PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
Sumário

- o decretamento do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisório, de conteúdo antecipatório, depende da verificação ou preenchimento dos seguintes requisitos/pressupostos:
Que esteja devidamente indiciada a obrigação do requerido/demandado em indemnizar os danos/perdas sofridas pelo requerente ;
Que o requerente prove uma situação de necessidade ;
Que esta situação de necessidade (ou o seu agravamento) tenha por causa ou fonte os danos/perdas sofridos ;
- como meio probatório, a confissão consiste numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto, tendo por emitente a parte e reveste-se de natureza confessória “quando nela se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo nos termos do artigo 342º do Código Civil” ;
- a circunstancia da Requerida Seguradora ter remetido, aos lesados, cartas nas quais assume a regularização dos prejuízos decorrentes do acidente, traduz efectiva assunção de responsabilidade por parte da mesma no ressarcimento dos danos decorrentes do evento lesivo ;
-  o facto da assunção de responsabilidade assumir a forma de “proposta provisória” – cf., a alínea a), do nº. 2, do artº. 37º ,do DL nº. 291/2007, de 21/08 - nada tem a ver com o assumir da responsabilidade indemnizatória ou ressarcitória, mas antes devido ao facto do dano, à data, ainda não poder ser totalmente quantificável, ou seja, a provisoriedade legalmente equacionada não se reporta ao assumir da responsabilidade, mas antes á definição do quantum indemnizatório a operar ;
- no âmbito do enunciado quadro normativo, a seguradora pode assumir ou não assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do evento lesivo, fundamentando a não assunção da responsabilidade nos termos equacionados no artº. 40º do citado Decreto-Lei ;
- a posição assumida pela Requerida seguradora é claramente de assunção da responsabilidade de regularização dos prejuízos decorrentes do acidente, o que considerou, e efectivou, tal como expressamente reconheceu, após averiguação que efectuou “com o fito de tomar uma decisão quanto à responsabilidade, tendo em conta os elementos recolhidos” – cf., artigos 3º, 4º e 6º da oposição/contestação ;
- pelo que, considera-se existir confissão extrajudicial em documento particular, dirigida à parte contrária, atribuindo-lhe a lei força probatória plena ;
- determinando que, in casu, fruto daquela força probatória plena, inexista lugar á discussão da culpa na produção ou eclosão do evento lesivo, sendo apenas discutível o âmbito e avaliação dos danos a ressarcir ;
- e, no presente procedimento cautelar, a consequência da declaração confessória da Requerida, e força probatória a esta associada, determina o efectivo preenchimento e verificação do requisito de indiciação da existência de obrigação de indemnizar a cargo da Requerida ;
- o que implica o necessário não conhecimento da impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente Requerida, em virtude da matéria de facto questionada – provada e não provada - se reportar à dinâmica do embate ocorrido e consequente responsabilidade ou imputabilidade daí decorrente ;
- não deve conhecer-se acerca da impugnação da matéria de facto apresentada quando tal se configure como a prática de uma acto inútil, legalmente sancionado pelo artº. 130º, do Cód. de Processo Civil ;
- o que acontece nas situações em que, ainda que lograsse obter procedência a apresentada impugnação da matéria factual,  a decisão da causa não poderia deixar de ser a mesma, fruto do enquadramento jurídico operado, traduzindo-se então tal reapreciação na prática de uma acto absolutamente inútil, claramente contrário á observância dos princípios da economia e celeridade processuais.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO

1 – CARLOS ..., solteiro, maior, portador do cartão de cidadão nº …, NIF …, BENEFICÁRIO DA SEGURANÇA SOCIAL Nº … ;
SOFIA ..., solteira, maior, portadora do cartão de cidadão nº …, NIF …, BENEFICÁRIA DA SEGURANÇA SOCIAL Nº … ;
JOANA ..., solteira, menor, portadora do cartão de cidadão nº …, NIF …, BENEFICÁRIA DA SEGURANÇA SOCIAL Nº … ; e
ANDRÉ ..., solteiro, menor, portador do cartão de cidadão nº …, NIF …., BENEFICÁRIO DA SEGURANÇA SOCIAL Nº …,
todos residentes na Rua das ..., nº. .., ..º-C, Amora, instauraram procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, contra:
FIDELIDADE – COMPANHIA de SEGUROS, S.A., com sede no Largo do Calhariz, 30, Lisboa,
deduzindo o seguinte petitório:
que a Requerida seja condenada ao pagamento de:
- Uma renda mensal à 2ª A., de montante não inferior a 1.130,00 € ;
- Todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação e fisioterapia, próteses e outras aos AA. por força das lesões descritas nos autos, mediante entrega, pelos AA., de correspondente factura ou recibo.
Alegou, em suma, o seguinte:
§ O primeiro A. e a segunda A. vivem em união de facto e são progenitores dos 3ª e 4º AA., tendo a 3ª A. nascido em 23.4.2011 e o 4º A. em 14.11.2008 ;
§ No dia 6.9.2015, pelas 02:30, os AA. circulavam, a pé, no sentido Norte – Sul, no passeio da Av. Marcos de Portugal, na Amora, em direcção à sua residência, na Rua das ..., nas Paivas, vindos do interior do recinto da Festa do “Avante”, na Quinta da Atalaia ;
§ O primeiro A. transportava os 3º e 4º AA num carrinho para crianças, seguido da A. e de um sobrinho ;
§ Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, muitas dezenas de pessoas circulavam a pé no passeio e na própria via da referida avenida, vindas do recinto da Festa do “Avante”, dado que os passeios se mostravam ocupados por grande número de viaturas estacionadas e peões ;
§ A via mostrava-se com boa visibilidade, em extensão e largura, iluminada pela rede de iluminação pública, sendo, naquele local, caracterizada por uma recta com mais de 100 metros de cumprimento, dotada de dois sentidos de trânsito e cerca de 10 metros de largura ;
§ O pavimento encontrava-se em bom estado e o piso estava seco ;
§ O 1º A. conduzia o carrinho com os 3º e 4º AA. pela berma da faixa de rodagem, em sentido oposto ao trânsito automóvel ;
§ Na faixa de rodagem junto à qual se encontravam os AA., circulava a viatura de matrícula ..-IQ-.., ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo Fiesta, no sentido Sul – Norte ;
§ Quando se encontrava a alguns metros dos AA., que se encontravam na berma, na proximidade da passadeira junto ao cruzamento da Av. Marcos de Portugal com a Rua Álvaro Augusto de Sousa, o condutor da referida viatura perdeu o controlo da mesma e embateu nos 1º, 3º e 4º AA., com parte lateral frontal direita do veículo por si conduzido ;
§ Antes do embate o condutor não travou, nem abrandou a velocidade a que circulava, inexistindo qualquer sinal de travagem ;
§ O ponto de percepção possível para o condutor do veículo em causa, entendendo-se como tal o momento e lugar onde aquele podia ter-se apercebido da presença dos 1º, 3º e 4º AA. situava-se a 88,5 metros do local do embate ;
§ Segundo relatos de testemunhas oculares, imediatamente antes do embate, o condutor seguia a velocidade excessiva e aos ziguezagues, de modo desgovernado ;
§ Dada a violência do embate, o 1º A. e o carrinho de bebé no qual seguiam os 3º e 4º AA. foram projectados vários metros ;
§ Devido à projecção que se seguiu ao embate, os 3º e 4º caíram inanimados no asfalto e o carrinho ficou totalmente destruído, tendo a 3ª A. batido com a cabeça no lancil do passeio no momento da queda no solo ;
§ O condutor imobilizou a viatura ..-IQ-.. alguns metros à frente do local do atropelamento, e, interpelado por terceiros, fugiu do local, na referida viatura ;
§ Posteriormente, a PSP veio a apurar que o veículo com a matrícula ..-IQ-.. é propriedade de António ..., e era conduzido, no momento do acidente, pelo filho deste, Jorge ... ;
§ Tendo o referido Jorge ... vindo a admitir, em sede de inquérito, nos supra mencionados autos, a prática dos factos ora descritos, conforme relatório técnico de acidente de viação elaborado pela Polícia de Segurança Pública, no âmbito dos supra mencionados autos de inquérito ;
§ Nos termos de tal relatório, cujo teor se dá igualmente por reproduzido, concluiu o investigador que a causa principal do acidente foi “o facto de o condutor do veículo de matrícula ..-IQ-… exercer a condução de forma desconcentrada e em velocidade inadequada tendo em conta o local, o momento e as características da via” ;
§ A responsabilidade civil pelos danos decorrentes do acidente supra descrito mostra-se transferida para a ré, pela apólice nº 75... ;
§  Por cartas datadas de 29.12.2016, que se juntam como documentos ns. 27 e 28, a ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos prejuízos resultantes do acidente, relativos aos 3º e 4º AA. ;
§ Pelo que a ré suportou, durante 3 anos, as despesas relacionadas com os tratamentos, consultas, exames, cirurgias, internamentos e medicamentos relacionados com as lesões sofridas pelos 3º e 4º AA., tendo vindo, de igual modo, a suportar tais despesas relativas às lesões sofridas pelo 1º ;
§ A 2ª A. era, à data do acidente, trabalhadora independente, trabalhando como técnica de audiovisuais, contribuindo, com o 1º A. para as despesas do agregado familiar em condições similares, sendo economicamente independente daquele ;
§ Em 2015, auferiu uma remuneração de 9.839,00 €, como trabalhadora independente e de 1.580,41 € como trabalhadora por conta de outrem, o que totaliza 11.419,41 € ;
§ Por força da necessidade de acompanhar os 3º e 4º AA. em todos os tratamentos, consultas, exames, internamentos e cirurgias descritos, entre Setembro e Novembro de 2015 viu-se absolutamente impossibilitada de desempenhar a sua actividade profissional ;
§ Pelo que aquele montante se refere apenas às remunerações auferidas entre Janeiro e Agosto de 2015, correspondendo a um valor mensal de 1.427, 43 €.137. Era pois este o montante médio auferido mensalmente pela A. à data do acidente ;
§ Desde então e até à presente data, por força da necessidade de se dedicar quase em exclusivo aos tratamentos dos seus filhos, não conseguiu encontrar trabalho estável, apenas prestando serviços esporádicos em part-time, tendo auferido, em 2017, o montante de 3.575,00 €, o que equivale, em tal período, a um valor médio mensal de 297,00 € ;
§ A situação profissional da A. não se alterou, mantendo-se, até à presente data, apenas disponível para pequenos serviços em part time, por força da necessidade de acompanhamento permanente dos filhos ;
§ Aliás, a perda de remuneração vai-se agravando dado que com o afastamento da A. da lides e do círculo de contactos profissionais vai-se tornando ainda mais difícil encontrar trabalho dentro da sua área de experiência e adequadamente remunerado ;
§ Pelo que é improvável que a A., em 2018, venha a auferir valor mais elevado do que o recebido em 2017, correspondente a cerca de 297,00 €/mês, com o consequente prejuízo não inferior a 1.130,43 €/mês (1.427, 43 € – 297,00 €) ;
§ Enquanto perdurar a necessidade de apoio constante aos filhos, por motivo dos tratamentos, consultas, exames, internamentos e cirurgias, manter-se á tal perda de remuneração mensal, que se quantifica, na presente data, no total de 9.043,44 € (correspondente 1.130,43 € x 8 meses) ;
§ A situação descrita coloca a 2ª A. numa situação de total dependência económica e financeira em relação ao 1ª A. ;
§ Imediatamente após a instauração da acção principal, a Requerida comunicou aos Requerentes que as despesas futuras com tratamentos relacionados com as lesões descritas deixarão de ser suportadas pela Requerida ;
§ Entre Abril de 2017 e Abril de 2018, a Requerida suportou despesas mensais com tratamentos num valor médio de 955,92 € ;
§ As despesas mensais do agregado ascendem a 2.139,89 € ;
§ o Requerente Carlos ... aufere um rendimento de 2.500,00 € ;
§ dada a situação de indisponibilidade profissional da Requerente Sofia ..., pelos motivos descritos supra, o agregado sobrevive à custa dos rendimentos auferidos pelo Requerente Carlos ... ;
§ Ora, este despende consigo cerca de um terço de tais rendimentos (equivalente, sensivelmente, a 825,00 €), não sendo, pois, suficiente, o remanescente (cerca de 1.675,00 €), para fazer face às despesas descritas, nomeadamente, as 4 terapias semanais da requerente Joana ... essenciais à sua recuperação e desenvolvimento ;
§ Em face do que antecede, deve a Requerida ser condenada no pagamento de uma renda mensal correspondente à perda de remuneração sofrida pela 2ª A., no montante de 1.130,00 €, e bem assim, a suportar, mediante exibição da factura ou recibo, todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação e fisioterapia, próteses e outras aos AA. por força das lesões descritas nos autos.
Juntaram documentos, tendo o presente procedimento cautelar sido instaurado em 07/11/2018.
2 – Conforme despacho datado de 12/11/2018, foram os Autores convidados a suprirem a insuficiência de alegação fáctica e a juntarem específica prova documental, tendo-se ainda designado data para a realização da audiência final.
3 – No início da audiência final, a Requerida juntou oposição/contestação, alegando, em resumo, o seguinte:
- A Requerida recebeu participação de acidente automóvel, tendo de imediato ordenado averiguação às circunstâncias do sinistro, pelo que confirma as indicadas data, hora, local e intervenientes identificados ;
- Recebida a notícia do sinistro a ora Contestante, no cumprimento das normas legais em vigor, (capítulo III do Dec. Lei 291/2007 de 21 de Agosto) efectuou a averiguação com o fito de tomar uma decisão quanto à responsabilidade, tendo em conta os elementos recolhidos ;
- Na sequência dessa averiguação, a ora R., admitiu que o condutor do IQ, tivesse com a sua conduta contribuído para o acidente, considerando, a comprovação dos factos descritos no auto de participação policial junto aos autos ;
- Todavia, a ora Contestante admite agora, que a conduta do A. Carlos ..., pai dos menores, tivesse contribuído para que o acidente ocorresse ;
- A ora Contestante, recebeu a participação de Acidente supra, tendo de imediato solicitado averiguação às circunstâncias e modo de ocorrência do sinistro, no cumprimento das normas legais em vigor (capítulo III do Dec. Lei 291/2007 de 21 de Agosto) ;
- É verdade que a ora Contestante, por imperativo de regularização do sinistro de forma rápida e célere, extra judicialmente, em conformidade com as normas supletivas constantes do capítulo III do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto, enviou as comunicações que constam dos Docs. 27 e 28 juntos com o R.I., bem como mandou proceder a avaliação dos danos corporais do A. Carlos ... e até pagou algumas despesas com transportes, tratamentos e hospitalização ;
- Todavia, a conclusão jurídica sobre as causas do acidente corresponde apenas, a uma declaração de ciência, e não a uma pura declaração de vontade, uma vez que a ora contestante não tem capacidade para formular uma confissão sobre o acidente, pois não participou no mesmo ;
- Pois, a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira, pois que a confissão é um acto jurídico cuja validade está dependente do confitente possuir capacidade para confessar, o direito seja disponível e resultar de factos próprios ;
- Apesar da ora Contestante, aceitar que o acidente terá ocorrido conforme consta da participação de Acidente, constante dos autos elaborada pelo Sr. Agente Policial, a sua conclusão de cunho eminentemente de direito, não sendo confissão, deve ser livremente apreciada pelo Tribunal ;
- O reconhecimento indirecto de factos alegadamente desfavoráveis, no contexto do regime jurídico do contrato de seguro de responsabilidade automóvel e da respectiva regularização extra judicial, não são confissão, valendo apenas como elemento probatório que o Tribunal apreciará livremente ;
- A ora contestante, como qualquer seguradora, está vinculada ao cumprimento de normas de regularização extra judicial dos sinistros ;
- Não pode, pois, retirar-se à seguradora de modo absoluto o direito de, na fase judicial, discutir a dinâmica do acidente (princípio do contraditório), se o entender fazer, uma vez que o lesado não aceitou na sua totalidade a regularização do sinistro na fase pré-judicial ;
- Por ser assim, a ora Requerida tem sempre legitimidade para não aceitar a factualidade, no todo ou em parte, decorrente do acidente e/ou dos danos alegados, visto que em sede judicial, quem alega um facto do qual resulta um dano é que tem o ónus da prova, salvo havendo presunção legal de culpa ( artº 342º e ssg do Código Civil) ;
- Desta forma, aceita que os AA., naquelas circunstâncias de data e hora, "circulavam, a pé, no sentido Norte - Sul no passeio (n/ sublinhado) da Av. Marcos de Portugal, na Amora..." ;
- o ponto de colisão entre o IQ e as vítimas ocorre em plena faixa de rodagem de veículos ;
- Faixa de rodagem de veículos por onde terá passado a circular, o Requerente Carlos ... com o carrinho de bebé no qual seguiam os seus filhos menores, tendo, necessariamente, saído do passeio ;
- O qual pretenderia, naquele local, atravessar a faixa de rodagem, conforme declaração da Requerente constante da Participação de acidente: " - A testemunha ocular –Sofia ... declarou por escrito que se deslocava apeada com o seu sobrinho Alexandre Miguel Rodrigues Esteves, na Avenida Marcos de Portugal, em cima do passeio, atrás do seu marido ( Sr. Carlos ...), o qual transportava os seus filhos em cima de um carrinho de bebé (André ... e Joana ...) e quando pretendiam atravessar a faixa de rodagem, o seu marido e os seus filhos foram abalroados por um veículo." ;
- O embate ocorreu em plena faixa de rodagem, paralelamente à frente de um veículo de Marca Jeep que se encontrava estacionado em local adequado ao efeito ;
- Mais concretamente, o ponto de conflito situa-se na via direita da faixa de rodagem no sentido de marcha Sul/Norte, atento o sentido de marcha do IQ, com as coordenadas cartesianas eixo X (0,3,80m) e de eixo Y (00,60m) conforme croquis junto ao R.I. como Doc 1 ;
- É lícito concluir que o Requerente abandonou o passeio, saindo da frente do Jeep estacionado e, inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem, tendo então sido colhido pelo IQ. ;
- Conforme resulta do Croquis junto no Doc 1 do R.I. existe a cerca de 20 metros do local do embate, passagem de peões devidamente sinalizada ;
- A forma como ocorreu o sinistro, não isenta de responsabilidades o Requerente Carlos ..., já que desconsiderou a existência de local destinado à travessia de peões ;
- E os danos, alegadamente ocorridos, não se teriam produzido se o dever de cuidado (artº 101º nºs 1 e 3 do C.E.) por parte do Requerente Carlos ... tivesse sido cumprido ;
- Desta forma, fica expressamente impugnada a descrição do sinistro constante do douto R.I. designadamente, o conteúdo dos artºs 3º, 8º a 21º, bem como as conclusões expressas que imputam a responsabilidade do sinistro ao segurado da ora Requerida ;
- Em face das alegações da ora Requerida na acção principal, e que se voltam a reproduzir, não está " indiciada a existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido", o que expressamente se invoca ;
- Nessa medida não se encontra verificado o requisito necessário ao procedimento da providência, qual seja, que esteja "indiciada a obrigação de indemnizar a cargo da Requerida Fidelidade Companhia de Seguros SA.".
Conclui, no sentido de improcedência do Procedimento, por falta de preenchimento dos pressupostos referidos no nº. 2 do artº. 388º, do Cód. de Processo Civil.
Juntou 1 documento.
3 – No âmbito da audiência final, realizada em 04/12/2018, o Ilustre Mandatário dos Requerentes, após pedir a palavra, aduziu o seguinte:
tendo sido alegado nos artigos 134º e 141º do requerimento inicial que a requerente Sofia … sofreu uma perda de rendimento no montante de € 1.427,43 - € 297,00 e em face dos depoimentos prestados em audiência no sentido de que a mesma aufere actualmente € 603,00 rectifica-se tal factualidade peticionando-se a tal título a quantia mensal de € 824,43 (correspondente a € 1.427,43 - € 603,00)”.
4 – Seguidamente, após ter sido dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Requerida, foi proferido o seguinte DESPACHO:
conformando-se o ora requerido com o disposto no art. 265º, nº. 2 e nº. 3 do C.P.C. admite-se a requerida redução do pedido, passando a tomar-se para tal efeito em consideração a quantia de € 824,43 (oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e três cêntimos)”.
5 – Após a realização da audiência final em três diferenciadas sessões, em 21/12/2018, foi proferida SENTENÇA, em cuja parte decisória se exarou o seguinte:
“por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente por não integralmente provada, a presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória que CARLOS ..., SOFIA ..., JOANA ... e ANDRÉ ..., contra a FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, arbitra-se a cargo desta a reparação provisória à menor joana
 sob a modalidade de renda mensal, de oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e três cêntimos (€824,43), devida desde o 1º dia do mês subsequente à data da instauração da acção (art.º 386º/1 ex vi art.º 389º/1 do nCPC), absolvendo a requerida do demais peticionado.
Custas a cargo da requerida (art.º 539º/1 do nCPC), sem prejuízo do disposto no art.º 539º/2 do nCPC.
Fixa-se o valor do procedimento cautelar em harmonia com o disposto no art.ºs 304º/1/2/3/a) e 306º/1 do nCPC em € 9.893,16.
Registe e notifique”.
6 – Inconformada com o decidido, a Requerida/Ré interpôs recurso de apelação (Independente), em 21/01/2019, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“1- O Tribunal " a quo" incorreu em manifesto lapso que determinou uma incorrecta aplicação do direito aos factos apurados e provados, assim como não considerou factos que deveriam ser dados como provados e, que, caso não se tivesse verificado, teria conduzido a uma solução conforme pugnado pela requerida, ou seja, o indeferimento da providência.
2- O âmago da divergência da recorrente à, aliás douta sentença recorrida, é quanto à determinação da responsabilidade no acidente, nomeadamente quanto aos factos alegados no R.I. e dados como provados e aos factos alegados na Oposição dados como não provados ou irrelevantes, uma vez que tal ponderação não corresponde à realidade, resultante da prova produzida em audiência.
3- Quanto à matéria constante dos pontos 10 a 12 dos factos dados como provados, devem os mesmos ser considerados " Não provados".
4- Nada na prova testemunhal faz inculcar a ideia (ponto 10) de que o " condutor da viatura perdeu o controlo da mesma" e embateu nos 1º 3º e 4º requerentes.
5- Ao contrário, foi o 1º requerente que "saiu de entre os carros estacionados e de uma forma súbita e inopinada invadiu a faixa de rodagem embatendo contra o veículo IQ."
6- Ninguém afirmou que: " antes de embater o condutor seguia (ponto 11) aos "ziguezagues" .
7- Pelo contrário, o 1º Requerente não viu o veículo, e a 2ª requerente afirmou que não viu o veículo antes do acidente.
8- Nada na prova testemunhal refere que os requerentes poderiam ter sido avistados (ponto 12) a 88,5m em relação ao local onde ocorreu o acidente.
9- Ao contrário, se estes pudessem ter sido avistados, também, necessariamente, poderiam avistar o veículo e, como confessam, não o viram apesar deste ter a iluminação em funcionamento.
10- Desta forma, a bem da verdade, tais factos nunca poderiam ter sido dados como provados, donde se requer seja tal matéria alterada e dada como não provada.
11- Ao invés a matéria constante da alínea f) dos factos não provados, deve ser levada à matéria provada com a seguinte redacção " O 1º requerente, saindo de entre as viaturas estacionadas, inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem tendo embatido contra o veículo IQ"
12- Consequentemente, alterando-se a matéria de facto nos anteditos termos, deve considerar-se que o 1º requerente violou as normas de circulação de peões na via pública, designadamente, as disposições do artº 99º do C.E.
13- Ao decretar a providência cautelar, o Tribunal “a quo” interpretou de forma incorrecta o disposto nos artºs 99ºº do Código da Estrada, bem como as disposições dos artigos 570º do Código Civil e 388º nº 2 do CPC”.
Conclui, no sentido da “matéria de facto provada e não provada ser alterada conforme requerido e, em consequência, a douta Sentença ser revogada, e substituída por outra que julgue improcedente o procedimento cautelar requerido, considerando-se não verificada a obrigação de indemnizar por parte da requerida”.
7 – Os Requerentes/Apelados apresentaram contra-alegações, no âmbito das quais formularam as seguintes CONCLUSÕES:
“1. A recorrente não impugnou a resposta aos factos provados ns. 103, 104, 105 e 116, em face dos quais é forçoso concluir, como se concluiu na douta sentença recorrida, que a recorrente CONFESSOU os factos respeitantes à sua responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente descrito nos autos.
2. Em face do que antecede, e pelos fundamentos constantes da sentença recorrida, não assiste à recorrente o direito a discutir a dinâmica do acidente com vista a “dar o dito por não dito” e imputar, agora, a responsabilidade pela respetiva produção ao 1º recorrido.
3. Tal apenas lhe seria lícito caso alegasse a superveniência de algum facto ou elemento probatório relativamente ao momento em que assumiu a responsabilidade, o que a recorrente não faz.
4. Pelo que, à luz do disposto nos arts. 334º e 358º, nº 2, do CC, não pode a recorrente invocar, neste sede, a culpa exclusiva (ou sequer parcial) do lesado.
5. Isto, abstraindo de comentar a circunstância de a recorrente vir agora responsabilizar um pai pelos gravíssimos danos sofridos pelos seus filhos menores quando a recorrente sabe – porque assumiu – que tais danos ocorreram por culpa exclusiva do condutor do veículo por si segurado.
6. Não comentando, não se poderá deixar de dizer que não vale tudo, muito menos quando estão em causa razões de ordem pública que subjazem à exigência de um seguro obrigatório de responsabilidade civil: a ser admitida a pretensão da recorrente, abriríamos a caixa de Pandora e, numa já desequilibrada relação, a parte mais fraca (o lesado) passaria a estar totalmente à mercê da seguradora.
Em qualquer caso,
7. A prova dos factos 10 a 12 não resulta apenas dos depoimentos prestados em audiência.
8. Tais factos resultam do auto de notícia e respetivo aditamento, juntos com o requerimento inicial, como documentos ns. 1 e 2, e que, como sabemos, faz fé em juízo até prova (credível) em contrário, e bem assim, do relatório técnico de acidente de viação, elaborado nos autos de inquérito NUIPC 59/15.6PHSXL, pela BIAV, que concluiu pela culpa exclusiva do condutor do veículo segurado pela recorrente.
9. Tal conclusão, para além dos depoimentos dos intervenientes, assentou nos depoimentos de várias testemunhas oculares, António J..., Idalina … e Catarina …, as quais depuseram no sentido de que observaram o veículo em causa a circular aos esses, descontrolado, atropelando os recorridos; a artéria estava repleta de peões na via, saídos da festa do Avante; os passeios estavam ocupados por viaturas estacionadas e muitos peões; os recorridos caminhavam entre os carros estacionados e a via.
10. A recorrente não impugnou tais documentos.
11. Pelo que é manifesto que o Tribunal não podia deixar de os levar em consideração na decisão sobre a matéria de facto, como levou.
12. A recorrente também não impugna o facto 5: “1º requerente conduzia o carrinho no qual eram transportados os 3º e 4º requerentes, em sentido oposto ao trânsito automóvel.”
13. Por outro lado, pela recorrente não foi impugnado o facto 6: “nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, várias dezenas de pessoas circulavam a pé no passeio e na própria via destinada ao trânsito de automóveis da referida avenida, vindas do recinto da festa do Avante, dado que os passeios se mostravam ocupados por grande número de viaturas estacionadas e peões.”
14. A recorrente também não impugna o facto 7): “a via – Av. Marcos Portugal – apresentava-se com boa visibilidade, em extensão e largura, iluminada pela rede de iluminação pública, sendo, naquele local, caracterizada por uma recta com mais de 100 metros de cumprimento, dotada de dois sentidos de trânsito, medindo a via, no espaço destinado ao trânsito de viaturas, com exclusão do destinado a estacionamento dos dois lados, 10 metros de largura.”
15. Ora, estes factos excluem, por si sós, a nova versão que a recorrente narra do acidente, devidamente adaptada à presente sede judicial, e que assenta na nova e mirífica tese do “aparecimento súbito e inopinado do peão”.
16. Como se tal não bastasse, a recorrente não impugna o facto, dado como não provado, de que o recorrido pretendia, naquele local, atravessar a faixa de rodagem (al. e) dos factos não provados).
17. À luz da experiência comum, caso tivesse surgido um carrinho de bebé, de modo “inopinado e súbito”, apenas este teria sido abalroado pela parte lateral do veículo e já não o peão adulto que o empurrava, por este seguir ATRÁS do carrinho.
18. A recorrente também não ensaia qualquer esforço no sentido de infirmar a convicção formada pelo Tribunal recorrido quanto à falta de credibilidade do depoimento do condutor, nomeadamente, pelo interesse deste no desfecho do processo e consequente atitude “defensiva”, mas, acima de tudo, pela circunstância de o mesmo ter fugido do local.
19. Tal facto (15), de resto, não foi impugnado pela recorrente.
20. A recorrente, por outro lado, também nada alega no sentido de abalar a credibilidade dos depoimentos dos 1º e 2ª recorrentes, que constituem a versão do acidente alternativa à que é “proposta” pela recorrente, com base, apenas, no depoimento do condutor fugitivo.
21. Ora, o 1º recorrido, no trecho transcrito pela recorrente, afirma que circulava junto aos carros estacionados, em sentido contrário ao trânsito, ao longo da via.
22. E, como resulta, da motivação, “a 2ª recorrida confirmou tal facto, dando conta de que seguia cerca de 30/40 metros atrás do primeiro recorrido, no mesmo sentido.
23. Pelo que antecede, é forçoso concluir que o acidente descrito não se deveu ao aparecimento súbito e inopinado do peão e carrinho de bebé pois estes vinham circulando ao longo da via, paralelamente aos carros estacionados junto a esta”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
8 – Os Requerentes/Autores, igualmente inconformados com a sentença proferida, vieram interpor Recurso Subordinado, no âmbito do qual formularam as seguintes CONCLUSÕES:
“1. Deve dar-se como provado que o 1º requerente Carlos ... auferiu entre 26.2.2018 e 14.11.2018, a remuneração mensal ilíquida de € 1.853,44, suportando mensalmente a título de contribuição para o ISS a importância de €125,72.
2. A 2ª recorrente sofreu, por via da necessidade de apoio aos seus filhos, uma perda de remuneração correspondente à diferença entre os valores que auferia à data do acidente, no montante mensal de 1.427,43 € (facto 109) e os rendimentos atuais, no valor de 606,67 €/mês (facto 113).
3. Ora, tal quebra de rendimento, para menos de metade, de um nível de rendimento consideravelmente superior ao rendimento médio nacional, para um rendimento próximo do salário mínimo nacional, impunha que se considerasse como provada a dependência económica da 2ª recorrente em relação ao primeiro recorrente.
4. E ainda que assim se não entendesse, sempre tal quebra de nível de rendimento, exclusivamente devida à necessidade de acompanhamento dos filhos menores na sua recuperação das lesões causadas pelo acidente, sempre importa dramática perda de qualidade de vida e autonomia financeira, em termos que não podem deixar de merecer a tutela do art.º 338º, ns. 2 e 3, do CPC.
5. Ao dar como não provado que o 1º recorrente gasta consigo mesmo sensivelmente 1/3 dos seus rendimentos, no montante de cerca de 825 €/mês, o Tribunal olvidou as obrigações fiscais do 1º recorrente que o forçam a entregar ao Estado – atento o seu nível de vencimento – 28,5% daquilo que aufere, como vimos supra.
6. Ora, abstraindo da necessidade que, segundo o senso comum, todos temos de suportar custos próprios com alimentação, saúde e vestuário, a verdade é que ainda se deu como provado que o recorrente despende 225,72 € por mês com transportes e segurança social (factos 118 e 119).
7. E, se considerarmos que, como vimos, o 1º recorrente aufere um vencimento ilíquido de € 1.853,44, temos que sobre o mesmo incide 528,23 € de IRS, acrescidos de 225,72 € de transportes e segurança social, o que totaliza 753,95 €.
8. De todo o modo, o montante de 825,00 € em despesas próprias, teve como ponto de partida a remuneração de 2.500,00 €/mês. Para esta, o valor correspondente de IRS, à taxa de 28,5%, seria de 712,50 €, o qual, acrescido de 225,72 € de transportes e segurança social, elevaria o valor de despesas próprias para 938, 22 €, antes mesmo de qualquer prova quanto aos gastos com alimentos, vestuário, telecomunicações e saúde.
9. Pelo que se teria de dar como provado que o requerente despende, consigo mesmo, um terço dos vencimentos auferidos.
10. Em face do que antecede, deve a recorrida ser condenada no pagamento de todas as despesas já suportadas e a suportar pelos recorrentes, relacionadas com tratamentos das lesões sofridas como resultado do acidente descrito, a par da renda no valor já fixado pela decisão recorrida.
11. Em alternativa, deve o valor da renda já arbitrada ser equitativamente revisto de modo a permitir o pagamento das despesas com tratamentos já documentadas (no valor de 826,56 € - facto 117) para além de compensar a perda de rendimento da 2ª recorrente e consequente dependência económica desta relativamente ao 1º recorrente”.
Conclui, no sentido de procedência do recurso interposto.
9 – A Requerida/Apelada Subordinada apresentou contra-alegações, aludindo que os Recorrentes subordinados invocam prova inexistente, que não sustenta qualquer modificação da matéria de facto nos termos pretendidos, e que o direito à indemnização não pode, em sede de procedimento cautelar, exceder o que se pode alcançar com a acção principal.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso subordinado.
10 – Os recursos (Independente Subordinado) foram admitidos por despachos de fls. 238, datados de 28/03/2019, como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos Recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto dos recursos interpostos pelos Recorrentes Apelantes (recurso Independente e recurso Subordinado), delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir:
- relativamente ao RECURSO INDEPENDENTE:
I) Conhecer acerca da impugnação da matéria de facto ;
II) Apreciar se, no deferimento da pretendida alteração da matéria de facto provada e não provada, não se encontra indiciada a obrigação de indemnizar a cargo da Requerida seguradora, ou seja, se inexiste probabilidade séria da inexistência do direito invocado.
- relativamente ao RECURSO SUBORDINADO:
I) Conhecer acerca da impugnação da matéria de facto ;
II) Aferir se, na sequência da alteração da matéria de facto, e da demais provada, deve alterar-se o segmento condenatório determinado na decisão apelada.

O que implica, in casu, a análise das seguintes questões:
1) Da admissibilidade legal de conhecer acerca da impugnação da matéria de facto no que concerne à responsabilidade pela ocorrência do embate, atenta a sua alegada admissão por confissão ;
2) Da análise do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida, foi considerada INDICIARIAMENTE PROVADA a seguinte matéria de facto:

1) O primeiro requerente e a segunda requerente vivem em união de facto e são progenitores dos 3ª e 4º requerentes
2) A 3ª requerente nasceu em 23.4.2011 e o 4º nasceu em 14.11.2008.
3) No dia 6.9.2015, pelas 02:30, vindos do interior do recinto da Festa do “Avante”, na Quinta da Atalaia, o 1º requerente caminhava, no sentido Norte – Sul, junto à parte lateral exterior das viaturas estacionadas paralelamente ao passeio e à Av. Marcos de Portugal, na Amora, em direcção à sua residência, na Rua das ..., em Paivas, precedido pela 2ª requerente que vinha a alguns metros de distância.
4) O primeiro requerente transportava os 3º e 4º requerentes num carrinho para crianças, levando a 2ª requerente, pela mão, o sobrinho.
5) O 1º requerente conduzia o carrinho no qual eram transportados os 3º e 4º requerentes, em sentido oposto ao trânsito automóvel.
6) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, várias dezenas de pessoas circulavam a pé no passeio e na própria via destinada ao trânsito de automóveis da referida avenida, vindas do recinto da Festa do “Avante”, dado que os passeios se mostravam ocupados por grande número de viaturas estacionadas e peões.
7) A via – Av. Marcos Portugal – apresentava-se com boa visibilidade, em extensão e largura, iluminada pela rede de iluminação pública, sendo, naquele local, caracterizada por uma recta com mais de 100 metros de cumprimento, dotada de dois sentidos de trânsito, medindo a via, no espaço destinado ao trânsito de viaturas, com exclusão do destinado a estacionamento dos dois lados, 10 metros de largura.
8) Na ocasião, o pavimento encontrava-se em bom estado e o piso estava seco.
9) Na mesma via – Av. Marcos Portugal – mas em sentido oposto àquele em que caminhavam os 1º e 2ª requerentes, circulava a viatura de matrícula ..-IQ-.., ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo Fiesta, no sentido Sul – Norte, conduzida por Jorge ….
10) Quando se encontrava a alguns metros do 1º requerente que caminhava no local referido em 3), na proximidade da passadeira junto ao cruzamento da Av. Marcos de Portugal com a Rua Álvaro Augusto de Sousa, o condutor da referida viatura perdeu o controlo da mesma e embateu nos 1º, 3º e 4º requerentes, com o retrovisor lateral direito e parte lateral frontal direita do veículo por si conduzido.
11) Antes de embater, o condutor seguia aos ‘’ziguezagues’’ não travou, nem abrandou a velocidade a que circulava.
12) O 1º requerente e os 3º e 4º requerentes poderiam ser avistados pelo condutor do veículo à distância de 88,5 metros em relação ao local onde ocorreu a colisão.
13) Na sequência do embate, o 1º requerente e o carrinho de bebé no qual eram transportados os 3º e 4º requerentes, bem como estes, foram projectados a vários metros.
14) Vindo a cair inanimados no asfalto e o carrinho ficou totalmente destruído, tendo a 3ª requerente batido com a cabeça no lancil do passeio no momento da queda no solo.
15) O condutor imobilizou a viatura ..-IQ-.. alguns metros à frente do local do atropelamento, acabando por abandonar o local ao volante da referida viatura.
16) O veículo com a matrícula ..-IQ-.. é propriedade de António ..., e era conduzido, no momento do acidente, pelo filho deste, Jorge ....
17) A responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo identificado no ponto antecedente, mostra-se transferida para a ré, através da apólice nº 75....

LESÕES E SEQUELAS SOFRIDAS PELO 1º A.
18) Em consequência do atropelamento descrito, o 1º A. foi socorrido pelo INEM e transportado para o Hospital Garcia de Orta.
19) Tendo sido submetido a vários TAC´s e RX , na sequência do que lhe foi diagnosticado traumatismo crânio-encefálico com ferida aberta na região frontal esquerda, a qual foi suturada.
20) Tendo-lhe sido diagnosticadas ainda fracturas do tornozelo e pulso.
21) Devido às lesões sofridas, sofreu 90 dias de incapacidade profissional total.
22) E 723 dias de incapacidade parcial.
23) Ficou o 1º requerente a padecer de síndrome pós – comocional, e rigidez (défices de flexão e extensão) do punho direito por fractura do escafoide e da apófise estilodeia do rádio, tendo-se fixado como data de consolidação médico – legal de tais lesões 29.8.2017.
24) Tendo-lhe sido fixada incapacidade permanente geral não inferior a sete pontos, nos termos da TNI, (Na 0601, Ma0224 e Ma0223).
25) Após o acidente, porém, o 1º A. começou a sentir dores na coluna, ao andar e no desempenho da sua actividade profissional.
26) Em 17.5.2017, foi-lhe efectuado RX, pelo Dr. F. …, que diagnosticou escoliose lombar de concavidade esquerda com elevação da cabeça femoral esquerda, admitindo-se no plano sagital discreto aumento da curvatura cifótica dorsal.
27) Tal lesão não foi diagnosticada nem considerada pelos serviços médicos da Ré.
28) Após o acidente o 1º requerente passou a sofrer de ansiedade, irritabilidade, sintomas depressivos, desconfiança relacional e começou a consumir álcool, tendo sido objecto de avaliação psicológica, realizada em 28.11.2016, no âmbito dos supra mencionados autos, aí se concluindo que “as consequências do evento traumático são sentidas de forma intensa, limitante e geram sintomatologia que causa mal – estar clinicamente significativo, afectando a dinâmica pessoal, familiar e social do examinado”.
29) Tendo-lhe sido recomendado apoio e acompanhamento psicológico.
30) Em 17.11.2017 foi o 1º requerente sujeito a perícia pela Dra. Maria …, que concluiu existir um quadro de enquistamento ruminativo (neurotização) dos referidos sintomas, gerador de perturbação de adaptação prolongada ou neurose pós-traumática, causada pelo acidente, com data de consolidação fixável em 6.9.2017, da mesma resultando um coeficiente de desvalorização fixável em 10 pontos, em analogia com o Código Nb 0903 do Capítulo 1 da Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
31) O 1º requerente trabalha, por conta própria, como técnico de audiovisuais, há cerca de 20 anos, sendo a sua especialidade e principal área de actividade o trabalho em altura, em suspensão vertical.
32) Por força das lesões descritas, nomeadamente da rigidez do pulso e escoliose lombar de concavidade esquerda com elevação da cabeça femoral esquerda, sente dores no desempenho das tarefas inerentes à sua profissão, as quais são muito exigentes em termos físicos, especialmente para os membros superiores, e coluna, quando o A. se encontra suspenso em corda e também no transporte de equipamentos e objectos pesados, que também constituem tarefas próprias da sua profissão.
33) Do mesmo modo, sente dores acrescidas na realização de actividades do dia a dia, como ir carregar as compras do supermercado, pegar nos filhos ao colo e brincar com eles.
34) Em face do que antecede, o 1º A. ficou a padecer de défice funcional da actividade físico psíquica, com repercussão no desempenho da actividade profissional e actividades do dia-a-dia.

LESÕES E SEQUELAS SOFRIDAS PELA 3ª Requerente.
35) Após terem sido realizados os exames necessários, à 3ª A. foi diagnosticado traumatismo crânio – encefálico grave com lesão axonal difusa, hemorragia subaracnoideia, fratura parietal e occipital, focos de contusão parietal e núcleo caudado direito e fratura do fémur direito.
36) Foi ainda diagnosticada fratura supracondiliana do fémur direito, tendo ficado internada 45 dias no HSM, sendo 9 dias em coma, apenas respondendo a estímulos dolorosos.
37) Só passados 30 dias recuperou o estado de consciência.
38) Durante esse período foi submetida a redução cruenta da fractura do fémur e colocação de fixadores externos, retirados após 4 semanas, tendo-lhe sido efectuada imobilização com gesso cruropodálico.
39) Teve alta em 20.10.2015, sendo encaminhada para consulta de cirurgia pediátrica – trauma, ortopedia, neurocirurgia, neuropediatria e terapia da fala.
40) Em 24.10.2015 foi retirado o gesso, em consulta externa de ortopedia.
41) Após 8 dias em casa, foi internada no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão em 28.10.2015, a fim de aí iniciar programa de reabilitação integrado e global, mostrando nessa data incapacidade para a marca e dependência funcional para todas as actividades da vida diária e deambulação.
42) O internamento em Alcoitão teve a duração de um mês e fez tratamentos diários de fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala, hidroterapia, psicologia e grupo educacional.
43) À data da alta, em 27.11.2015, apresentava um quadro neuro - motor de hemiparesia esquerda espástica, com descoordenação axial e apendicular.
44) Fazia marcha com andarilho e apoio de 3ª pessoa em ambiente terapêutico e deambulava em cadeira de rodas, propulsionada por terceiros.
45) Cognitivamente, apresentava um défice de atenção acentuado, linguagem com perfil de criança com atraso do desenvolvimento da linguagem.
46) Pelo que teve alta com indicação de seguimento em ambulatório por medicina física e de reabilitação na área da residência.
47) Entre 27.11.2015 e Fevereiro de 2017, a A. fez programa de reabilitação no serviço de medicina de reabilitação do Hospital de Santa Maria.
48) Período durante o qual a A. efectuou centenas de tratamentos quase diários de fisioterapia e terapia ocupacional, para além de inúmeros exames.
49) Em sede de avaliação psicológica efectuada em Março de 2017, no CMRA, apresentava um funcionamento global inferior à média, com dificuldades ao nível da conceptualização não verbal, da análise visual e da capacidade mnésica em cormobilidade com défice de atenção e impulsividade.
50) Em Maio de 2017, após avaliação no Centro de Reabilitação da Lesão Cerebral – Neurocog, iniciou programa de reabilitação na FORBRAIN, com uma sessão semanal de estimulação cognitiva e outra de psicomotricidade e duas sessões semanais de terapia da fala.
51) Em avaliação psicológica realizada em Maio de 2018, também no CMRA, apresentou desempenho cognitivo inferior à média, alterações resultantes da lesão, nomeadamente nas capacidades mnésicas, no raciocínio numérico e cálculo mental, na capacidade de abstração verbal, nas capacidades visuo – construtivas e visuo espaciais, na análise e elaboração grafo – perceptiva.
52) Apresentou ainda dificuldade na concentração nas tarefas, pouca resistência aos estímulos externos, impulsividade e défice de atenção.
53) Nas competências linguísticas, apresenta dificuldade na compreensão e capacidade de verbalização.
54) A 3ª requerente tem necessidade de apoio pedagógico na escola, no âmbito da inclusão no estatuto do aluno com necessidades especiais e bem assim na necessidade de reabilitação cognitiva.
55) Para além das sequelas descritas nos artigos que antecedem, resultantes do traumatismo crânio – encefálico, a 3ª requerente apresenta ainda, a nível motor, como resultado do atropelamento descrito nos autos: Valgismo do joelho direito; Elevação da crista ilíaca direita, apoio do pé direito no bordo interno; e Hiperlordose lombar.
56) Lesões que acarretam diminuição da velocidade da marcha, desequilíbrio no padrão de marcha, perda de força do membro inferior direito, e corrida com passo e cadência irregulares, marcando mais o apoio com o pé esquerdo e alteração postural.
57) Em 23.5.2018 foi determinada a apresentação de proposta clínica, em consulta externa de ortopedia no HSM, para correcção do valgo.
58) A 3ª requerente sofreu prejuízos funcionais importantes, normalmente associados à lesão axonal difusa (ruptura axonal causada por forças e aceleração e desaceleração que incidem sobre o encéfalo durante o trauma associado ao traumatismo cranioencefálico) e que envolvem alterações de memória, de raciocínio, de velocidade de processamento de informação, de capacidade de abstracção, controlo inibitório, alterações comportamentais e/ou perturbações psíquicas (e.g. ansiedade ou depressão).
59) A nível estritamente psíquico, apresenta dificuldades ao nível do sono, revivência do acontecimento (pesadelos), evitamento, híper vigilância, irritação, dificuldade de concentração, tristeza e solidão relacionadas com sentimento de exclusão por terceiros derivado das diferenças em relação aos demais causadas pela lesão decorrente do acidente, e manifesta medos relacionados com a experiência médica/hospitalar decorrente do acidente de que foi vítima, tais como medo de objectos cortantes, de ver sangue, de ir ao hospital, de ir ao médico, de injecções.
60) As consequências do evento traumático são sentidas, pela 3ª requerente, de forma moderada a severa, acarretando limitações que afectam a dinâmica pessoal, educacional e social da menor.
61) Do exposto resulta que a 3ª requerente sofreu gravíssimas lesões, a nível neurológico, ortopédico/motor e psíquico, ademais numa fase inicial da sua vida, que comprometem sobremaneira o seu normal desenvolvimento.
62) Tais lesões acarretam défice funcional permanente da actividade físico psíquica, com esforços acrescidos na aprendizagem, no desempenho futuro de qualquer actividade profissional e, naturalmente, nas tarefas do dia a dia.

LESÕES E SEQUELAS SOFRIDAS PELO 4º Requerente.
63) O 4º requerente foi assistido no local pela VMER, GCS 5 e com diminuição do murmúrio vesicular à esquerda, pelo que foi sedado e ventilado e transportado em plano duro e com imobilização cervical até à chegada ao HSM.
64) Deu entrada nas urgências de Santa Maria apresentando um quadro de traumatismo crânio – encefálico, torácico e abdominal.
65) Efectuado RX ao tórax, o mesmo revelou pneumotórax bilateral, mais pronunciado à esquerda o qual após punção, no 3º EIC na LMC teve melhoria imediata de SpO2.
66) A ecografia – FAST revelou líquido intra-abdominal, tendo sido algaliado após o que se verificou saída de urina clara.
67) Realizou os seguintes exames complementares de diagnóstico:
TCE e coluna cervical: fratura temporal e parietal direita com discreto desalinhamento dos topos ósseos;
Traço de fratura longitudinal no rochedo e hemotímpano à direita, pequena bolha de pneumencefalia extra axial na região temporal;
Traço de fratura occipital à esquerda alinhada;
Hematomas epicraniano temporal direito e occipital esquerdo;
E enfisema cervical subcutâneo.
68) A TAC ao tórax revelou volumoso enfisema subcutâneo na base do pescoço, volumoso pneumotórax bilateral, maior à direita, pneumomediastino, consolidações com atelectasia na vertente posterior de ambos os lobos superiores e lobos inferiores, com imagem gasosa no parênquima do LSD por provável laceração.
69) A TAC ao abdómen revelou retroperitoneu e pneumoperitoneu de médio volume, emoperitoneu de moderado volume – perivesicular, ao longo do ligamento falciforme bem como cavidade pélvica, contusão hepática do lobo esquerdo com 15 mm de diâmetro, pequenas lacerações no lobo esquerdo ao longo do ligamento falciforme e edema periportal difuso.
70) O 4º requerente apresentava ainda perfuração da membrana timpânica no quadrante pósterosuperior, tendo sido posteriormente aspirado coágulo hemático justa-timpânico.
71) Foi internado na UCIPED para vigilância clinica sendo extubado cerca de 10 horas após admissão;
72) Foi colocado dreno torácico à direita, em dieta zero, com aporte de soros para 2/3 das necessidades básicas, com sonda naso-gástrica em drenagem passiva.
73) Ao segundo dia de internamento foi desalgaliado, sendo o dreno torácico removido ao terceiro dia, mantendo-se, posteriormente, em ventilação espontânea com aporte suplementar de oxigénio por óculos nasais.
74) Ao terceiro dia pós traumatismo foi transferido para o serviço de cirurgia pediátrica para continuação de cuidados e vigilância.
75) A sonda naso-gástrica foi removida ao quarto dia, mantendo repouso absoluto no leito.
76) Ao sétimo dia ocorreu episódio de otorragia em pequena quantidade.
77) Por evolução clínica favorável e por estabilidade clínica, teve alta em 15.9.2015, com indicação para manter repouso, evicção de esforço físico e cuidados na manipulação digital do meato auditivo externo, e foi encaminhado à consulta externa de neurocirurgia e consulta de trauma pediátrico, devendo recorrer ao serviço de urgência ou consulta externa de ORL em caso de sintomas auditivos.
78) Entre 6.9.2015 e 18.4.2017, o 4º requerente efectuou dezenas de exames, análises, tratamentos e consultas relacionadas com as lesões ora em causa.
79) Em 30.1.2017 foi considerado recuperado das lesões torácicas e abdominais descritas.
80) Na presente data, como consequência das lesões descritas, o 4º requerente padece de perda de audição, no ouvido direito, como resulta das avaliações audiológicas realizadas em 17.5.2016, 18.4.2017 e 5.4.2018, e relatórios de TC aos ouvidos realizados em 11.10.2016 e 8.3.2018, que se juntam como documentos ns. 21 a 25. 81) O 4º requerente manifesta dificuldades em adormecer devido a recordações do internamento, sendo aconselhado acompanhamento psicológico para integração do evento traumático e para evitar o recrudescimento de tal sintomatologia.
82) O 4º requerente sofre défice funcional permanente da actividade físico psíquica.

SEQUELAS SOFRIDAS PELA 2ª requerente
83) A 2ª requerente presenciou no local os seus filhos, de 4 e 6 anos de idade serem projectados pelo ar, embatendo violentamente no pavimento, perdendo a consciência, sangrando profusamente, para além de ver o seu companheiro, 1º requerente, ser colhido pela mencionada viatura, sendo projectado para o solo.
84) Viu os seus filhos deitados no chão, e o companheiro, 1º requerente, num estado de enorme desespero, com um buraco na cabeça.
85) Assistindo à distribuição dos seus filhos e companheiro por três ambulâncias, impotente, sem nada poder fazer.
86) Seguiu no carro de polícia a abrir caminho às 2 ambulâncias que levaram os seus filhos para o HSM, onde ficou à porta, em sofrimento e pânico, na ignorância do estado em que estavam os seus filhos.
87) Só sabia que o 4º A. gemia e que a 3ª A. nada dizia.
88) Esteve no HSM até cerca das 10h00 do dia seguinte à espera que os médicos falassem consigo.
89) E quando tal aconteceu, os médicos responsáveis transmitiram-lhe que o André corria risco de vida (podendo não sobreviver em caso de cirurgia) e que a Joana estava em coma.
90) A 2ª requerente só saiu do HSM, pela primeira vez, a 3 de Outubro de 2015, a fim de preparar o regresso à escola do filho André.
91) A 2ª requerente acompanhou a 3ª requerente durante os 45 dias em que a esta esteve no hospital, ininterruptamente.
92) Posteriormente, acompanhou a 3ª requerente durante o internamento em Alcoitão.
93) A 2ª requerente despendeu milhares de horas em centenas de deslocações a Hospitais, clínicas, farmácias e consultórios, acompanhando sempre os seus filhos em todos os tratamentos, cirurgias, exames e consultas a que tiveram e têm, ainda, de se sujeitar.
94) Os 3ª e 4º requerentes eram perfeitamente saudáveis à data do acidente.
95) Na sequência deste, a 2ª requerente não só teve de lidar com o perigo real de vida de ambos, ao longo de vários dias, como assistir, impotente, aos seus filhos entubados, algaliados, ligados ao ventilador, engessados e com parafusos.
96) Não obstante todos os tratamentos a que os filhos foram sujeitos, a 2ª requerente tem de lidar com o atraso devido a lesões cerebrais irreversíveis e problemas na marcha por força da fractura do fémur direito da 3ª A., e à surdez parcial do 4º requerente.
97) Mercê das sequelas psíquicas e físicas do 1º requerente este está limitado no apoio à 2ª requerente.
98) Por força de tudo quanto antecede, a 2ª requerente sofre de perturbações do sono, tendo pesadelos com o acidente e o período de internamento dos seus filhos, acordando durante a noite e sem conseguir adormecer novamente, em grande agitação, revive, involuntariamente e frequentemente, o episódio do acidente, revendo os seus filhos inanimados e ensanguentados e alheando-se do mundo ao seu redor,
99) E mostra-se frequentemente, frustrada, irritada e com dificuldade em se concentrar, sente medo permanente de andar de carro, estremece com a sirene de ambulâncias, mostra-se geralmente híper vigilante e reage frequentemente com exagero a estímulos externos que interpreta erradamente como ameaças, tendo, também, desde o acidente, grande dificuldade em se relacionar com o 1º requerente, discutindo frequentemente e irritando-se com coisas simples.
100) Tais sintomas afectam o desempenho da actividade profissional da requerente, enquanto técnica de audiovisual, e limitam-na nas actividades do dia-a-dia, implicando esforços acrescidos e dificuldade de concentração.
101) A 2ª requerente nunca foi acompanhada por psicólogo.
102) A 2ª requerente sofre de stress pós traumático ou dano psíquico semelhante, relacionado com os eventos traumáticos descritos.
103) A requerida enviou aos 1º e 2ª requerentes a carta, datada de 29.12.2016, junta como documento n.º27, constante de fls. 97, na qual exarou que ‘’(…) Na sequência do pedido de indemnização efectuado por V. Exa., informamos não ser ainda possível quantificar os danos decorrentes do acidente, uma vez que a situação clínica da menina Joana ..., ainda não se encontra definida.
104) Assim, nos termos do disposto na alínea a) do n.º2, do Artº 37 do DL 291/2007, de 21 de Agosto e Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, assumimos a regularização dos prejuízos decorrentes do acidente.
105) Neste contexto, solicitamos o envio do comprovativo das despesas tidas até ao momento, acompanhado do documento bancário do NIB/IBAN e nome do respectivo titular, para que possamos proceder o mais brevemente possível à transferência bancária do referido valor (…)’’.
106) A 3ª requerente carece de ser integrada em programa especial de aprendizagem e continuar a beneficiar de reabilitação cognitiva.
107) A par de tal programa, contínua e terá de continuar a realizar tratamentos diários de fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional.
108) A 2ª requerente era, à data do acidente, trabalhadora independente, trabalhando como técnica de audiovisuais e contribuía, conjuntamente com o 1º requerente, para as despesas do agregado familiar em condições similares, sendo economicamente independente daquele.
109) Em 2015, auferiu uma remuneração de €9.839,00, como trabalhadora independente e de € 1.580,41 como trabalhadora por conta de outrem, o que totaliza € 11.419,41, referentes ao período, entre Janeiro e Agosto de 2015, correspondendo a um valor mensal médio de € 1.427,43, auferido pela 2ª requerente.
110) Entre Setembro e Novembro de 2015 a 2ª requerente, enquanto os 3º e 4º requerentes não tiveram alta hospitalar, viu-se absolutamente impossibilitada de desempenhar a sua actividade profissional.
111) Estando a sua actividade profissional condicionada, desde então, pelo acompanhamento dos 3ª e 4º requerentes a todos os tratamentos, consultas, exames, internamentos e cirurgias descritos.
112) Face à necessidade de acompanhamento dos dois filhos conforme acima descrito, a 2ª requerente tem prestado serviços esporádicos em part-time, tendo auferido, em 2017, o montante de € 3.575,00, o que equivale, em tal período, a um valor médio mensal de € 297,00.
113) Em 2018, a 2ª requerente vem auferindo mensalmente pelo trabalho que presta no período da manhã cerca de 606,67 €/mês.
114) Alexandre Miguel Rodrigues Esteves, sobrinho dos 1º e 2ª requerentes, menor, nascido em 18.11.2003, integra o seu agregado familiar por lhes ter sido confiado.
115) Após a instauração da acção principal (Agosto de 2018), a requerida comunicou aos requerentes que as despesas futuras com tratamentos relacionados com as lesões descritas deixariam de ser por ela suportadas.
116) Em Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro, Fevereiro e Abril de 2018, a Requerida suportou, relativamente a tratamentos efectuados à 3ª requerente, respectivamente, as quantias de € 1978,12, € 1.000,00, € 1050,19, € 1.022,46, € 863,90, 126,43, € 1783,55, € 892,62, € 791,91 e € 898,82.
117) As despesas mensais do agregado ascendem a € 2.139,89 assim discriminadas:
- ATL André € 215,00;
- ATL Joana € 190,00;
- Condomínio € 43,33;
- EDP – € 40,00;
- Água € 30,00;
- NOS € 95,00;
- Alimentação, pelo menos, € 600,00;
- Deslocações € 100,00 ;
- Terapias Joana € 826,56 ;
118) O 1º requerente Carlos ... auferiu entre Janeiro e Novembro de 2018, a remuneração mensal líquida de € 2.591, 00, suportando mensalmente a título de contribuição para o ISS a importância de €125,72 ;
119) O 1º requerente despende mensalmente, em média, €100,00 em transportes. Documento de fls. 144v e 145.
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Na mesma sentença foi considerada NÃO INDICIARIAMENTE PROVADA a seguinte matéria de facto:

Do requerimento inicial
a) Também por força de tais lesões, deixou de praticar qualquer desporto, o que, à data do acidente, fazia com regularidade.
b) A situação descrita coloca a 2ª A. numa situação de total dependência económica e financeira em relação ao 1ª A.
c) A 2ª requerente não auferiu qualquer rendimento no ano de 2018.
d) O 1º requerente despende consigo cerca de um terço de tais rendimentos (equivalente, sensivelmente, a € 825,00.

Da oposição
e) O 1º requerente pretendia, naquele local, atravessar a faixa de rodagem.
f) O 1º Requerente abandonou o passeio, saindo da frente do Jeep estacionado e, inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem, tendo então sido colhido pelo IQ.
g) A cerca de 20 metros de distância do local do embate existe assinalada uma passagem para peões.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por uma questão de decorrência lógica, tendo em atenção o âmbito e pretendidas consequências das impugnações apresentadas, começar-se-á por conhecer acerca da impugnação da matéria de facto apresentada no recurso independente, após o que se conhecerá acerca da mesma impugnação apresentada no recurso subordinado.


I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo os Recorrentes/Apelantes (em ambos os recursos) dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente através do preenchimento dos requisitos enunciados no nº. 1 e, no que concerne ao recurso independente, da indicação das passagens da gravação e transcrição, ainda que muito parcial, dos enxertos dos depoimentos identificados, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [2].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[3] (sublinhado nosso).
Impõe-se, deste modo, aferir acerca do (des)acerto das alegações dos Recorrentes/Apelantes, efectuando-se juízo ponderativo a propósito da invocadas ausência de razoabilidade ou justificação na decisão proferida a propósito da matéria factual, de forma a concluir-se pela sua necessária modificabilidade.
Nessa tarefa, procedeu-se à audição do suporte áudio, por referência aos identificados depoimentos, em concatenação com a convicção obtida pela Sra. Juíza a quo, sendo certo que esta, nos termos supra sufragados, beneficia do primordial princípio da imediação da prova, o que lhe possibilita uma melhor percepção da realidade, da certeza, do rigor e da lucidez da informação transmitida, e da qualidade dos depoimentos prestados, levando-a ao convencimento quanto à (in)veracidade ou (não) probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Nas palavras do aresto desta Relação e Secção de 05/07/2018 [4], “no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial”.
Assim, “de harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais”.
Donde decorre que “nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente” (sublinhado nosso).

I – A)

RECURSO INDEPENDENTE (OU PRINCIPAL)

- Da impugnação da matéria de facto provada sob os nºs. 10) a 12) (e pretensão que passe a figurar como matéria de facto não provada) e não provada sob a alínea f) (e pretensão que passe a figurar como matéria de facto provada)

A Requerida/Apelante insurge-se quanto ao facto de se terem considerado como indiciariamente provados os factos:
10) =» “Quando se encontrava a alguns metros do 1º requerente que caminhava no local referido em 3), na proximidade da passadeira junto ao cruzamento da Av. Marcos de Portugal com a Rua Álvaro Augusto de Sousa, o condutor da referida viatura perdeu o controlo da mesma e embateu nos 1º, 3º e 4º requerentes, com o retrovisor lateral direito e parte lateral frontal direita do veículo por si conduzido” ;
11) =» “Antes de embater, o condutor seguia aos ‘’ziguezagues’’ não travou, nem abrandou a velocidade a que circulava” ;
12) =» “O 1º requerente e os 3º e 4º requerentes poderiam ser avistados pelo condutor do veículo à distância de 88,5 metros em relação ao local onde ocorreu a colisão”.
Aduz que tais factos devem ser considerados como não provados e, em contraponto, deve ser considerado como provado o facto f) dado como não provado, com a seguinte redacção:
f) =» “O 1º Requerente abandonou o passeio, saindo da frente do Jeep estacionado e, inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem, tendo então sido colhido pelo IQ”.
Fundamenta a sua pretensão na prova testemunhal e por declarações de parte que enuncia e descreve, aludindo ter o Tribunal a quo efectuado uma errada apreciação da prova produzida – cf., conclusões recursórias 1 a 11.

Nas contra alegações apresentadas, referem os Apelados não ter a Recorrente impugnado “a resposta aos factos provados ns. 103, 104, 105 e 116, em face dos quais é forçoso concluir, como se concluiu na douta sentença recorrida, que a recorrente CONFESSOU os factos respeitantes à sua responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente descrito nos autos”.
Pelo que, acrescentam, “não assiste à recorrente o direito a discutir a dinâmica do acidente com vista a “dar o dito por não dito” e imputar, agora, a responsabilidade pela respectiva produção ao 1º recorrido”, pois tal apenas lhe seria lícito “caso alegasse a superveniência de algum facto ou elemento probatório relativamente ao momento em que assumiu a responsabilidade, o que a recorrente não faz”.
Donde, conclui, “à luz do disposto nos arts. 334º e 358º, nº 2, do CC, não pode a recorrente invocar, neste sede, a culpa exclusiva (ou sequer parcial) do lesado” – cf., conclusões 1. a 6..

Por outro lado, e mesmo que assim não se entendesse, aduzem, ainda, que a prova dos factos 10) a 12) não resulta apenas dos depoimentos prestados em sede de audiência final, pois fundam-se também no auto de notícia e respectivo aditamento (docs. nºs. 1 e 2), bem como no relatório técnico de acidente de viação elaborado nos autos de inquérito NUIPC 59/15.6PHSXL, não tendo a Requerida impugnado tais documentos.
Ademais, acrescenta, os factos provados 5) a 7) excluem, por si só, a nova versão do acidente narrada pela Recorrente, sendo que esta, inclusive, não impugna o facto e) dado como não provado, ou seja, que o Recorrido 1º Requerente pretendia, naquele local, atravessar a faixa de rodagem.
Conclui que, na versão narrativa defendida pela Apelante, á luz da experiência comum, caso tivesse o carrinho de bebé, empurrado pelo 1º Recorrido, surgido “de modo inopinado e súbito”, apenas este “teria sido abalroado pela parte lateral do veículo e já não o peão adulto que o empurrava, por este seguir atrás do carrinho”.
Donde, nega tal versão factual, reiterando que o peão e o carrinho de bebé vinham circulando ao longo da via, paralelamente aos veículos estacionados juntos a esta.

Expostas as argumentações, urge conhecer acerca do seguinte:
1. em primeiro lugar, e como questão prévia, aferir se a Recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto relativa à responsabilidade na ocorrência do embate ou se, ao invés, estamos perante matéria factual admitida por confissão ;
2. em segundo lugar, e caso se conclua que tal impugnação é legalmente admissível, aferir acerca da pertinência da mesma, tendo em consideração os enunciados pontos factuais provados e não provado.
 
- questão prévia: da alegada existência de confissão

A presente questão, já debatida nos articulados apresentados nos autos, foi decidida na sentença apelada nos seguintes termos:
Antes de mais há que referir no respeitante à descrição factual do acidente considerada provada, resultar da documentação junta a fls. 97 e 98, traduzida na correspondência da requerida, de 29.12.2016, dirigida aos 1º e 2ª requerentes na qual informa não ser ainda quantificável o valor total dos danos decorrentes do acidente, uma vez que a situação clínica da 3ª requerente e que, nos termos da alínea a) do n.º2do art.º 37º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, assume a regularização dos prejuízos decorrentes do acidente.
Vejamos a incidência deste documento.
De acordo com o disposto no art.º 31º do RJCSA o capítulo da regularização dos sinistros fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
Estatuindo o art.º 37.º do mesmo diploma que
‘’1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais:
a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado;
b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;
c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico.
2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável: a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;
b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.
3 - À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando-se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias. (…).
Apreciadas a declarações contidas em cada uma das missivas enviadas pela Fidelidade aos 1º e 2º requerentes, plasmadas nos documentos de fls. 97 e 97v à luz deste normativo, traduzem a assunção da regularização do sinistro ainda que de forma provisória apenas por não estar, à data das missivas, esclarecida a amplitude dos danos decorrentes do sinistro, pelo que delas é lidimo extrair a confissão da assunção de responsabilidade por banda da requerida (cfr. no sentido proposto acórdão do TRPorto, de 09.09.2013 proferido no processo 1609/08.0TJPRT.P1).
Preceitua o art.º 358º/2 do Código Civil que ‘’A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.’’
Vemos assim que as declarações contidas nas referidas missivas conformam-se com os requisitos da confissão extrajudicial, em documento particular, dirigida à parte contrária, atribuindo-lhe a lei força probatória plena”.

Vejamos.

Prevendo acerca da noção do meio probatório confissão, o artº. 352º, do Cód. Civil, estatui que esta “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
Relativamente à capacidade e legitimação, aduz o artº. 353º, do mesmo diploma, que:
1. A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira.
2. A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário.
3. A confissão feita por um substituto processual não é eficaz contra o substituído”.
No que concerne à sua força probatória, e por referência ao que ora importa, estatui o nº. 2, do artº. 358º, ainda do Cód. Civil, que “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena” (sublinhado nosso).
Aduz o artº. 347º, do memo diploma, relativamente ao modo de contrariar a prova legal plena, que esta “só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”.
Por fim, prevendo acerca do valor do reconhecimento não confessório, aduz o artº. 361º, ainda do Cód. Civil, que “o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente”.

A confissão consiste “numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto”, que “emana da parte e não de terceiro”, revestindo-se de natureza confessória “quando nela se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo nos termos do artigo 342º do Código Civil”.
Tem, assim, por objecto a confissão “os factos – e não as normas, as regras, o direito, em suma – que interessam ao exame e decisão da causa”, sendo que o seu efeito próprio “(…) – prova do facto – resulta directamente da lei, e não da vontade dos declarantes, como é próprio do negócio jurídico. É a convicção, abstractamente pressuposta na lei com base na experiência comum, de ser verdadeiro o facto reconhecido em juízo pela pessoa a quem ele é desfavorável que induz o legislador a dar o facto confessado como facto real[5].
Traduzindo-se como um simples meio de prova reportado à instrução da causa, e conforme decorre do transcrito enquadramento legal, “a confissão extrajudicial feita em documento, quer autêntico, quer particular, considera-se provada, quanto à autenticidade da declaração, nos termos aplicáveis à força probatória formal do documento”.
Acresce que, tendo “sido feita à parte contrária ou a quem a represente, a declaração confessória reveste força probatória plena (art. 358º 2, do Cód. Civil).
Só poderá ser assim ilidida mediante prova do contrário”.
Efectivamente, “quando o meio probatório usado faz, por força de disposição legal, prova plena acerca do facto”, para destruir a demonstração da existência deste, “não basta a contraprova (…), não chega a neutralização da prova (plena) efectuada. É necessária a prova do contrário (…).
Não basta, noutros termos, criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto (a que se refere a prova plena), tornando o facto subjectivamente incerto. É essencial convencer o juiz da existência do facto oposto, tornar (psicologicamente) certo o facto contrário (art. 347º do Cód. Civil)”.
Todavia, urge atentar que relativamente “à realização da prova do contrário, importa distinguir entre os casos em que a demonstração do contrário pode ser efectuada através de qualquer meio probatório, designadamente através de testemunhas (caso das presunções legais iuris tantum), e os casos em que tal demonstração só pode ser feita por certos meios probatórios (v.g., prova documental: cfr. arts. 393º a 395º do Cód. Civil)” [6].
Traduzindo a sua natureza de declaração de ciência e de verdade, refere José Lebre de Freitas [7] que a confissão, como declaração pela qual se afirma a realidade dum facto, “tem por objecto factos passados, ou factos presentes duradoiros, e afirmar a sua realidade equivale a dizer que eles se verificaram ou verificam, sendo pois a confissão uma declaração que tem por conteúdo uma informação sobre a realidade exterior e, neste sentido, poder-se-á dizer que é uma declaração de ciência”.
E, no que concerne à força probatória da confissão extrajudicial, aduz Rodrigues Bastos [8] só possuir “força probatória plena a confissão extrajudicial feita por escrito à parte contrária ou a quem a represente, devendo o documento autêntico ou particular respectivo satisfazer os requisitos legais exigíveis para lhe ser reconhecida força probatória (art. 363º); as outras confissões extrajudiciais são da livre apreciação do tribunal”.

Jurisprudencialmente, enuncie-se o defendido no douto Acórdão da RP de 09/09/2013 [9] – mencionado na sentença apelada -, que tratou situação semelhante à ora em equação, em que existiam documentos escritos juntos aos autos nos quais a demandada seguradora havia assumido a responsabilidade pela regularização do sinistro (acidente de viação) em apreço.
Considerou-se, então, por apelo ao já transcrito nº. 2 do artº. 358º, do Cód. Civil, reunirem aquelas declarações escritas “os requisitos de confissão extrajudicial em documento particular, dirigida à parte contrária, atribuindo-lhe a lei força probatória plena.
Como ensina o Professor Antunes Varela[9], nas situações de prova plena, para destruir a demonstração da existência do facto, não basta a contraprova, não chega a neutralização da prova efectuada, sendo necessária a prova do contrário[10].
In casu, a ré na contestação não impugnou a sua declaração confessória, contornando-a cuidadosamente (art. 5.º e 6.º da contestação), e a M.ª Juíza na sentença recorrida, ignorou pura e simplesmente a confissão e o seu relevo probatório (…)”.
Conclui, no entendimento perfilhado, que “com o devido respeito, a confissão extrajudicial, com força probatória plena, não pode ser ignorada nem esquecida, não havendo lugar à discussão da culpa, mas apenas à avaliação dos danos”, o que implicou, nessa parte, procedência do recurso, “considerando-se a culpa exclusiva do condutor do veículo, não pelas razões alegadas nas conclusões de recurso, mas com os fundamentos que se aduziram” [10].

De retorno ao caso concreto, apreciamos os invocados factos 103) a 105) e 116), que possuem a seguinte redacção:
=» facto 103) : “a requerida enviou aos 1º e 2ª requerentes a carta, datada de 29.12.2016, junta como documento n.º27, constante de fls. 97, na qual exarou que ‘’(…) Na sequência do pedido de indemnização efectuado por V. Exa., informamos não ser ainda possível quantificar os danos decorrentes do acidente, uma vez que a situação clínica da menina Joana ..., ainda não se encontra definida” ;
=» facto 104) : “assim, nos termos do disposto na alínea a) do n.º2, do Artº 37 do DL 291/2007, de 21 de Agosto e Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, assumimos a regularização dos prejuízos decorrentes do acidente” ;
=» facto 105) : “neste contexto, solicitamos o envio do comprovativo das despesas tidas até ao momento, acompanhado do documento bancário do NIB/IBAN e nome do respectivo titular, para que possamos proceder o mais brevemente possível à transferência bancária do referido valor (…)’’ ;
=» facto 116) : “em Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro, Fevereiro e Abril de 2018, a Requerida suportou, relativamente a tratamentos efectuados à 3ª requerente, respectivamente, as quantias de € 1978,12, € 1.000,00, € 1050,19, € 1.022,46, € 863,90, 126,43, € 1783,55, € 892,62, € 791,91 e € 898,82”.

Ora, farão os documentos nºs. 27 e 28 (o nº. 28, idêntico ao nº. 27, é o enviado aos legais representantes do menor André ..., constante de fls. 97 vº) prova plena, como declaração confessória, nos termos do disposto nos artigos 357º e 358º, nº. 2, ambos do Cód. Civil ?
Nomeadamente em relação à assumpção inequívoca de responsabilidade, pela Requerida seguradora, relativamente aos danos decorrentes do sinistro em discussão nos autos ?
Analisemos.
Através dos documentos particulares referenciados, enviados aos legais representantes dos menores lesados, datados de 29/12/2016, a Requerida seguradora, ora Apelante, informa basicamente que:
§ não é ainda possível quantificar os danos decorrentes do acidente, pois a situação clínica dos menores Joana e André ... ainda não se encontra definida ;
§ assume a regularização dos prejuízos decorrentes do acidente, nos termos do disposto na alínea a), do nº. 2, do artº. 37º, do DL nº. 291/2007, de 21/08 e Portaria nº. 377/2008, de 26/05 ;
§ solicita o envio do comprovativo das despesas até então existentes, de forma a que possa proceder ao pagamento do respectivo valor.
Sendo certo, conforme facto 116), ter a Requerida seguradora suportado, de Abril de 2017 a Abril de 2018, os valores dos tratamentos efectuados à menor Joana, nos moldes aí descritos.

O capítulo III, do DL nº. 291/2007, de 21/08, “fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel” – cf., artº. 31º.
Os nºs. 1 e 2, do artº. 37º, do mesmo diploma, acerca da diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais, prescreve que:
“1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais:
a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado;
b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;
c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico.
2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:
a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;
b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior” (sublinhado nosso).
Prevendo acerca de proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais, aduz o nº. 1 do artº. 39º, ainda do mesmo diploma, que “a posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte” [11].

Ora, do presente enquadramento normativo, invocado pela Requerida nas missivas enviadas, concatenado com o teor destas e a conduta indiciariamente provada daquela, parece poder-se concluir o seguinte:
- as cartas datadas de 29/12/2016 – a fls. 97 e 97 vº -, tal como consta expressamente das mesmas, traduzem efectiva assunção de responsabilidade por parte da seguradora, ora Requerida Apelante, no ressarcimento dos danos decorrentes do evento lesivo ;
- o facto da assunção de responsabilidade assumir a forma de “proposta provisória” nada tem a ver com o assumir da responsabilidade indemnizatória ou ressarcitória, mas antes devido ao facto do dano, à data, ainda não poder ser totalmente quantificável, ou seja, a provisoriedade legalmente equacionada não se reporta ao assumir da responsabilidade, mas antes á definição do quantum indemnizatório a operar ;
- no âmbito do enunciado quadro normativo, a seguradora pode assumir ou não assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do evento lesivo, fundamentando a não assunção da responsabilidade nos termos equacionados no artº. 40º do citado Decreto-Lei ;
- a posição assumida pela Requerida seguradora é claramente de assunção da responsabilidade de regularização dos prejuízos decorrentes do acidente, o que considerou, e efectivou, tal como expressamente reconheceu, após averiguação que efectuou “com o fito de tomar uma decisão quanto à responsabilidade, tendo em conta os elementos recolhidos” – cf., artigos 3º, 4º e 6º da oposição/contestação ;
- pelo que, consideramos, existe confissão extrajudicial em documento particular, dirigida à parte contrária, atribuindo-lhe a lei força probatória plena ;
- tendo a própria Requerida seguradora confirmado o envio de tais declarações, ou seja, não impugnou a sua declaração confessória, antes pretendendo contornar os efeitos da mesma decorrentes – cf., artigos 7º a 16º da oposição/contestação ;
- o que determina que, in casu, fruto daquela força probatória plena, inexista lugar á discussão da culpa na produção ou eclosão do evento lesivo, sendo apenas discutível o âmbito e avaliação dos danos a ressarcir ;
- pois, tendo a Requerida assumido a responsabilidade nos termos expostos, não pode alegar factos excludentes de tal responsabilidade ;
- e, muito menos o pode fazer quando nem sequer alegou, concomitantemente, qualquer conhecimento superveniente dos mesmos, capaz de justificar e enformar diferenciada posição ;
- não resulta existir qualquer problemática quanto à capacidade ou legitimidade do subscritor de tais documentos quanto á sua “capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira” – cf., o nº. 1, do artº. 353º, do Cód. Civil -, nem está em equação a pretensa ineficácia da confissão feita por substituto processual – cf., o nº. 3, do mesmo normativo -, não se olvidando, ainda, no que concerne ao declarado em sede de oposição, o prescrito no artº. 46º do Cód. de Processo Civil relativamente à confissão de factos feita pelo mandatário ;
- ou seja, no presente procedimento cautelar, a consequência da declaração confessória da Requerida, e força probatória a esta associada, determina o efectivo preenchimento e verificação do requisito de indiciação da existência de obrigação de indemnizar a cargo da Requerida ;
- o que implica o necessário não conhecimento da impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente Requerida, em virtude da matéria de facto questionada – provada e não provada - se reportar à dinâmica do embate ocorrido e consequente responsabilidade ou imputabilidade daí decorrente

Todavia, ainda que assim não se entendesse e se considerasse:
Ø que o facto confessado é a assunção da responsabilidade, como conclusão jurídica ou de direito, inexistindo propriamente uma confissão dos factos dinâmicos em que se traduziu o acidente ;
Ø pois estes, não se podem considerar factos próprios, susceptíveis de confissão ;
Ø ser admissível a produção de prova testemunhal quanto à culpabilidade/responsabilidade do acidente, ainda que este facto goze de força probatória plena, em distonia ao prescrito no nº. 2, do artº. 393º, do Cód. Civil,
o que permitiria a analise da impugnação da matéria factual, não poderemos deixar de considerar, conforme se refere expressamente da sentença pelada, que “a demais prova produzida apresenta-se (…) corroborativa da versão dos factos apresentada pelos requerentes na petição inicial”.
O que passamos a justificar.
- da (im)pertinência da impugnação da matéria factual - da matéria de facto provada sob os nºs. 10) a 12) (e pretensão que passe a figurar como matéria de facto não provada) e não provada sob a alínea f) (e pretensão que passe a figurar como matéria de facto provada)
Está fundamentalmente em equação a dinâmica conducente ao embate ocorrido, considerando a Apelante Requerida que a prova produzida não permite o substracto factual feito constar nos factos provados 10) a 12), antes se impondo a dinâmica feita constar no facto f) não provado.
Relativamente à motivação da factualidade em equação, o Tribunal a quo fez constar o seguinte:
Quanto à dinâmica do acidente – 1 a 16 – a convicção probatória emergiu dos esclarecimentos prestados pelos 1º e 2º requerentes, em particular daquele. Declarações dignas de nota pela sua objectividade e clareza, não ensombrando a sua qualidade de partes o rigor com que foram esclarecendo a forma como eclodiu o embate, quanto ao local da via em que se encontravam e consequências subsequentes ao embate.
Começando pelo 1º requerente esclareceu que, após a saída da festa do Avante, caminhava pela via de trânsito, pelo lado de fora dos veículos que se encontravam estacionados, do seu lado esquerdo, atento o sentido em que circulava pela Av. Marcos Portugal, empurrando o carrinho onde eram transportadas os filhos, quando vem a ser embatido pelo veículo tal como o carrinho onde os filhos estavam deitados.
Por seu turno, a 2ª requerente, relatou que vinha a caminhar no mesmo sentido, atrás do 1º requerente, a cerca de 30/40 metros de distância, estando o passeio com muita gente que tinha saído da mesma festa. Dada a distância que a separava do 1º requerente dos filhos, não viu a viatura antes do embate, nem a forma como circulava. Confirmando que o local era bem iluminado.
Atendeu-se ainda ao testemunho do condutor do veículo, que também saíra da festa do Avante, e que, não assumindo a responsabilidade do acidente, ainda assim referiu que conduzia a 60 quilómetros na referida via de trânsito, confirmando a existência de viaturas estacionadas junto ao passeio do lado direito, atento o seu sentido de marcha, sem carros à circular a sua frente, bem como que havia muita gente nas ruas por causa da referida festa. Contudo, quando refere que é embatido pelo carrinho e pelo 1º requerente no momento em que circulava na Av. Marcos Portugal, no sentido sul/norte, há que dizer que esta versão não é compaginável com a afirmação de que não viu ninguém à sua frente, nem sequer percebeu em que é que embateu. Assumindo aspectos contraditórios quanto à dinâmica do acidente, não se lhe conferiu particular valor, sem embargo que a espontânea alusão à velocidade a que seguia numa via com várias pessoas que saíam de uma festa ao ar livre, viabiliza a conclusão de que seguia sem as devidas cautelas.
É de relevar ainda o teor da participação e croqui juntos a fls. 17/20 assim como relatório técnico do acidente constante de fls. 20v a 34, que faculta informação sobre o estado e traçado recto da via, com ligeira inclinação e boa visibilidade em extensão e largura, boa iluminação e bom tempo no momento do sinistro, bem como a largura, aspectos também esclarecidos pela testemunha Victor ..., agente da PSP que elaborou a participação e que precisou que a largura da via é de 10 metros de largura, não incluindo o espaço ocupado pelos lugares de estacionamento de cada lado da via. Tendo esta testemunha clarificado ter assinalado o local provável do embate no croqui por ser aí que encontrou vestígios hematológicos.
A decisão acerca dos factos não provados no que tange à dinâmica do acidente resultou ainda da apreciação critica dos elementos probatórios a que infra se aludirá e não contiveram a virtualidade de colocar em crise a descrição dos 1º e 2ª requerentes em audiência.
Não se valorou o testemunho de Jorge …, condutor do veículo Ford, ao sustentar a saída inopinada dos peões do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha.
Na verdade, o seu depoimento denota uma postura defensiva, mostrando várias vezes ao longo da sua inquirição preocupação acerca da finalidade da mesma, não recordando diversos aspectos sobre os quais foi questionado, como as características da iluminação do local, onde tinha o veículo estacionado, nem se travou, o que viabiliza a dúvida quanto à versão que apresentou.
Acresce que a atitude de abandono do local sem que, posteriormente, se tenha dirigido às autoridades dando conta do modo como o acidente ocorrera evidencia, no mínimo, uma atitude censurável de indiferença pelas consequências emergentes para os terceiros, não justificada pelas razões do abandono do local do sinistro imediatamente a seguir à sua eclosão, este sim, compreensível pelo temor da reacção dos populares a que aludiu.
Não será demais sublinhar que a circunstância de o embate entre o veículo e os peões ter sido assinalado no croqui da participação situado a 1,80 m de distância do limite externo do estacionamento de veículos paralelo à via, atento o sentido de marcha do veículo e dos peões, permitindo concluir que ocorreu no segmento da via destinada ao trânsito de veículos, também não deixa de se atender que essa via, no momento em causa, se apresentava com muito trânsito de peões provindos da festa e que o é o próprio condutor que referiu em audiência circular, antes do embate, à velocidade de 60 quilómetros/hora, quando é certo que, como certificou a testemunha Victor ..., agente da PSP que elaborou a participação, o limite é de 50 quilómetros por hora.
Acresce referir que a tese de que os peões estavam a atravessar a via, conforme mencionado pela 2ª requerente no próprio dia do acidente às autoridades policiais que tomaram conta da ocorrência, designadamente o agente Victor …, pelo estado de manifesta perturbação em que se encontrava a mãe dos menores não é de molde a infirmar as considerações já expendidas sobre os contornos do acidente”.
Na parte final da mesma motivação, aduz-se, ainda, que “a pretensão de atravessar a via onde ocorreu o local do embate, pretendendo a requerida sugerir que teria sido o 1º requerente a surgir inopinadamente na via de trânsito em que circulava o veículo, não recolheu, mesmos em termos de prova indiciária, sustentáculo durante a instrução e julgamento”.

Ora, a fundamentação em equação surge manifestamente cuidada, especificada e com assertivo juízo, revelando-se fundada nos meios probatórios apreciados e equacionados.
Para além da análise das partes transcritas das declarações de parte e depoimento prestado (globalmente, e salvo algumas excepções de expressões utilizadas, mas sem relevância atendível, em consonância com o registo áudio), conforme supra aduzimos, procedemos à audição da integralidade de tais declarações e depoimento, bem como ainda, no que ora releva, dos depoimentos prestados pelas testemunhas António M. ... e Vítor ….
O 1º Requerente Carlos ... informou o local por onde circulava desde o início da avenida – na faixa de rodagem, encostado aos carros do lado esquerdo que estavam estacionados -, o motivo por que o fazia - passeio ocupado por pessoas e nalguns pontos com veículos, sendo que na altura empurrava um carrinho com duas crianças, o que muito dificultaria a circulação pelo referenciado passeio -, que havia muita gente a sair do recinto do  evento e a circular a pé e  que nunca pretendeu atravessa tal avenida, pois o acesso á sua casa fazia-se inclusive pelo lado em que circulava.
Acrescentou, ainda, não se ter apercebido da aproximação do veículo e que quando se apercebeu já havia sido atropelado, mencionando o local onde ficou caído, bem como os filhos.
Por sua vez, as declarações da 2ª Requerente Sofia ..., companheira daquele e mãe dos menores, confirmou, no global, tal versão dos factos, mencionando o local por onde circulavam a pé, que o companheiro fazia-o junto aos veículos estacionados a 30/40 metros á sua frente, sendo a estrada muito larga, que o trânsito no sentido em que seguiam estava inclusive cortado, que a casa para onde se deslocavam situa-se no lado pelo qual circulavam, pelo que não necessitavam de atravessa a faixa de rodagem, e que existia muita gente a circular a pé no local.
Referenciou, ainda, ter visto o veículo “aos esses”, desgovernado, não sabendo precisar se foi antes ou depois do embate (tudo levando a considerar que terá sido após o embate), que o mesmo parou à sua frente, a aproximadamente 30/40 metros do local do embate e que logo ocorreu muita gente ao local, tendo ido a correr para junto do local onde o companheiro e filhos se encontravam caídos. Explicitou, ainda, o teor das alegadas declarações por si proferidas, constantes de fls. 17 vº., nomeadamente no que concerne ao teor da expressão “quando pretendiam atravessar a faixa de rodagem”, mencionando que tal se reportava ao seu trajecto (juntamente com o sobrinho), pois aquando do embate acabava de atravessar uma via perpendicular à própria avenida por onde circulavam.
Tal como se referencia na sentença apelada, o teor das declarações dos dois primeiros Requerentes, apesar desta qualidade, não evidenciam parcialidade, antes denotando objectividade e clareza, apenas referenciando o que viram, sem extrapolações censuráveis.
Em articulação com tais características, as mesmas declarações mostram-se compagináveis e mesmo consonantes com outros meios probatórios produzidos, nomeadamente o teor da participação e croqui juntos a fls. 17 a 20, bem como com o relatório técnico de acidente de viação constante de fls. 20 vº a 34.
O teor do declarado pela testemunha Jorge ..., condutor do veículo seguro, contém, manifestamente, a mácula apontada na sentença recorrida, sendo eivado de uma constante preocupação quanto á sua eventual responsabilização e clara intencionalidade de se afastar de qualquer atitude que pudesse implicar aquela. Donde se compreende e corrobora a desvalorização do declarado.
Confirmou o local por onde circulava, que o fazia a aproximadamente 60 km/hora, reiterou o desconhecimento do local, onde alegadamente não voltou, e a existência de veículos estacionados do lado direito. Referenciou, ainda, ter parado o veículo a aproximadamente 20/30 m do local do embate, o que mencionou ter feito normalmente, e que na altura não teve noção das consequências do embate. Quanto à causa deste, referiu terem sido os lesados a saírem do meio dos carros aí estacionados e a embaterem na parte lateral do veículo, versão que, para além do mais, não se revelou minimamente compaginável com a dinâmica posterior ao embate. Efectivamente, tal como referem os Apelados nas suas contra-alegações, caso tal tivesse sucedido, os danos ocorridos no carrinho teriam sido diferenciados, e não se entenderia como o 1º Requerente teria sido igualmente atropelado, pois ao empurrar o carrinho, de forma perpendicular, sempre seria só este afectado, atento o facto do 1º Requente circular atrás do mesmo.
Para além do exposto, e tal como bem referem igualmente os Apelados, a factualidade provada sob os nºs. 10 a 12 não resulta apenas do teor dos depoimentos prestados, tendo-se igualmente ponderado o teor da prova documental junta, nomeadamente, quer a participação do acidente e croqui, quer, fundamentalmente o teor do Relatório Técnico de Acidente de Viação, elaborado pela testemunha António M. ....
As declarações desta testemunha foram deveras esclarecedoras, ponderadas e merecedoras de nítido crédito valorativo, explicitando o teor daquele relatório, os fundamentos das conclusões apresentadas e a forma como foram configuradas as hipóteses de causas de acidente aí feitas constar.
Do teor das suas declarações realce-se, ainda, a constatação de que devido á elevada afluência de público ao evento em causa, aquando da saída existe sempre muita gente a circular nas próprias vias de trânsito, procurando-se que os veículos circulem a velocidade muito reduzida, e que para quem empurra um carrinho de bebé é mais fácil circular na faixa de rodagem do que nos passeios, normalmente cheios de gente e por vezes mesmo com interferência de veículos estacionados, esclarecendo, ainda, que a via é bastante larga no local.
Decorre, assim, do exposto, de forma assaz concludente, que a versão factual do embate feita constar nos factos 10) a 12), ora impugnados, tem lastro ou fundamento probatório suficiente e idóneo, desde logo na prova documental referenciada, que contém menção das fontes fundamentantes, bem como na sua articulação com o teor das declarações de parte produzidas.
O que implica a sua clara manutenção na elencagem da factualidade dada como indiciariamente provada e, em contraponto, a inexistência de qualquer justificação para que passe a figurar como matéria de facto indiciariamente provada a constante da alínea f) dos factos não provados, ao traduzir esta uma diferenciada versão factual do embate, destituída de fundamento ou lastro probatório bastante.
Determinando, consequentemente, nesta parte, ou seja, no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, juízo de total improcedência da apelação (recurso independente).

I – B)
RECURSO SUBORDINADO

- Da impugnação da matéria de facto provada sob os nºs. 118) (pretensão que passe a figurar com nova redacção) e não provada sob as alíneas b) e d) (e pretensão que passe a figurar como matéria de facto provada)

No presente recurso subordinado, no que á impugnação da matéria de facto concerne, são os seguintes os pontos factuais em equação:
Facto 118) =» “o 1º requerente Carlos ... auferiu entre Janeiro e Novembro de 2018, a remuneração mensal líquida de € 2.591, 00, suportando mensalmente a título de contribuição para o ISS a importância de €125,72” – facto provado ;
Alínea b) =» “a situação descrita coloca a 2ª A. numa situação de total dependência económica e financeira em relação ao 1º A.” – facto não provado ;
Alínea d) =» “o 1º requerente despende consigo cerca de um terço de tais rendimentos (equivalente, sensivelmente, a € 825,00)” – facto não provado.
Pugnam os Recorrentes Subordinados, no deferimento das alegações recursórias apresentadas, que:
- o facto provado 118) passe a ter a seguinte redacção: “o 1º Requerente Carlos ... auferiu, entre 26/02/2018 e 14/11/2018, a remuneração mensal ilíquida de € 1.853,44, suportando mensalmente a título de contribuição para o ISS a importância de € 125,72 €” ;
- os factos não provados que figuram sob as alíneas b) e d) devem passar a ser considerados provados, ainda que com redacção não totalmente coincidente.
Assim, no que concerne á alínea b), deve ser considerada como provada a dependência económica da 2ª Recorrente relativamente ao 1º Recorrente.
E, no que à alínea d) respeita, deve dar-se como provado que o 1º Requerente “despende, consigo mesmo, 1/3 dos vencimentos auferidos”.
Referencia, então, que na prossecução de tais alterações da matéria de facto, em concatenação com a prova já assente da necessidade dos Apelantes beneficiarem de acompanhamento e tratamentos médico, impõe-se:
§ a condenação da Recorrida seguradora “no pagamento de todas as despesas já suportadas e a suportar pelos recorrentes, relacionadas com tratamentos das lesões sofridas como resultado do acidente descrito, a par da renda no valor já fixado pela decisão recorrida” ;
§ Em alternativa, “deve o valor da renda já arbitrada ser equitativamente revisto de modo a permitir o pagamento das despesas com tratamentos já documentadas (no valor de 826,56 € - facto 117) para além de compensar a perda de rendimento da 2ª recorrente e consequente dependência económica desta relativamente ao 1º recorrente”.
Vejamos.

Conforme expressamente referenciado em aresto desta Relação de 24/04/2019 [12], “na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções), bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos notórios e de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no que concerne à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto”.
Acrescenta-se, então, citando Acórdão desta Relação de 27/11/2018 [13], que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem reconhecendo que a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesmaa reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC)” (sublinhado nosso) [14].
Em consonância, refere-se expressamente no douto Acórdão do STJ de 17/05/2017 [15] que “o princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo”, tratando-se de uma das “manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Acrescenta, nada impedir “que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis”.
Pelo que, conclui, “para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito”.

Ora, tendo por pressuposto tal entendimento, afigura-se-nos resultar indubitavelmente o seguinte:
- através da enunciada impugnação da matéria de facto, têm os Apelantes Subordinados como desiderato a alteração do âmbito ou amplitude condenatória sufragada na decisão apelada ;
- esta decisão, no parcial deferimento da presente providência cautelar, arbitrou a reparação provisória, sob a modalidade de renda mensal, no valor de 824,43 € ;
- sendo esta quantia a correspondente, in totum, ao pedido efectuado, após redução apresentada e homologada – cf., acta de fls. 156 a 159, mais especificamente o despacho de fls. 159 ;
- a demais vertente do petitório reportava-se ao pedido de condenação da Requerida no pagamento de “todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação e fisioterapia, próteses e outras aos AA. por força das lesões descritas nos autos, mediante entrega, pelos AA., de correspondente factura ou recibo” ;
-  relativamente a esta vertente ou segmento petitória, considerou a sentença apelada não se mostrarem “preenchidos os pressupostos exigíveis para a atribuição de uma indemnização provisória” ;
- e, consequentemente, no que ao mesmo segmento concerne, julgou improcedente o peticionado ;
- o aludido não preenchimento dos pressupostos tem por base o legalmente imposto no nº. 1, do artº. 388º, do Cód. de Processo Civil, que alude ao “arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano” ;
- ou seja, e contrariamente ao que sucede relativamente ao “pedido de indemnização em acção declarativa que, nos termos dos arts. 471º, nº. 1, al. b), do CPC, e 569º do CC, pode adoptar a forma genérica, a pretensão a inserir no procedimento cautelar deve corresponder a um quantitativo certo, sob a forma de renda mensal, a imputar na liquidação definitiva do dano, exigência que resulta clara do disposto no art. 403º, nº. 1 [então vigente], quando alude a «quantia certa» e a «renda mensal»” (sublinhado nosso).
Ou seja, de acordo com o vigente nº. 1, do artº. 388º, do Cód. de Processo Civil, “a reparação provisória assumirá necessariamente a forma de uma renda mensal, fixada em quantia certa, por conta da provável indemnização final”, sendo que diversa forma de tutela antecipada sempre estará dependente do acordo das partes.
Donde, na inexistência de tal acordo, a impor a necessária intervenção do Tribunal, “este terá de se guiar por um quantitativo que julgue adequado a suportar a situação de carência causalmente provocada pela actuação” [16] ;
- resulta, assim, do exposto, que a enunciada segunda vertente do petitório sempre estaria condenada ao fracasso, ao não cumprir com tal legal requisito ou exigência, o mesmo sucedendo á pretensão ora apresentada a título principal como decorrência do eventual deferimento da impugnação da matéria de facto apresentada ;
- e, por outro lado, tendo a decisão apelada já fixado o valor da reparação provisória, sob a modalidade de renda mensal, em quantia correspondente à totalidade do valor peticionado – 824,43 €, na decorrência da efectivada redução do pedido -, a pretensão ora apresentada, em termos alternativos, no sentido de tal valor ser equitativamente revisto, também está lograda ao insucesso, por necessária observância dos limites da condenação ínsitos ao nº. 1, do artº. 609º, do Cód. de Processo Civil ;
- pelo que, conhecer acerca da impugnação da matéria de facto apresentada na presente sede de recurso subordinado configurar-se-ia como a prática de uma acto inútil, legalmente sancionado pelo artº. 130º, do Cód. de Processo Civil ;
- ou seja, ainda que lograsse obter procedência tal impugnação da matéria factual, nos termos requeridos, a decisão da causa não poderia deixar de ser a mesma, pelo que aquela reapreciação da matéria de facto traduzir-se-ia na prática de uma acto absolutamente inútil, claramente contrário á observância dos princípios da economia e celeridade processuais ;
- pelo que, na decorrência de tal juízo, decide-se não conhecer da impugnação da matéria de facto apresentada em sede de recurso subordinado ;
- determinando, no que a este concerne, à míngua de qualquer outro fundamento recursório, para além do dependente da procedência daquela impugnação, juízo de total improcedência.

II) Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO

II – A)

RECURSO INDEPENDENTE (OU PRINCIPAL)

A Apelante defende que ao alterar-se a matéria de facto nos termos requeridos, deve considerar-se que o 1º Requerente violou as normas de circulação de peões na via pública, designadamente o disposto no artº. 99º do Cód. da Estrada, pelo que, ao decretar a providência cautelar, o Tribunal a quo interpretou de forma incorrecta o disposto naquele normativo, bem como o estatuído nos artigos 570º, do Cód. Civil e 388º, nº. 2, do Cód. de Processo Civil – cf., conclusões recursórias 12. e 13..
Acrescenta, ainda, que atenta a alteração da matéria factual pela qual se pugna, “não se encontra verificado no contexto dum juízo de verosimilhança, a obrigação de indemnizar a cargo da ora recorrente, devendo o procedimento cautelar ser desatendido”.
Ora, conforme supra constatámos, improcedendo a requerida alteração da matéria de facto, a consequente alegada violação normativa perde sentido.
Todavia, ainda assim, apreciemos, de forma necessariamente sintética, a (im)pertinência do enquadramento efectuado.

Através da presente providência cautelar, com conteúdo antecipatório, devido a tal natureza cautelar, deve aquela funcionar “a partir de juízos de verosimilhança”, pressupondo o seu deferimento “que se mostre indiciada  a existência da obrigação de indemnização (e do correspectivo direito de crédito em benefício do requerente) e de uma situação de periculum in mora a partir da ponderação das consequências do arrastamento da tutela definitiva na pessoa do requerente (…)”.
Pelo que, “longe de se exigir uma prova cabal, completa, da situação de necessidade, bastará que a mesma se mostre suficientemente fundamentada. Do mesmo modo, quanto à prova do direito, basta a probabilidade da sua existência” [17].
Destinando-se a “obviar a uma situação premente de carência, antecipando-se a satisfação do direito”, no âmbito do presente procedimento cautelar “o requerente mais não tem do que fazer prova sumária do direito à indemnização”, o que encontra expressão no nº. 2 do artº. 388º, do Cód. de Processo Civil , ao aludir ao “conceito de indício («indiciada a existência de obrigação de indemnizar»)”.
Relativamente ao periculum in mora, deve o mesmo ser provado, o que se traduz no preenchimento da aludida situação de necessidade [18].
Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 14/04/1999 [19], a presente providência cautelar tem por desiderato “obviar e proteger situações de manifesta necessidade dos titulares do direito a uma indemnização, que não seria satisfeita no decurso da acção intentada para lhe ser reconhecido esse direito”.
E, atenta tal natureza de providência cautelar, “caracterizada pelo carácter sumário (simplicidade da tramitação), célere e provisório da decisão, face aos interesses em jogo, é razoável que, para o deferimento da providência, baste a prova da aparência da existência do direito, ou seja, no caso concreto, a prova do indício da existência da obrigação de indemnizar”, para além da demonstração da situação de carência ou necessidade.
Conforme explanado em aresto desta Relação de 11/01/2018 [20], constituem requisitos para o decretamento do presente procedimento cautelar, que resulte:
“i)- indiciada a obrigação do requerido de indemnizar os danos sofridos pelo requerente;
ii)- a verificação de uma situação de necessidade;
iii)-que essa situação de necessidade seja consequência dos danos sofridos”.
Entendimento perfilhado por douto aresto da mesma Relação de 16/02/2016 [21], o qual acrescenta, quanto ao ónus probatório impender sobre o requerente “o ónus de alegar e provar os referidos requisitos, descrevendo o circunstancialismo que a faz titular de um dos direitos de indemnização em questão, expor a situação de necessidade que justifica a intervenção cautelar antecipatória daquele direito de indemnização, alegar o nexo de causalidade entre o descrito
circunstancialismo e a sua situação de necessidade e concluir pelo pedido de pagamento de indemnização provisória” [22].

Ora, no caso sub judice, e no que concerne ao requisito ou pressuposto alegadamente posto em crise – indiciação da obrigação da Requerida seguradora em indemnizar os danos sofridos pelos Requerentes -, a factualidade considerada como indiciariamente provada traduz ou exibe, de forma manifesta e clara, indícios dessa obrigação.
E isto independentemente da indiciada responsabilidade do condutor do veículo seguro ser exclusiva ou partilhada, nomeadamente através da defendida culpa do 1º Requerente lesado na produção do embate, nos quadros do artº. 570º, do Cód. Civil, o que certamente merecerá sindicada apreciação, caso tal venha a ser julgado admissível, em sede de acção principal.
O que não parece poder afirmar-se, tal como concluiu a sentença apelada, e que ora não urge reproduzir, é que perante o quadro factual exposto, nenhuma responsabilidade surge indiciada na conduta daquele, tendo nomeadamente em atenção as condições existentes á data no local – elevado número de peões a circularem, também na faixa de rodagem, largura desta e espaço livre existente -, óptimas condições de visibilidade existentes, específico local por onde circulava o Requerente e filhos e conduta do condutor do veículo seguro – velocidade de circulação, circulação aos ziguezagues e perda de controlo da viatura.
 
Donde, em guisa conclusiva, decide-se o seguinte:
I) pela total improcedência do recurso independente apresentado pela Apelante/Recorrente/Requerida Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A  ;
II) pela total improcedência do recurso subordinado interposto pelos Apelantes/Recorrentes/Requerentes Carlos ..., Sofia ..., Joana ... e André ... ;
III) pelo que confirma-se, in totum, a sentença apelada.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação opera-se nos seguintes termos:
- recurso independente:
Custas a cargo da Recorrente/Apelante/Requerida ;
- recurso subordinado:
Custas a cargo dos Recorrentes/Apelantes/Requeridos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possam gozar.

***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso (independente) de apelação interposto pela Apelante/Recorrente/Requerida FIDELIDADE – COMPANHIA de SEGUROS, S.A. ;
b) julgar totalmente improcedente o recurso (subordinado) interposto pelos Apelantes/Recorrentes/Requeridos CARLOS ..., SOFIA ..., JOANA ... e ANDRÉ ... ;
c) pelo que, confirma-se, in totum – por que bem decidida -, a sentença apelada.

Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação opera-se nos seguintes termos:
- recurso independente:
Custas a cargo da Recorrente/Apelante/Requerida ;
- recurso subordinado:
Custas a cargo dos Recorrentes/Apelantes/Requeridos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possam gozar.
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Lisboa, 09 de Maio de 2019

Arlindo Crua - Relator
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente)

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[3] Idem, pág. 285 a 287.
[4] Processo nº. 23968/16.0T8LSB.L1, Relatora: Ondina Carmo Alves, no qual o ora Relator interveio como Adjunto.
[5] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 535 e 536.
[6] Idem, pág. 552, 472 e 473.
[7] A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 160.
[8] Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, pág. 137.
[9] Relator: Carlos Querido, Processo nº. 1609/08.0TJPRT.P1, in www.dgsi.pt .
[10] Afigura-se-nos que o douto Acórdão do STJ de 10/05/2001 – Relator: Mário Torres, Processo nº. 00S1676, in www.dgsi.pt -, citado nas contra-alegações recursórias, não se revela de particular relevância para o enquadramento do caso concreto apreciando.
Efectivamente, a situação neste retratada, proferida no âmbito do direito laboral, aprecia o comportamento da Ré seguradora tradutor de confissão de responsabilidade.
Fá-lo, contudo, com base no teor de cláusula inserta nas condições gerais da apólice de seguro que vinculava as Rés entidade patronal e seguradora, nomeadamente a cláusula 13ª, a qual previa que:
"1. A prestação de socorros urgentes, ou a comunicação do acidente às entidades competentes nunca significará reconhecimento pela Seguradora da sua responsabilidade.
2. O pagamento de indemnizações ou outras despesas também não constituirá confissão de responsabilidade, quando circunstâncias posteriormente conhecidas determinem a exclusão dessa responsabilidade.".
Não ajuizando, propriamente, nos termos da força probatória da confissão extrajudicial, operada através de documento particular, efectuada à parte contrária ou a quem a representasse.
Neste sentido, com base na prova documental junta aos autos e sua datação, concluiu que “não se demonstrando a superveniência do conhecimento, pela ré seguradora, de circunstâncias excludentes da sua responsabilidade, posteriores a 27 de Fevereiro de 1994, e estando provado que, posteriormente a esta data, desde a qual a mesma ré estava na posse de todos os elementos sobre o acidente, pela mesma foram pagas indemnizações à sinistrada, não há motivo válido para afastar a aplicação da previsão do nº. 2 da cláusula 13.ª das condições gerais da apólice de seguro, e, assim, não era lícito à seguradora pretender eximir-se, em fins de Julho de 1994, de responsabilidade assumida e mantida nos cinco meses anteriores”.
[11] Na Portaria nº. 377/2008, de 26/05, fixam -se “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto” – cf., o nº. 1, do artº. 1º.
[12] Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 5585/15.4T8FNC-A.L1, no qual o ora Relator figura como Adjunto.
[13] Processo nº. 1660/14.0T8OER-E.L1.
[14] Em idêntico sentido, citam-se ainda os acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no processo 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no processo n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no processo n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no processo 442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos in www.dgsi.pt .
[15] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Processo nº. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 157, 160 e 161 ; cf., no mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 138.
[17] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 158 e 159.
[18] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 136 e 137.
[19] BMJ, nº. 486, pág. 239 a 245.
[20] Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 8008/16.8T8SNT-B.L1-2, in www.dgsi.pt ,no qual o ora Relator interveio como Adjunto.
[21] Relatora: Maria Adelaide Domingos, Processo nº. 482/14.3T8OER-A.L2-1, in www.dgsi.pt .
[22] Cf., ainda, quanto aos requisitos e ónus probatório, o douto aresto desta Relação de 27/10/2015 – Relatora: Cristina Coelho, Processo nº. 30142/12.3T2SNT-B.L1-7 ; relativamente ao entendimento acerca do conceito de necessidade, cf., o douto Acórdão da mesma Relação de 14/09/2017 – Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 423/17.6T8SXL.L1-2, ambos in www.dgsi.pt .