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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE COOPERAÇÃO
CONDENAÇÃO CONDICIONAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
1. É contrato de cooperação ou parceria comercial, e não de prestação de serviços, o contrato por meio do qual as outorgantes se obrigam, mediante a percepção de comissões: a autora a aproximar clientes chineses por si identificados, da ré, e esta a aproximar esses clientes dos seus eventuais clientes dispostos a vender imóveis. 2. Tendo a autora e ré acordado que o valor da comissão a perceber pela primeira só seria devido pela segunda quando o cliente desta procedesse ao pagamento da comissão pela mediação imobiliária da segunda, e tendo-se provado que aquele cliente ainda não pagou o devido, justifica-se, por uma razão de economia e de gestão processual, que o juiz profira uma sentença de condenação condicional. 3. Só se justifica uma condenação por litigância de má fé quando se demonstre de forma manifesta e inequívoca que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fim de impedir ou entorpecer a acção de justiça, o que não acontece quando o autora reclama o pagamento de determinada quantia que só no segundo grau, deslindando matéria de facto de contornos pouco nítidos, se vem a apurar não ser devida.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
W requereu injunção contra C para obter título bastante para haver desta a quantia de € 141.048,29, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde 15.12.2016 até efetivo e integral pagamento sobre o capital de € 120.000,00.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A autora tem por objeto social a consultoria em imobiliário, investimento e imigração;
- A ré tem por objeto social a mediação imobiliária e administração de bens imóveis de outrem;
- A autora e a ré celebraram um contrato de prestação de serviços, em regime de não exclusividade, em que a autora se obrigou, entre outras, a promover os imóveis objeto da mediação da ré junto de potenciais investidores chineses, em território chinês, mediante o pagamento pela ré de uma comissão no valor de 10% do preço de venda líquido de cada imóvel, no prazo de 7 dias após o recebimento da comissão pela ré;
- Os serviços foram efetivamente solicitados pela ré relativamente a imóveis vendidos a 26.02.2014 e a 14.02.2016 a clientes chineses, pelo preço de € 600.000,00 cada um com a intervenção da ré como mediadora;
- A autora emitiu à ré as correspondentes faturas no valor de € 60.000,00 cada, sendo uma com data de vencimento a 02.06.2014 e outra de 18.07.2014;
- A ré nada pagou.
Notificada para pagamento ou oposição a requerida deduziu oposição em que pede a sua absolvição e a condenação da requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- Entre a ré e a autora foi estabelecido um acordo de parceria, segundo o qual nos negócios concluídos com clientes trazidos a Portugal pela autora seria cobrada uma comissão de 10% sobre o valor da venda, desde que existisse aceitação por parte do vendedor, ou promotor da venda, cliente da ré;
- Ou seja, para além da comissão acordada em sede de contrato de mediação imobiliária de 5%, a ré, em caso de aceitação do cliente, cobraria uma taxa de 10% a título de custo de canal de agência;
- Foi também acordado entre autora e ré que o valor dos 10% apenas e só seria devido quando o cliente da ré procedesse ao seu pagamento, ou seja, só depois da ré receber o dinheiro devido por aquela comissão procederia ao pagamento à autora;
- Apesar de a conclusão dos negócios com intervenção imobiliária por parte da ré, a verdade é que a comissão devida não foi paga por parte do cliente vendedor na sua totalidade;
- Apenas e só foi pago o valor de € 7.500,00, com Iva incluído, encontrando-se em dívida o valor de € 174.902,44;
- Por conta da comissão recebida a ré pagou à autora a quantia de € 4.000,00 correspondente a 10% da comissão recebida;
- A ré informou à autora das diligências efetuadas para cobrança da comissão e das dificuldades encontradas no recebimento da mesma.
No mais, impugnou os factos articulados pela autora.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 4.000,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal supletiva aplicável aos créditos de que as empresas são titulares desde sete dias após o recebimento do valor pela ré do seu cliente até efetivo e integral pagamento;
b) ao abrigo do disposto no art.º 610º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, declarou que existe a obrigação da ré de pagamento à autora dos 10% do valor acordado e em dívida dentro de 7 dias após a receção da C, quer em inteiro quer em percentagem, da sua percentagem de comissão e, em consequência, condenou a ré a proceder a tal pagamento no prazo contratualmente acordado, porquanto na pendência da presente ação não se encontram verificados os pressupostos da exigibilidade de tal obrigação.
Mais julgou improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado e, em consequência, absolveu a autora do pedido formulado.
Inconformada, interpôs a ré competente recurso. Por decisão singular proferida em 13.09.2018 foi anulada a decisão recorrida e ordenada a repetição do julgamento para conhecimento de nova matéria de facto.
Baixados os autos e após nova audiência foi proferida outra sentença em tudo igual à sentença anterior.
De novo inconformada interpôs a ré competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma: Conclusões
1) A apelante não pode deixar de sublinhar aqui a sua total inconformidade sobre a maneira como a Meritíssima Juiz “a quo” apreendeu e fixou o registo da prova, nomeadamente quanto ao seguinte:
2) O facto inserto nos factos dados como não provados, deveria ser considerado como provado, designadamente que a Ré pagou à Autora o montante de €4.000,00, pelo que deverá ser incluído na decisão sobre os factos provados.
3) Na perspetiva da Recorrente a reapreciação/reponderação da matéria de facto impugnada conduzirá a diferente conclusão, pois determinaria a improcedência in totum do peticionado pela Autora.
4) A Douta Decisão recorrida desconsiderou elementos de prova constantes dos autos que, conjugados com as declarações de parte, preconizavam um diferente desfecho dos autos.
5) No entender da recorrente são os seguintes meios de prova que impunham decisão diversa:
- Documentos de fls. 129,130 e 131;
-Documento nº6 junto com a resposta de fls…
- Declarações de parte da gerente da Ré, sra. PBC, prestadas na sessão de julgamento com início às 11:04:22m e terminaram às 11:25:58m, encontrando-se gravado digitalmente no suporte informático disponível no tribunal.
- Depoimento da testemunha PLi, prestado na sessão de julgamento com início às 09:43:02m e terminou às 10:18:14m, encontrando-se gravado digitalmente em suporte informático disponível no tribunal.
10) Exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo que ainda se não venceu, ou a uma condição que ainda se não verificou.
11) Conforme se afere do contrato celebrado entre as partes, a comissão contratualizada a favor da Apelada, dependia do recebimento por parte da Apelante da sua comissão a ser paga pelo cliente diretamente à Ré.
12) Conforme se afere dos factos dados como provados, a Ré não recebeu o pagamento por parte do cliente promotor da venda dos dois imoveis, sitos na Avenida 5 de Outubro, nºs 108 e 110, em Lisboa. Como tal, não poderemos considerar que o valor se encontre em divida
13)A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do CC, de simples interpelação do devedor.
14)A Ré aceita o decorrente do contrato de cooperação, mas não reconhece a existência da divida e exigibilidade da obrigação, porquanto o cumprimento dessa obrigação está pendente da receção da sua comissão, quer por inteiro quer em percentagem.
15) deveria o Tribunal «a quo» julgar não provada e improcedente a presente ação e, consequentemente absolver a Ré do pedido contra ela formulado.”
16)Na verdade, os casos subsumíveis à previsão do art. 610º do CPC são os de obrigações a prazo certo, em que se pede a condenação de alguém a pagar de imediato, a obrigação é contestada e da factualidade apurada resulta que o vencimento daquela só virá a ocorrer depois da data da sentença. Por conseguinte, ficam de fora do âmbito do art. 610º do CPC as obrigações a termo incerto e as sujeitas a condição.
17) A obrigação da Ré proceder ao pagamento de 10% sobre o preço da compra e venda só emergem quando o cliente da Ré proceder ao pagamento da comissão devida em fase de mediação imobiliária.
18) O nascer da obrigação está dependente de uma condição suspensiva, isto é, de um acontecimento futuro e presentemente incerto pois a sociedade promotora entrou em processo de falência.
19) No momento da prolação da sentença ora sob censura, ainda se não havia verificado a condição suspensiva de cuja ocorrência ficou dependente a constituição da Ré/Apelante na obrigação de pagar a percentagem dos 10% equivalente á quantia de 120.000,00€, uma vez que o promotor da venda (cliente angariado pela Ré) não tinha procedido ao pagamento da comissão.
20)Todavia, se atendermos ao documento junto a fls.33/34 com tradução de fls.62/63, forçosamente teremos de concluir que não estamos perante um contrato de prestação de serviços, mas sim perante um contrato de cooperação ou parceria. Qualificação que as próprias partes lhe conferiram.
21) Ora se atendermos aos direitos e obrigações insertos no contrato junto aos autos, designadamente no clausulado nos nºs 4 e 5, teremos de concluir estarmos perante um contrato de parceria e cooperação empresarial e não de um contrato de prestação de serviços.
22) Acresce que, conforme resulta do referido contrato a comissão prevista na clausula
6ª não é paga diretamente pela Apelante. O que as partes estipularam no contrato é que os valores a pagar à W eram pagos diretamente pelo promotor da venda ou cliente do contrato de mediação imobiliária e era incluído na comissão que seria cobrada pela C.
23) O Tribunal «a quo» entendeu erradamente estarmos perante um contrato de prestação de serviços regulado no art.1154º do CC.
24) No entanto, o Tribunal recorrido fez uma interpretação incorreta do contrato, pois não tomou em consideração o que as partes tinham convencionado, logo, a interpretação feita viola o disposto no citado art. 236° do CC, porquanto o sentido da declaração negocial é perfeitamente claro e explanado no contrato.
25) A Apelante não acordou pagar qualquer tipo de retribuição á apelada, nem tal resulta do acordo estabelecido entre as partes. Nem a Apelada se comprometeu a prestar serviços à Apelante, pois a A. apenas facultava à R. um canal específico de comercialização dos seus serviços.
26) Tal como devidamente qualificado pelas partes, estamos perante uma modalidade de contrato de cooperação comercial, mais concretamente numa parceria comercial que se inscreve em áreas próximas da cooperação interempresarial, da distribuição comercial e de aliança estratégica.
27) Conforme resultou provado, a Ré, aqui apelante, não recebeu a comissão por parte do promotor da venda dos referidos imóveis. Sendo o recebimento de tal comissão, a condição sine qua non para proceder à entrega dos 10% à Apelada. Mais foi dado como provado que, tal facto era do conhecimento da Apelada.
28) Ora, a autora, apelada, vem aos autos reclamar o pagamento da comissão no valor
de 120.000,00 devida pela aquisição de dois imoveis sitos na Avenida 5 de Outubro, nº108, em Lisboa, por parte de dois cidadãos chineses. A Autora, reclama um valor que sabe não ter direito.
29)Trata-se de uma atitude de gritante má fé que atenta gravemente contra os direitos da Ré, além das demais consequências gravosas, retira o conteúdo útil e o fim visado pelo Contrato, esvaziando-o.
30) A conduta da Autora ao vir aos presentes autos reclamar um valor que sabe não ter direito está eivada de má fé. E concomitantemente, a Autora litiga de má fé, uma vez que deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
31) A Autora atuou com dolo, pois era perfeitamente conhecedora da falta de fundamento da sua pretensão, assim integrando o estatuído no artigo art. 542.º do CPC .
32)Impõe-se a condenação da autora como litigante de má fé e consequentemente deverá ser condenada a multa e indemnização nos termos legais.
33) A Douta decisão violou o disposto no art.236º e 1154º do CC e 542º, 610º e 621º do CPC
Nestes termos expostos e nos mais que os Excelentíssimos Senhores Desembargadores suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, com o que se fará JUSTIÇA’’.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Constituem questões decidendas saber:
i) Se se deve alterar a decisão de facto.
ii) Como se deve qualificar o contrato.
iii) Que consequências jurídicas retirar da resposta dada às questões anteriores.
iv) Se se deve ou não condenar a autora como litigante de má fé.
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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
I - Factos provados:
1) A autora é uma sociedade de direito Chinês.
2) A ré dedica-se à atividade de mediação imobiliária
3) Com data de 08.11.2013, autora e ré subscreveram o instrumento particular denominado “Contrato de Cooperação”, cuja cópia consta a fls. 33/34 (tradução a fls. 62vº/63) dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Considerando que a W fornece serviços de imigração para clientes chineses que pretendem adquirir residência em Portugal através do Programa de visto de residência dourado (“Programa de Imigração”) através da aquisição de propriedades em Portugal, e irá apresentar clientes chineses à C e, Considerando que a C é uma agência imobiliária de venda e revenda de apartamentos, vivendas e outros imóveis, e oferece aos Clientes a oportunidade de comprar os mesmos imóveis i.e. casas ou apartamentos e Considerando que a C e W querem celebrar este contrato, com respeito pelos direitos e deveres das partes, tais como definidos aqui. Assim sendo, considerando o encontro de intenções, e querendo vinculação legal, as partes acordam o seguinte: (…). 2. Território: As partes concordam que a W deverá ser o representante da C, não de forma exclusiva, para os fins de aconselhar e informar os Clientes, na República Popular da China, sobre as propriedades da C para venda. (…). 4. Serviços da W. A W deve, enquanto o contrato estiver em vigor: i. Fazer os melhores esforços para que o cliente seja aconselhado e/ou informado das propriedades da C disponíveis para venda; ii. Reenviar para C questões sobre apartamentos, vivendas e outros imóveis da C, imediatamente após receber as respetivas questões. iii. Fazer os melhores esforços para promover e aumentar as vendas de apartamentos, vivendas e outros imóveis da C, em todo o território, a todos os potenciais compradores. (…). 5. Deveres da C: Além de pagar comissões previstas na Cláusula 6, (…). 6. Comissão da W: Em contrapartida pelos seus serviços, a W deve receber o seguinte por cada cliente que compre uma propriedade à C: a) uma comissão de 10% será paga à W pela venda total da propriedade em transações de 10.000.000 euros ou menos (excluindo Iva); b) uma comissão de 11% será paga à W pela venda total da propriedade, em transações pelo preço de 10.000.001 euros até 20.000.000 euros (excluindo Iva); c) uma comissão de 12% será paga à W pela venda total da propriedade, em transações pelo preço de 20.000.000 euros ou superior (excluindo o Iva). A não ser que aquele montante seja subsequentemente alterado por mútuo acordo das partes, todas as comissões pelos serviços da W devem ser pagas à W dentro de 7 dias após a receção da C, quer em inteiro quer em percentagem, da sua percentagem de comissão, no Contrato Promessa, quando aplicável. A C deve fornecer provas relevantes de receção da comissão quando solicitada pela W. Por qualquer atraso no pagamento haverá um juro de 1% da comissão por semana à W, e a W terá o direito de suspender os serviços à C. (…). 8. Referência: Qualquer venda de propriedade feita por referência/recomendação através dos clientes apresentados pela W devem também ser considerados como uma contribuição da W, devendo a W receber uma comissão nos termos do artigo 6 do presente. (…)”.
4) No âmbito da sua atividade comercial, a ré mediou, enquanto mediadora imobiliária, a venda da fração “B” e “G” do prédio sito na Av. 5 de Outubro, nº 108 e 110, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1297 e inscrito na matriz predial sob o artigo 2303.
5) As frações identificadas em 4) foram adquiridas por dois cidadãos de nacionalidade chinesa, de seu nome HY e Z J, respetivamente em 26.02.2014 e 14.02.2014.
6) A autora emitiu e enviou à ré as seguintes faturas: a) fatura nº 08/2014, no valor de € 60.000,00, datada de 23.05.2014, com vencimento em 18.07.2014; b) fatura nº 10/2014, no valor de € 60.000,00, datada de 09.07.2014, com vencimento a 18.07.2014.
7) A aquisição das frações descritas em 5) foi efetuada através da apresentação de clientes por parte da autora à ré.
8) Autora e ré acordaram que o valor dos 10% apenas e só seria devido quando o cliente da ré procedesse ao seu pagamento, isto é, só seria devido 7 dias depois de a ré receber o valor devido pela sua comissão pela mediação imobiliária.
9) A comissão devida pela mediação imobiliária da fração não foi paga à ré pelo cliente na sua totalidade e apenas o montante de € 7.500,00 (com Iva incluído).
10) A ré informou a autora do referido em 9).
11) Para além da comissão acordada referida em 3), a ré cobrava, em sede de contrato de mediação imobiliária, 5% ao vendedor, seu cliente.
12) As faturas identificadas em 9) foram reclamadas pela ré aquando da sua receção, alegando que o montante faturado não havia sido ainda recebido pela ré por parte do vendedor, seu cliente.
13) A autora emitiu à ré, a pedido desta e com o objetivo de proceder ao seu pagamento, a fatura com o n.º 2/2015, no valor de € 4.000,00, datada de 03.03.2015, cuja cópia consta a fls. 130 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
II- Factos não provados:
A) A ré pagou à autora o montante de € 4.000,00.
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Da alteração da decisão de facto
Pretende a recorrente que a alínea A) dos factos não provados seja ao invés considerada provada.
O primeiro grau motivou a sua convicção da seguinte maneira: “O Tribunal não considerou provado o facto descrito sob a alínea A) por não ter sido apresentada prova convincente sobre o referido pagamento. A testemunha LPing, acima identificada, confirmou que, apesar das informações obtidas pela autora sobre a realização da transferência, tal montante nunca foi recebido pela ré. As mensagens eletrónicas trocadas entre autora e ré e constantes a fls. 36/49 (tradução: fls. 65v./70) não consubstancia prova de tal pagamento, o mesmo acontecendo com a emissão das faturas constantes a fls. 129/130 dos autos, porquanto tais não constituem recibos de quitação. Acresce que o documento bancário de fls. 131v. é apenas comprovativo de uma ordem de transferência não podendo configurar como comprovativo de pagamento desacompanhado de qualquer outro documento sobre a concretização e destino de tal ordem de pagamento’’.
Ora não estamos de acordo com esta valoração.
É sabido que a parte tem manifesto interesse na causa. A lei permite o depoimento e as declarações de parte. No caso do depoimento trata-se de um meio técnico destinado a obter-se a confissão que como é sabido é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. As declarações , figura introduzida pela reforma de 2013 permite que a inquirição da parte tenha um âmbito probatório de maior espectro permitindo que o tribunal nelas se apoie não só para dar um facto por assente porque sobre ele recaiu a confissão, mas ainda quando essa confissão não ocorra desde que o tribunal se convença que as declarações são consistentes e susceptíveis de merecer crédito (art. 466.º CPC). Na verdade, salvo se constituírem confissão, o tribunal aprecia livremente as declarações de parte (art. 466.º, 3), sendo, porém, jurisprudência já dominante a orientação segundo a qual tais declarações desacompanhadas de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie não são suficientes.
Compreende-se que assim seja porquanto tal meio de prova foi sobretudo pensado para aquelas matérias do foro íntimo e pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, à partida de mais difícil demonstração. Cabe sublinhar de resto que não podem depor como testemunhas os que na causa podem depor como partes (artigo 496.º) e que a razão subjacente a este preceito, o de não misturar os papéis processuais, não pode ligeiramente ser anulada por este novo meio probatório.
No caso sujeito a testemunha LPing, que trabalha para recorrida na área das cobranças, referiu, designadamente, que:
i) o pagamento da comissão de 10% a que a autora tinha direito seria paga no prazo de 7 dias após o pagamento à ré da comissão a que a recorrente tinha direito;
ii) a autora arranjou cerca de 10 clientes. Oito comissões foram pagas, algumas com demora e uma vez por duas prestações.
ii) não foi pago o montante de € 120.000 relativos à comissão devida pela venda de casas a 2 clientes chineses, sendo um deles HY;
iii) confirma a recepção do e-mail de fls. 73 datado de 11.11.2014;
iv) na altura a recorrente prometeu pagar os € 4.000,”mas depois não recebemos’’;
v) os funcionários do departamento financeiro da recorrida não confirmaram a recepção do montante de € 4.000;
vi) depois do aviso mandaram uma factura de € 4.000 para a ré, mas nunca receberam tal montante;
vii) a factura foi pedida pela D. Paula;
viii) “não tem a impressão’’(sic) de ter recebido os € 4.000.
Tal depoimento apesar das dificuldades com que foi prestado (via SKYPE e através de intérprete) pareceu-nos no geral credível.
Todavia, como a testemunha não lida com a contabilidade da empresa, como os factos já ocorreram há pelo menos 3 anos, e considerando os termos que foram utilizados que deixam transparecer alguma dúvida sobre o não pagamento dos € 4.000, somos inclinados a dar como provada o excepção invocada. Na verdade sobre tal testemunho prevalecem as declarações de parte de MPaulaC representante da ré e que tratou de todo o negócio com a autora conjugadas com o teor das comunicações electrónicas de fls. 65 v. a 78 v. e ainda com o teor das facturas de fls. 129 e 130 e da transferência a que aludem fls. 131 v. e 132.
Com efeito as declarações de parte de MPaulaC foram muito assertivas quanto ao pagamento dos € 4.000 cujas vicissitudes descreveu com pormenor e conhecimento de causa. Explicou todas as dúvidas que pudessem existir a respeito da cobrança efectiva de € 7.500 entregues pela construtora.
Como se disse estas declarações não valeriam se não tivessem a corrobora-las outros meios de prova. Ora dos e-mails juntos aos autos designadamente de fls. 73 e v. de fls. 77 e 77 v. datados respectivamente de 24.1.2015, de 5.2.2015 e 4.3.2015, conjugados com a factura de 3.3.2015 de fls. 140 e ainda com a transferência bancária efectuada em 9.3.2015, com data valor de 6.3. para o Banco e beneficiário constante dos detalhes da dita factura, no montante de € 3.974,00, ficamos com a convicção de que é muito provável que o pagamento tenha sido efectuado, pelo menos que esta hipótese é muito mais consistente do que a hipótese contrária. Razão pela qual damos razão à recorrentes dando como provada a suprarreferida alínea A)., ou seja que foram pagos os € 4.000.
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Da qualificação do contrato
O primeiro grau qualificou o ajuizado contrato como sendo de prestação de serviços. A recorrente discorda e sustenta tratar-se antes de um contrato de parceria ou cooperação comercial.
Cremos que mais uma vez assiste razão à recorrente.
José Engrácia Antunes divide uma sua obra relativamente recente sobre Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2008, em III partes, a I.ª Introdução, a II.ª Dos Contratos Comerciais Em Geral e a III.ª Dos Contratos Comerciais Em Especial.
Esta última parte está subdividida em VII Capítulos, a saber: Capítulo I: Os Contratos no Código Comercial; Capítulo II: Contratos de Cooperação; Capítulo III: Contratos de Distribuição; Capítulo IV: Contratos de Bancários; Capítulo V: Contratos Financeiros; Capítulo VI: Contrato de Seguro; Capítulo VII: Contrato de Transporte.
É no Capítulo II que encontramos informação importante para a qualificação do presente contrato.
O autor começa por definir os contratos de cooperação empresarial como “aqueles acordos negociais, típicos ou atípicos, celebrados entre duas ou mais empresas jurídica e economicamente autónomas (singulares ou colectivas, públicas ou privadas, comerciais ou civis), com vista ao estabelecimento, organização e regularização de relações jurídicas duradouras para a realização de fim económico comum’’ (0p. cit:389).
Depois debruça-se sobre o que designa por “as cinco figuras nodais da cooperação interempresarial’’, a saber, o contrato de “joint venture’’, o contrato de consórcio, o contrato de associação em participação, o contrato de agrupamento complementar de empresas e o contrato de agrupamento de interesse económico.
J. Engrácia Antunes chama complementarmente a atenção para o facto de existirem muitos outros contratos que poderão ser classificados como de cooperação empresarial, assim deixando espaço para o aparecimento de muitas outras figuras merecedoras da mesma designação, sejam típicas ou atípicas.
No caso sujeito que não se enquadra em nenhuma daquelas categorias nodais, estamos na presença de um contrato de cooperação ou parceria comercial, ou seja, perante um acordo em que autora e ré estabeleceram vínculos de colaboração em ordem à satisfação de interesses comuns (cfr. Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990:204 e ss.).
Vejamos porquê.
A autora, W, fornece serviços de imigração para clientes chineses que pretendam adquirir residência em Portugal através do Programa de visto de residência dourado através da aquisição de propriedades em Portugal. Por sua vez, a ré é uma agência imobiliária de venda e revenda de imóveis. Ambas as sociedades actuam, por natureza, na procura do lucro.
Ambas exercem uma actividade de mediação: a autora aproximando os clientes chineses da ré, e esta aproximando esses clientes dos seus eventuais clientes disposto a vender imóveis. Mediante essas vendas ambas as sociedades retiravam proveitos: a ré uma comissão de 5% sobre o valor da compra e a autora uma percentagem em dobro de acordo com a cláusula 6.ª.
A venda dos imóveis surge como a finalidade imediata comum dos outorgantes do contrato outorgado em 8 de novembro de 2013.
Apesar do contrato não ter qualquer cláusula de exclusividade e de as partes terem desde logo declarado que não existia entre elas qualquer forma de sociedade, é patente que autora e ré se comprometeram, durante 2 anos automaticamente renováveis por igual período (cfr. clúsulas 1.ª e 7.ª) a desenvolver esforços tendo em vista a obtenção de uma comissão que era suposto partilharem.
Tal deriva das dos serviços e deveres assumidos respectivamente pela autora e ré, nos termos das cláusulas 4 e 5 do contrato , a saber:
4. Serviços da W. A W deve, enquanto o contrato estiver em vigor:
i. Fazer os melhores esforços para que o cliente seja aconselhado e/ou informado das propriedades da C disponíveis para venda;
ii. Reenviar para C questões sobre apartamentos, vivendas e outros imóveis da C, imediatamente após receber as respetivas questões.
iii. Fazer os melhores esforços para promover e aumentar as vendas de apartamentos, vivendas e outros imóveis da C, em todo o território, a todos os potenciais compradores. (…).
5. Deveres da C: Além de pagar comissões previstas na Cláusula 6. A C deve fazer o seguinte:
i. Fornecer à W materiais de marketing e propostas de Contratos de Compra e Venda, e informar os clientes sobre as características das Propriedades.
ii. Fornecer acesso fácil a todas as propriedades da C para fins de inspecção, e mostrar essas propeiedades aos Clientes, sem que isso alguma despesa para a W,
iii. Assegurar que os preços das Propriedades apresentadas aos Clientes não são superiores aos preços de mercado, nem superiores aos preços propostos aos outros clientes.
iv. Assistir os Clientes no processo de concessão de visto e viagem para a prospecção, fornecendo uma carta de convite, assumindo uma declaração de responsabilidade se tal for pedido pela W.
v. Assistir os Clientes nos seus processos de autorização de residência fornecendo documentos necessários relativos às Propriedades, tal como pedido pelas Autoridades de Portugal.
No fundo, por razões comerciais ligadas à vontade recíproca de alargamento dos mercados das respectivas empresas, estas estreitaram através do ajuizado contrato, os laçõs entre si, sem perderem a independência, mas coordenando actividades concertadas no domínio do investimento imobiliário para efeitos de Autorização de Residência para a actividade de Investimento (ARI).
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Do direito
Sendo assim as coisas de facto e quanto à qualificação do contrato, cumpre extrair as respectivas consequências.
Em primeiro lugar queda evidente que a ré provou a excepção de pagamento invocada pelo que nesta parte a sentença deve ser revogada.
Quanto ao demais peticionado é também patente que a ré, do valor correspondente a 15 % do valor da compra do R/C e 3.º dto. da Av. 5 de Outubro n.ºs 108 e 110, em Lisboa, devido a título de comissão só recebeu € 7.500,00, tendo pago a percentagem devida à autora.
Também resultou provado que “no âmbito do contrato que vigorava entre ambas, a autora prestou à ré serviços, apresentando clientes que vieram a adquirir frações em edifício cuja mediação imobiliária cabia à ré (cf. factos n.ºs 4, 5 e 7), não tendo aquela cumprido com a sua obrigação de pagar a totalidade do preço convencionado (cf. facto n.º 9).
Contudo, resultou também provado, que autora e ré haviam acordaram que o valor dos 10% apenas e só seria devido quando o cliente da ré procedesse ao seu pagamento, isto é, só seria devido 7 dias depois de a ré receber o valor devido pela sua comissão pela mediação imobiliária (facto n.º 8 e cláusula 6ª do acordo subscrito pelas partes)’’.
Prescreve o art.º 610.º, do Cód. Proc. Civil:
“1 - O facto de não ser exigível, no momento em que a ação foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
2 - Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observa-se o seguinte:
a) o réu é condenado a satisfazer a prestação ainda que a obrigação se vença no decurso da causa ou em data posterior à sentença, mas sem prejuízo do prazo neste último caso;
b) Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desse a citação.
3 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o autor é condenado custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu’’.
O primeiro grau, apoiando-se no disposto neste art.º 610º, nº 2, concluiu que “não havendo litígio relativamente à existência da obrigação, pois a ré não nega a obrigação do pagamento dos 10% da comissão acordada, apenas reclamou pela emissão das faturas pelo montante total da comissão acordada por não ter ainda recebido do seu cliente, a ré terá que ser condenada a satisfazer a restante prestação no prazo contratualmente acordado, porquanto tal prazo ainda não se verificou (só se verificando 07 dias depois de a ré receber o valor devido pela sua comissão pela mediação imobiliária), não estando, por isso, verificados os pressupostos da exigibilidade da obrigação’’.
A recorrente insurge-se contra este entendimento nos termos sobreditos.
Não nos parece que lhe assista razão.
Em primeiro lugar o facto de não se tratar de um contrato de prestação de serviços, não exime a ré enquanto parceira comercial de honrar o compromisso que assumiu, perante uma outra sociedade comercial independente e autónoma e de quem beneficiou ou poderá beneficiar do resultado dos esforços de promoção de investimento imobiliário intermediação que esta segunda sociedade desenvolveu no mercado chinês.
Por outro lado, porque a nosso ver o facto de se tratar de uma obrigação condicional não impede que se recorra à aplicação do citado artigo 610.º. E isto por uma razão de economia processual.
Cada vez mais o processo civil é perspectivado de um ponto de vista gerencial (art. 6.º). O case management está na moda e aparece como uma espécie de Santo Graal (cfr. Luís Miguel Mesquita, Princípio de Gestão Processual: O “Santo Graal’’ no novo Processo Civil’’, RLJ, 145, 2015: 78-108, que afirma, concluindo o estudo, que “o princípio da gestão pode ser visto como uma espécie de “Santo Graal’’ do moderno Processo Civil , ou seja, como um “cálice redentor’’ que, a ser usado por homens virtuosos e de bom-senso, respeitadores dos princípios básicos da Disciplina, acabará por dar uma “nova vida’’ e um novo sentido aos processos à realização do Direito Privado, contribuindo , decisivamente, para alcançarmos a “Terra Prometida’’ e sempre almejada: a célere, eficiente e justa composição dos litígios’’.
No fundo a gestão processual visa alcançar um processo mais rápido, menos dispendiosos e mais eficiente. Todos temos de fazer mais, em menos tempo, melhor e mais barato…
Pois bem desde 39 que o artigo 610.º (então 662.º) permite que o juiz condene o réu mesmo que no momento da sentença verifique que a obrigação cujo cumprimento se exige não é ainda exigível.
Alberto dos Reis explicava o regime consagrado precisamente como concretização do princípio da economia processual.: “Para que se há-de inutilizar o processo e obrigar o autor a repetir o pleito, se a questão pode ficar logo arrumada e decidida?’’ (Código de Processo Civil Anotado, Vol V., 1952:73)
Actualmente a questão não está ainda arrumada… na doutrina.
Por exemplo José Lebre de Freitas continua a defender que a lei não admite a condenação condicional sobretudo com o argumento retirado do artigo 621.º(A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2013: 323 e com Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, anotado, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017:721).
Outra é a opinião de Antunes Varela et al. , Manual do Processo Civil, 2.ª ed., 1986:683.
Também nos parece ser de seguir esta última posição: se, ao contrário do sustentado pelo autor “ o juiz entender que a obrigação pleiteada se encontra sujeita a determinada condição, ainda não verificada, poderá o juiz proferir uma sentença de condenação condicional , em termos paralelos aos previstos no artigo 662.º [hoje 610.º]’’.
Esta foi a opinião, entre outros, do Ac. STJ de 24.01.2013, Processo n.º 2424/073. TBVCD.P1S1, www.dgsi.pt, onde se lê: “A susceptibilidade de uma condenação “in futurum”está explicitamente acolhida no art.º 662.º, n.º 1e 2, al. b) do C.P.Civil- uma decisão que obriga o réu a satisfazer a sua prestação, mas só a partir do momento em que se saiba que a obrigação está vencida. Os tratadistas vêm propendendo para a susceptibilidade da subsistência da sentença de condenação condicional, ou seja, aquela em que “condicionado é o direito reconhecido na sentença” e negando as sentenças condicionais, isto é, aquelas em que “a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão” (Antunes Varela; obra citada; pág. 683, nota 1.). Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto. Os ideais da certeza, confiança e da segurança que o nosso sistema jurídico confirma e que, também, estão constitucionalmente garantidos (art.º 2.º da C.R.Portuguesa), nunca poderiam consentir que a sentença, destinada a pôr fim ao processo, se pudesse envolver numa dubiedade que, inevitavelmente, transcorreria da reflexão a tomar sobre o conceito de condição. O juiz há-de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exactidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade. Mas as considerações que acabámos de traçar acerca da denominada “sentença condicional” não se estendem, naturalmente, à sentença de condenação condicional, ou seja, à sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto. Não existindo norma a impedir a prolação de uma sentença com este conteúdo, poderemos nós aceitá-la como afloramento do princípio estatuído no art.º 662.º do C.P. Civil, mais precisamente que o nosso ordenamento jurídico admite a validade de uma sentença de condenação condicional. Vale isto por dizer que, não sendo tolerado que o julgador reconheça o direito ao autor, mas só o consigne desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima (uma sentença condicional), já é aceitável que o juiz sentenceie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na acção, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação’’.
Estamos totalmente de acordo com esta posição que em nada desfavorece a ré porquanto a sua representante foi muito assertiva em dizer que tinha ido reclamar o seu crédito no processo de insolvência da vendedora das fracções e que logo que recuperasse a comissão faria contas com a autora.
Nesta parte o recurso improcede.
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Da litigância de má fé
Pretende ainda a ré a condenação da autora por litigante de má fé, em virtude de ter vindo reclamar nestes autos quantia que sabe não ter direito para além de deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
Não concordamos com a recorrente.
O princípio da boa fé processual, que não é propriamente a concretização do princípio geral da boa fé nas relações jurídicas materiais, não nasceu no vazio, não foi algo que tenha aparecido desenraizado das correntes ideológicas que têm enformado o processo.
A boa fé processual teve a sua origem na ideia política de que o processo civil não é um litígio que confronta duas partes parciais, perante um terceiro judicante imparcial, e que “lutam’’ pelos seus direitos na medida das suas possibilidades e capacidade para demonstrar que têm razão, mas que é antes a procura de uma única solução legal, a baseada na chamada “verdade objectiva’’ ou “verdade verdadeira’’ a qual só se pode alcançar na medida em que as partes (e particularmente os seus advogados) colaboram entre si e, em particular, com o juiz.
Ampliando os «poderes de policiamento» do processo por parte do juiz, a reforma de 95/96 expandiu as hipótese de responsabilidade no caso de má fé que passa a abranger os casos de culpa grave e não apenas, como dantes, o dolo.
A reforma de 2013 não modificou o regime anterior
O artigo 542.º CPC sanciona três tipos de actuação substancial e um de conduta processual.
A actuação substancial sancionável pode consistir em:
i) deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542, n.º 2, alínea a));
ii) alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º, n.º 2, alínea b));
iii) omitir gravemente o dever de cooperação (artigo 542.º, n.º n.º 2, alínea c)).
No domínio da conduta processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de:
i) conseguir um objectivo ilegal;
ii) impedir a descoberta da verdade;
iii) protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542.º, n.º 2. alínea d)) – cfr. Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006:25.
Apesar de o artigo 542.º da citada reforma ter mantido sem alterações o artigo 456.º saído da revisão de 95/96 e de o quadro normativo em sede de litigância de má fé ter passado, como vimos, a ser mais exigente, a jurisprudência continuou a sustentar que nesta matéria se deve continuar a ser cauteloso, prudente e razoável, só se justificando uma condenação quando se demonstre de forma manifesta e inequívoca que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, como fim de impedir ou entorpecer a acção de justiça (cfr. por todos Ac. STJ de 2.6.2016, Processo 1116/11.3TBVVD.G2.S1, www.dgsi.pt).
No caso sujeito embora a ré tenha conseguido provar que pagou os € 4.000 não houve manifestamente actuação culposa da autora que aliás logrou obter condenação da recorrente no primeiro grau, numa matéria que estava longe de ser líquida. Já no que se refere ao segundo capítulo da sentença confirma-se que a autora tem direito a haver para si 10 % da comissão, se e quando a recorrente lograr obter o pagamento da comissão integral por parte da vendedora das ajuizadas fracções. Inexiste razão para condenar a autora por litigância de má fé.
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Pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a ré pagar à autora a quantia de € 4.000 acrescida de juros - todo o capítulo a) da sentença - que se substitui por outra que a absolve desse pedido, no mais se confirmando a decisão impugnada - todo o capítulo b) e absolvição da autora do pedido de condenação por litigância de má fé.
Custas por recorrente e recorrida na proporção de 2/3 para a recorrente e 1/3 para a recorrida.
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2.5.2019
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura