Juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Matosinhos, pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo agravado, previstos e punidos pelo artigo 210º/1 do Código Penal, com referência ao artigo 72°, nº 1 da LTE, na medida tutelar de internamento em Centro Educativo em regime semiaberto pelo período de 6 meses;
- por sentença proferida em 16 de novembro de 2017, transitada a 1/02/2018, nos autos de processo tutelar educativo nº 511/17.9Y6PRT, que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo de Família e Menores do Porto, pela prática, em coautoria, de quatro crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210º/2, b), do Código Penal, na medida tutelar educativa de internamento em regime fechado por 12 meses.
Realizada a audiência a que alude o artigo 472º do Código de Processo Penal, veio este Juízo de Família e Menores da Comarca de Gondomar a proceder ao cúmulo jurídico das medidas tutelares educativas aplicadas a este jovem, e, em consequência, condenou-o ao cumprimento da medida tutelar única de 18 meses de internamento em regime fechado.
*
Inconformado com o assim decidido, veio o jovem em causa interpor o presente recurso, cuja motivação sintetizou através das seguintes conclusões:
«1 - Na sequência da consagração legislativa de um duplo grau de jurisdição sobre o resultado da prova, pode o menor recorrer da decisão sobre a matéria de facto inserta na douta Sentença proferida pelo Tribunal ‘a quo’.
2 - E é tal direito que este, em primeira linha, pretende exercer, insurgindo-se contra os factos dados como provados na douta Sentença proferida, designadamente, os factos que resultam do Relatório social da DGRS, cuja data de elaboração é de fevereiro do ano 2017.
3-Existe, salvo o devido respeito, um erro notório na apreciação da prova, o que se invoca nos termos e para os efeitos das supracitadas normas legais e particularmente do artigo 410º n° 2 do Código de Processo Penal.
4 - Da douta Sentença proferida, resulta que a Mª Juiz do Tribunal ‘a quo’ dá por reproduzidos os factos que constam do Relatório Social elaborado pela DGRS, junto a fls. 86 a 91 – e não 340 a 343, conforme consta da douta Sentença -.
5 - Trata-se do ÚNICO Relatório social que consta dos autos – caso se considere que os mesmos são apenas constituídos pelo processo onde é feito o cúmulo jurídico –, com a data de 22 de fevereiro de 2017, ou seja, elaborado há mais de 20 meses.
6 - Já se passaram mais de 11 meses desde que o menor, aqui recorrente, se encontra a cumprir a medida de internamento em regime fechado, aplicado no âmbito do processo que sob o n° 511/17.9YIPRT corre termos no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores do Porto, no Centro Educativo E….
7 - No caso sub judice, o Tribunal “a quo” não solicitou o relatório social atualizado, nem, parece ao recorrente, tratou de obter tal documento junto dos restantes processos judiciais objeto do cúmulo jurídico.
9 - O Tribunal “a quo” deu como provados os factos insertos naquele relatório, para determinar a pena a aplicar ao recorrente, apesar de se tratar de factos antigos, desatualizados da realidade atual vivenciada e demonstrada pelo menor.
10 - Se o Tribunal “a quo” tivesse solicitado um Relatório atualizado e não um Relatório produzido quando o menor se encontrava no Centro F… – onde já há muito não se encontra – percebia que, atualmente, o menor não tem os comportamentos descritos naquele antigo Relatório.
11 - O comportamento do menor, a quem foi aplicada a medida tutelar mais grave no âmbito do referido processo judicial – 511/17.9Y6PRT –, não é o mesmo que resulta daquele “antigo” Relatório, elaborado em fevereiro de 2017 e nas descritas circunstâncias.
12 - A este respeito, e face à ausência de um Relatório e, ou, avaliação atual nos presentes autos, importa trazer à colação o relatório produzido pela Técnica de acompanhamento do menor, na execução da medida tutelar educativa de internamento – Centro Educativo E… – junto ao processo n° 511/17.9 Y6PRT do Juízo de Família e Menores do Porto, em 8 de agosto de 2018:
(…)
B… encontra-se na fase de aquisição desde 4 de junho. Prevê-se que ocorra a transição para a fase de consolidação (3) no presente mês de agosto, terceira fase em termos de progressividade. Durante este período não foi alvo de procedimentos disciplinares.
A transição para a última fase (4) poderá acontecer em outubro.
Neste período de avaliação, o jovem tem registado uma evolução favorável em termos comportamentais. Mais tranquilo, diminuiu o quadro de oposição e desafio. Revela maior capacidade de autocontrolo e tolerância à frustração e de aceitação da relação assimétrica, procurando adotar uma conduta responsável no contexto estruturado no Centro Educativo. Tem desenvolvido competências relacionais, fundamentais para a interação respeitadora com o outro, competências que, contudo, continuam a necessitar de ser trabalhadas. Mantém adesão à intervenção tutorial e psicoterapêutica que lhe são propostas e acede à relação de ajuda. Procura o contacto próximo com o adulto securizante e de confiança, revelando capacidade de escuta e reflexão.
Em termos familiares, tem tido apoio e suporte por parte da família e esta mantém com o Centro uma postura de colaboração. Beneficia das visitas e contactos regulares, essenciais à sua estabilização comportamental e emocional.
A nível formativo, revela maior interesse em participar nas atividades estruturadas de cariz escolar e formativo. (...).”.
13 - Deste modo, conseguiria o Tribunal “a quo” perceber que o menor não tem adotado comportamentos antissociais, agressivos e impulsivos, conforme vem assinalado na douta Sentença recorrida.
14 - Um Relatório atualizado do menor/recorrente permitira proceder à correta determinação da sanção que eventualmente viesse a ser aplicada (em cúmulo jurídico).
15 - Permitiria auxiliar o Tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade e comportamento do menor, objetivo que não foi cumprido.
16 - As razões subjacentes à aplicação da medida tutelar mais gravosa, como seja o afastamento temporário do seu meio habitual e com recurso a programas pedagógicos específicos, proporcionando ao jovem “a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” – artigo 17°, n° 1 – já não subsistem.
17 - Dispõe o n° 1 do artigo 370° do C. Processo Penal que o tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.
18 - Tem-se entendido que quando a realização do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social seja relevante para a boa decisão da causa, a sua omissão constitui uma irregularidade, sujeita ao apertado regime de arguição previsto no artigo 123º, n° 1, do C. Processo Penal; não obstante, se, na decorrência desta omissão, se verificar um vazio na matéria de facto determinante do vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n° 2 do artigo 410º do C. Processo Penal, a sua omissão constitui uma nulidade.
19 - Padece por isso a douta Sentença recorrida do vício de nulidade, cominado pela aplicação conjugada do disposto no n° 2 do artigo 374º na sua atual redação, da alínea a) do n° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal e do artigo 410° n°2 alínea c) do Código Processo Penal, aplicável “ex vi” artigo 128º da LTE.
Acresce dizer,
20 - Salvo o devido respeito, face aos factos supra expostos, deveria ter sido dada uma oportunidade ao menor/recorrente e aplicar-se medida não institucional – como seja o acompanhamento educativo – ou, em alternativa, uma medida de internamento em regime aberto.
21 - No caso concreto dos autos, sem prejuízo de o menor pretender, por qualquer forma, minimizar os factos pelos quais foi condenado, a verdade é que o seu percurso tem vindo a melhorar e tem vindo a ser redirecionado para o Direito.
22 - Cumpre atentar que a escolha da medida é sempre orientada pelo interesse do menor.
23 - O tribunal deve, de entre o leque de medidas possíveis, escolher a que realize de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a aplicação, ou seja, a socialização do menor (neste sentido, e com a opinião de que a finalidade visada, em primeira linha, no critério de escolha de medida é efetivamente a socialização do menor, vide G… e H… in “Comentário à Lei Tutelar Educativa”, reimpressão, página 69, Coimbra Editora) e sua educação para o direito.
24 - A medida tutelar que melhor realiza essa finalidade é a representa menos intervenção de decisão e de condução de vida do menor, como também a que seja mais suscetível de obter a sua adesão, e adesão de seus pais.
25 - A medida de internamento em regime fechado, que menor/recorrente se encontra a cumprir no âmbito do referido processo judicial n° 511/17.9Y6PRT, foi suficiente para permitir uma evolução positiva, favorável e benéfica do menor.
26 - Aplicar-lhe medida de internamento em regime fechado, neste momento, não trará qualquer benefício à formação da personalidade do menor, a qual não obedece aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
27 - Na determinação da dosimetria concreta da medida a aplicar, importa observar os critérios de proporcionalidade e necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão.
28 - Na fixação da duração da medida concretamente aplicada, o tribunal deve ter em conta a gravidade do facto cometido, a necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e a atualidade dessa necessidade de correção.
29 - A salvaguarda do interesse do menor, aqui recorrente, já foi, em nosso modesto entendimento, conseguida com a medida tutelar de internamento em regime fechado aplicada no âmbito do processo que sob o n° 511/17.9Y6PRT corre termos no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores do Porto.
30 - Decorridos que são quase 12 meses, será mais benéfico para o menor a sua reintegração na família e aplicação de medida tutelar menos gravosa, designadamente a medida de acompanhamento educativo e, ou, internamento em regime semiaberto.
Pelo que
31 - A douta decisão recorrida violou e ou interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos artigos 2°, 6º, 7º, 17º, 55º, 59º, e 110º da Lei Tutelar educativa e artigos 1º alínea g), 370°, 374°, n° 2, 379° e 410° n° 2 alínea a) do Código de Processo Penal e artigos 18° n° 1 e 32° n° 2 da C. R. Portuguesa.»
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Respondendo ao recurso do menor, o Ministério Público sumulou a sua posição do seguinte modo:
«1 - O relatório social a que se refere o artigo 370º do Código de Processo Penal tem natureza facultativa e a sua falta em sede de audiência de julgamento por cúmulo não constitui nulidade.
2 - A decisão de cúmulo jurídico de uma medida única tutelar educativa tem de se basear apenas nos factos e personalidade do menor na data das decisões que aplicaram as penas parcelares do cúmulo e não na caracterização da personalidade ou na personalidade atual do menor, na data da decisão do cúmulo.
3 - Ao ter dispensado o relatório social mais atualizado não foi cometida nenhuma nulidade nem isso implica falta de fundamentação ou erro notório na apreciação da prova.
4 - Por isso se deverá manter a decisão recorrida (…)».
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Já nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta apresentada na 1ª instância.
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Cumpre decidir.
* II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Conforme resulta das conclusões do recurso, o objeto deste confina-se às questões de saber:
- se a consideração, como prova, de um relatório social com avaliação psicológica elaborado há cerca de 20 meses (único referente ao menor em causa existente nestes autos) configura nulidade ou algum dos vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;
- se a modalidade da medida tutelar única fixada não serve o objetivo da educação do menor para o direito e a sua inserção na vida em comunidade.
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Previamente à análise das questões enunciadas, importa conhecer o teor da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, que se passará a reproduzir.
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A decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto (transcrição):
«O menor B…, nascido a 17/10/2001, foi condenado, por sentença de 15 de fevereiro de 2018, constante de folhas 266 a 284, pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo consumados e 1 crime de roubo tentado (artigos 22º, 23º e 210° do Código Penal), na medida tutelar de internamento em Centro Educativo, em regime semiaberto, pelo período de 8 (oito) meses. Posteriormente, verificou-se que o mesmo menor havia já sido condenado: - por sentença proferida em 16 de novembro de 2017, transitada a 21/11/2017, nos autos de processo tutelar educativo nº 108/11.7TMMTS-D, que correu termos pelo Juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Matosinhos, pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo agravado, previstos e punidos pelo artigo 210º/1 do Código Penal, com referência ao artigo 72°, nº 1 da LTE, na medida tutelar de internamento em Centro Educativo em regime semiaberto pelo período de 6 meses; - por sentença proferida em 16 de novembro de 2017, transitada a 1/02/2018, nos autos de processo tutelar educativo nº 511/17.9Y6PRT, que correu termos pelo Juiz 1 do Juízo de Família e Menores do Porto, pela prática, em coautoria, de quatro crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210º/2, b), do Código Penal, na medida tutelar educativa de internamento em regime fechado por 12 meses. (…) Trata-se de um jovem que é o único descendente do casal parental; quando da respetiva separação, B… permaneceu aos cuidados da progenitora, contudo, até aos 14 anos de idade, viria a manter residência fixa, de forma intercalada e por períodos de tempo variáveis, junto de ambos os progenitores. As alegadas dificuldades das figuras parentais ao nível do controlo do comportamento de B… e as contrariedades na relação/interação (filho-pais), a par do agravamento da instabilidade pessoal/comportamental apresentada pelo mesmo, entre outros fatores, culminaram na sua integração no agregado dos avós maternos, em março de 2016. Não obstante o presumível esforço e preocupação das figuras familiares, as limitações/incapacidade em gerir/controlar a persistência da disrupção comportamental e comportamentos de risco progressivamente apresentados pelo jovem, assim como o concomitante impacto no ajustamento do modelo relacional desenvolvido em contexto familiar, tendencialmente disruptivo/agressivo, resultaram na sua colocação sob de acolhimento residencial, em 27 de setembro de 2016, e subsequente integração no Centro F…. As dificuldades de adaptação normativa reveladas pelo jovem nos diferentes contextos de vida seriam reforçadas, segundo a progenitora, pelo convívio/integração em grupo de pares conotados com consumo de substâncias psicoativas e comportamentos socialmente desajustados/práticas desviantes. Ao nível escolar, o percurso de B… regista três retenções - 2°, 5° e 6° anos - que o próprio associa, designadamente, a falta de empenho, desinteresse pelas atividades curriculares e problemáticas comportamentais. De acordo com a informação escolar, a frequência do jovem apresentava à data da elaboração do relatório que antecedeu a fase jurisdicional, irregularidades, associadas, designadamente, a uma assiduidade e pontualidade qualificadas como muito fracas – em algumas disciplinas excedeu o limite de faltas legalmente permitido -, desmotivação/pouco interesse pelos conteúdos da aula e falta de empenho perante as atividades curriculares. Ainda segundo a fonte escolar, B… apresentava alguma dificuldade em obedecer às instruções dos adultos, nomeadamente, em reconhecer figuras de autoridade – professores e funcionários. No âmbito do relacionamento com o grupo de pares, para além da tendência a assumir-se como líder, é mencionado o seu envolvimento em alguns conflitos com os colegas de turma, encontrando-se em fase de averiguação duas queixas, apresentadas por um colega de turma, por alegados insultos verbais, gestos e ofensas físicas ("cachaços"), bem como, com ameaças físicas no caso de ser denunciado. Em termos disciplinares, salienta-se a aplicação da medida disciplinar sancionatória de suspensão da escola, com a duração de três dias, por estar a fumar dentro do espaço escolar. Quanto ao acolhimento residencial, B… começou por manifestar acentuadas dificuldades de adaptação às orientações e normas de funcionamento da instituição, traduzidas, designadamente, no incumprimento de horários, ausências não autorizadas/fugas, comportamentos violentos com os outros jovens, rejeição de ajuda e desafio à autoridade. A partir de meados do passado mês de novembro o jovem viria, segundo a fonte institucional, a moderar o seu comportamento e a melhorar a qualidade de adaptação à dinâmica da instituição, contudo, mais recentemente, registou-se o agravamento da sua conduta, "(...) o seu comportamento tem sido de irreverência, onde manifesta oposição e contrariedade (...) sem respeito por qualquer chamada de atenção ou regra imposta. (...)." Apesar do registo de alteração/maior adequação ao contexto institucional, B… manteve uma fraca adesão ao sistema de ensino, assim como, o convívio/proximidade com jovens conotados com comportamentos desviantes, o consumo de substâncias aditivas (prática que recusou abordar em contexto de avaliação, mas sinalizada pelas fontes contactadas), e o presumível envolvimento em práticas ilícitas. A progenitora denota apreensão e uma certa exaustão relativamente à trajetória de vida do filho, nomeadamente, às dificuldades em desenvolver um padrão de comportamento em conformidade com as normas/expectativas sociais. Continua, porém, a constituir-se como figura parental de referência/significativa e empenhada em apoiar o jovem, colaborando com a instituição de acolhimento e mantendo contactos regulares com o mesmo, designadamente aos fins-de-semana, que decorrem junto dos avós maternos. A baixa vinculação a redes pró-sociais, a referência à integração em grupos de pares, práticas e contextos conotados como desviantes e/ou ilícitos, o consumo de substâncias aditivas (prática que recusou abordar em contexto de avaliação, mas sinalizada pelas fontes contactadas), constituem uma conjuntura de risco significativo relativamente à prática/envolvimento de B… em situações, anti sociais. As circunstâncias pessoais/comportamentais de B… originaram o acompanhamento em consultas de Pedopsiquiatria e Psicologia, através do Centro Hospitalar I… (Hospital I1…) e do Projeto Integrado de Atendimento à Comunidade (PIAC), respetivamente, constando, segundo a progenitora, um diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (F'HDA). Esta fonte refere, ainda, que o jovem efetuou terapêutica psicofarmacológica - suspensa pelo progenitor por iniciativa própria. Considerando o tipo de respostas que B… dá, (percetível na escala alteração), que reflete a tendência para omitir e/ou exagerar os problemas/características pessoais, aspeto que foi considerado na análise do perfil. Ao nível dos "Padrões de personalidade", o jovem obteve resultados com elevado significado clínico na escala submissa (105), com significado clínico na escala oposicionista (79) e com significado subclínico (tendência de funcionamento) nas escalas autopunitivo (69), pessimista (66) e introvertido (63). No âmbito das "Preocupações expressas", pontua com elevado significado clínico na escala desvalorização de si mesmo (94), com significado clínico na escala abusos na infância (78) e com significado subclínico nas escalas difusão de identidade (73), desagrado com o corpo (67), insegurança com os pares (63) e discordância familiar (62). Relativamente às "Escolas clínicas", o jovem pontua com elevado significado clínico na escala afeto depressivo (97), com significado clínico na escala tendência ao suicídio (81) e com significado subclínico nas escalas inclinação ao abuso de substâncias (70), sentimentos de ansiedade (66) e transtornos na alimentação (65). A nível da sua agressividade, as informações prestadas pela Técnica gestora de caso (Centro F…), figura de referência na trajetória de vida do jovem ao longo dos últimos meses, permitem encontrar valores de escala total acima do esperado para a população normativa (valor T=66), com particular significado/impacto no funcionamento adaptativo do jovem as dimensões comportamento delinquente (19) e comportamento agressivo (16), resultando em valores de externalização significativamente aumentados (valor T=75). O modo de funcionamento pessoal indiciado pelo jovem, tendencialmente pautado por um padrão comportamental impulsivo/agressivo e de desrespeito, sem aparente constrangimento, relativamente às normas socialmente estabelecidas, associado aos défices de competências pessoais e sociais, entre outras vulnerabilidades, têm conduzido à persistência/agudização do seu desajustamento social. Neste âmbito, continuam a identificar-se no percurso vivencial de B… inúmeros fatores de risco pessoais e ambientais, preditivos de manutenção e de desenvolvimento de comportamentos anti-sociais, que sugerem/reforçam a importância de uma intervenção estruturada de cariz institucional mais limitadora da sua autonomia pessoal.
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Os factos que antecedem resultaram da análise do relatório social elaborado pela DGRS a propósito do jovem, juntos de fls. 340 a 343, sendo que tal relatório, assente em metodologia adequada, não foi por qualquer modo colocado em causa.»
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A) A invocada nulidade por desatualização do relatório social c/ avaliação psicológica
Alega o menor recorrente que, quando foi proferida a sentença recorrida – em que foi realizado o cúmulo jurídico das medidas tutelares educativas em concurso – o relatório social com avaliação psicológica junto aos autos já se encontrava desatualizado, por ter sido elaborado há quase 20 meses.
Menciona também que, nos termos do n° 1 do artigo 370° do C. Processo Penal, que o tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.
Consigna ainda que se tem entendido que, quando a realização do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social seja relevante para a boa decisão da causa, a sua omissão constitui uma irregularidade, sujeita ao apertado regime de arguição previsto no artigo 123º, n° 1, do C. Processo Penal.
Argumenta, finalmente, que se, na decorrência desta omissão, se verificar um vazio na matéria de facto determinante do vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n° 2 do artigo 410º do C. Processo Penal, a sua omissão constitui uma nulidade.
Vejamos.
Como o próprio recorrente reconhece, face ao caráter facultativo conferido ao relatório social pelo nº 1 do artigo 370º do Código de Processo Penal, a eventual omissão da sua junção constituiria mera irregularidade, a arguir nos termos apertados do artigo 123º do Código de Processo Penal, isto é, na própria audiência de julgamento.
No presente caso, encontra-se junto aos presentes autos e foi levado em consideração o relatório social com avaliação psicológica realizado com vista à prolação da sentença em que foi aplicada a medida tutelar educativa parcelar correspondente aos factos ilícitos que, originariamente, constituíam o objeto do processo.
Mas mesmo dando de barato que a falta de atualização do referido relatório/avaliação é juridicamente equiparável à total omissão de tal meio de prova – questão que é controversa, nomeadamente atendendo ao relativismo da noção de ‘desatualização’ – então o recorrente deveria tê-la arguido no momento próprio, o que, manifestamente, não ocorreu.
Com efeito, como se extrai da ata de audiência de julgamento (cúmulo jurídico) de 3 de outubro de 2018 (cf. folhas 368-369), depois de ouvir o menor, a Mm.ª Juiz concedeu a palavra à Ilustre Patrona do mesmo, para, querendo, juntar prova, “tendo a mesma referido nada mais ter a juntar, remetendo para os relatórios entretanto juntos aos autos”.
Perdeu, pois, o recorrente a oportunidade de suscitar a eventual atualização de tal meio de prova, nem sequer se colocando a possibilidade de se estar perante uma irregularidade e muito menos perante a necessidade de deduzir a respetiva arguição.
Por sua vez, o alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal só ocorre quando a matéria de facto apurada, no seu conjunto, é inapta para suportar, em abstrato, essa decisão [2].
Tal hipótese, no entanto, não se verifica no caso concreto.
Em todo o caso, independentemente dos contornos formais da presente arguição, verifica-se que o suposto efeito prático de uma melhor atualização do relatório em causa e respetiva consideração na sentença recorrida, nos termos propugnados na conclusão 12 do recurso – onde se refere a evolução do menor em cumprimento da medida educativa de internamento em regime fechado por 12 meses – não seria suscetível de alterar a decisão recorrida, pois daí apenas poderia resultar o reconhecimento de uma progressiva adaptação às estritas regras do internamento em regime fechado, mas não o seu afeiçoamento às regras do internamento em regime aberto ou semiaberto e muito menos às que regeriam o acompanhamento educativo em meio livre.
Improcede, pois, a arguição de nulidade e/ou dos supostos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
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B) A alegada desadequação da modalidade de medida tutelar aplicada
Já num plano substantivo, defende o recorrente, basilarmente, que lhe deveria ter sido dada uma oportunidade e ter-se-lhe aplicado, mesmo na presente fase do processo, medida não institucional – como seja o acompanhamento educativo – ou, em alternativa, uma medida de internamento em regime aberto.
Salvo o devido respeito, entendemos que o recorrente, ao deduzir esta sua pretensão, se encontra notoriamente descontextualizado da fase processual em que foi proferida a sentença agora impugnada.
Na verdade, tendo já transitado em julgado todas as sentenças em que se aplicaram as medidas tutelares educativas parcelares que se cumularam na sentença ora recorrida, não é já tempo de discutir a suposta possibilidade de opção por novas e menos gravosas espécies de reações tutelares – incluindo medidas não institucionais – já definitivamente preteridas pelas referidas decisões judiciais previamente proferidas.
É certo que o nº 1 do artigo 6º da Lei Tutelar Educativa (LTE) prescreve que, na escolha da medida tutelar aplicável o tribunal dá preferência àquela que, de entre as que se mostrem necessárias e suficientes, represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor.
Porém, essa opção terá que ser feita na sentença em que se determine que certa conduta praticada pelo menor é qualificada pela lei como crime (artigo 1º da LTE) e não naqueloutra em que, face ao conhecimento superveniente da prévia aplicação ao mesmo menor de mais do que uma medida de internamento, sem que se encontre integralmente cumprida uma delas, há que proceder ao respetivo cúmulo jurídico (nº 7 do artigo 8º da mesma LTE).
Ora, a sentença aqui recorrida pertence a esta última tipologia.
Este equívoco resulta tanto mais evidente, quanto nenhum dos tipos de medidas tutelares que o recorrente pretende ver agora aplicadas foi efetivamente escolhida nas decisões prévias/parcelares.
E mais. O recorrente parece pressupor, nomeadamente na conclusão 29ª do seu recurso, que não há lugar a cúmulo jurídico, quando aí alega que “a salvaguarda do interesse do menor (…) já foi, em nosso modesto entendimento, conseguida com a medida tutelar de internamento em regime fechado aplicada no âmbito do processo que sob o n° 511/17.9Y6PRT (…)”, isto é, precisamente com uma das medidas que se encontra em relação de concurso…
Esta pretensão do recorrente tem, pois, inelutavelmente, que improceder, por total carência de fundamento legal.
No presente momento processual e face à sentença recorrida, o menor B… poderia ter impugnado a dosimetria da medida tutelar única aplicada, que é justamente o que não faz, ao não considerar sequer violado o disposto nos artigos 8º, nºs 4, 6 ou 7, da LTE, 77º ou 78º do Código Penal.
Porém, ainda que o tivesse empreendido, afigura-se-nos que não teria êxito, pois não se mostram violados quaisquer critérios legalmente estabelecidos para a realização do cúmulo jurídico de medidas de internamento.
O recurso interposto não merece, assim, provimento em nenhum dos seus vetores.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo menor B…, confirmando a douta sentença recorrida.
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Sem custas (artigo 4º, nº 1, alínea i) do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 15 de fevereiro de 2019
Vítor Morgado
Maria Joana Grácio
________________ [1] Tal decorre, desde logo, de uma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239). [2] Neste sentido, Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, autores vários, Almedina, 2014, pág. 1357.