HOMICÍDIO QUALIFICADO
PESSOA PARTICULARMENTE INDEFESA
CRUELDADE
CO-AUTORIA
CONSTITUCIONALIDADE
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
QUESTÃO NOVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Sumário

I - Alega o recorrente que o tribunal recorrido ao decidir nos moldes em que o fez incorreu em violação das normas dos arts. 32.º da CRP, 6.º da CEDH, e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas limita-se a produzir tais afirmações, sem densificar minimamente esse seu entendimento, o que só por si determina o não conhecimento do recurso nesse segmento, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 641,º do CPC, aqui aplicável por força do art. 4.º do CPP.
II - Pese embora no art. 434.º do CPP se faça menção ao disposto no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do citado diploma, certo é que o conhecimento dos referidos vícios pelo STJ acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. O STJ pode pronunciar-se sobre os mencionados vícios relativos à matéria de facto apenas oficiosamente, se resultarem do próprio texto da decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios, condicionalismo que, no caso sub juditio se entende não ocorrer.
III - Não tendo o recorrente suscitado a questão atinente de participação do recorrente, como cúmplice, no crime de homicídio, perante o Tribunal da Relação aquando do recurso que para ele interpôs, ao STJ estará, por princípio, vedado, a requerimento daquele, o seu conhecimento, o que não significa que não possa oficiosamente fazê-lo em sede de qualificação jurídica dos factos, visto esta questão ser de conhecimento oficioso.
IV - Inexiste nulidade da decisão por omissão de pronúncia, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, se a Relação não só apreciou e decidiu a questão que o recorrente colocou no recurso que interpôs para o mesmo tribunal como fez de forma fundamentada só que em moldes diversos do que o mesmo pretenderia.
V - A provecta idade da vítima (89 anos) e o seu estado debilitado de saúde - por demais conhecido da arguida que há muito a conhecia e com quem lidava - foram aspectos a que, de acordo com as regras da experiência comum, os arguidos S e E tiveram necessariamente de ponderar quando, pelo menos com um mês de antecedência, planearam o roubo, a forma da sua deslocação e os meios que haviam de utilizar para colocarem a vítima na impossibilidade de lhes resistir.
VI - Para além de que por demais manifesta sempre resultará, face às regras da experiência comum, a extrema vulnerabilidade e congruente incapacidade de resistência da vítima aos propósitos homicidas dos arguidos, atendendo à avançada idade e estado de saúde da primeira (89 anos) e dos últimos (34 anos a arguida S e 26 anos o arguido E) e à robustez destes em relação àquela que, para lá da debilidade inerente à sua idade e estado de saúde, por via da ingestão de fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo que a arguida lhe ministrou se encontrava meio adormecida e sem reacção.
VII - O estado de letargia aproveitado pelo arguido E para enrolar à volta da boca e do pescoço da vítima um cinto, que apertou com força e, simultaneamente com a arguida S, pressionar sobre a boca do ofendido uma almofada até o mesmo deixar de respirar é uma facticidade que, globalmente apreciada, não pode deixar de reclamar um acrescido juízo de censura em relação à conduta havida pelos arguidos que, com ela, deram mostras de ser portadores de um carácter desapiedado, cruel, insensível, integrando tal conduta a circunstância prevista na al. c) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
VIII - Para integração da circunstância prevista na al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP, são merecedoras de um especial juízo de censura as múltiplas e sucessivas manobras efectuadas pelo arguido E e pela arguida S sobre o corpo da vítima que se encontrava adormecida e sem reacção em resultado dos socos que o primeiro lhe desferira na barriga, na boca e na testa e também dos fármacos com propriedades psicóticas e efeitos sedativos que, com bebida alcoólica, a segunda lhe administrara - com o objectivo procurado, querido e conseguido de, inviabilizando qualquer resistência da sua parte, lhe ocasionarem a morte por asfixia mecânica. Desiderato que, de harmonia com a matéria de facto provada, os arguidos reflectida e tenazmente concretizaram indiferentes ao sofrimento a que submeteram a vítima até esta sucumbir.
IX - A doutrina e também a jurisprudência, designadamente deste STJ, tem entendido que a co-autoria define-se pela existência de um acordo prévio, expresso ou implícito, entre os agentes em ordem à realização de um facto ilícito típico, em que, embora não sendo imprescindível que cada co-autor tome parte activa e decisiva em todos os actos de execução, exige-se que aquele ou aqueles actos em que participe se mostrem essenciais para a obtenção do resultado visado e querido.
X - Resultando dos factos provados que o arguido E teve, tal como a arguida S, o completo domínio funcional do facto, de sorte que os actos que praticou, com vista a ser executado o projecto comum gizado, foram preponderantes, essenciais para a obtenção do resultado ilícito típico, procurado e querido por ambos: a morte do ofendido, tendo a actuação do arguido E obedecido a uma decisão conjunta e a uma execução igualmente conjunta, por claro tem-se que o mesmo agiu como co-autor material, e não como mero cúmplice.
XI - Com respeito às penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e de 7 anos de prisão aplicadas ao arguido E e de 1 ano e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão impostas à arguida S, pela prática, em co-autoria, de um crime de burla informática e nas comunicações e de um crime de roubo agravado, a decisão ora sob impugnação é irrecorrível, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP.
XII - Ponderando a elevada ilicitude de que se revestem os factos configurativos do crime de homicídio qualificado, culpa acentuada dos arguidos que agiram com dolo directo, as suas motivações (única e exclusivamente a obtenção de lucro) e a circunstância de não terem emitido sinais seguros de interiorização da sua culpa, já que apenas parcialmente admitiram a sua responsabilidade, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, mas depondo a favor dos recorrentes, a ausência de antecedentes criminais, a admissão parcial que fizeram de alguns dos factos ilícitos da sua responsabilidade, a sua idade à data da prática dos crimes (o arguido contava 26 anos e a arguida 34 anos) e à sua situação social e familiar, conclui-se que, no âmbito da respectiva moldura abstracta prevista para o referenciado crime de homicídio qualificado, as penas 21 anos e de 20 anos de prisão impostas, respectivamente, aos arguidos S e E, revelando-se algo excessivas, exigem a devida correcção por forma a situarem-se em 20 anos de prisão a da arguida S e em 18 (dezoito) anos a do arguido E.
XIII - Perante as molduras abstractas do concurso aplicáveis aos arguidos S e E de 20 a 25 anos de prisão e de 18 a 25 anos de prisão, respectivamente, recuperando, tudo quanto imediatamente antes se aduziu, com especial enfoque para o grau de ilicitude dos factos no seu conjunto e para a personalidade dos arguidos neles projectada, julga-se que, as penas conjuntas de 22 anos de prisão e de 20 anos de prisão a aplicar, respectivamente, à arguida S e ao arguido E, revelando-se ainda adequadas à sua culpa e proporcionais às exigências de prevenção geral e especial, cumprem de forma satisfatória as finalidades da punição.

Texto Integral

*

I. Relatório

1.

No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, e no âmbito do Processo número 1104/17.6JAPRT, foram, por acórdão de 30.05.2018, julgados e, a final, condenados:

A. A arguida AA, como co-autora, sob a forma consumada, e em concurso efectivo, de:

- Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 204.º, número 2, alínea f), e 210.º, número 1, número 2, al. b), do Código Penal, praticado em 11.04.2017, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão,

- Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 131.º, número 1, 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e j), do Código Penal, praticado em 11.04.2017, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão,

- Um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 221.º, número 1, do Código Penal, cujo último acto ocorreu em 18-04-2017, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi a arguida AA condenada na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;

B. O arguido BB, como co-autor, sob a forma consumada, e em concurso efectivo, de:

Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 204.º, número 2, alínea f), e 210.º, número 1, número 2, al. b), do Código Penal, praticado em 11.04.2017, na pena de 7 (sete) anos de prisão,

- Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 131.º, número 1, 132.º, números 1, 2, alíneas c), e j), do Código Penal, praticado em 11.04.2017, na pena de 20 (vinte) anos de prisão,

- Um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 221.º, número 1, do Código Penal, cujo último acto ocorreu em 18.04.2017, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido BB condenado na pena única de 24 (vinte e quatro) anos de prisão.

2.

Inconformados com esta decisão, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12.09.2018, decidiu negar-lhes provimento.

3.

Irresignados com a referida decisão interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:

- A arguida AA, que extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões:

“1. Pelo exposto, ao aceitar-se tal decisão, atendendo ao grau de culpa, às exigências de prevenção, à idade da arguida no momento da prática dos mesmos, aos seus prolemas de saúde, considerando, em conjunto os factos e a personalidade da arguida, as penas parcelares aplicadas poderiam e deveriam ter sido inferiores.

2. A douta decisão violou os artºs 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal.

3. Assim, deve o douto acórdão impugnado ser substituído por outro que determine:

Que a pena única, resultante das penas parcelares, se traduza numa pena de prisão inferior aos 25 anos, como se pede, e que se apresenta ajustada e equilibrada”;

- O arguido BB que extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões:

“1. Considera-se necessário que exista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma desqualificação quanto aos factos práticos qualificados como Homicídio pelo arguido BB.

2. O arguido deveria e deve manter a sua condenação em co-autoria pelo Crime de Roubo Agravado, mas em medida diferente, crime esse punido pelo artigo 210.º, n.º 2 do Código Penal, que o próprio confessou integralmente, confissão essa tanto quanto à prática do crime, bem como, à realização de todos os actos preparatórios para levar a cabo a sua execução.

3. Já relativamente ao crime de Homicídio Qualificado, o arguido BB foi condenado como Co-autor nos termos do art.º 26.º do C.P, quando deveria tê-lo sido enquanto cúmplice nos termos do art.º 27.º do C.P.

4. A Co-autoria, prevista no artigo 26.º do Código penal exige “um acordo prévio com vista à realização do fato, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado.”

5. Entendemos que o arguido BB é assim não co-autor na prática do crime de Homicídio, mas sim cúmplice, estando sobre o regime do artigo 27.º do Código penal e não caindo no âmbito de aplicação do artigo 26.º do mesmo Código, visto que “a cumplicidade pressupõe a existência de um fato praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o fato principal.”

6. A verdade é que os actos preparatórios realizados pelo Arguido e por AA em Co-autoria tinham em vista a prática do Crime de Roubo, pura e simplesmente. O resultado que o arguido pretendia atingir era só e apenas esse, não podendo ser Co autor visto que não foi obtido entre BB e AA “um acordo prévio com vista à realização desse facto”, e quanto ao que o Homicídio diz respeito, o arguido ... apenas “ facilitou o facto principal”, aqui entenda-se fato principal planeado por ..., que conhecia o Ofendido e que já tinha em vista o resultado morte.

AD Cautelum

7. Se, irremediavelmente, o Supremo Tribunal entender que o arguido BB é co-autor no crime de Homicídio, como já ressalvámos em 1ª Instância e no Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, não podemos, de todo, admitir que mesmo arguido possa continuar a ser condenado pelo crime de Homicídio Qualificado nos termos do artigo 132.º n.º 2 al. c) com a agravação da al. j) do Código Penal, pois consideramos que o crime cometido, NO MÁXIMO, fará com que o arguido seja condenado por Homicídio Simples, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal.

8. Para além disso, e relativamente ao que ao arguido BB diz respeito, não podemos considerar que este seja condenado por crime cometido contra pessoa “especialmente vulnerável”, o que causa uma agravação na medida da pena, porquanto, o referido arguido desconhecia, por completo, a identidade do ofendido, não sabendo a sua idade ou se padecia de qualquer doença, factos esses que apenas eram conhecidos pela arguida AA, pelo que, não podem ser àquele imputados, pelo menos para efeitos de agravação e qualificação do crime, visto que ninguém pode ser julgado por factos que desconhecia.

9. Violou assim o tribunal a quo os artigos 127.º e 132.º do CPP e ainda os art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, art.º 6.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.º 10º da Declaração Universal do Direitos do Homem.

10. Não sendo nossa intenção julgar ou condenar a arguida AA é necessário diferenciar os actos praticados pelos arguidos, assim como as circunstâncias em que cada um os pratica, na medida em que, como já alegámos, a qualificação deste homicídio não pode ser classificada para ambos da mesma forma.

11. Por outro lado e a reforçar o supra exposto, realça-se que o arguido BB vai preparado para o Roubo, com a cara tapada e usando luvas, sendo que a arguida AA para além de se fazer anunciar à vítima, leva consigo o seu filho menor, com 14 anos de idade, leva medicamentos seus para dar a tomar ao ofendido, o que desde logo indicia um animus voluntas e domandi muito diferente dos do arguido BB.

12. Tais diferenças de comportamento e postura entre os arguidos exigiam e exigem, que as concretas condenações pelo crime de Homicídio sejam diferenciadas na sua qualificação, assim como as respectivas medidas da pena.

13. O artigo 127.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, afirmando que “A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

14. Também segundo Cavaleiro Ferreira, a livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”. Nesse sentido, Teresa Beleza afirma que “O valor dos meios de prova (...) não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo.”

15. Importante, parece-nos, é realçar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código do Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram (ou não) nos autos, nomeadamente em Audiência de Discussão e Julgamento), sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio, assim deveriam os Tribunais inferiores ter dado igual importância aos depoimento e as declarações de ambos os arguidos, BB e AA, o que não se verificou.

16. Posto isto, o Acórdão emanado pelo Tribunal de 1ª Instância e o do colendo Tribunal da Relação do Porto que o confirmou na íntegra, não efectuaram uma análise crítica de toda a prova, com referência às regras da experiência comum, ao contrário, fizeram-no de forma arbitrária, já que se valorou muito mais os depoimentos e declarações da arguida AA do que do Arguido BB, como é visível desde logo pela forma como valoram mais o que a arguida AA diz sobre a forma como os factos aconteceram, nomeadamente os praticados pelo arguido BB, em detrimento do que o próprio diz.

17. Efectivamente, veja-se que os seus depoimentos e declarações são descredibilizados pois que considera o tribunal que a mesma foi incoerente ao longo do processo e porque de todas as vezes que prestou declarações apresentou uma versão diferente dos factos.

18. Mas para condenar o arguido BB, já as declarações da arguida AA serviram como meio essencial de prova (já que mais nenhum elemento de prova foi convocado), tendo o tribunal formado a sua convicção relativamente às acções do arguido BB com base naquelas que foram as várias versões da arguida AA, algumas até incoerentes entre si e em confronto com o Relatório Médico-legal.

19. Deverá pois ser apreciada a forma como os tribunais de 1ª instância e o tribunal da Relação aplicaram o princípio da livre apreciação da prova – art.º 127.º do CPP e o interpretaram, para se concluir que o fizeram de forma ilegal, arbitrária e injusta, tendo-o assim violado, tal como precludiram o direito a um julgamento justo e equitativo, violando igualmente os art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, art.º 6.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.º 10.º da Declaração Universal do Direitos do Homem.

20. A violação directa e efectiva do Princípio da Investigação Oficiosa e da Descoberta da Verdade Material é visível no não chamamento dos meios de prova necessários para a descoberta da verdade, nomeadamente, a não convocação pelo Tribunal e/ou Ministério Público como testemunha do filho da arguida AA, EE, que participou em todos os crimes realizados pelos Arguidos e contra o qual corre neste momento um processo tutelar educativo por este ser menor de 16 anos.

21. Consideramos que tendo o menor participado na prática do crime seria de suma importância o seu depoimento como testemunha, o que qualquer das partes poderia ter feito.

22. Contudo, tendo o mesmo sido por diversas vezes sido referido, aparecendo e colaborando na reconstituição dos locais, assim como nas fotos dos levantamentos com os cartões multibanco e de crédito, consideramos a sua convocação como testemunha é um dever do tribunal, que não o tendo feito violou os princípios supra referidos, aos quais todos os órgãos judiciais estão subjugados.

23. Por outro lado, o facto do perito médico-legal não ter sido convocado para prestar esclarecimentos ao tribunal, levou a que o mesmo desse como provados factos incompatíveis com as conclusões do mesmo.

24. É certo que o arguido ... requereu que o perito médico-legal fosse chamado a tais esclarecimentos e que o tribunal de 1ª Instância considerou que tal não se mostrava naquela fase justificado.

25. Assim, e nessa medida, considerou o Recorrente que o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação desrespeitaram também o Princípio da Descoberta da Verdade Material e da Investigação Oficiosa (artigos 323.º e 340.º do Código do Processo Penal), pois não poderiam ter deixado de lado meios de prova necessários para a descoberta da verdade, como o não chamamento de EE, como testemunha, testemunha essa presente durante a prática dos crimes ao qual estes arguidos estão a ser condenados.

26. Na verdade, os princípios vertidos nestes artigos não se consubstanciam num poder discricionário, mas sim num rigoroso cumprimento da lei, e numa análise e interpretação criteriosa das provas conjugadas entre si e como um todo.

27. Sendo que a verdade é que se tivesse analisado e esclarecido em audiência de julgamento o relatório de autópsia, cuja linguagem técnica e necessariamente hermética para quem não é médico, acórdão do tribunal da Relação, sendo que a verdade é que o tribunal a quoaceitou como boa a explicação da arguida AA de que o ofendido faleceu por asfixia com uma almofada, mas a verdade é que das conclusões do Relatório Médico-legal resulta coisa diferente, o que poderia ter sido melhor esclarecido em sede de Audiência se o tribunal de 1ª Instância tivesse chamado o perito médico-legal. Assim, considera-se que é violado o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que exige um julgamento equitativo e justo a todos os cidadãos, o que não aconteceu na condenação do arguido BB nos tribunais inferiores, tendo havido violação dos artigos para além do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, art.º 6.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.º 10.º da Declaração Universal do Direitos do Homem).

28. Considera o recorrente que tais falhas e omissões culminaram numa fundamentação insuficiente para a matéria de facto provada, da qual resulta o desrespeito pelas questões de Direito mencionadas.

29. E não se venha dizer, como disse o colendo tribunal da Relação do Porto que nenhuma nulidade se pode invocar nesta fase, nem mesmo que o arguido BB possa suscitar tal questão nesta fase, pois que esta violação de princípios fundamentais diz respeito à actuação dos órgãos judiciais e a sua omissão traduz-se normalmente, neste caso em particular numa gravíssima violação dos direitos fundamentais do arguido BB, uma vez que levaram a uma condenação injusta, mal fundamentada e por inaceitável.

30. O colendo Tribunal da Relação do Porto aliás, praticamente não se pronuncia sobre esta questão, resolvendo-a sem qualquer fundamentação que nos permita compreender o alcance do que pretende ao dizer que:

“Impõe-se observar que a nulidade prevista no citado artigo 344º nº 1 se traduz na omissão de diligência para a descoberta da verdade, enquadrada na previsão do artigo 120º nº 2 al. b) do Código de Processo Penal pelo que sempre seria de se considerar sanada, por não ter sido atempadamente arguida.” – Pág. 29 do douto acordo em crise.

31. Recorde-se apenas que esta conclusão do tribunal se refere à questão colocada em crise, pelo arguido, relativa à não consideração da sua confissão integral quanto aos factos integrantes do crime de Roubo e de Burla Informática e nas Telecomunicações, e não a qualquer outra, o que é até incompreensível para o arguido recorrente.

32. Violou assim o tribunal a quo o art.º 127.º, 344.º, 410.º n.º 2 al. a) e c) todos do CPP.

33. Os Tribunais inferiores estiveram também em desconformidade com o princípio da legalidade pois deveriam ter reapreciado as provas produzidas, ou seja, deveriam ter analisado novamente as provas, nomeadamente a Confissão e declarações prestadas pelo arguido BB, que parecem não ter sido sequer valoradas tendo em conta a pena aplicada, não valoração essa que é ainda mais visível na total não pronúncia dos doutos tribunais quanto a esse facto (Confissão), que é um atenuador, previsto por lei, de qualquer pena, nos termos do artigo 72.º, n.º 2 do Código Penal.

34. Para além de tudo o que já ficou supra exposto, há que ter em conta que a medida da pena consagrada pelos Tribunais inferiores foi totalmente desproporcional, violando-se o artigo 71.º do Código Penal, bem como, o artigo 40.º, nº 2 do Código Penal, que nos levam a que a medida da pena nunca possa ser superior a culpa do agente, o que no caso em apreço claramente se verifica.

35. Ao longo deste processo e em ambas as instâncias foram violados os artigos 410.º, n.º2, alínea a), artigo 323.º, alínea b) e 340.º, n.º 1 do Código do Processo Penal, para além de todos os outros já elencados.

36. Ao contrário do que afirma o Acórdão recorrido, o recorrente não se limitou a fazer uma interpretação diferente das provas, mas apontou e explicou as falhas no raciocínio do tribunal de 1ª Instância, algumas resultantes da desconsideração ou subvalorização dos meios de prova supra-referidos.

37. Para confirmar a decisão condenatória do tribunal de 1ª instância, o douto Tribunal a quo baseou-se unicamente na apreciação da prova feita por aquele tribunal.

38. Assim, e apesar de admitir o recurso sobre a matéria de fato, não procedeu o Tribunal a quo ao reexame dessa mesma matéria, ficando-se por considerações gerais e nada objectivas, que se limitam à análise da fundamentação do Acórdão proferido em 1ª instância.

39. Ora, o douto Tribunal a quo, baseando-se apenas na apreciação da prova realizada pelo Tribunal de 1ª instância, não tomou em linha de conta alguns dos reparos feitos em sede de Recurso pelo arguido/recorrente, sobre a forma como foram extrapoladas conclusões.

40. Caso o tivessem feito, com elevado grau de certeza, a matéria de facto provada seria outra e poderia levar a uma diferente qualificação jurídica dos factos nos termos do artigo 410.º n.º 2, alínea a) do Código do Processo Penal.

41. Na verdade, desde logo e face aos factos que foram dados como provados e não deveriam ter sido, nomeadamente os relativos ao conhecimento pelo arguido BB dos factos que levariam a que o crime tivesse sido cometido contra pessoa especialmente vulnerável (em função da sua doença e idade avançada), deveria o tribunal a quo ter subsumido os factos que culminariam na morte do ofendido, no máximo, no tipo legal de crime de Homicídio na sua forma simples, prevista e punida pelo art.º 131.º do C.P.

42. Assim, e tendo em conta a moldura penal que a este tipo de crime cabe, 8 a 16 anos, tomando em consideração, todos os elementos carreados para os autos, quer por via documental, quer por via testemunhal, deveria ainda ser valorada, como circunstância atenuante, a conduta do recorrente anterior e posterior aos factos.

43. Na determinação da medida da pena – art.º 71.º do C.P. – ela deverá ser efectuada “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, elencando o nº 2 daquele dispositivo, de forma não taxativa, algumas das circunstâncias a que se deve atender.

44. Dispondo o n.º 2 do art.º 40.º do C.P, que em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa a qual constitui um reflexo e um limite à medida da pena.

45. É assim convicção do recorrente que a pena que lhe foi imposta pelo douto acórdão recorrido encontra-se claramente desajustada, por excesso, aos próprios factos dados como provados pelo mesmo Acórdão, pelo que sempre se impunha a aplicação do art.º 72º nº 2 do CP, fixando a pena a aplicar ao arguido, mediante o mecanismo da sua atenuação especial, no mínimo da moldura penal estabelecida para o tipo simples, p.p. pelo art.º 131 do C.P.

46. As circunstâncias diferenciadas com que cada arguido vai para o local dos acontecimentos, deveria ter levado, e terá de levar obrigatoriamente, a que se tenha em conta a aplicação do artigo 72º, nº2 do Código Penal, que funciona como uma atenuante da moldura da pena.

47. Por outro lado, a omissão de pronúncia quanto à Confissão Integral do Crime de Roubo e de Burla Informática e nas Telecomunicações feita pelo arguido deveria ter funcionado como uma atenuante a ter em conta na escolha da medida da pena nos termos dos artigos 40º, 71º e 72 nº 2 do CPP.

48. Esta omissão representa uma nulidade do Acórdão em crise nos termos e para os efeitos do nº 1, do artigo 379º do Código do Processo Penal.

49. Caso o tribunal, tivesse usado a confissão e colaboração do arguido BB nos crimes de Roubo e Burla Informática e nas telecomunicações, como circunstâncias atenuantes, a pena final aplicada em cúmulo jurídico seria substancialmente mais baixa.

50. Forçoso é também concluir que sendo o arguido primário, a condenação numa pena de prisão próxima do máximo legal permitido, foge aos princípios de prevenção geral e especial, que atendem às circunstâncias do crime e do agente.

51. Nesta situação, que pena se aplicaria a quem em iguais circunstâncias praticasse igual crime? O princípio gradativo das condenações/penas foi também desconsiderado e aplicada uma pena desproporcional e injusta pela sua duração, que ao contrário de prosseguir o princípio da ressocialização do agente, o frustra e desincentiva de qualquer tentativa de voltar a integrar-se na sociedade.

52. Considera-se assim que a pena aplicada ao arguido BB e à arguida AA não poderá ser nem a mesma nem tão próxima.

53. A diferença de um ano entre a pena de prisão de ambos não revela a diferença entre o grau de culpa dos arguidos, desde logo, não tem em conta a Confissão do arguido BB quanto ao Crime de Roubo, nem a desqualificação do Crime de Homicídio Qualificado quanto a este arguido.

54. Acresce que a medida concreta das penas aplicadas ao arguido BB não tem em conta as diferentes circunstâncias objectivas e subjectivas de cada arguido, e que a final só poderiam ter conduzido a penas substancialmente diferenciadas e no caso do arguido BB bastante inferiores.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, em conformidade com o acima alegado e peticionado, e, consequentemente, revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que defira a reapreciação da prova produzida permitindo alterar a qualificação jurídica dos factos pelos quais foi condenado e reduza substancialmente a medida da pena, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”.

4.

Ao motivado e assim concluído pelos recorrentes respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido que, em resumo, sustentou,

4.1 Quanto ao recurso da arguida AA, assim:

1.ª - Não podemos acompanhar a recorrente quanto ao excesso das medidas das penas parcelares aplicadas aos vários crimes acima referidas.

2.ª - Nem baixar do máximo legal - 25 anos de prisão - a pena unitária.

3.ª - As penas acompanharam o grau de culpa da arguida nestes crimes que é muito elevado, bem como a ilicitude do fato num crime o mais grave e ainda as exigências de prevenção geral e especial nos termos dos artigos 40.º e 71.º C.P.

4.ª- Esta pena unitária, que resulta do cúmulo jurídico, parece a adequada à luz da gravidade da conduta apurada, satisfazendo assim as exigências de prevenção geral e especial, impostas pelo caso, pelo que deve ser mantida.

Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente”;

4.2 Quanto ao recurso do arguido BB, assim:

“1ª - Não podemos acompanhar o recorrente quanto à qualificação jurídica da participação do BB no homicídio como mero cúmplice por um lado e pugnar ainda por homicídio simples.

2.ª - Na verdade, a idade avançada da vitima e ser pessoa particularmente indefesa era mais que notória para o recorrente artigo 132.º n.º2 alínea c) C.P.

3.ª - A actuação do recorrente não foi de simples prestação de auxílio material ao homicídio como pretende, ou seja de simples cumplicidade- artigo 27.º C.P.

4. ª - A atenuação especial da pena ao recorrente BB nos termos do artigo 72.º C.P não tem fundamento legal, porquanto na sua actuação não se encontram circunstancias que diminuam ilicitude do fato e da culpa de forma acentuada.

5.ª - Esta pena unitária, que resulta do cúmulo jurídico, parece a adequada à luz da gravidade da conduta apurada, satisfazendo assim as exigências de prevenção geral e especial, impostas pelo caso, pelo que deve ser mantida.

Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente”.

5.

Admitido o recurso, os autos subiram a este Supremo Tribunal, onde o Senhor Procurador-‑Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu proficiente parecer que concluiu no sentido de, sendo irrecorrível a decisão sob impugnação no que concerne às questões de facto [vícios a que aludem as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 410.º, número 2, e violação dos princípios da livre apreciação da prova e da investigação oficiosa) e à questão nova atinente à prática pelo recorrente do crime de homicídio na forma de cumplicidade, no mais devem ambos os recursos ser julgados improcedentes.

6.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no número 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, os arguidos nada mais acrescentaram.

7.

Por não ter sido requerida audiência, colhidos os “vistos”, seguiram os autos para a Conferência.

Tudo visto, cumpre decidir:   

II. Dos Fundamentos

II.1 – De Facto

A matéria de facto que o tribunal recorrido deu como provada relativamente ao arguido CC é a seguinte:

«AA, aqui arguida, desde criança que conhecia DD, que tratava por "padrinho".

DD nasceu a ... de 1928, era viúvo há 29 anos, residia sozinho na habitação sita na ..., estando debilitado em consequência da sua idade, tomando medicação.

DD até 1996 e, depois de 2008, foi uma pessoa presente na vida da arguida AA, frequentando as festas de aniversário da arguida, encontrando-se ambos em épocas festivas, como o Natal e a Páscoa, tendo a arguida chegado a frequentar a residência daquele DD que, pelo menos desde 2008, auxiliava a arguida monetariamente, bem como aos seus filhos que aquele também conhecia.     

A arguida sabia que DD tinha várias contas bancárias com dinheiro, bem como objectos de valor, tais como peças em ouro, que guardava em casa.

No dia 11 de Abril de 2017, a hora não concretamente apurada, mas antes das 09h.00m, a arguida AA, o seu filho ..., nascido a 8 de Junho de 2002, e BB, aqui também arguido, utilizando a viatura Peugeot 307, com matrícula "...", pertencente ao arguido BB, deslocaram-se à residência daquele DD, munidos de duas facas e um taco de basebol,

Depois de conseguir que um vizinho lhe abrisse a porta de entrada do prédio, a arguida AA bateu à porta do apartamento de DD, identificando-se como sendo a própria, por saber que aquele a si lha abriria, enquanto BB e EE se esconderam.

Após DD abrir a porta da habitação, o arguido BB acabou por entrar na residência, agarrou-o pelas costas, colocou-lhe uma mão em cima da boca e, com o uso da força, conduziu-o para a sala e obrigou-o a sentar-se no sofá, o que este fez sem que tenha oferecido qualquer resistência.

A arguida AA apontou a faca que trazia consigo ao olho de DD, encostando-a à pele deste, forçou-o a ingerir dois comprimidos de fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo que levara consigo e uma bebida alcoólica que encontrou naquela residência e instou-o a revelar o código dos cartões bancários de que aquele DD era titular, o que este não fez de imediato, tendo por isso o arguido BB desferido um murro na face de DD. Este, temendo pela sua vida revelou os códigos do cartão bancário de crédito do Banco Millennium BCP, com o n.º ..., e do cartão bancário de débito do Banco Millennium BCP com o n.º ... de que era titular.

Tendo sido encontrados os referidos cartões, a arguida AA pegou nos mesmos e saiu da residência dirigindo-se à ATM do BPI sita junto à Estação das Devesas no Largo 5 de Outubro, em Vila Nova de Gaia, utilizou o cartão com o n.º ..., inseriu o correspondente código, assim efectuando um levantamento de € 200, dinheiro que posteriormente entregou ao arguido BB, e tentou fazer um outro levantamento mediante a utilização do cartão com o n.º ... e a inserção do respectivo código, mas sem sucesso.

Logo depois, a arguida regressou à residência de DD e encontrou-o deitado no chão do hall de entrada e com sangue na boca, na roupa e numa almofada que tinha junto a si, dando-lhe mais dois comprimidos de fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo que levara consigo com uma bebida alcoólica.

Quando os arguidos constataram que DD ficou meio adormecido e sem reacção, juntamente com EE, percorreram a casa à procura de dinheiro, objectos em ouro e outros objectos de valor que pudessem levar consigo.

Nessa altura, apoderaram-se de uma caixa de plástico com moedas, um fio prateado e um coração, uma máquina fotográfica compacta, várias máquinas fotográficas antigas, dois telemóveis de marca Alcatel e um outro telemóvel touchscreen, uma caixa com botões de punho, duas alianças em ouro amarelo, um anel de noivado em ouro branco com uma pedra branca de homem e um anel de senhora também em ouro branco com umas pétalas verdes e brancas e um relógio de homem, tudo de valor seguramente superior a € 102.

De seguida, os arguidos AA e BB levaram DD para o seu quarto, deitaram-no em cima da cama, e o arguido BB amarrou-lhe a mão esquerda à cabeceira com um fio, que passou por baixo da cabeça de DD.

Nessa altura, a arguida AA colocou a mão na boca de DD verificando que este ainda respirava, o que transmitiu ao arguido BB.

Perante tal informação, quando DD se encontrava quase inanimado e sem oferecer qualquer resistência, o arguido BB desferiu-lhe socos na barriga, na boca e na parte lateral esquerda da testa, tendo ainda colocado uma camisola sobre a boca daquele, enrolando-a à volta do pescoço.

Então, a arguida AA levantou a camisa de DD e constatou que este ainda respirava, o que informou ao arguido BB.

O arguido BB pegou num cinto que enrolou à volta da boca e pescoço do daquele e apertou-o com tal força que a fivela se partiu.

O arguido BB apertou o pescoço de DD enquanto a arguida AA lhe colocou uma almofada sobre a cara que pressionou com força.

Apercebendo-se que DD ainda se encontrava com vida, o arguido BB continuou a apertar o pescoço daquele, com uma mão, enquanto com a outra mão, juntamente com a arguida AA, pressionaram a almofada contra a face daquele, o que fizeram até DD ter deixado de respirar.

Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, DD sofreu lesões, designadamente:

- Na cabeça: equimose de forma irregular, com 3, 5 por 3, 2 cm de maiores dimensões, na face anterior da região frontal, à direita da linha média; hemorragia subconjuntival, com 0,5 por 0,3 cm de maiores dimensões, no quadrante lateral inferior do olho esquerdo; área avermelhada, desidratada, com 1,7 por 1 cm de maiores dimensões, na mucosa externa da metade direita do lábio superior; área de coloração avermelhada, com 1,1 cm de diâmetro na linha média da região infra labial; área de coloração avermelhada, com 0,6 cm de diâmetro na linha média da região mentoniana; área avermelhada, com 0,7 cm de diâmetro na região mentoniana, à esquerda da linha média;

- Nas partes moles da cabeça: Infiltração sanguínea com 2,5 por 2,5 cm de maiores dimensões, na região frontal, à direita da linha média, subjacente à dita equimose; áreas de infiltração sanguínea nos músculos temporais bilateralmente; área de infiltração sanguínea no músculo masséter à esquerda e tecidos moles envolventes; área de infiltração sanguínea no músculo masséter à direita;

-Na cavidade oral e língua: Infiltração sanguínea em toda a extensão do bordo esquerdo da língua, tendo 1 cm de diâmetro e 1 cm de profundidade máxima ao corte; infiltração sanguínea da mucosa interna do lábio superior à esquerda da linha média; infiltração sanguínea da mucosa interna do lábio inferior e mucosa jugal, localizando-se à direita da linha média;

- No pescoço: área de coloração avermelhada, de forma irregular, com 1,2 por 1 cm de maiores dimensões, na região submentoniana, à esquerda da linha média; uma área de coloração avermelhada, mais ténue, arredondada à direita da linha média com 1 cm dê diâmetro;

- No tecido celular subcutâneo do pescoço; Infiltração sanguínea, com 3 por 1 cm de maiores dimensões, na região submentoniana à esquerda da linha média;

- Nos músculos do pescoço: área de infiltração sanguínea do músculo platisma à esquerda da linha média e do músculo digástrico esquerdo; infiltração sanguínea do músculo esterno-hióideo direito, com 2,5 por 1 cm de maiores dimensões, na sua metade superior;

- Nas estruturas cartilagíneas do pescoço: Fractura pelo terço superior do como superior direito da cartilagem tiroideia, com infiltração sanguínea dos bordos ósseos e tecidos moles envolventes;

- No membro superior esquerdo: sulco incompleto, com 10 por 0, 6 cm de maiores dimensões circundando a face anterior, o bordo radial e a face posterior do punho, com escoriação com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões no bordo radial do punho;

- No membro inferior direito: escoriação ovalada, medindo 1, 5 por 0, 5 cm de maiores dimensões, localizada na face anterior da região do joelho.

- No sangue DD encontrava-se etanol na concentração de 0,59+/-0,08ng/ml e a Levomepromazina na concentração de 1007ng/ml, valor superior ao intervalo terapêutico, fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo, que não constava da medicação de DD.

Como consequência directa e necessária das descritas condutas adoptadas pelos arguidos AA e BB de constrição extrínseca da região cervical de DD foi provocada a asfixia mecânica deste que foi causa directa e necessária da sua morte.

No dia 11-04-2017, o arguido BB introduziu o cartão com o n.º .. numa caixa ATM da CGD situada no Posto de Abastecimento de Combustíveis da BP, ao Km 26 da A29, em --- e a arguida AA inseriu o respectivo código, assim tendo efectuado um levantamento de € 200, que a arguida reteve para si.

Entre os dias 12 e 15 de Abril de 2017, o arguido BB mediante a utilização do dito cartão de débito n.º ... e inserção do respectivo código efectuou, nesse período, vários levantamentos em ATM em Aveiro, num total de € 1 600, dinheiro que dividiu com a arguida ... em proporção não concretamente apurada:

€ 200 no dia 12-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---;

€ 200 no dia 12-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---;

€ 200 no dia 13-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---:

ê 200 no dia 13-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---,

€ 200 no dia 14-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---;

€ 200 no dia 14-04-2017, numa caixa ATM da CGD em ---;

€ 200 no dia 15-04-2017, numa caixa ATM da CCAM na Junta de Freguesia de---,

€ 200 no dia 15-04-2017, numa caixa ATM da CCAM na Junta de Freguesia de---,

O arguido tentou ainda efectuar levantamentos no dia 18-04-2017, numa caixa ATM, situada no "Pingo Doce" de Esgueira, Aveiro, não tendo logrado os seus intentos pelo facto de o cartão ter ficado retido, em consequência do cancelamento do mesmo.

Entre os dias 12 e 15 de Abril de 2017, o arguido BB mediante a utilização do dito cartão de crédito n.º ... e inserção do respectivo código efectuou, nesse período, vários levantamentos em ATM em Aveiro, num total de € 2 400, dinheiro que dividiu com a arguida AA em proporção não concretamente apurada:

A crédito, € 200 no dia 11-04-2017, numa caixa ATM sita na Rua ...;

A crédito, € 200 no dia 11-04-2017, numa caixa ATM sita na Rua ...;

A crédito, € 200 no dia 12-04-2017, numa caixa ATM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

A crédito, € 200 no dia 12-04-2017, numa caixa ATM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

€ 200, no dia 13-04-2017, numa caixa ATM CGD sita em ---;

A crédito, € 200, no dia 13-04-2017, numa caixa ATM CGD sita em ---;

A crédito, € 200 no dia 14-04-2017, numa caixa ATM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

A crédito, € 200 no dia 14-04-2017, numa caixa ATM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

€ 150 no dia 15-04-2017, numa caixa ATM da CCAM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

€ 40 no dia 15-04-2017, numa caixa ATM da CCAM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro;

€ 10 no dia 15-04-2017, numa caixa ATM da CCAM sita na Junta de Freguesia de---, Aveiro.

O arguido ainda tentou efectuar levantamento no dia 17-04-2017 numa caixa ATM, situada na Junta de freguesia de---, Aveiro, não tendo logrado os seus intentos pelo facto de o cartão ter ficado retido, em consequência do cancelamento do mesmo.

Entre os dias 11 e 18 de Abril de 2017, a arguida ... vendeu os objectos em ouro de que se haviam apoderado pelo valor de € 300.

Os arguidos AA e BB agiram, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente acordado com uma antecedência de, pelo menos, um mês, sabendo e querendo retirar e fazer seus, mediante a utilização de instrumentos objectivamente aptos a ferir ou a matar de que previamente se muniram, o anúncio a DD de um mal iminente sobre a sua integridade física e vida, a utilização sobre o corpo do mesmo de força física e a sua colocação na impossibilidade de resistir, objectos propriedade deste, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento do seu proprietário, com o intuito, concretizado, de se apoderarem dos mesmos.

Os arguidos AA e BB agiram ainda, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo tirar a vida a DD por forma a assegurarem a sua impunidade quanto à subtracção dos bens deste, aproveitando-se da fragilidade decorrente da idade daquele DD, com elaboração mental, reflexão e tenacidade, indiferentes ao sofrimento que causavam, revelando personalidades profundamente distanciadas dos valores aceites pela comunidade.

Finalmente, os arguidos agiram, de comum acordo e na execução de um plano previamente acordado, sabendo e querendo utilizar os referidos cartões e respectivos códigos sem autorização e, assim, interferir no processamento informático de dados determinando a entidade gestora de pagamentos á prática de actos que causaram prejuízo patrimonial ao titular daqueles, com intenção de obterem para si mesmos um enriquecimento ilegítimo.

Os arguidos sabiam a idade de DD, sabendo ainda a arguida a relação que tinha com DD, a confiança que este em si depositava, que o mesmo tomava medicação e ainda assim não se coibiram de actuar nos moldes descritos.

Agiram de forma livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

O processo social de desenvolvimento da arguida AA decorreu com os irmãos, no agregado de origem, até ser entregue para adopção, de onde fugiu, por não gostar de ai viver. Com aproximadamente 12 anos de idade foi institucionalizada no Centro Educativo de ... onde frequentou a escola e concluiu com aproveitamento o 6.º ano de escolaridade. Em 1998 fugiu do referido Centro com o pai dos seus dois filhos mais velhos e emigrou para Inglaterra onde viveu até regressar a Portugal. Há cerca de 10 anos iniciou nova relação com o actual companheiro, ---, pai da filha mais nova de 9 anos de idade.

Antes de recluída, a arguida AA nunca trabalhou de forma regular ou exerceu qualquer actividade estruturada, beneficiando do rendimento social de inserção, tendo dois filhos a seu cargo, sendo um deles, EE.

A arguida sofre de perturbação de personalidade do espectro borderline.

Com irregularidade efectuava algumas tarefas sazonais de apanha de fruta. O companheiro, operador fabril numa empresa, auferia vencimento mensal de € 580, O abono da filha cifrava-‑se em € 35 mensais.

À data dos factos em apreço nos presentes autos, a arguida vivia num apartamento arrendado de cariz social, de tipologia 2, apresentando condições precárias, mas com infra-estruturas básicas necessárias, cuja renda se cifrava em € 4,49. Os progenitores da arguida viviam no mesmo prédio, não se relacionando com a arguida por incompatibilidade. O relacionamento da arguida com os filhos e companheiro é harmonioso e coeso.

No estabelecimento prisional a arguida tem mantido comportamento adequado ao disciplinado exigido, encontrando-se ocupada nas oficinas. Mantém consultas regulares de psiquiatria e psicologia.

O arguido BB é natural de ..., onde decorreu o seu processo de desenvolvimento psicossocial, junto do seu agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e quatro descendentes. Beneficiou de uma situação económica equilibrada, fruto do trabalho de ambos os progenitores, e de uma dinâmica familiar normativa. Frequentou o sistema de ensino francês durante 5 anos. Aos 12 anos, por razões familiares, o agregado regressou a Portugal ficando o arguido impossibilitado de prosseguir o percurso escolar neste pais por não se ter diligenciado pela realização das equivalências necessárias. Aos 16 anos iniciou actividade laboral na área do isolamento de edifícios. Iniciou então uma relação de namoro com a actual companheira, ---, com quem veio a encetar união de facto cerca de 3 anos depois e da qual resultaram dois descendentes, actualmente com 5 e 4 anos de idade.

BB mantém contacto com substâncias estupefacientes (canábis) desde a adolescência, comportamento que manteve de forma regular até à presente reclusão.

Aos 22 anos o arguido voltou para ..., em conjunto com o seu agregado familiar constituído, tendo mantido actividade laboral na mesma área de isolamento de edifícios.

Contudo, cerca de 3 anos depois, e em função de alguns problemas de saúde da companheira, esta regressou a Portugal com os descendentes, tendo o arguido permanecido naquele país até Dezembro de 2017, altura em que regressou a Portugal tendo acabado por aqui ficar a título definitivo junto do núcleo familiar constituído. Os progenitores e irmãs de BB ainda vivem em França, sendo positivo o relacionamento com os mesmos.

À data dos factos em apreço, o arguido BB mantinha residência com o seu agregado familiar constituído, composto pela companheira com 26 anos de idade, e os dois filhos menores. Ocupavam um apartamento arrendado, de tipologia 2 com adequadas condições de habitabilidade e localizado em zona periférica da cidade de Aveiro.

Ao nível laboral, o arguido não possuía em Portugal uma colocação laboral estável, recorrendo a empresas de trabalho temporário, auferindo rendimentos variáveis e incertos. Desde Abril de 2017 exercia actividade profissional como repositor na empresa "Marabuto", em Aveiro. Por seu lado, a companheira exercia, tal como actualmente, actividade profissional na área da restauração, auferindo um rendimento mensal na ordem dos € 550, acrescido do abono de família dos menores.

O arguido BB não possuía actividades estruturadas de ocupação dos tempos livres, o qual era maioritariamente passado com grupo de pares com condutas desviantes, no qual inclui o filho da co-arguida, Ruben Neves.

Presentemente, o agregado reside em casa dos pais da companheira e prepara-se para ir residir para a casa dos pais do arguido, uma moradia de tipologia 7, uma vez que esta se encontra desabitada e não importa encargos, exceptuando consumos de água, luz e gás. Em face da precariedade económica, os pais do arguido apoiam mensalmente o agregado com € 150.

Em meio prisional o arguido tem apresentado comportamento em consonância com o disciplinado exigido. Inscreveu-se no sector escolar para a frequência do 2.º ciclo do ensino básico. Contudo, regista baixa assiduidade.

BB beneficia de regime de visitas íntimas com a sua companheira, figura que se mantém apoiante.

Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.

Factos Não Provados:

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os factos assentes, 44 nomeadamente, que DD houvesse sido vítima em 2016 de um — enfarte do miocárdio; que a arguida tivesse problemas económicos desde o início do ano de 2017; que no dia 11 de Abril de 2017 os arguidos e EE ali se tenham dirigido também munidos de uma pistola ou que assim não tenha sido; que no momento em que o arguido BB entrou na residência tenha também apontado uma faca ao pescoço de DD ou que assim não tenha sido; que tenham sido o arguido BB e EE que encontraram os cartões bancários do Banco Millennium BCP, com os n.ºs ... e ...; que depois de a arguida regressar à residência de DD, vinda do ATM, para além daqueles dois comprimidos, lhe tenha administrado outros dois ou que assim não tenha sido; que depois de a arguida regressar à residência de DD, vinda do ATM, os dois comprimidos que administrou a DD fossem da medicação deste; que também a arguida AA tenha amarrado a mão esquerda de DD à cabeceira da cama; que os arguidos tenham tentado prender também a mão direita de DD à cabeceira, o que não conseguiram; que a morte de DD tenha também sido causada, de forma directa e necessária, pelas condutas assumidas por EE ou que assim não tenha sido; que no dia 11-04-2017 os arguidos tenham procedido ainda ao levantamento de mais € 200 na caixa ATM do "BPI", situada no Largo 5 de Outubro em Vila Nova de Gaia; que os arguidos tivessem planeado tirar a vida a DD no início do ano de 2017».

*

II.2 – De Direito

2.1

Face à motivação e às conclusões formuladas pelos recorrentes – as do arguido BB lamentavelmente em termos desordenados, confusos, repetitivos e, as mais das vezes, ininteligíveis − que, salvo as de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal), constata-se que são as seguintes as questões que os mesmos colocam à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça:

A. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto à confissão integral que o arguido BB fez a respeito dos crimes de roubo e de burla informática cometidos;

B. Violação dos princípios da descoberta da verdade material, da livre apreciação da prova e da investigação oficiosa;

C. Vícios da decisão sobre matéria de facto a que aludem as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal;

D. Qualificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário simples, e não qualificado, e na forma de cumplicidade, e não de co-autoria;

E. Medida da pena.

De outro passo, suscita, como se viu, o Ministério Público neste Supremo Tribunal as questões atinentes à irrecorribilidade da decisão sobre matéria de facto e à alegada participação na forma de cumplicidade, e não de co-autoria, do arguido BB (que a coloca) na prática do crime de homicídio voluntário.

Posto isto, começando pelas questões suscitadas pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça …

2.2

2.2.1 – Da irrecorribilidade da decisão no que concerne às questões de facto reportadas aos invocados vícios a que aludem as alíneas a), e c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal e à violação dos princípios da descoberta da verdade material, da livre apreciação da prova e da investigação oficiosa

2.2.1.1

Como se viu, no recurso que interpôs para este Supremo Tribunal, o arguido BB, que alega terem sido violados os mencionados princípios da livre apreciação da prova e da investigação oficiosa, impugna a matéria de facto que, não tendo sido objecto de qualquer modificação por parte da Relação se trata nem mais nem menos da que foi dada como assente pelo tribunal de 1.ª Instância, considera estar inquinada dos vícios a que aludem as alíneas a), e c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Fá-lo, porém, sem razão o recorrente que, não cuidando de ter em conta o tempo, o modo e o tribunal a quem debita o encargo de sindicar a matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª Instância e que o Tribunal da Relação sindicou e concluiu no sentido de estar isenta dos apontados vícios (confira-se folhas 69 a 78 do aresto recorrido), propõe-se devolver ao Supremo Tribunal de Justiça a tarefa de reapreciá-la e até modificá-la por forma a permitir concluir que os factos da sua responsabilidade e que causaram a morte da vítima DD integram a prática, não em autoria com a arguida AA, do crime de homicídio voluntário qualificado mas, tão-só o crime de homicídio voluntário simples e na forma de cumplicidade. 

Do mesmo passo que, como se disse, o recorrente ainda sujeita à apreciação deste Supremo Tribunal ainda a questão atinente à alegada violação dos princípios da descoberta da verdade material, da livre apreciação da prova e da investigação oficiosa que o Tribunal da Relação, apreciando e decidindo, concluiu no sentido da sua inverificação, considerando, em suma e no que releva para o caso, que:

O vício imputado à decisão recorrida é inexistente, pois o mesmo não é referente à decisão recorrida - por ser pertinente a decisões judiciais proferidas no decurso da audiência com as quais o arguido ora recorrente se conformou (não tomada de esclarecimentos por parte do perito médico-legal e não inquirição de testemunhas arroladas e prescindidas pelo Ministério Público), não tendo recorrido das mesmas, nem manifestado, até ao fim da discussão, a indispensabilidade de tais meios concretos de prova, perante a prova concretamente produzida em julgamento, concretizando o requerimento probatório correspondente.

Por outro lado, resulta da lei que "A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal sô determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei." (artigo 118.º, n.º 1,do Código de Processo Penal), não tendo o arguido invocado qualquer nulidade - nem em julgamento, nem na fase de recurso -: não basta, para integrar uma nulidade processual, alegar que foram violados certos princípios e garantias processuais, quando foi o próprio arguido que, através da sua inactividade, se conformou com o modo concreto como o tribunal procurou apurar a verdade material no decurso do julgamento.

Nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, al. d), in fine, do Código de Processo Penal, constitui nulidade dependente de arguição a omissão - após as fases de inquérito e instrução, como é o caso da fase de julgamento - de diligências que pudessem reputar- se essenciais para a descoberta da verdade. Não tendo o arguido suscitado tal nulidade (pertinente à omissão de produção de prova que agora reputou de indispensável na fase de recurso) até ao encerramento da sessão da audiência de julgamento, a mesma, a ter existido, já se mostra sanada (artigo 120.º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal). Isto não afasta, sequer, o entendimento pacífico da jurisprudência que o meio processualmente adequado para reagir contra despacho judicial ou deliberação do tribunal colectivo que, no decurso do julgamento, indefira diligência de prova requerida - expressa ou implicitamente ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal - é o recurso, e não a arguição da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal.

Não tendo o arguido interposto tal recurso, nem arguido qualquer nulidade no decurso da audiência de julgamento correspondente - e não se verificando, ainda, qualquer nulidade insanável tipificada no artigo 119.º do Código de Processo Penal - improcede a alegada nulidade em apreço.

Do que se vê, a dita questão foi correcta e fundamentadamente apreciada e resolvida pela Relação, só que em moldes diversos dos que pretenderia o recorrente que, contudo, na oportunidade e pela forma indicada, não reagiu, impugnando o decidido em 1.ª Instância.

De outro modo, sempre cabe reparar que, no que concerne ainda a esta questão, alega o recorrente que o tribunal recorrido ao decidir nos moldes em que o fez incorreu em violação das normas dos artigos 32.º da Constituição da República, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH).

Porém, limitando-se a produzir tais afirmações, não densifica o recorrente minimamente esse seu entendimento, o que só por si determinaria o não conhecimento do recurso nesse segmento, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 641.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Acresce que, para além de, pelas razões aduzidas, não ter o tribunal recorrido desrespeitado de todo as indicadas normas, por via da solução dada às questões que, relacionadas com a matéria de facto, foram suscitadas pelo recorrente, esta específica questão ficou prejudicada (artigo 608.º, número 2, do Código de Processo Civil).

Por tudo isto improcede o recurso nesta parte.

2.2.1.2

Depois, no que diz respeito aos invocados vícios a que aludem as alíneas a), e c) do número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sempre caberá ainda ter presente que, quando o Supremo Tribunal de Justiça intervém como tribunal de revista, como sucede no caso vertente, o recurso é exclusivamente de direito.

Na verdade, como de forma sistemática tem afirmado a jurisprudência deste Tribunal[1], pese embora no artigo 434.º do Código de Processo Penal se faça menção ao disposto no artigo 410.º, números 2, e 3 do citado diploma, certo é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso.

Daí que o Supremo Tribunal de Justiça possa pronunciar-se sobre os mencionados vícios relativos à matéria de facto apenas oficiosamente, o que vale por dizer, por sua iniciativa, e se resultarem do próprio texto da decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios[2].

Condicionalismo que, no caso sub juditio se entende não ocorrer já que, para aplicar o direito, dispõe este Supremo Tribunal da necessária base factual, que deverá ter-se como definitivamente assente.

E isto porque, não se detectando a verificação de um qualquer vício que, afectando porventura a matéria de facto dada como provada, lhe incumbisse oficiosamente conhecer, a mesma matéria de facto revela-se suficiente e adequada para aplicar o direito.

Daí que não se conheça do recurso do arguido BB neste segmento.

2.2.2 – Da questão (nova) atinente à forma participação do recorrente, como cúmplice, no crime de homicídio

Como bem repara o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, trata-se de questão nova, posto que no recurso que, a seu tempo, interpôs para o Tribunal da Relação o recorrente não a suscitou, o que, nos termos do artigo 410.º, número 1 do Código de Processo Penal, por princípio determinará a insusceptibilidade da sua apreciação por este Tribunal nos termos do número 2 do citado normativo.

E isto porque, como bem se sabe, o meio de impugnação das decisões judiciais que é o recurso tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram, com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto.

O que bem se compreende já que, se não fosse assim, o recurso interposto, ao invés de representar um meio de impugnação e de sindicação das decisões judiciais, constituiria uma forma de vinculação do tribunal de recurso à decisão de questões novas que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido.

Daí que, como se considerou no acórdão de 02.12.2013, prolatado no Processo nº 237/12.0GDSTB.E1.S1, da 5ª Secção, sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumba, de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhecer de questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior.

Tudo isto para dizer que, não tendo, como se referiu, o recorrente suscitado aquela questão perante o Tribunal da Relação do Porto aquando do recurso que para ele interpôs, ao Supremo Tribunal de Justiça estará, por princípio, vedado, a requerimento daquele, o seu conhecimento, o que não significa que não possa oficiosamente fazê-lo em sede de qualificação jurídica dos factos, visto esta questão ser de conhecimento oficioso.

Posto isto, quanto às questões suscitadas pelos arguidos …

2.3

2.3.1 – Da arguida nulidade da decisão por omissão de pronúncia, prevista na alínea c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal

Neste conspecto sustenta o recorrente que o Tribunal (não se sabe exactamente se o da Relação ou o da 1.ª Instância) incorreu na nulidade do “n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal”, por não ter valorado a confissão integral que fez dos factos integradores dos crimes de roubo e de burla informática e nas telecomunicações e que deveria ter funcionado como circunstancia atenuativa a ponderar em sede de escolha e determinação da medida da pena, nos termos dos artigos 40.º, 71.º, e 72.º, número 2 do Código Penal.

Continua, porém a não assistir razão ao recorrente.

Com efeito, sobre tal questão considerou a Relação (confira-se folhas 82 e 83 do aresto sob impugnação ou folhas 1215 e 1216 dos autos) assim:

O arguido BB invoca no seu recurso uma omissão de pronúncia do acórdão recorrido, relativamente à sua confissão parcial dos factos - a qual poderia ter relevância na determinação das penas aplicadas.

De jure

Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al c) do Código de Processo Penal: “É nula a sentença (…) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

A fundamentação da sentença recorrida, efectivamente, não considerou na factualidade provada, nem na fundamentação jurídica, uma confissão parcial dos factos pelo arguido.

Resta apreciar se tal constitui, ou não, uma questão que o tribunal a quo deveria, ou não, ter apreciado.

Em primeiro lugar, não ocorreu uma confissão integral, livre e sem reservas por parte do arguido – a qual, a ter existido, justificaria a sua inclusão na factualidade provada e consequente valoração na determinação das penas aplicadas ao arguido, nem uma manifestação de genuíno arrependimento pela prática dos crimes.

O arguido defende que o tribunal deveria ter considerado, como circunstância atenuante, a sua confissão dos crimes de roubo e de burla informática.

Conforme já referido anteriormente, o "thema probandum" - é consubstanciado pela acusação ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos.

Tendo a confissão parcial tido muitíssimo reduzido impacto para o apuramento dos factos confessados pelo arguido - uma vez que os mesmos foram apurados com base numa panóplia de meios concretos de prova - e não tendo o arguido, em momento algum, expressado o menor arrependimento pelos crimes cometidos, a sua confissão parcial não poderia influenciar a medida das penas que lhe foram aplicadas.

Logo, o acórdão recorrido não evidencia tal lacuna”.

Do transcrito resulta, pois, claramente que a Relação não só apreciou e decidiu a questão que o recorrente colocou no recurso que interpôs para o mesmo tribunal como fez de forma fundamentada … só que em moldes diversos do que o mesmo pretenderia. 

2.3.2 – Do enquadramento jurídico dos factos integradores do crime de homicídio

Como se referiu, no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido BB (à semelhança do que já havia feito no recurso que a seu tempo dirigiu à Relação do Porto), insurgindo-se contra o enquadramento jurídicos dos factos tidos pelas instâncias como integradores do crime de homicídio voluntário qualificado pelas circunstâncias previstas nas alíneas c), e j) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal, sustenta que os ditos factos configuram tão-só um crime de homicídio simples que praticou em cumplicidade com a arguida AA.

Questão que a Relação – considerando haver o arguido BB baseado essa sua pretensão “ numa alteração da decisão sobre matéria de facto que resultasse do sucesso da sua impugnação”, o que não aconteceu – decidiu que, “tendo-se julgado improcedentes tais impugnações, também improcede a sua pretensão de ver alterada a qualificação jurídica do homicídio” (confira-se folhas 93 do acórdão recorrido e 1221 dos autos).

Apuremos então da razão, ou sem razão, do recorrente

2.3.2.1 – Da (não) qualificação do crime de homicídio voluntário pelas circunstâncias previstas nas alíneas c), e j) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal

2.3.2.1.1

Como se sabe, encontrando-se o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida descrito no artigo 131.º do Código Penal, dele parte a lei para a previsão, nos artigos seguintes, das formas agravada e privilegiada de sorte que, relativamente ao tipo-base, faz acrescer as circunstâncias que o qualificam em função da especial censurabilidade ou perversidade de que porventura se revista a conduta do agente, ou que o privilegiam por via da menor exigibilidade que porventura reclame a sua actuação.

Tratando-se, pois, a especial censurabilidade ou perversidade, de que fala o número 1 do artigo 132.º do Código Penal, de conceitos indeterminados, a lei utilizou para a sua representação circunstâncias (exemplos-padrão) que, concebidas como concretizações de manifestações do tipo de culpa agravado, encontram-se enunciadas, a título exemplificativo, nas diversas alíneas do número 2 do aludido normativo (o do artigo 132.º), o que tem como consequência que, para além das ali mencionadas, outras, valorativamente equivalentes, são também susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade.

E porque a verificação das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do número 2 do artigo 132.º do Código Penal é meramente indiciária, no sentido em que só relevam para efeitos de qualificação do crime de homicídio voluntário quando revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, há que atender à imagem global do facto, por forma a possibilitar a detecção de uma particular forma de culpa agravada, a justificar a qualificação do crime[3].

Retendo estas considerações e revertendo ao caso concreto aqui em apreciação, importa não perder de vista a matéria de facto que, dada como provada, se encontra definitivamente assente e em face da qual as instâncias consideraram que a conduta havida pelo arguido e aqui recorrente BB integrava (para além dos crimes de roubo agravado e de burla informática e nas comunicações) a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, e 132.º, número 2, alíneas c), e j), do Código Penal.

2.3.2.1.2

A.

Como bem decorre das conclusões que extraiu da motivação do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal, sustenta, em suma, o recorrente BB o seu entendimento quanto à não verificação da qualificativa prevista na alínea c) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal na alegada circunstância de desconhecer por completo a identidade da vítima e, como tal, ignorar a sua idade ou se padecia de alguma enfermidade. Situação que diz ser apenas do conhecimento da arguida AA.

Não é isto porém que resulta da matéria de facto que, dada como provada, se tem como definitivamente assente, já que se não divisa que a mesma se encontre inquinada de um qualquer vício dos previstos no número 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Na verdade, com relevância directa para a questão ora em apreciação, decorre, designadamente, da mesma matéria de facto dada como provada que:

Os arguidos AA e BB agiram, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente acordado com uma antecedência de, pelo menos, um mês, sabendo e querendo retirar e fazer seus, mediante a utilização de instrumentos objectivamente aptos a ferir ou a matar de que previamente se muniram, o anúncio a DD de um mal iminente sobre a sua integridade física e vida, a utilização sobre o corpo do mesmo de força física e a sua colocação na impossibilidade de resistir, objectos propriedade deste, bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento do seu proprietário, com o intuito, concretizado, de se apoderarem dos mesmos.

Os arguidos AA e BB agiram ainda, de comum acordo e em comunhão de esforços, sabendo e querendo tirar a vida a DD por forma a assegurarem a sua impunidade quanto à subtracção dos bens deste, aproveitando-se da fragilidade decorrente da idade daquele DD, com elaboração mental, reflexão e tenacidade, indiferentes ao sofrimento que causavam, revelando personalidades profundamente distanciadas dos valores aceites pela comunidade.

Os arguidos sabiam a idade de DD, sabendo ainda a arguida a relação que tinha com DD, a confiança que este em si depositava, que o mesmo tomava medicação e ainda assim não se coibiram de actuar nos moldes descritos”.

Sendo que a Relação, em sede reapreciação desta matéria de facto, objecto de impugnação por parte do recorrente (confira-se folha 92 do acórdão recorrido ou 1220 dos autos), considerou que decorre da fundamentação de facto da decisão proferida em 1.ª Instância, que “o tribunal recorrido apurou essa circunstância com base nas declarações dos arguidos, que admitiram que o roubo foi planeado entre ambos com uma antecedência de, pelo menos, um mês, englobando a forma de deslocação e os meios a utilizar para o (entenda-se o ofendido) colocar na impossibilidade de resistir à subtracção”.

Por via disso e do mais que flui da fundamentação, veio a Relação a concluir (confira-se folha 92 do acórdão recorrido) − bem, a nosso ver – que:

a) o assalto foi planeado com grande antecedência, não sendo verosímil que o arguido nunca tenha perguntado à co-arguida - que conhecia muito bem e pessoalmente a vítima - a idade e robustez física do ofendido; e

b) mesmo que tal não tivesse ocorrido - o que contrariaria as regras da experiência comum o arguido não pôde deixar de constatar logo no primeiro contacto físico que teve com ela, que a vítima era de provecta idade (note-se que a vítima estava a uma semana de atingir 89 anos de idade!) e, por isso, especialmente vulnerável, por razões fisiológicas fáceis de entender para o comum dos cidadãos.

Mesmo se a vítima estivesse fisicamente em boas condições, a sua provecta idade (notória, sublinha-se) não lhe permitiria defender-se com a mesma eficácia que uma pessoa de meia-idade.
Por conseguinte, improcede a última impugnação da decisão da matéria de facto”.
B.
Efectivamente, a provecta idade da vítima e o seu estado debilitado de saúde – por demais conhecido da arguida que há muito a conhecia e com quem lidava – foram aspectos a que, de acordo com as regras da experiência comum, os arguidos AA e BB tiveram necessariamente de ponderar quando, pelo menos com um mês de antecedência, planearam o roubo, a forma da sua deslocação e os meios que haviam de utilizar para colocarem a vítima na impossibilidade de lhes resistir.
Para além de que por demais manifesta sempre resultará, face às regras da experiência comum, a extrema vulnerabilidade e congruente incapacidade de resistência da vítima aos propósitos homicidas dos arguidos, atendendo à avançada idade e estado de saúde da primeira (89 anos) e dos últimos (34 anos a arguida AA e 26 anos o arguido BB) e à robustez destes em relação àquela que, para lá da debilidade inerente à sua idade e estado de saúde, por via da ingestão de fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo que a arguida lhe ministrou se encontrava meio adormecida e sem reacção. 
Estado de letargia aproveitada pelo arguido BB para enrolar à volta da boca e do pescoço da vítima um cinto, que apertou com força e, simultaneamente com a arguida AA, pressionar sobre a boca do infeliz DD uma almofada até o mesmo deixar de respirar.
Facticidade que, globalmente apreciada, não pode deixar de reclamar um acrescido juízo de censura em relação à conduta havida pelos arguidos que, com ela, deram mostras de ser portadores de um carácter desapiedado, cruel, insensível.

2.3.2.1.3

Depois, quanto à questão atinente à verificação (ou não) da circunstância prevista na mencionada alínea j) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal, cabe afirmar que a mesma qualificativa se mostra preenchida na comprovada conduta havida pelos arguidos.

E, para tanto, bastará ter em devida conta as múltiplas e sucessivas manobras efectuadas pelo arguido BB e pela arguida AA sobre o corpo da vítima - que se encontrava adormecida e sem reacção em resultado dos socos que o primeiro lhe desferira na barriga, na boca e na testa e também dos fármacos com propriedades psicóticas e efeitos sedativos que, com bebida alcoólica, a segunda lhe administrara – com o objectivo procurado, querido e conseguido de, inviabilizando qualquer resistência da sua parte, lhe ocasionarem a morte por asfixia mecânica.

Desiderato que, de harmonia com a matéria de facto provada, os arguidos reflectida e tenazmente concretizaram indiferentes ao sofrimento a que submeteram a vítima até esta sucumbir. Decesso que cuidaram de se certificar que se verificara efectivamente, observando a par e passo se deixara de respirar.

Ora, esta conduta, globalmente avaliada, impõe também um especial juízo de censura.

Razões pelas quais se conclui no sentido de que o crime que os factos em referência configuram é o de homicídio qualificado nos termos do artigo 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e j) do Código Penal, e não o de homicídio simples.

2.3.3 – Da forma de participação (autoria versus cumplicidade) do arguido BB no crime de homicídio qualificado

2.3.3.1

Como antes se disse, embora se trate de questão nova, apreciar-se-á a mesma na consideração de que, como também já se referiu, se relaciona com a questão que, atinente à qualificação jurídica dos factos, é de conhecimento oficioso.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 26.º, do Código Penal é autorquem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Por sua vez, como prescreve o número 1 do artigo 27.º do mesmo diploma, é cúmplice “quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.

Assim, como tem considerado a doutrina também a jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal, a co-autoria define-se pela existência de um acordo prévio, expresso ou implícito, entre os agentes em ordem à realização de um facto ilícito típico, em que, embora não sendo imprescindível que cada co-autor tome parte activa e decisiva em todos os actos de execução, exige-se que aquele ou aqueles actos em que participe se mostrem essenciais para a obtenção do resultado visado e querido.

E, como também se tem entendido, o que distingue, afinal, a co-autoria da cumplicidade é a circunstância de, ao contrário do que sucede com aquela (a co-autoria), que importa uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, nesta (na cumplicidade), a actuação do agente não passa de um mero auxílio (moral ou material) que o mesmo, dolosamente, presta à prática, por outro (o autor) de um facto típico doloso.

Quer isto dizer que, ao invés do que acontece com o cúmplice [que, ficando fora do facto ilícito, não executa o facto, por si ou por intermédio de outrem, não toma parte directa na sua execução nem determina outrem à prática do facto, de sorte que a sua participação não é essencial para a consumação do mesmo facto já que sempre teria lugar, ainda que em outras condições], o autor tem, juntamente com os demais co-autores, o domínio funcional do facto, de jeito que a sua actuação há-de, no desenrolar da execução tendente à obtenção do resultado ilícito típico, revelar-se imprescindível para o fim em vista.

2.3.3.2

Retendo estes aspectos e revertendo ao caso concreto aqui em análise, por claro tem-se que se mostra claramente definida a participação, em co-autoria, dos arguidos BB e AA na prática dos factos ilícitos integradores do indicado crime de homicídio qualificado por que foram condenados.

Com efeito, exigindo-se, para efeitos de co-autoria, uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, decorre linearmente da matéria de facto dada como assente a existência de um acordo de vontades e bem assim uma execução conjunta dos arguidos não tão-só para a prática do crime de roubo agravado mas também dos demais, maxime do crime de homicídio qualificado de que foi vítima DD.

E para assim concluir bastará atentar no modo como os arguidos conjugaram os seus esforços e escolheram os meios, que usaram, para tirarem a vida ao infeliz DD, e designadamente:

- Logo que DD abriu a porta do seu apartamento à arguida AA, o arguido BB, que no entretanto se escondera, agarrou-o pelas costas, colocou-lhe uma mão sobre a boca e, mediante o uso da força, conduziu-o até à sala onde o forçou a sentar-se no sofá;

- A seguir, enquanto a arguida AA – que apontava junto a um olho da vítima uma faca que trazia consigo e o forçava a ingerir dois comprimidos de um fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo, que também levara consigo, e uma bebida alcoólica que encontrou na residência – instava DD a revelar os códigos dos cartões bancários de que o mesmo era titular, o arguido BB desferiu-lhe um murro na face, coagindo-o a revelá-los, o que o mesmo fez;

- De posse dos mencionados códigos, a arguida AA deslocou-se a uma caixa de ATM para efectuar levantamentos em dinheiro, ficando o arguido BB na residência da vítima;

- Retornando àquele local e encontrando o infeliz DD deitado no chão do vestíbulo, com sangue na boca, na roupa, e numa almofada que tinha junto a si, a arguida AA fê-lo ingerir, conjuntamente com uma bebida alcoólica, mais dois comprimidos daquele fármaco com propriedades anti psicóticas e efeito sedativo;

- Constatando que a vítima se encontrava meio-adormecida e sem reacção, ambos os arguidos apropriaram-se de vários bens que pertenciam à mesma, a quem levaram depois para o quarto, aí deitando-a sobre a cama, tendo enquanto isso o arguido BB amarrado a mão esquerda de DD à cabeceira com um fio, que passou por baixo da sua cabeça;

- Apercebendo-se a arguida AA, que colocou a mão sobre a boca de DD, que este, apesar de quase inanimado, ainda respirava, o arguido BB, a quem transmitiu tal informação, desferiu-lhe socos na barriga, na boca e na parte lateral esquerda da testa, tendo ainda colocado uma camisola sobre a boca daquele, enrolando-a à volta do pescoço;

- Dando a arguida AA conta ao arguido BB que a vítima ainda respirava, aquele enrolou um cinto à volta da boca e do pescoço da vítima e apertou-o com tal força que a fivela se partiu;

- Apercebendo-se, porém, que a vítima continuava a respirar o arguido BB continuou a apertar-lhe o pescoço, com uma mão, enquanto com a outra mão pressionou, juntamente com a arguida AA, uma almofada contra a face daquela, o que fizeram até EE ter deixado de respirar.

Por via de tudo isto, não subsistem dúvidas de que o arguido BB teve, tal como a arguida AA, o completo domínio funcional do facto, de sorte que os actos que praticou, com vista a ser executado o projecto comum gizado, foram preponderantes, essenciais para a obtenção do resultado ilícito típico, procurado e querido por ambos: a morte do malogrado EE.

Daí que, tendo a actuação do arguido BB obedecido a uma decisão conjunta e a uma execução igualmente conjunta, por claro tem-se que o mesmo agiu como co-autor material, e não como mero cúmplice.

Improcede, em consequência, ainda nesta parte o recurso do arguido BB.

2.3.4 – Da Pena

2.3.4.1 – Das penas parcelares

2.3.4.1.1

Como mais para trás se disse, os arguidos BB e AA insurgem-se contra a medida da pena conjunta em que cada foi condenado e de forma menos clara (sobretudo a arguida) contra a medida das penas parcelares que lhes foram impostas.

Ora, com respeito às penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e de 7 anos de prisão aplicadas ao arguido BB e de 1 ano e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão impostas à arguida AA, pela prática, em co-autoria, de um crime de burla informática e nas comunicações e de um crime de roubo agravado, há que dizê-lo que, como refere o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, a decisão ora sob impugnação é irrecorrível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432.º, número 1, alínea b), e 400.º, número 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal.

Com efeito, de harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em caso de concurso de crimes e verificada a dupla conforme (como sucede no caso no que diz respeito às mencionadas penas parcelares), a terem sido aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes que, integrando o concurso, devem, por via do disposto no artigo 77.º do Código Penal, ser unificadas numa única pena, sempre cabe apurar quais as penas de medida superior a 8 anos de prisão e apenas em relação aos crimes punidos com essas penas parcelares (de medida superior a 8 anos de prisão) ou à pena conjunta de medida superior a 8 anos de prisão resultará admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O mesmo se passando com respeito às penas singulares não privativas de liberdade ou de prisão não superior a 5 anos de prisão que, em recurso, a Relação, confirmando a decisão de 1.ª instância, aplique.

O que significa que, com referência a cada um dos crimes e penas em concurso, tudo se passa como se para cada qual tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele houvesse sido imposta uma determinada pena[4].

Entendimento que, assumido pacificamente pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, não implica restrição inadmissível das garantias de defesa do arguido, em particular do direito ao recurso, consagrado no número 1 do artigo 32.º da Constituição da República, na consideração de que, traduzindo-se o mesmo na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto[5], dele não decorre de todo em todo a possibilidade de uso irrestrito do direito ao recurso e, como consequência disso, um amplo acesso aos tribunais superiores.

Daí que, reunido em plenário, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 186/2013, de 04.04.2013, tivesse decidido não julgar inconstitucional a norma da alínea f) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que, havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

Em resultado disto, e sem perder de vista que, não impondo as garantias de defesa do arguido o duplo grau de recurso, em caso de dupla conforme deve o recurso restringir-se às situações mais graves, e que esta interpretação sobre a norma das alíneas e) e/ou f) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal colhe o apoio do Tribunal Constitucional, importa então concluir que o recurso que os arguidos BB e AA interpuseram para este Supremo Tribunal não é admissível na parte relativa aos crimes, às penas singulares de medida não superior a 8 anos de prisão mantidas pela Relação, e demais questões em conexão.

Termos em que, pelos fundamentos expostos, se impõe concluir que caberá tão-só conhecer da medida da pena aplicada a cada um dos arguidos pela prática, em co-autoria, do crime de homicídio qualificado e bem assim da respectiva pena conjunta.

Assim …

2.3.4.1.2

A.

Como se sabe, a protecção dos bens jurídicos e a e a reintegração do agente na sociedade são, como bem flui do disposto no 40.º, número 1 do Código Penal, os fins visados pelas penas que, servindo finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, têm por escopo, com a prevenção geral positiva ou de integração assegurar a tutela dos bens jurídicos, o que vale por dizer a confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica e restabelecer a paz jurídica afectada com a prática do crime, e com a prevenção especial ressocializar o agente, o que vale por dizer prepará-lo para no futuro não cometer outros crimes.

Assim, se é certo que uma e outra das aludidas finalidades (a tutela dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) prosseguidas com a aplicação das penas e das medidas de segurança concorrem para um único objectivo, que mais não é que o de evitar a lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos, consubstanciado na prática de crimes definidos nos respectivos tipos legais, não menos verdade resulta que a função de cada qual é, porém, delimitada por exigências próprias, de sorte que à primeira sempre cabe a primazia de, no quadro de valores traçado pela moderna política criminal, transposto para o artigo 40.º do Código Penal, definir a medida da tutela dos bens jurídicos.

Medida da tutela dos bens jurídicos que é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo, ainda suportável pela necessidade comunitária de reafirmar a validade da norma jurídica violada com a prática do crime.

Daí que, como refere Figueiredo Dias[6], seja entre esses dois limites, máximo e mínimo que, tanto quanto possível, devem satisfazer-se as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, incumbindo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade.

De outro modo, se é verdade que, como estabelece o artigo 71.º, número 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, resulta igualmente certo que as circunstâncias referidas no número 2 do citado preceito são, para além de outras (posto que a enumeração ali gizada é meramente exemplificativa), todas as que, não tendo já sido valoradas no tipo legal de crime, importa levar em linha de conta na fixação concreta da pena, no âmbito da submoldura definida pelas exigências de prevenção geral e limitadas no seu máximo pela medida da culpa, de sorte que a pena constitui sempre o resultado da avaliação de todos esses factores.

Sendo que, entre os mesmos factores a que a lei (artigo 71.º, número 2, do Código Penal) manda atender, destacam-se: i) os factores relativos quer à execução do facto (e respeitantes ao tipo de ilícito, à gravidade das suas consequências, e bem assim ao grau de violação dos deveres impostos ao agente) quer ao tipo de culpa (e atinentes à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados pelo agente no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram); ii) os factores relativos à personalidade do agente (as suas condições pessoais e situação económica, a sua sensibilidade à pena e a susceptibilidade de ser por ela influenciado); iii) os factores que, respeitantes à conduta do agente, se tenham manifestado antes e depois da prática do facto ilícito típico.

B.

Reservando o que se acabou de anotar e todo o mais que para trás se disse, vejamos então se as referidas penas parcelares e conjuntas aplicadas aos arguidos BB e AA são, no âmbito da respectiva moldura penal abstracta, proporcionais à sua culpa e adequadas a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.

Ora, neste conspecto, constata-se que a ilicitude de que se revestem os factos configurativos do crime de homicídio qualificado revela-se muito elevada, tendo em vista, desde logo, a natureza do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora – a vida humana – e, depois, a violenta, dolorosa e prolongada provação a que os arguidos sujeitaram a vítima que, desamparada e incapaz de opor-se-lhes, ficou completamente à sua mercê.

De outro modo, importa ter presente que a culpa concreta dos arguidos, particularmente da arguida AA (posto que era muito próxima e desde longa data privava com a vítima, que aliás a auxiliava), que agiram com dolo directo, resulta muito acentuada, ponderando as suas motivações (única e exclusivamente a obtenção de lucro) e a circunstância de não terem emitido sinais seguros de interiorização da sua culpa, já que apenas parcialmente admitiram a sua responsabilidade.

 A isto acrescem as muito significativas necessidades de prevenção, sobretudo geral mas também especial.

As primeiras a imporem a reintegração da norma jurídica violada e dos interesses jurídicos por ela visados, e bem assim a reclamarem da comunidade grande firmeza por parte das instâncias formais de controlo no sentido de se reprimir este tipo de criminalidade que, como é por demais sabido, tem vitimado nos últimos tempos muitos idosos, carenciados de apoio familiar ou qualquer outro.

E as segundas, as de prevenção especial, ditadas pela circunstância de – conquanto não possuam antecedentes criminais – a forma impiedosa como os arguidos persistiram tenazmente em executar o projecto criminoso gizado com a referida finalidade revela da sua parte, em especial da arguida AA, uma personalidade desconforme aos princípios ético sociais que regulam a vida em comunidade, com especial enfoque para o respeito e solidariedade de que são merecedores os mais frágeis dentre os mais frágeis, como os idosos, as crianças, e os doentes.

A par disto, há que não perder de vista o condicionalismo que, exterior ao tipo legal em referência, depõe a favor dos recorrentes, designadamente o reportado: i) à sua aludida primariedade e admissão parcial que fizeram de alguns dos factos ilícitos da sua responsabilidade; ii) à sua idade à data da prática dos crimes (o arguido contava 26 anos e a arguida 34 anos); iii) à sua situação social e familiar (o arguido tem companheira e dois filhos menores a seu cargo e arguida tem companheiro e três filhos, dos quais dois a seu cargo); iv) à sua condição laboral e económica (não possuindo desde que veio para Portugal colocação laboral estável, o arguido tem tido várias ocupações profissionais, sendo que a arguida nunca trabalhou de forma regular nem possuiu qualquer actividade estruturada, beneficiando do rendimento social de inserção).

Depois importa ainda ponderar que desde da adolescência e até ser preso à ordem dos presentes autos o arguido BB manteve contacto com substâncias estupefacientes, e que em reclusão ambos os arguidos têm mantido um comportamento ajustado às regras institucionais estabelecidas.

Fazendo, pois, o balanço de tudo isto e do demais que para trás se disse, conclui-se que, no âmbito da respectiva moldura abstracta prevista para o referenciado crime de homicídio qualificado, as penas 21 anos e de 20 anos de prisão impostas, respectivamente, aos arguidos AA e BB, revelando-se algo excessivas, exigem a devida correcção por forma a situarem-se em 20 (vinte) anos de prisão a da arguida AA e em 18 (dezoito) anos a do arguido BB.

Medida que, justificando-se pela necessidade de garantir a protecção dos bens jurídicos e visando finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, se tem como ainda adequada à culpa manifestada pelos arguidos na prática do facto ilícito típico que custou a vida ao infeliz DD.

Procedem assim, parcialmente, os recursos dos arguidos, neste segmento.

2.3.4.2 − Da Pena Conjunta

2.3.4.2.1

No que concerne à pena conjunta, estabelece o artigo 77.º do Código Penal, no seu número 1, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

 Depois, quanto ao modo de pôr em prática os mencionados critérios definidos no número 1 do artigo 77.º do Código Penal, como diz Figueiredo Dias[7]: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Por sua vez, dispõe o número 2 do artigo 77.º do Código Penal que “[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O que quer dizer que a medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas impostas pelos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, número 1, do Código Penal), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do artigo 77.º quer do artigo 78.º do Código Penal), o critério específico, consistente, como visto, na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Porém, como adverte Figueiredo Dias[8], tratando-se de determinar a medida da pena do concurso, os factores de determinação da medida das penas parcelares, por via do princípio da proibição da dupla valoração, funcionam ora apenas como guia, a menos que se refiram, não a um dos concretos e específicos factos ilícitos singulares mas, ao conjunto deles.

2.3.4.2.2

No caso sub juditio, a moldura abstracta do concurso de penas em que vai condenada a arguida AA tem como limite mínimo 20 (vinte) anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares impostas) e como limite máximo 25 (vinte e cinco) anos de prisão, por imperativo legal (artigo 77.º, número 2, do Código Penal), sendo que a moldura abstracta do concurso de penas em que vai condenado o arguido BB tem como limite mínimo 18 (dezoito) anos de prisão (a mais elevada das penas singulares impostas) e como limite máximo 25 (vinte e cinco) anos de prisão, por imperativo legal (artigo 77.º, número 2, do Código Penal).

Recuperando, então, tudo quanto imediatamente antes se aduziu, com especial enfoque para o grau de ilicitude dos factos no seu conjunto e para a personalidade dos arguidos neles projectada, julga-se que, no âmbito das molduras penais abstractas dos concursos, as penas conjuntas de 22 (vinte e dois) anos de prisão e de 20 (vinte) anos de prisão a aplicar, respectivamente, à arguida AA e ao arguido BB, revelando-se ainda adequadas à sua culpa e proporcionais às exigências de prevenção geral e especial, cumprem de forma satisfatória as finalidades da punição.

Daí que em tal medida – 22 (vinte e dois) anos de prisão e 20 (vinte) anos de prisão – se fixe a pena conjunta em que se condena, respectivamente, a arguida AA e o arguido BB.

*

III. Decisão

Termos em que, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, acordam em julgar parcialmente procedentes os recursos dos arguidos AA e BB e, em consequência disso,

1. Condenar a arguida AA na pena de 20 (vinte) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e j), do Código Penal.

Em cúmulo jurídico dessa pena de 20 (vinte) anos de prisão com as penas de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente impostas pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 204.º, número 2, alínea f), e 210.º, número 1, número 2, al. b), do Código Penal, e de um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 221.º, número 1, do Código Penal, condenar a arguida AA, na pena conjunta de 22 (vinte e dois) anos de prisão;

2. Condenar o arguido BB na pena de 18 (dezoito) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1, e 2, alíneas c), e j), do Código Penal.

Em cúmulo jurídico dessa pena de 18 (dezoito) anos de prisão com as penas de 7 (sete) anos de prisão e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente impostas pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 204.º, número 2, alínea f), e 210.º, número 1, número 2, al. b), do Código Penal, e de um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelos artigos 14.º, número 1, 26.º, 221.º, número 1, do Código Penal, condenar o arguido BB na pena conjunta de 20 (vinte) anos de prisão.

3. Confirmar no mais o acórdão recorrido.

Tendo sido dado parcial provimento aos recursos dos arguidos, não é pelos mesmos devida taxa de justiça (artigo 513.º, número 1 do Código de Processo Penal).

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Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019

Os Juízes Conselheiros

Isabel São Marcos (relatora)
Helena Moniz



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[1]Assim, e entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2014, Processo nº 42/11.0JALRA.C1.S1 ou de 17.12.2014, Processo nº 937/12.4JAPRT.P1.S1, ambos da 5ª Secção, e de que foi relatora a aqui relatora.
[2]De conferir, no mesmo sentido e para citar os mais recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Processos nºs 1690/10.1JAPRT.L1.S1 e 631/06.5TAEPS.G1.S1, da 5ª Secção.
[3] Assim, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.05.2008, Processo n.º 3979/07, 5ª Secção; de 21.01.2009, Processo n.º 4030/09, 3.ª secção ou de 15.10.2003, Processo n.º 2024/03, 3.ª Secção.

[4] Assim, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2013, Processo n.º 631/05, TAEPS.G1.S1; de 18.12.2013, Processo n.º 137/08.8SWLSB.L1.S1; de 18.12.2013, Processo n.º 1086/09.8JACBR.C1.S1.
[5] Como J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, página 516. 
[6] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Parte Geral, Editorial Notícias, página 227.
[7] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, páginas 291 e seguintes.
[8] Obra e local antes citados.