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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE
Sumário
Os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para acção de investigação oficiosa de paternidade de menor nascida em Portugal, aqui registada e vivente, filha de mãe estrangeira e com o pretenso pai também residente no estrangeiro.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
O Ministério Público instaurou acção de investigação oficiosa de paternidade com a qual pretende ver judicialmente reconhecida a paternidade da menor B………., nascida na freguesia de ………., Porto, em 24 de Setembro de 2004, registada como filha de C………., residente na Rua ………., Porto, imputando ao réu D………. a sua paternidade, o qual tem nacionalidade brasileira, é natural do Brasil e tem residência no Brasil.
Alega que, em Fevereiro de 2004 a mãe da menor conheceu o pretendo pai, em ………., no Estado de ………., Brasil, surgindo então um relacionamento amoroso, em resultado do qual mantiveram relações sexuais de cópula completa, de modo regular e assíduo, que perdurou durante alguns meses e enquanto a C………. ali se encontrava, resultando a sua gravidez.
Em Abril de 2004, a mãe da menor veio para Portugal, residir com seus pais e ocorreu aqui o nascimento.
Entre Fevereiro e Setembro de 2004 a C………. apenas com o réu manteve relações de trato carnal, não mantendo desde então relações de sexo com qualquer outro homem que não o D………., que todos os que a conhecem a têm como mulher de porte moral irrepreensível e não souberam de qualquer relacionamento desta durante aquele período, sendo que todos atribuem àquele a paternidade.
Perante estes factos, o tribunal considerou-se internacionalmente incompetente julgar a presente acção.
Inconformado, recorre o M.P..
Apresenta alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II - Fundamentos do recurso
Limitam o âmbito dos recursos as conclusões que nele são apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -
No caso, foram:
1º - A determinação da competência internacional dos tribunais portugueses em acção de investigação oficiosa da paternidade de menor, nascido em Portugal e aqui residente, filho de mãe brasileira e de suposto pai também brasileiro, afere-se pelas regras adjectivas do regime geral contido nos artigos 61º e 65º do CPC
2. As circunstâncias que constituem as alíneas do n° 1 do art.65° do C.P. Civil não são entre si cumulativas.
3. Sendo suficiente para que se legitime a competência internacional dos tribunais portugueses a verificação de qualquer uma delas
4. A acção de investigação oficiosa de paternidade, proposta nos autos, é uma acção complexa, fazendo parte da causa de pedir todos os factos que a integram e que a determinam.
5. A produção de um desses factos em território nacional, posto que invocado na petição inicial, é relevante só por si para conferir aos tribunais portugueses competência internacional.
6. Nos arts. 1°, 2°, 10°, 11° e 26° da petição inicial estão alegados factos ocorridos em território nacional, que têm relação de causalidade directa com o acto procriativo.
7. Para além disso, havendo factos que beneficiem de quaisquer das presunções legais do art. 1871°- 1 do C. Civil, consumados em território português, por conexão o foro luso assume competência internacional.
8. Nos arts. 12°, 13°, 14°, 15° e 26° da petição inicial estão invocados factos, que gozam dessa presunção legal, acontecidos, pelo menos em parte, no nosso país;
9. Não se encontra pois afastada a aplicação da alínea c) do n° 1 do art.65° do C.P. Civil.
10. Nas acções oficiosas de investigação de paternidade, o estado, representado pelo M.P. é verdadeiramente o interessado principal e não mero representante do menor, porque está a exercer um direito próprio.
11. Ora, sendo o estado titular de um direito próprio, a esse direito tem de corresponder uma acção destinada afazê-lo reconhecer em juízo.
12. Tendo em conta a existência de uma sentença de viabilidade, com foros de julgado, e de acordo com o disposto no art. 2°, 2 do C.P. Civil e no art. 1865°- 5 do C. Civil.
13. E não havendo, conforme se reconhece no despacho agravado, através do ordenamento jurídico brasileiro, possibilidade de vir a intentar autonomamente acção oficiosa similar.
14. O direito do estado português em investigar a paternidade só poderá efectivar-se mediante propositura da correspondente acção em tribunal português.
15. Sendo certo que entre a acção e o território português existe o requisito "elemento ponderoso de conexão pessoal", visto o autor ser o estado português e a menor residir em Portugal.
16. A legitimidade do autor estado português e da sua representação pelo M.P., bem como o fundamento legal para intentar a acção oficiosa dos autos encontram-se perfeitamente alegados nos arts. 21 ° a 24° da petição inicial.
17. A conexão entre o autor estado português e a residência da menor em Portugal constam invocadas nos arts.23° e 25° da petição inicial.
18. A premência em o direito do estado português vir a efectivar-se em tempo útil e apenas pela presente acção deriva dos arts. 24° e 27° da petição inicial.
19. É assim inteiramente pertinente a aplicação da alínea d) do n° 1 do art. 65° do C. P. Civil.
20. Por último, domiciliada a menor em Portugal e estando o réu domiciliado no Brasil, onde foi citado, caberá ainda ao foro luso, de acordo com as normas conjugadas dos arts. 85°-3 e 65°-1-b) do C. P. Civil, por conexão territorial, a competência internacional.
21. Ao declarar-se incompetente em razão da soberania para conhecer e vir a julgar e decidir na presente acção, o tribunal da 1ª instância do qual se recorre violou as regras da competência internacional.
22. Contidas nos comandos adjectivos dos arts. 2°-2, 61°, 65°-1-b), c) e d), e 85° - 3 do C.P. Civil.
23. E ainda nas normas substantivas dos arts. 1865°-5, 1866°-b) e 1873° do C. Civil.
Deve revogar-se o despacho em crise e substituir-se por outro que reconheça a competência internacional do tribunal recorrido para conhecer, apreciar, julgar e decidir a acção de investigação oficiosa de paternidade proposta pelo M.P.
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III - Os Factos e o Direito
Os factos com relevo para a apreciação da estão acima expostos e conduzem-se, resumidamente, ao nascimento de uma menor em Portugal, aqui registada e vivente, filha de mãe brasileira, também aqui residente e de pai brasileiro, lá residente.
Relevante também para a apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses é o facto de se estar perante uma acção de investigação de paternidade, com autoria do M.P.
O artigo 65º do CPC, relativo precisamente aos factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, consagra:
“Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. (sublinhados nossos)
Iniciando a nossa apreciação pela al. c), verificamos que aí se fixa que «ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram»
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 26 e segts, explica que aqui se consagra o princípio da causalidade o qual teve em vista a obviar a exclusão da competência internacional dos tribunais portugueses de várias acções, mau grado a forte conexão que eventualmente apresentassem com o nosso território, principalmente quando se está perante uma causa de pedir complexa
E exemplifica com as acções de investigação de paternidade e, de maneira geral, a todas as que apresentem causa de pedir complexa, segundo o qual se há-de entender que não é necessário que todo o conjunto de factos integrativos da causa de pedir surjam e se desenvolvam em Portugal, bastando a ocorrência de algum ou alguns.
E explica ainda que este entendimento resulta da finalidade da lei, qual seja a preocupação do legislador em alargar tanto quanto possível o âmbito da competência internacional dos tribunais portugueses
Na monografia A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, 1989, pág. 51, Miguel Teixeira de Sousa, anota que, segundo o princípio da causalidade, a acção pode ser instaurada quando a causa de pedir foi praticada em território português, constituindo a causa de pedir o facto ou o composto factual que individualiza o pedido deduzido pelo autor.
Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 202, acentua que, quando a causa de pedir é complexa, envolvendo mais de um facto, bastará em regra a circunstância de um deles ter ocorrido em Portugal para legitimar a competência dos tribunais portugueses.
«…………., sendo complexa a causa de pedir, basta que algum dos factos que a integram tenha sido praticado em território português ……» - Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, pág. 102.
A causa de pedir define-se como sendo o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor - Manuel de Andrade, Noções Elementares de P. Civil -.
Diremos, Ac. STJ, de 23 de Setembro de 1997, BMJ, 469/448, que a causa de pedir assenta nos fundamentos constituídos por pontos de facto com função instrumental (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que é aquela causa de pedir (facto jurídico). Muitas vezes os pontos de facto são múltiplos, complexificando a causa de pedir.
É sabido que nas acções de investigação de paternidade, a causa de pedir é complexa, centrada na procriação e estruturada no acto gerador da gravidez, com as relações sexuais entre a mãe e o investigado nesse período e em exclusividade.
Integra tal causa de pedir não só o acto de procriação, como o conjunto de factos exigidos por lei para que a acção possa ser julgada procedente.
Mas tal prova, pode ser efectuada de forma indirecta, através das presunções legais de paternidade previstas no art. 1871º do CC e mesmo por forma indirecta por recurso a presunções naturais ou judiciais do art. 351º do CC - Lopes do Rego, RMP, 58º/166 -
Ora, com estes ensinamentos e aplicando-os ao caso concreto, verificamos que o autor, na sua petição, alega factos concretos cuja consumação se efectuou em Portugal, como sejam o nascimento e registo da menor em território nacional.
Por outro lado, alega ainda factos relevantes para o destino da acção, como sejam, a alegação de que desde Fevereiro de 2004 a Setembro de 2004, a mãe da menor apenas com o réu manteve relações de sexo, não mais mantendo com outro homem, designadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento, sendo certo que a 11 de Abril de 2004 veio residir para Portugal, para casa dos seus pais, que o nascimento é prematura, de sete meses de gravidez, como ainda a alegação de que todos conhecem a mãe da menor como mulher de porte moral irrepreensível e não conhecem outro relacionamento com qualquer outro homem e todos quanto a conhecem apenas ao D………. atribuem a paternidade, integram o conceito da al. c) do art. 65º do CPC, ainda que alguns apenas parcialmente possam ter ocorrido em território nacional.
Assim, considerando-se que será suficiente para legitimar a competência internacional dos tribunais portugueses a verificação de qualquer facto constitutivo da causa de pedir complexa da acção de investigação de paternidade, bastando a prática de um deles, então, no caso concreto, verifica-se tal competência.
Analisado ainda o Acórdão de 25-11-2004, do Ex.mo Conselheiro Dr. Araújo de Barros, disponível http://www.stj.pt a que o tribunal faz expressa referência, diremos que o mesmo satisfaz e reforça o entendimento agora manifestado.
De facto, quando diz «Cada um dos factores atributivos de competência, prevenidos no art. 65 do CPC, tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes, ou seja, uma vez verificada qualquer das circunstâncias enumeradas nessas alíneas, tem-se desde logo como reconhecida a competência internacional dos tribunais portugueses.
Pelo critério da causalidade (alínea c) do n.º 1 do citado preceito) a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir foi praticado em território português, sendo ainda que, se a causa de pedir for complexa, basta que tenha ocorrido em Portugal qualquer dos factos que a integram.
Nas acções de investigação de paternidade em que o autor afirme a existência de alguma das presunções destacadas no art. 1871 do CC, cabe a ele apenas o ónus de alegar (e provar) os factos correspondentes à presunção especificamente invocada, incumbindo, por seu turno, ao réu alegar e provar que, não obstante a verificação dos factos concretos, que constitui a base de presunção legal (a posse de estado, o concubinato duradouro, o escrito do pai...), o investigado não teve relações com a mãe do investigante no período da concepção ou que, tendo-as tido, não foram elas a causa geradora da procriação.
Apesar de se dever entender que o facto jurídico procriador (relação sexual fecundante) constitui a causa de pedir nas acções de investigação de paternidade apenas fundadas nas relações sexuais exclusivas entre a mãe e o pretenso pai, durante o período da concepção, nas acções em que se alegam e invocam factos constitutivos das presunções legais do art. 1781 do CC, a presunção ou presunções em que o autor se funda integram-se na causa de pedir, dela fazendo também parte».
Mas analisemos agora a segunda razão invocada pelo agravante para que se considere ser o tribunal português internacionalmente competente.
E centra-se o problema na visão da al. d) do artigo 65º do CPC que reza:
- Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. (sublinhados nossos)
Precisemos, para o caso que interessa,
«ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real».
Aqui, o legislador atendeu ao princípio da necessidade, cuja finalidade é prevenir a impossibilidade de efectivação do direito exigindo, porém, que haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Explica Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, pág. 134, que a afirmação da competência dos tribunais portugueses com este fundamento tem como desiderato evitar conversão deste factor atributivo de competência numa lição de “altruísmo judiciário”, considerando que este requisito já era anteriormente defendido.
Ora, a acção aqui intentada de investigação de paternidade tem como suporte e surge na sequência da averiguação oficiosa de paternidade anteriormente realizada pelo M.P e esta ocorre e justifica-se, segundo o art. 1864º do CC, sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida.
E o M.P, que age, não em representação do Estado, mas “ex officio”, tendo legitimidade para, durante a menoridade do menor, intentar a respectiva acção - n.º 5 do art. 1865º e 1886º do CC -
Nesta acção, o Estado Português actua - art. 2º n.º 2 do CPC -, com vista à obtenção de uma situação de certeza no que respeita às relações de filiação e paternidade dentro do seu estado, na procura da constituição da filiação - art. 56º do CC -.
E este específico interesse do Estado, verdadeiro interesse público, tem a sua origem no facto de o registo de nascimento do menor acontecer e estar lavrado em assento em Portugal, concretamente na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto, com o n.º … e, para além disso, de aqui ter o menor a sua residência, conjuntamente com a mãe.
E como se afirma em decisão publicada em CJ, 1988, Tomo 3º, pág. 341, «Não pode deixar de considerar-se como “ponderoso elemento de conexão pessoal com o território português» a circunstância de a menor e sua mãe nele terem a sua residência».
Em conclusão, tanto pelo fixado na al. c) como na al. d) do art. 65º do CPC, podemos afirmar que o tribunal será o competente, internacionalmente, para apreciar e decidir a acção de investigação de paternidade que o M.P. intentou, dado que há factos que integram a causa de pedir desta acção que se consumaram em território nacional.
É certo que os argumentos usados pelo tribunal a quo para defenderem a sua posição, são também credíveis e justificáveis.
Só que, na ponderação de uns e de outros, temos como mais ajustáveis com o espírito e finalidade da lei este entendimento.
Tanto mais que, embora sendo certo que o simples nascimento de um menor não é causa de pedir da acção de investigação de paternidade, seria de todo injustificável que alguém que nasce em Portugal, em que o Estado, por intermédio da Conservatória do Registo Civil, aceita lavrar o respectivo assento de nascimento, de alguém que, ainda por cima, reside em Portugal com a sua mãe, mesmo que esta de nacionalidade brasileira, que pelos respectivos tribunais (Estado) se instaura a competente averiguação oficiosa de paternidade, considerada viável, lhe seja agora negado o apoio para consequente acção de investigação de paternidade, sendo que o pretenso pai é conhecido, embora cidadão brasileiro e com residência nesse país, com o argumento de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Por tudo isto, consideramos que os tribunais portugueses têm competência para conhecer, julgar e decidir de acção de investigação de paternidade, oficiosa, nascendo o menor em Portugal e aqui residindo com sua mãe e avós, sendo a mãe e indigitado pai de nacionalidade brasileira, residindo este no Brasil.
A decisão proferida terá de ser revogada e substituída por outra em que considere o tribunal internacionalmente competente para julgar a presente acção de investigação de paternidade, prosseguindo a acção.
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IV - Decisão
Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, no sentido acima exposto.
Sem custas
Porto, 16 de Abril de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome