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CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL
FINALIDADE
CANCELAMENTO
Sumário
O pedido cancelamento de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal deve ser feito em requerimento fundamentado, que especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, pelo que não satisfaz essa exigência a alusão genérica a “obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego”.
Texto Integral
Recurso Penal 257/18.0TXCBR-A.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B…, devidamente identificada nos autos acima referenciados, recorreu para esta Relação da decisão que indeferiu a sua pretensão de cancelamento provisório do registo criminal, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): “B1 - No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular que cursou termos sob nº 160/11.5TACBR nos então designados Juízos Criminais de Coimbra, foi a arguida condenada como co-autora material de um crime de desvio de subsídio p. e p. pelo artigo 37.º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro a uma pena de nove meses de prisão, substituída por 110 dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros) – assim se perfazendo a quantia de €1.100,00 (mil e cem euros), confirmada, posteriormente, pelo Tribunal da Relação de Coimbra. B2 - Por meio de requerimento impetrados nestes autos, veio a ora recorrente pugnar pelo cancelamento provisório do seu registo criminal, porquanto, ao tempo, já se encontrarem reunidos todos os pressupostos para o efeito: em conformidade, de resto, com o disposto no artigo 229.º, Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante apenas CEP) e, ademais, no artigo 12.º da Lei da Identificação Criminal (doravante apenas LIC). B3 - A recorrente, procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada, encontrando-se, pois, a mesma extinta por força daquele sobredito e cabal cumprimento. B4 - A recorrente não tinha e não tem qualquer outra condenação averbada ao seu registo criminal – nem, tampouco, alguma vez teve. B5 - A recorrente estava e continua a estar perfeitamente inserida na sociedade, tendo interiorizado a censura penal granjeada pela sentença condenatória, não subsistindo qualquer perigo de prática de outro, qualquer, tipo de ilícito penal. B6 - A recorrente, sempre se fez (e continua a fazer) pautar pelos melhores princípios sociais e jurídicos, sendo, no mais, cidadã cumpridora, zelosa dos seus deveres e obrigações, pessoa ponderada e responsável, trabalhadora esforçada e inexcedível, exercendo cargos de direção de projetos e, como tal, responsável por vários trabalhadores pelos quais, e em muito, zela. B7 - A recorrente é, como era, ademais, respeitada não só no meio profissional em que se insere e, outrossim, no meio social e no seio familiar, sendo por todos considerado uma cidadã exemplar, exímia mãe de família e boa amiga e colega. B8 - Por meio de despacho, agora em crise, o Tribunal recorrido veio considerar, no mais e para o que importa que não resulta clara e inequívoca a pretensão da requerente – a sua finalidade – com o requerimento primeiramente dado aos autos, portanto declarou, sem mais que “com o presente pedido de cancelamento (…) tem um vista a obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego”, indeferindo- se liminarmente a petição apresentada. B9 - Ressalvado o devido respeito – que muito é! – por diverso entendimento, não pode a recorrente concordar com tal fundamentação. Com efeito, B10 - Estão previstas no artigo 229.º, CEP as finalidades do cancelamento, dispondo aquele preceito legal o seguinte (para o que importa, no seu nº 1): “para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou atividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins.” – realces da signatária. B11 - Daqui decorre, desde logo, que o preceito não é taxativo, pois que não espartilha os fins para os quais pode ser requerido – o que, in casu, se reveste de particular importância porquanto, na verdade, como resulta dos autos, numa primeira fase, em sede de requerimento inicial, a finalidade era a de participar em concursos públicos. B12 - Ocorre, como igualmente resulta dos autos, que, entretanto, a condição da recorrente, aí requerente, mudou, tendo operado a desvinculação laboral da empresa para a qual trabalhava, daí a reformulação das finalidades para as quais requereu o cancelamento: obtenção de emprego ou a criação do próprio – situações que, como se sabe e aos dias de hoje, exigem a exibição do certificado de registo criminal, amiudadamente. B13 - Neste concreto ponto, merece especial destaque o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,2 que se debruça sobre questão análoga e que se transcreve, porque esclarecedor: “No caso dos autos, o que releva é apenas o primeiro momento: em sede de processo judicial no TEP, perante um concreto pedido deduzido para uma certa finalidade (que tem de ser indicada no requerimento inicial), tem de se apurar se é admissível o cancelamento provisório do registo da condenação para aquela finalidade. Repare-se que o TEP não é o destinatário do certificado do registo criminal, designadamente não é a entidade que tem de apreciar se existem inibições, interdições ou incapacidades em virtude da prática de crime, as quais vedam o acesso a actividades, profissões, funções, estatutos, etc. Na fase em que o TEP intervém o certificado do registo criminal contém sempre a menção à condenação cujo cancelamento se pretende. O que o TEP tem de apurar, nessa fase, é se existe alguma disposição que impeça o requerente de recorrer (sublinha-se a expressão recorrer) ao processo de cancelamento provisório do registo criminal para a concreta finalidade indicado no requerimento inicial. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra que actualmente exista qualquer obstáculo legal ao requerido cancelamento. Com efeito, no âmbito da Lei nº 57/98, de 18/8, era permitido, em princípio, o cancelamento do registo criminal para qualquer fim, mas o art. 16º, nº 1, ressalvava “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 11º”. Significava isto que nos casos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 11º não era admissível o cancelamento do registo criminal, existindo portanto um obstáculo legal à formulação de um pedido de cancelamento “nos casos em que, por força de lei, exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade”. Porém, a Lei nº 57/98, de 18/8, foi revogada pelo art. 46º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, e actualmente não existe qualquer obstáculo legal a que seja pedido o cancelamento para qualquer finalidade, sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17/9 (medidas de protecção de menores). Nos casos previstos na Lei nº 113/2009 é que existem obstáculos legais ao acesso/recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos. Isso mesmo resulta expressamente do art. 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, ao dispor que o tribunal de execução de penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, “estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos do nºs 5 e 6 do artigo 10º”, onde se descriminam as seguintes finalidades: a) - Fins de emprego, público ou privado; b) - Exercício de profissão ou actividade em Portugal; c) - Exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou avaliação da idoneidade da pessoa; d) - Qualquer outra finalidade. Portanto, dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de recurso ao processo de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (enfatiza-se que o normal é o efeito da condenação se extinguir com o cumprimento da pena; o registo é um efeito da condenação que se prolonga para além do termo da pena e que tem na sua origem, no essencial, uma função de combate ao fenómeno da reincidência; é verdade que se foi alargando o leque das interdições e incapacidades a vigorar para o período posterior à extinção da pena, mas não pode deixar de se ter em conta a excepcionalidade da situação, enquanto reminiscência do ferrete com que em outros tempos eram marcados no corpo, para sempre, os condenados) ” – realces da signatária. B15 - O que vai transcrito, corrobora, na totalidade, o que vai dito, não sendo necessário o afã de densificação factual que o Tribunal Recorrido exige – desde logo, portanto, na verdade, resulta evidente qual seja a pretensão da requerente, ora recorrente. B16 - O Artigo 230.º, CEP elenca as situações em que o despacho é de indeferimento liminar, quais sejam: a comprovação (suficiente) da falta de pressupostos do cancelamento provisório. B17 - Naturalmente que a existência dos pressupostos deve ser apreciada objetivamente, de forma concreta; dito de outro modo: não se está perante uma vontade hipotética, não declarada, mas, antes, uma vontade declarada, manifesta e sobeja que, claramente, é subsumível a um concreto preceito legal. B18 - Não podem subsistir quaisquer dúvidas quanto à intenção da requerente, ora recorrente, nem é passível de nenhuma interpretação que não aquela que resulta evidente: a ora recorrente pretende o cancelamento (provisório) do registo criminal para fins de emprego, público ou privado. Não há qualquer dúvida de interpretação que possa subsistir. B19 - Assim sendo, e sendo claro e inequívoca a intenção da requerente, ora recorrente – que tem enquadramento legal expresso - não se vislumbra motivo para o deferimento liminar que antecede e com o qual não se concorda. B20 - Nestes termos, deverá o despacho em crise soçobrar e ser substituído por outro que dê abrigo ao entendimento agora postulado, havendo os autos de cancelamento prosseguir para produção de prova, até à decisão final – isto nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 230.º, CEP.”
1.2. Respondeu o MP junto do Tribunal de Execução das Penas, pugnando pela improcedência do recurso e terminando com as conclusões seguintes (transcrição):
“ 1- O art. 412º, nº 1 do CPP prescreve que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as conclusões do pedido. São estas a que importa responder, que definem o objecto processual do recurso, e será apenas quanto a estas que nos pronunciaremos. 2 - Em síntese, diz a recorrente que apresentou um pedido para cancelamento total da decisão condenatória constante do seu CRC para fins de “obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego” – sic. 3 - Refere que cumpriu a condenação então arbitrada, de pena de multa, e que esta se encontra extinta. Adianta que está reinserida e que interiorizou a censura penal, que é trabalhadora e profissionalmente respeitada. 4 - Entende que a douta decisão proferida se excede em rigor, quando indefere a sua pretensão fundado no facto de não concretizar a finalidade específica da sua pretensão, ou nas palavras da recorrente: ”não sendo necessário o afã de densificação factual que o tribunal recorrido exige – desde logo, portanto, na verdade, resulta evidente qual seja a pretensão da requerente […] ” – sic. E relativamente aos argumentos apresentados pelo Exº Mandatário, não podemos deixar de aduzir que: 5 - A mera indicação de finalidade como obtenção de emprego ou criação do seu, sem mais, é manifestamente insuficiente para concretizar a sua pretensão. 6 - O processo de cancelamento provisório do registo criminal depende exclusivamente da iniciativa do cidadão requerente. Só por isso, tal impõe que sobre este recaia o ónus de alegar e provar a sua pretensão, com factos e indicando o direito. 7 - A questão a responder de que trabalho, emprego ou actividade pretende tomar para si, é fundamental, pois tal condiciona o conceito de reabilitação inserto na lei que pretende ver aplicada. 8 - A admissibilidade de acesso ao conteúdo do registo criminal determina que este manifeste também um importante papel de defesa da sociedade e concomitantemente, de reinserção social. Por isso melhor se compreende a vinculação a um específico e vinculado interesse da requerente. 9 - Quem melhor exprime a posição que assumimos é o Douto Acórdão do TRP proferido no p. nº986/15.0TXPRT-A.P1, que assim citamos. 10 - Por outro lado, o principio geral da proibição da prática de actos inúteis, em síntese de tudo o exposto supra, considerando o pedido e os seus fundamentos, sempre aconselharia ao indeferimento liminar. Note-se que a requerente foi convidada a definir em concreto qual era a sua pretensão, e a resposta a esse convite é a que supra citamos. 11 - Em jeito de síntese, não houve falta de qualquer exame crítico ou erro de apreciação da matéria de facto e de direito, nulidade ou ilegalidade de qualquer norma aplicável. 12 - Termos em que nada justifica, por não se verificarem quaisquer erros ou omissões na apreciação da matéria de facto e/ou de direito, e nenhuma norma legal foi violada, a revogação do douto despacho do MMº Juiz a quo. 13- Pelo exposto, e mantendo dessa forma a posição assumida processualmente, manifestamo-nos pela improcedência do recurso interposto.”
1.3. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, citando a propósito o acórdão desta Relação, de 17-10-2018, proferido n o recurso 833/17.9TXPRT-A.P1.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):
“ (…) Questão prévia obstativa do conhecimento do mérito da causa – da falta de indicação de objecto: A inscrição de uma condenação penal no registo criminal (CRC) constitui um efeito da prática de um crime que reflecte a articulação e o equilíbrio entre uma ordem jurídica, que contempla a socialização dos delinquentes como finalidade do sancionamento penal, com as exigências de defesa da comunidade perante os perigos de uma possível reincidência. Subjacente ao conceito de reabilitação (entendido como sinónimo de socialização do delinquente enquanto finalidade de prevenção especial positiva - definição de Peters: cit 3 “Reabilitação significa a recuperação jurídica da imagem social de um condenado dentro da comunidade jurídica”, a fls. § 1046, de F. Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime) está a reposição da capacidade de direitos, afectada pela condenação em pena de multa aplicada ao indivíduo/requerente e, por consequência, a recuperação da posição social afectada pela “infamia facti”, em três diferentes perspectivas, a social em que a reabilitação é a reintegração do indivíduo na sociedade, a jurídica em que o reabilitado é reinvestido na posição jurídica que detinha antes de condenações objecto de reabilitação, registral de reabilitação que resulta do cancelamento das inscrições e se traduz na ausência de antecedentes criminais. Daí que a propósito da finalidade do cancelamento provisório (a admissibilidade de acesso ao conteúdo do registo – faz com que este assuma, também, um papel importante de defesa social contra os perigos de reincidência. Embora como instrumento político-criminalmente, nesta perspectiva, seja duvidoso e contestável, nomeadamente em termos de socialização (…) potencia extraordinariamente o efeito em si inevitável (…) da difamação e estigmatização (…) – vide F. Dias, em As Consequência Jurídicas do Crime, fls. §1020 a 1023, cap. 18) a lei a limite e fixe nos termos do art. 12.º/1- L37/2015-5mai “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que: a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.” (sublinhado nosso). Este normativo, porém, tem que ser conciliado com o restante ordenamento jurídico, a saber lei que regula a actividade concreta pretendida, por ser esse o fim a que se destina o peticionado cancelamento dos antecedentes criminais do requerente, assim constituindo e firmando o global objecto dos autos (mormente por via do DL37/2015-10mar). Acresce ainda que, nos termos do disposto no art. 10º/5/6-L37/2015-5mai se refere que n.º 5 “sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado ou para o exercício de profissão ou de actividade em Portugal devem conter: a) as decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício; b) as decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) as decisões com conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado-membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis; nº. 6 – Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contém todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13º., bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado Membro ou de Estados Terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido (…)”. Explanando e descendo ao concreto dos autos. O processado de cancelamento provisório do registo criminal não é oficioso, antes depende da iniciativa do requerente. E, por isso mesmo, é ónus do requerente delimitar o objecto de pretensão para fim de enquadramento, sendo que tal ordem já operou por via de despacho transitado em julgado de finalidade. Dir-se-á que sem a indicação de objecto o Tribunal não sabe qual a pretensão E não o sabe porque a condenada, notificada para o efeito, declarou sem mais, que “com o presente pedido de cancelamento (…) tem em vista a obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego (…) ”. Tal alegação genérica e abstracta é de todo em todo insuficiente para preencher no plano factual o concreto objecto da pretensão deduzida, a qual fica, desta forma, esvaziada. Não se mostram, pois, reunida prova dos exigidos requisitos legais necessários ao deferimento da pretensão formulada - cancelamento (condicional) provisório do registo criminal – e, como tal, face a todo o supra exposto, em consequência, nos termos do art. 230º/2CEP, de forma mediata, decido indeferir liminarmente a petição apresentada, determinando o arquivamento dos autos. Condeno a requerente no pagamento da taxa de justiça pelo máximo legal, nos termos do art. 153º; 154ºCEP, art. 513º; 514º; 524ºCPP e Tabela III de reporte ao art. 8.º/9RCP (processo especial, com ou sem oposição, consoante o caso), acrescida dos encargos previstos no art. 16.º, ambos do RCP (DL34/2008 -26fev e alterações subsequentes). Notifique a requerente, e o Ministério Público – art. 232º/1CEP.
(…)”.
2.2. Matéria de Direito
É objecto do presente recurso o despacho que, nos termos do art. 230º, 2 do Código de Execução das Penas, indeferiu liminarmente o pedido de cancelamento provisório do registo criminal da requerente, por entender que a mesma não especificou a finalidade a que se destinava aquele certificado.
O despacho recorrido, na parte essencial que fundamentou a decisão, concluiu:
“ (…) Dir-se-á que sem a indicação de objecto o Tribunal não sabe qual a pretensão. E não o sabe porque a condenada, notificada para o efeito, declarou sem mais que, “com o presente pedido de cancelamento (…), tem em vista a obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego (…) ”. Tal alegação genérica e abstracta é de todo em todo insuficiente para preencher no plano factual o concreto objecto da pretensão deduzida, a qual fica, desta forma, esvaziada.
(…I ”.
Sustenta a recorrente que não tem que especificar nada mais do que alegou, sendo certo que a lei até permite que o cancelamento seja deferido quando o mesmo se destine a “qualquer outra finalidade” – art. 10º, n.º 6 da Lei n.º 37/2015. Considera assim que a exigência que levou o tribunal a indeferir liminarmente a sua pretensão não está prevista na lei.
Vejamos a questão.
A recorrente pediu o cancelamento provisório do seu registo criminal alegando, na parte que agora interessa, o seguinte: “Acresce, outrossim, que, atenta a condenação que vai averbada, a requerente se vê privada de participar em concursos públicos – o que se assume especialmente penalizante, considerando as funções que exerce actualmente”.
No seguimento de promoção do MP, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique a requerente para, em 5 dias, vir indicar qual o objectivo concreto para o qual pretende o cancelamento provisório do registo criminal”.
Após notificação do aludido despacho, a requerente esclareceu o tribunal que, “Com o presente pedido de cancelamento, a requerente tem em vista a obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego, sendo que, em qualquer situação, em função do caso concreto, pode vir a ser solicitado o respectivo certificado de registo – sendo esse o objectivo que procura com o presente pedido”.
Face à explicação da requerente, foi proferido o despacho ora recorrido, acima integralmente transcrito.
A questão não é nova nesta Relação.
Com efeito, no acórdão de 17-10-2018, proferido no recurso nº. 833/17.9TXPRT-A.P1, citado pelo Ex.º Procurador-geral Adjunto no seu parecer, decidiu-se o seguinte:
“ (…) O cancelamento provisório do registo criminal, não ocorre automaticamente verificados que sejam os requisitos formais das alíneas a),b) e c) do artº 12º da Lei nº 37/2015 de 5 de Maio, devendo ser requerido pelo interessado nos termos do artº 229º nº1 e 2 do CEPMPL. Como decorre do referido preceito o pedido de cancelamento provisório do registo criminal, está nos termos da lei subordinado a uma finalidade - emprego, público ou privado, de exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente previstos – prevista no nº1 do artº 229º nº5 e 6 do artº 10º, finalidade que o requerente deve especificar em requerimento fundamentado nos termos do nº2 do artº 229ºdo CEPMPL. Ora, foi este requisito processual de especificação da finalidade a que se destina o cancelamento provisório requerido, que o despacho recorrido considerou não verificado, após ter notificado o requerente para esclarecer a que finalidade se destinava o pedido. E em nosso entender considerou bem. A Lei visa através do instituto de cancelamento do registo criminal, quer definitivo quer provisório, facilitar a integração social do condenado, num equilíbrio com as finalidades do registo criminal constantes do artº 2º da Lei nº37/2015, que se relacionam com finalidades de prevenção da delinquência, na vertente de defesa da sociedade em relação a alguns tipos de criminalidade, como bem se expõe no acórdão desta Relação de 7/7/2016 proferido no proc. 986/15.0TXPRT-A.P1. Contudo, subjacente ao pedido de cancelamento provisório do registo, está um concreto interesse do requerente relacionado com a finalidade a que tal pedido se destina. Tal finalidade tem, que nos termos da lei, ser especificada, não bastando com o devido respeito o interesse geral de poder candidatar-se “a qualquer actividade profissional” como alega o recorrente, pois essa finalidade sendo abstractamente comum a qualquer pessoa, estaria sempre abstractamente verificada, o que transformaria o cancelamento provisório no regime regra - verificados os pressupostos das alíneas do artº 12º da Lei da Lei nº 37/2015 - dispensando a avaliação judicial quanto ao juízo de necessidade de tal cancelamento. A lei exige que o requerente especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, a qual não é uma finalidade hipotética, mas concreta. O esclarecimento efectuado pelo recorrente, após para tal ser notificado, de que pretende candidatar-se “a qualquer actividade profissional que possa surgir”, não podendo “ ora, informar o Tribunal, com certeza e/ou segurança, qual a natureza do trabalho, a que se irá candidatar, todavia equaciona, caso surja a possibilidade e interesse, candidatar-se ao exercício da actividade de segurança privada”, é apenas uma hipótese abstracta e eventual não integrando qualquer finalidade concreta. Não tendo recorrente indicado a concreta finalidade a que se destina o cancelamento do registo, depois de para tal ter sido notificado, não restava outro caminho judicial que fosse o do indeferimento do pedido por falta daquele pressuposto processual. Improcede pois o recurso.
(…) ”.
A nosso ver, deve manter-se a decisão recorrida, pois não existem razões válidas para nos afastarmos do entendimento seguido no citado (e transcrito) acórdão desta Relação, nem a argumentação da recorrente é susceptível de alterar tal posição.
Em primeiro lugar, existe uma base legal – literal – no sentido de ser exigida uma indicação especificada do fim a que se destina o cancelamento do registo criminal, no art. 229º, 2, do Código de Execução das Penas. Na verdade, refere este preceito legal que o cancelamento pode ser requerido por uma das pessoas nele indicadas, a qual “especifica a finalidade a que se destina o cancelamento”. Igual exigência é feita no art. 10º, n.º 6 da Lei n.º 37/2015, ao referir, na parte final, o dever do requerente de “ (…) especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.”
Em segundo lugar, o acórdão citado pela recorrente – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-09-2018, proferido no processo 2027/17.4TXLSB-A.L1-5 - não se pronunciou sobre questão idêntica, mas sim sobre a questão de saber se a “aquisição da nacionalidade portuguesa” era uma das finalidades relativamente à qual era possível pedir o cancelamento provisório do registo criminal. De notar ainda que o segmento que neste recurso a recorrente transcreve, para justificar o seu entendimento, faz parte da decisão da primeira instância e não da fundamentação do acórdão. O que o acórdão disse foi o seguinte:
“ (…) Quer dizer, o que se tem de apurar – o Tribunal da Execução das Penas, a quem compete a decisão - face ao pedido formulado de cancelamento é qual a finalidade pretendida e se estão preenchidos cumulativamente os enunciados requisitos, não constando do diploma legal mencionado a previsão de qualquer circunstância liminarmente impeditiva do requerimento de cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do registo criminal. E, nem na invocada Lei da Nacionalidade – Lei nº 37/81, de 03/10, na sua versão actualizada – se consagram quaisquer impedimentos a esse pedido, ao contrário do que entendeu o legislador estabelecer no artigo 4º, da Lei nº 113/2009, de 17/09 (medidas de protecção de menores), pois, como bem alumia o Sr. Juiz a quo, “nos casos previstos na Lei no 113/2009 é que existem obstáculos legais ao acesso/recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.”
Como se vê, a questão apreciada no acórdão citado pela recorrente era a de saber se uma concreta finalidade – que tinha sido especificada no requerimento pedindo o cancelamento – era admissível, diferentemente da questão colocada na presente situação, em que está em causa saber se o requerente do pedido de cancelamento pode limitar-se a indicar, de modo genérico, o motivo da sua pretensão: “tendo em vista a obtenção de emprego ou a criação do próprio emprego”.
Em terceiro lugar, decorre do art. 229º, 1 do Código de Execução das Penas que o pedido de cancelamento provisório tem um âmbito limitado à finalidade pretendida. Com efeito, diz-nos o referido artigo que o cancelamento provisório não é total e compreende apenas as “decisões que devessem constar dos certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins”. Portanto, a exigência do n.º 2 deste preceito, ao impor ao requerente que “especifique a finalidade que que se destina o cancelamento”, não pode ser genericamente indicada, pois é essa concreta e específica finalidade que vai determinar quais as decisões que não vão constar do certificado de registo e que, em condições normais, dele deveriam constar.
Nestes termos, impõe-se negar provimento ao recurso e consequentemente manter a decisão recorrida.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em, 4 UC.