JUROS
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário


1 - O prazo de cinco anos previsto no art. 310.º, al. d), do Código Civil começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação.
2 - Quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros — como sucede com os juros legais —, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, considerando-se prescritos os que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos.
3 - Não resultando dos autos que a falta de realização da citação dos executados nos cinco dias subsequentes à entrada em juízo do requerimento executivo (ocorrida em 10.02.2017) seja imputável à exequente, deverá esta beneficiar da interrupção operada em 15.02.2017, por força do disposto no art. 323.º, n.º 2, do Código Civil.
4 - E, assim sendo, todos os juros vencidos até aos cinco anos imediatamente anteriores a 15.02.2017 estão prescritos – art. 310 al. d) do Código Civil —, continuando a vencer-se juros, com prazo ex novo, a partir daquela data, em conformidade com o disposto no art. 326 nº1 do Código Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
BB, Sucursal da S.A. Francesa interpôs recurso do saneador-sentença proferido pelo Juízo de Execução de Montemor-o-Novo do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, no âmbito dos embargos de executado que CC instaurou por apenso à execução que lhe foi movida pela recorrente, o qual declarou prescritos os juros de mora e compulsórios peticionados pela exequente após 08.11.2016 e determinou o prosseguimento da execução com o limite dos juros contabilizados até ao dia 08.11.2006.

A embargante/recorrida havia invocado na sua petição inicial, designadamente, que o título executivo traduz-se em sentença proferida em 3 de outubro de 2011 e que os juros que a exequente pretende cobrar para além de 03.10.2016 encontram-se prescritos por força do disposto no art. 310.º, al. d), do Código Civil.
A embargada/recorrente na sua contestação aos embargos de executado, reconheceu que não tinha título executivo para os juros pedidos no requerimento executivo com referência ao período compreendido entre 08.11.2011 (considerando que a sentença dada à execução transitou em julgado em 07.11.2011) e 15.02.2012, ou seja, até cinco antes de cinco (5) dias após a instauração da execução apensa.
Foi dispensada a audiência prévia e foi proferido saneador-sentença cujo teor, na parte que ora releva, se passa a transcrever:
«Por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa, que lhe move "BB, Sucursal da S.A. Francesa", com os demais sinais nos autos, veio CC, com os demais sinais nos autos, deduzir oposição à execução, mediante embargos e oposição à penhora, apresentando o seguinte pedido: "Termos em que os presentes embargos deverão ser julgados procedentes, aguardando-se os demais trâmites até final."
Alega, para tanto, em suma, que os juros peticionados (quer os convencionais quer os legais) para além do dia 03 de Outubro de 2016 estão prescritos, atenta a data da prolação da sentença que foi oferecida como título executivo (03 de Outubro de 2011).
Pelo que relativamente a tais quantias, a exequente não possui título executivo.
[…]
ii) Apreciando:
Tendo em consideração o acordo das partes (por falta de impugnação) e a
documentação junta aos autos (nomeadamente o requerimento executivo junto aos autos principais, bem como a sentença dada como título executivo, junta aos autos principais, a certificação da citação da embargante e o auto de penhora), resultaram provados os seguintes factos relevantes para a causa:
1. Em 10.02.2017, "BB, Sucursal da S.A. Francesa" intentou ação executiva contra DD e CC, que corre termos neste juízo sob o n.º 224/17.1T8MMN, para pagamento da quantia de €32 752,24;
2. A exequente deu à execução uma sentença judicial proferida no dia 03.10.2011, junta aos autos principais, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, da qual consta o seguinte com relevo para os autos:
"Nestes termos (. .. ) decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: 1. Condenar, solidariamente, os Réus DD e CC a pagarem à Autora BB, S.A.: a. A quantia de €631,42 (. .. ) - correspondente à 27. ª a 32. ª prestações não pagas relativamente ao contrato n. ° 885162 - acrescida de juros de mora à taxa anual contratada de 18,976% que sobre o montante de cada uma das prestações se venceu até efetivo e integral pagamento e de imposto de selo sobre tais juros; b. A quantia de €3 146,39 (...) - correspondente ao capital em dívida relativamente ao contrato n. ° 885162 - acrescida de juros de mora à taxa anual contratada de 18,976% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e de imposto de selo sobre tais juros; 2. Determinar que a quantia de €190,88, seja imputada nos valores em dívida com observância do estatuído no artigo 785. º, do CC; 3. Condenar o Réu DD a pagar à Autora Banco BB, S.A.: a. A quantia de €2 758,14 (...) correspondente à 29. ª a 39.ª prestações não pagas relativamente ao contrato n. ° 843106 - acrescida de juros de mora à taxa anual contratada de 19 390% que sobre o montante de cada uma das prestações se venceu até efetivo e integral pagamento e de imposto de selo sobre tais juros; b. A quantia de €6 593,85 (...) - correspondente ao capital em dívida relativamente ao contrato n. °
843106 - acrescida de juros de mora à taxa anual contratada de 19,390%
desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e de imposto de selo sobre tais juros; (... )";
3. A sentença mencionada em 2. transitou em julgado no dia 07.11.2011;
4. A embargante foi citada para a execução em 19.04.2017;
5. Do auto de penhora realizado em 19.04.2017 consta:
- no item 8 "Limite da Penhora" a quantia total de €32 752,24;
- no item 11 "Bens Penhorados" o seguinte: "Penhora na parte penhorável no vencimento da executada ao serviço de "EE, SA".
O Direito:
(…).
*
[…]
iii - Decidindo
Pelo exposto:
a) julgo parcialmente procedente os presentes embargos de executado e, em consequência:
i. Declaro prescritos os juros de mora e compulsórios peticionados pela exequente após 08.11.2016;
ii. Determino o prosseguimento da execução, nos seus termos legais, com o limite dos juros só puderem ser contabilizados até ao dia 08.11.2016;
iii. Condeno embargante e embargada nas custas devidas, na proporção de 20% a cargo do embargante e 80% a cargo da embargada, por referência à oposição à execução mediante embargos de executado.
b) julgo totalmente improcedente a presente oposição à penhora e, consequentemente:
i. Determino a manutenção da penhora realizada à ordem destes autos, sobre o vencimento da executada/ oponente;
ii. condeno a oponente nas custas devidas por referência à oposição à penhora.
Notifique a exequente para, no prazo de 10 dias, juntar requerimento onde retifique, clarifique e detalhe a quantia exequenda que imputa à embargante/executada, de acordo com o título executivo dado à execução e, após, proceda-se à retificação no requerimento executivo em conformidade.
Seguidamente, dê conhecimento ao Sr. A.E., o qual deverá corrigir o auto de penhora realizado em 19.04.2017, no que tange aos valores apostos no item dedicado ao Limite da Penhora em conformidade, notificando-o á respetiva entidade patronal e aos sujeitos processuais.
Registe, notifique e, oportunamente, arquive.»

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com a seguinte conclusão:
«Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, e violou o disposto no artigo 310°, alínea d), do Código Civil, bem como o disposto no artigo 323°, n° 2, do dito normativo legal e, até ainda, o disposto no artigo 311 ° do citado Código Civil, pelo que, por violação dos citados preceitos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por Acórdão que decida e reconheça que devem considerar-se prescritos apenas e unicamente os juros peticionados entre 08/11/2011 e 15/02/2012, desta forma se fazendo correta e exata interpretação e aplicação da lei, se fazendo
JUSTIÇA»

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos factos julgados pelo tribunal a quo e referidos supra em I.1.

II.3.
A única questão suscitada consiste em saber que juros deverão ser julgados prescritos.

II.4.
Mérito do Recurso
O tribunal a quo julgou prescritos todos os juros de mora e compulsórios peticionados pela exequente/recorrente após a data de 08.11.2016 e determinou o prosseguimento da execução com o limite dos juros contabilizados até ao dia 08.11.2016.
A recorrente defende que apenas deverão ser julgados prescritos os juros vencidos no período compreendido entre 08.11.2011 (um dia depois da data do trânsito em julgado da sentença dada como título executivo) e 15.02.2012 (cinco dias depois da instauração da execução). E tem razão.
De acordo com o disposto no art. 298.º, n.º 1, do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição é ditada, numa primeira linha, pelo valor da segurança jurídica e da certeza do direito, embora também em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundando-se num imperativo de justiça – Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, 2008, pp. 20 e ss.).
Uma vez completado o prazo de prescrição, o beneficiário da mesma tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no art. 304.º, n.º 1, do Código Civil. Ou seja, a prescrição não extingue a obrigação; o efeito da prescrição é o de facultar ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. Oposta com êxito a prescrição, o titular do direito perde uma das faculdades que lhe assistia, deixando de poder exigir o cumprimento judicial da prestação.
No presente recurso está em causa uma dívida de juros.
A dívida de juros é uma dívida que periodicamente renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação.
Prescreve o invocado art. 310.º, alínea d) do Código Civil que «Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos […]».
A prescrição a que se refere o normativo citado é uma prescrição de curto prazo destinada a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor [1].
De acordo com o disposto no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil, o prazo de prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido.
Logo, o prazo de cinco anos previsto no art. 310.º, al. d), do Código Civil começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação.
Quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros — como sucede com os juros legais —, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, considerando-se prescritos os que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos.
A prescrição pode ser interrompida (arts. 323.º-325.º, do Código Civil).
A “interrupção” é um facto que anula o efeito do tempo já decorrido porquanto revela da parte do credor (ou do devedor, quando este reconhece a dívida), a vontade de confirmar a existência da obrigação.
A interrupção da prescrição determina a inutilização do tempo entretanto decorrido, iniciando-se a contagem de um novo prazo a partir da verificação do ato que lhe deu causa.
Uma das causas de interrupção está prevista no art. 323.º, n.º 1, do Código Civil, a saber, a citação ou a notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Porém, a prescrição tem-se também por interrompida se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente (art. 323.º, n.º 2, do CC). Como é salientado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.12.2016, processo n.º 132/11.TBEVR.E1[2], «Formou-se jurisprudência firme no sentido de que a citação efetuada para além do quinto dia após aquele em que for requerida não é imputável ao respetivo requerente quando a demora é devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, negligência do tribunal ou dos seus funcionários, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas. E que a demora é imputável ao respeito requerente quando se demonstre existir um nexo objetivo de causalidade entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efetivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele».
No caso concreto, não resulta dos autos que a falta de realização da citação dos executados nos cinco dias subsequentes à entrada em juízo do requerimento executivo (ocorrida em 10.02.2017) seja imputável à exequente, pelo que deverá esta beneficiar da interrupção operada em 15.02.2017, por força do disposto no art. 323.º, n.º 2, do Código Civil.
E, assim sendo, todos os juros vencidos até aos cinco anos imediatamente anteriores a 15.02.2017 estão prescritos – art. 310 al. d) do Código Civil —, continuando a vencer-se juros, com prazo ex novo, a partir daquela data, em conformidade com o disposto no art. 326 nº1 do Código Civil.
Em conclusão, a apelação deverá proceder no sentido de ser declarada a prescrição apenas dos juros de mora e compulsórios compreendidos entre 08.11.2011 inclusive e 15.02.212.


III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida no sentido de que os juros prescritos são os que se venceram entre 08.11.2011 e 15.02.2012.
Sem custas porquanto a recorrida não contra-alegou, não sendo, por isso, responsável pelo pagamento de custas de parte (em cuja sede a recorrente, tendo obtido vencimento no recurso, teria direito de exigir do vencido o valor da taxa de justiça paga em função do seu impulso processual).

Notifique.

Évora, 11 de abril de 2019,
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato
Mata Ribeiro
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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, p. 280.
[2] Publicado em www.dgsi.pt.