APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
CONTAGEM DE PRAZO
PLURALIDADE DE RÉUS
Sumário

– O indeferimento do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, pode ser impugnado judicialmente.

– Interrompido o prazo judicial em curso, aquando da formulação do pedido de nomeação de patrono, o decurso do mesmo só se inicia após decisão (final) sobre a impugnação judicial efectuada.

– A defesa, em caso de vários réus, pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


A [ Município de Lisboa ] demandou B,  C,  D  [ ….. Imóveis, Lda.] , e E  [ …..– Sociedade Imobiliária, Lda ].

Em 31/10/17, a sociedade ré D formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e de patrono – fls. 59 a 63 dos autos principais.

Em 2/11/17, a sociedade ré informa que solicitou protecção jurídica – nomeação de patrono (contestar a acção) e dispensa do pagamento de taxa de justiça – fls. 59 e sgs. do processo principal.
Em 29/11/18, a Segurança Social informa que o pedido foi indeferido por decisão datada de 19/1/18.

Em 25/1/18, na sequência de despacho no sentido de saber se a requerente sociedade tinha sido notificada da decisão, em 19/1/18, a Segurança Social informou que a decisão foi comunicada à requerente na mesma data em que seguiu para o tribunal – 25/1/18 – fls. 68/69 e 71 a 76 dos autos principais.

Em 20/3/18, foi proferido despacho saneador, ordenado o cumprimento do art. 567/2 CPC face à não contestação dos réus – fls. 28 (70 dos autos principais) e 70  .

Em 23/4/18, a Segurança Social informa o tribunal que a sociedade requerente impugnou a decisão – fls. 20.

Em 29/5/2018 foi proferido despacho do seguinte teor: “Considerando a informação fornecida pela Segurança Social em 23 de Abril de 2018 mantém-se a interrupção do prazo para apresentação da contestação até decisão sobre a requerida nomeação de patrono.

Por via do que ora se deixa dito, fica sem efeito o despacho de fls. 70 e todos os actos praticados na sequência do mesmo.
Com a presente decisão fica prejudicado o conhecimento da arguida nulidade”.

Em 19/2/19, a Segurança Social informa o Tribunal de que o pedido de protecção jurídica foi deferido, por despacho de 8/2/19 – fls. 144 e 147 dos autos.

Inconformado o Município de Lisboa apelou formulando as seguintes conclusões:
a)- O despacho proferido em 29/05/2018, na parte em que aí se decidiu que, “Considerando a informação fornecida pela Segurança Social, em 23 de Abril de 2018, mantém-se a interrupção do prazo para apresentação da contestação até decisão sobre a requerida nomeação de patrono”, enferma de nulidade e de erro de julgamento.
b)- De nulidade, porquanto tal decisão se mostra totalmente destituída de fundamentação de direito, impossibilitando ao Recorrido o conhecimento dos concretos fundamentos de direito que a justificaram e, em consequência, a sua sindicação e impugnação.
c)- Omissão que, em face do disposto nos artigos 615/1 b) e 613/3 CPC, deve determinar a sua revogação.
d)- De erro de julgamento, porquanto, ao ter-se decidido manter a interrupção do prazo para apresentação da contestação, até que seja proferida decisão sobre o pedido de protecção jurídica formulado pela ré D, foi feita errada interpretação e aplicação da disciplina resultante dos artigos 24/5 b), 26/4, 27 e 28 da Lei 34/2004, de 29/07.
e)- De acordo com o disposto na alínea b) do art. 24/5 da cit. Lei prazo interrompido em razão da formulação de pedido de apoio judiciário, apresentado na pendência de acção judicial, inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
f)- Ora, a ré D foi notificada da decisão de indeferimento do seu pedido de apoio judiciário em 25/01/2018.
g)- Sabendo-se que a impugnação da decisão final tomada sobre o pedido de apoio judiciário, prevista e regulada nos artigos 26 a 28 da Lei 34/2004, tem efeito meramente devolutivo, o prazo para esta deduzir contestação nos presentes autos há muito que se encontra precludido.
h)- Não obstante a ré E não haja sido notificada pelo Tribunal a quo do indeferimento do referido pedido de protecção jurídica, conforme previsto no art. 26/4 do referido diploma legal, esta já era conhecedora de tal decisão desde 12/04/2018.
i)- Por conseguinte, atento o disposto no nº 4 do art. 26 da Lei n.º 34/2004, esta deve ter-se como notificada pelo Tribunal, daquela decisão de indeferimento, com a notificação do despacho de 29/05/2018 sob recurso.
j)- Ora, tendo a ré E sido notificada de tal decisão mediante notificação electrónica de 30/05/2018, e não tendo a impugnação de tal decisão, pela ré D efeito suspensivo do prazo para contestar, o prazo para a primeira deduzir contestação nos presentes autos não só não poderá permanecer interrompido, até que seja conhecida a impugnação do indeferimento do pedido de protecção jurídica formulado pela segunda e proferida decisão final sobre tal pedido, como teve início em 04/06/2018, no terceiro dia útil subsequente à data de elaboração da notificação do despacho sob recurso (cfr. art. 248 CPC).
k)- Por conseguinte, ao decidir, como decidiu, manter a interrupção do prazo para apresentação da contestação, até decisão sobre a requerida nomeação de patrono, a Mm.ª Juiz a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto nos referidos artigos 24/5 alínea b), 26/4, 27 e 28 da   Lei 34/2004.
l)- Assim, deverá o recurso proceder declarando-se a nulidade do despacho proferido nos autos em 29/5/2018 e determinando-se a baixa do processo ao Tribunal de 1ª instância, para que aí seja proferida nova decisão devidamente fundamentada; ou, caso assim não se entenda,
m)- seja julgado procedente, por verificado, o invocado erro de julgamento, revogando-se o despacho recorrido, na parte em que se ali se decidiu manter a interrupção do prazo para apresentação da contestação, até que seja proferida decisão sobre o pedido de protecção jurídica formulado pela referida ré D substituindo-se tal decisão, por outra, em que se declare (a) precludido o prazo para a ré D contestar em 25/01/2018 e (b) iniciado o prazo para a ré E deduzir contestação, em 29/05/2018.

Foram apresentadas contra-alegações pela ré E pugnando pela confirmação da decisão.

Foi proferido despacho no sentido da inexistência da nulidade – fls. 29.

Os factos com interesse para a decisão constam do relatório.

Dispensados os vistos, importa decidir.

Atentas as conclusões da apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se há lugar:
a)- Nulidade do despacho, de 29/5/18, por falta de fundamentação
b)- Erro de julgamento

Vejamos:

a)- Nulidade do despacho
Defende o apelante a nulidade do despacho datado de 29/5/18 por falta de fundamentação, ex vi art. 615/1 b) CPC.
É nula a sentença/despacho quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -          arts. 615/1 b) e 613/3 CPC.
Esta nulidade tem lugar quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.
Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.
A razão substancial reside no facto de que a sentença/despacho deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto.
No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, uma vez que o juiz não tem o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei.
As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.
Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. O valor doutrinal da sentença, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos.
Acresce, ainda, que existe uma distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V – 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981.
No caso em apreço, constata-se que o despacho impugnado, foi proferido na sequência de despachos anteriores que se pronunciaram sobre a questão da interrupção do prazo para a apresentação da contestação, face ao pedido de protecção jurídica formulado pela ré Retoque e, apesar de ter chamado à colação a informação da Segurança Social, de 23/4/18 – impugnação judicial da decisão protecção jurídica -, não mencionou as normas jurídicas aplicáveis nas quais alicerçou a sua decisão.

Não obstante, não estamos perante uma falta absoluta de fundamentação, mas sim face a uma insuficiente fundamentação sendo que, tal como exarado supra, a deficiente fundamentação não acarreta a nulidade.

Destarte, inexiste a nulidade arguida, soçobrando a pretensão.

b)- Erro de julgamento

Defende o apelante que o despacho ao ter decidido manter a interrupção do prazo para a apresentação da contestação, até decisão proferida no pedido de protecção jurídica, incorreu em erro de julgamento porquanto, o prazo para contestar relativamente às rés precludiu há muito, tendo em atenção que a ré Retoque foi notificada do indeferimento de não concessão de protecção jurídica, em 25/1/18 e no respeitante à ré E, o prazo para contestar não pode manter-se interrompido até decisão sobre o pedido de protecção jurídica formulado pela ré Retoque, uma vez que esta teve conhecimento do indeferimento desde 12/4/18 sendo que, em conformidade com o preceituado no art. 26/4 da Lei 34/2004 de 29/7 (apoio judiciário), deve ter-se por notificada da decisão do indeferimento, com a notificação do despacho de 29/5/18, cuja notificação electrónica teve lugar, em 30/5/18.

O pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, quando apresentado na pendência de acção judicial, interrompe o decurso do prazo judicial, desde que seja junto aos autos documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo – art. 24/4 da Lei 34/04 de 29/7.

O prazo judicial interrompido, inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão do indeferimento do pedido de nomeação de patrono – nº 5 b) art. cit.

Em caso de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pode o requerente impugnar judicialmente tal decisão, ex vi art. 27 da cit. Lei.

Esta impugnação é efectuada no prazo de 15 dias, após a notificação do indeferimento e os serviços da Segurança Social…dispõem de 10 dias para revogar a decisão ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente – art. 27/3.

O tribunal competente é aquele onde a acção judicial esteja pendente, caso o pedido tenha sido formulado na sua pendência ou no tribunal onde está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido – art. 28 cit. Lei.

Atento o preceituado no art. 27, relativamente à impugnação judicial – prazos aí mencionados - e a interrupção do prazo judicial em curso, aquando da formulação do pedido de apoio judiciário   (art. 24/4), é legítimo perguntar, atento o preceituado no art. 24/5 b) Lei 34/04 de 29/7, a partir de que notificação “da decisão” de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, se inicia o decurso do prazo judicial:
a)- se o prazo se inicia a partir da notificação do  indeferimento do pedido de apoio judiciário de nomeação de patrono - art. 26/4 Lei cit.
b)- ou, só se inicia a partir da notificação do indeferimento do pedido de nomeação de patrono, após decisão sobre a impugnação judicial efectuada - art. 27/3?
A lei é omissa, sendo certo que o diploma se refere às vezes a “decisão” e outras vezes a “decisão final” – cfr. a título de exemplo o preceituado nos arts. 26/4 e 29 da Lei cit.

O interesse juridicamente protegido, pedido de nomeação de patrono, justifica-se pela necessidade de salvaguardar o efectivo direito de defesa de quem é demandado, através da nomeação de um técnico do direito (art. 3-A CPC), sendo este um direito garantido constitucionalmente (acesso aos tribunais aos que careçam de meios económicos, por via do direito à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário – art. 20/2 CRP).

Cabendo impugnação da decisão de indeferimento, tal como a lei prevê, só com a prolação da decisão sobre a impugnação, é que se pode falar de decisão (final) do pedido de indeferimento.

Considerando que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo o intérprete ter em conta a unidade do sistema jurídico, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, bem como da analogia – arts. 9 e 10 CC - entendemos que o prazo judicial  interrompido, na sequência de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (art. 24/4), só se inicia após decisão sobre a impugnação judicial efectuada (art. 27/3) – art. 24/5 b) Lei 34/04 de 29/7.

Enquanto estiver pendente a impugnação judicial, o prazo judicial em curso mantém-se interrompido até notificação da decisão da mesma (decisão final), para efeitos do art. do art. 24/5 b) Lei 34/04.

No caso de impugnação judicial da decisão de indeferimento, a lei é omissa quanto à notificação desta ao tribunal, quer por parte dos serviços da segurança social, entidade administrativa, quer por parte do requerente. 

Certo é, que se nada for comunicado ao tribunal, este é alheio, desconhece e ignora a existência da impugnação judicial, mas não é menos certo que a parte, não pode ficar prejudicada pelo facto de não ter efectuado tal comunicação ao tribunal.

In casu, a ré D informa, em 2/11/17, que requereu protecção jurídica, mormente, nomeação de patrono.

Por seu turno, a entidade administrativa notificou o tribunal e a requerente ré D, em 25/1/18, do indeferimento do pedido, em 19/1/18.

Por desconhecimento do tribunal que havia sido impugnado judicialmente o indeferimento do pedido de apoio judiciário, foi prolatado despacho saneador, em 20/3/18 sendo que, na sequência da informação da Segurança Social (23/4/18) de que a sua decisão tinha sido impugnada, foi proferido o despacho impugnado (29/5/18).

Assim sendo, iniciando-se o decurso do prazo judicial com a notificação da decisão final sobre o pedido de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (considerando-se a decisão final, em caso de impugnação judicial, a decisão que incida sobre essa impugnação), apesar de ter sido proferida decisão judicial (despacho saneador) quando ainda não tinha sido proferida decisão sobre a impugnação do indeferimento sobre o requerimento de protecção jurídica, aquela decisão (despacho saneador) não produz quaisquer efeitos uma vez que o prazo está interrompido até decisão final sobre o pedido de protecção jurídica.

Ora, tendo a ré D sido citada e não tendo ainda sido proferida decisão final sobre a impugnação judicial do despacho de indeferimento, mormente, nomeação de patrono, não pode exercer o seu direito de defesa, podendo esta irregularidade influir no exame ou na decisão da causa – art. 201 CPC.

Assim sendo, o despacho impugnado, datado de 29/5/18, ao manter a interrupção do prazo para a apresentação da contestação da ré D até decisão final sobre a nomeação de patrono, dando sem efeito o despacho saneador, não incorreu em erro de julgamento.

Atento o extractado supra e o pedido de protecção jurídica formulado pela ré D, o prazo para a ré E contestar, também não precludiu, ex vi art. 569/2 CPC – quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”, beneficiando do prazo concedido àquela, prazo esse que ainda não se iniciou.

Destarte, soçobra a pretensão do apelante.

Concluindo:
– O indeferimento do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, pode ser impugnado judicialmente.
– Interrompido o prazo judicial em curso, aquando da formulação do pedido de nomeação de patrono, o decurso do mesmo só se inicia após decisão (final) sobre a impugnação judicial efectuada.
– A defesa, em caso de vários réus, pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se o despacho.
Custas pelo apelante.



Lisboa, 2/5/2019



(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)