ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
RESIDÊNCIA
DOMICÍLIO FISCAL
RESIDÊNCIA HABITUAL
Sumário

I. Em regra a indicação da morada em documentos oficiais assenta na simples declaração do respetivo requerente, não pressupondo qualquer confirmação efetiva por parte da autoridade emitente.
II. Assim, salvo disposição especial em contrário, a prova que de tais documentos se pretenda colher, quanto à residência da pessoa neles identificada, não será mais do que prova bastante, base de presunção suscetível de ser afastada por mera contraprova e, de todo o modo, definitivamente arredável por prova em contrário, não sujeita a modalidade especial.
III. O domicílio fiscal da pessoa singular é, em princípio, o local da sua residência habitual. Por conseguinte, para a administração fiscal, os direitos e os deveres do contribuinte definem-se, no âmbito das relações jurídico-tributárias de acordo com o local da sua residência habitual, a qual deverá ser comunicada à administração tributária, de forma a haver coincidência entre o domicílio fiscal constante nos registos da administração tributária e a residência habitual do sujeito passivo.
IV. Porém, mesmo tendo em vista a definição dos direitos e deveres tributários o contribuinte poderá provar que a sua residência não é a que corresponde ao domicílio fiscal declarado – sem prejuízo da sanção contraordenacional eventualmente aplicável à não efetuação atempada da comunicação de alteração da residência – prevalecendo-se da efetiva localização da sua residência.
V. Ora, se assim é em relação às questões jurídicas de natureza tributária, por identidade ou maioria de razão o será relativamente a questões de natureza diversa, como as atinentes à atualização de rendas em contrato de arrendamento para habitação, de que este processo cuida.
VI. A circunstância de até 30 de outubro de 2013 o domicílio fiscal e todos os demais domicílios constantes dos documentos oficiais do 3.º Réu corresponderem ao domicílio dos pais, os 1.º e 2.º Réus, não obstava a que, inclusivamente com base em prova testemunhal, se desse como provado, na sequência do nesse sentido alegado pelos RR., que desde 2012 o 3.º R. residia em outro local, que não com os seus pais.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 15.4.2014 Maria Ângela intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Eduardo, Maria Isabel e Rui.
A A. alegou, em síntese, ser comproprietária e cabeça de casal da herança, também comproprietária, de um edifício, sito em Lisboa, cujo 1.º andar esquerdo fora dado de arrendamento ao 1.º R. em 17.10.1974, pelo prazo inicial de seis meses, renovável. Por carta datada de 27.3.2013 a ora A. comunicou ao 1.º R. a atualização da renda, de 44,10 € para 330,00 €, de acordo com o art.º 30.º do Dec-Lei n.º 31/2012, de 14.8, a iniciar em 01.5.2013, tendo em consideração o valor patrimonial atualizado do imóvel arrendado ao ora 1.º R. ser de 61.180,00 €. O 1.º R. respondeu à carta da ora A. por carta datada de 25.4.2013, em que comunicou a sua não aceitação da transição para o novo regime de arrendamento urbano, nem o valor proposto para a atualização da renda, invocando baixos rendimentos, juntando declaração das Finanças com a informação de ter sido requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar. Por carta data de 14.10.2013, o ora 1.º R. enviou à ora A. a certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 10.10.2013, da qual consta que o agregado familiar do arrendatário seria apenas composto pelo próprio (ora 1.º R.) e pelo cônjuge, ora 2.ª R., e que o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar seria de € 4.245,22. A A. respondeu ao 1.º R. comunicando-lhe que não podia levar em consideração a certidão por este enviada, uma vez que nela não se levava em consideração que com o 1.º R. vivia em comunhão de habitação, havia muitos anos, o filho deste, pelo que a renda devida a partir de 1 de dezembro de 2013 seria de € 344,98 e o R. era, ainda, devedor das diferenças mensais relativas às rendas vencidas do dia 1 de julho de 2013 a 01 de novembro de 2013, no valor de € 1 805,28. O 1.º R. não aceitou o aumento da renda, recusando pagar os € 344,98 e comunicou à A. que procedera à consignação em depósito, na CGD, da quantia de € 44,10. Contrariamente ao afirmado pelo 1.º R., o 3.º R. residia no andar arrendado, tendo diligenciado pela alteração da morada constante no seu cartão de cidadão só após ter tido conhecimento da carta da senhoria, de 17.10.2013, para aparentar perante a senhoria que a sua residência seria noutro local, que não no locado. Ora, até 02.11.2013 todos os documentos do ora 3.º R. continham, como morada, o locado. O 3.º R. continua a viver com os pais e, levando-se em consideração, como se deve, os seus rendimentos, o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar do inquilino é superior a cinco salários mínimos, pelo que o 1.º R. está obrigado a pagar a renda comunicada pela A..
A A. terminou formulando o seguinte petitório:
Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exa. que seja julgada procedente, por provada a presente ação e em consequência:
1.º) reconhecido que o filho do arrendatário, ora 3.º Réu, pelo menos em 2012 e 2013, fez parte do agregado familiar do inquilino, residiu com os 1.º e 2.ª Ré, e que a certidão emitida pela Administração Tributária, em 10/10/2013, está omissa quanto aos rendimentos do ora 3.º Réu obtidos em 2012,  por responsabilidade imputável ao 1.º Réu, que não identificou todos os membros do seu agregado familiar, omitindo o 3.º Réu, e consequentemente, não comprovou a alegação da circunstância prevista na al. a) do n.º 4, do art. 31.º do Decreto-Lei n.º 31/2012;
2.º) ser reconhecido e declarado que o valor atualizado da renda do 1.º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Azinhaga (…) em Lisboa é de 339,89 €, desde 01/12/2013;
3.º) ser o 1.º Réu condenado a pagar à Autora, o valor mensal da renda de 339,89 €, desde 01/12/2013, o que perfaz o montante vencido até 31/03/2014, de 1.699,45 €, ao qual deverão ser descontados dos montantes que se comprovem depositados na Caixa Geral de Depósitos, S.A. pelo ora 1.º Ré a título de consignação de depósito;
4.º) autorizada a Autora a proceder ao levantamento, sem custos, das quantias consignadas em depósito na Caixa Geral de Depósitos, S.A. na conta n.º 0035 2166023309750, por conta dos alugueres devidos pelo 1.º Réu;
5.º) Os Réus condenados solidariamente a indemnizar a Autora, por responsabilidade civil ou enriquecimento sem causa, em montante correspondente à diferença entre o valor 330,00 € proposto para a renda na carta de 27/03/2013, e o valor de 44,10 € pago, desde 01/06/2013 a 30/11/2013, ou seja, 285,90 € (330,00 € - 44,10 € = 285,90 €) por cada mês decorrido, o que perfaz o total vencido de 1.715,4 €;
6.º) O 1.º Réu condenado a pagar à Autora indemnização, prevista no art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil, no montante mensal de 16995 €, por cada mês que decorrer desde 01/12/2013, até à data do pagamento da renda atualizada de 339,89 €, sendo o montante vencido até 31/03/2014, de 679,80 € (4 x 169,95 € = 679,80 €);
7.º) Os Réus condenados solidariamente, no pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor de 4%, sobre a quantia peticionada em 5.º, desde a data da sentença até integral pagamento;
8.º) Ser declarado inconstitucional, por violação do princípio da igualdade qualquer interpretação e/ou a letra do art. artigo 2.º, n.º 2, al. c) do Decreto-Lei n.º 158/2006, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012, no sentido de excluir os filhos maiores, dependentes de habitação, com rendimentos superiores à retribuição mínima mensal garantida, do agregado familiar do arrendatário, na medida em que estaria a beneficiar os arrendatários cujos rendimentos familiares seriam mais elevados por os filhos terem mais rendimentos, mas insuficientes para deixarem de ser dependentes de habitação, se esses filhos dependentes de habitação, fossem excluídos do agregado familiar para efeitos do RABC;
9.º) Os Réus condenados nas custas judiciais.”
Os RR. contestaram, arguindo a ilegitimidade da A. para, desacompanhada dos outros titulares do prédio, proceder à transição do contrato para o regime do NRAU e intentar a presente ação, bem assim arguindo algumas irregularidades nas comunicações efetuadas pela A.. Mais afirmaram que em 2012 o 3.º R., por se ter incompatibilizado com o pai, havia ido residir com o seu padrinho, situação essa que se mantém apesar de entretanto pai e filho se terem reconciliado. A alteração do cartão de cidadão e demais documentação do 3.º R. ocorreu na sequência da caducidade do respetivo cartão de cidadão, que se verificou em 30.10.2013. A certidão emitida pela Autoridade Tributária corresponde à realidade, pois o 3.º R. não contribui para o sustento dos pais ou para a sua economia doméstica.
Os RR. concluíram pela procedência da exceção de ilegitimidade, com a sua consequente absolvição da instância ou, se assim não se entendesse, pela improcedência da ação, por não provada, com as legais consequências.
Teve lugar audiência prévia, em que a A. foi convidada a apresentar petição inicial aperfeiçoada, o que fez, tendo os RR. apresentado contestação.
Os RR. requereram a intervenção principal provocada de Prazeres de Jesus, José Antunes e José Fernandes, que foi admitida.
Os RR. juntaram aos autos carta de 18.4.2016, a fls. 344 a 367, subscrita pela Herança Indivisa de José (…) e Herança Indivisa de José (…), com proposta de atualização da renda e transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, que em seu entender fazia ocorrer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Os AA. opuseram-se à alegada inutilidade superveniente da lide.
Por despacho datado de 15.6.2016 foi indeferida a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Foi proferido despacho saneador, que julgou as partes legítimas, despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizou-se audiência final e em 03.4.2018 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e em consequência absolveu os RR. do pedido.
A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.ª) Quanto à matéria de facto, o facto constante do ponto 24.º dado como provado, deverá ser julgado como não provado, pois está em oposição com o facto provado em 20.º, e contraria a prova documental – Declaração fiscal relativa ao IRS referente ao ano de 2012, constante de fls. 445 e 448, e nota de liquidação enviada pela AT para a morada da residência do 3.º Réu – que faz prova plena quanto ao domicílio fiscal/residência habitual do Réu Rui (…) era no andar arrendado, não tendo sido arguida a falsidade de tal declaração;
2.ª) Deverá ser dado como provado que “Em 2012 o Réu Rui (…) vivia com os Réus Eduardo (…) e Maria Isabel (…), seus pais, no andar arrendado”, pois era aí que tomava as refeições, dormia e a mãe tratava e cuidava da sua roupa;
3.ª) As declarações fiscais, incluindo as certidões e notas de liquidação, das quais conste o domicílio fiscal do Réu Rui (…), nomeadamente até à liquidação do IRS referente ao ano de 2012, fazem prova plena da sua residência habitual, não sendo ilidida a autenticidade e valor probatório de tais documentos, por mera prova testemunhal, tanto mais que a lei fixa o prazo de 60 dias para comunicar à Autoridade Tributária a mudança de residência habitual, para atualização do domicílio fiscal;
4.ª) O domicílio fiscal corresponde à residência habitual, conforme artigo 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária;
5.ª) Há omissão de pronúncia na sentença recorrida, geradora de nulidade, quando o Tribunal recorrido não decide parte do objeto do litígio, concretamente, sobre qual o valor devido a título de renda e desde quando, nos termos do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto;
6.ª) Para o Tribunal apreciar a parte do objeto do litígio sobre “qual o valor devido a título de renda e desde quando”, na sequência da comunicação da Autora, de 27/03/2013, terá que julgar se tal comunicação foi ou não eficaz na produção dos efeitos jurídicos, e sendo alterada a matéria de facto provada, uma vez que o 3.º Réu residia em 2012 no andar arrendado, o acórdão que julgue o litígio, deverá alterar a sentença, condenando os Réus/Recorridos no pagamento das rendas devidas e desde a data que indicar, considerando para o cálculo do valor da renda a soma dos rendimentos de todos os Réus.
A apelante terminou pedindo que o recurso fosse julgado procedente, e, consequentemente, alterada a matéria de facto provada e decidido concretamente qual o valor de renda a pagar e desde quando, condenando-se os RR. nos pedidos.
Os RR. contra-alegaram, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1º. Quanto à matéria de facto reportada ao ponto 24º dos factos provados, como já se disse, a Apelante não indicou quanto às testemunhas que acusa de instruídas pelos Réus (!?!) com precisão as passagens da gravação onde funda o seu recurso, nem tão pouco transcreve os excertos de outras testemunhas que eventualmente invertessem o sentido do depoimento das aludidas testemunhas;
2º. Em parte alguma destes autos se provou que era no arrendado que o Réu Rui (…) em 2012 tomava as suas refeições, dormia, e a mãe tratava e cuidava da sua roupa;
3º. A certidão emitida pela A.T.A. não referia o Réu Rui (…) como fazendo parte do agregado familiar do arrendatário, sendo certo, contudo, que foi ilidida a presunção constante do domicílio fiscal do mesmo pelo depoimento das testemunhas ouvidas;
4º. A presunção do domicílio fiscal como residência habitual pode ser ilidida como o foi.
5º. Não ocorre qualquer omissão de pronúncia quanto ao valor da renda na medida em que tal cálculo é realizado pela senhoria, ora Apelante através da aplicação da lei vigente ao tempo do pedido, com a colaboração da Autoridade Tributária como sucedeu no caso dos autos;
6º. Só por insistência da A. e ora Apelada em que o Réu Rui fazia parte do agregado familiar do Réu arrendatário é que a renda não ficou logo fixada!
7º. Não incumbe, pois, ao Tribunal fixar quer o valor desta renda, quer a data em que esta passa a vigorar, sendo essa tarefa entregue ao técnico de direito que aconselha a A., ora Apelante.
8º. Aliás, isso mesmo consta da sentença recorrida quando a M.ª Juiz “a quo” refere na pág. 18 da sentença recorrida que “ Não se mostra afastada a aplicação do disposto no artigo 35.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redacção da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, pelo que não se pode considerar que a renda foi actualizada para o valor pretendido pela Autora e que haja lugar a qualquer indemnização, por mora ou por outro fundamento, a pagar pelos Réus”.
9º. Verifica-se, assim, que a renda será fixada nos termos atrás descritos.
10º. Finalmente, não pode este Venerando Tribunal apreciar a carta datada de 18/4/16 que a Recorrente fez transcrever nas suas alegações, já que este Tribunal de recurso só aprecia questões já decididas na sentença recorrida e o certo é que esta questão não consta de tal sentença pelo que constitui facto novo não passível de apreciação nesta sede.
Os apelados terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse integralmente confirmada.
O tribunal a quo pronunciou-se pela inexistência da nulidade imputada pela apelante à sentença.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões que se suscitam nesta apelação são as seguintes: nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; rendas devidas pelos RR. e desde que data.
Primeira questão (nulidade da sentença)
A apelante alega que a sentença recorrida enferma de nulidade, na medida em que não decidiu parte do objeto do litígio. Concretamente, afirma a apelante, o tribunal a quo não decidiu sobre qual o valor devido pelos RR. a título de renda e desde quando, nos termos do Dec.-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto.
Vejamos.
Nos termos do n.º 2 do art.º 608.º do CPC “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Por sua vez a alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC sanciona com a nulidade a sentença em que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Entende a apelante que o tribunal não se pronunciou sobre parte do objeto do litígio.
No despacho de identificação do objeto do litígio, proferido pelo tribunal a quo nos termos do art.º 596.º n.º 1 do CPC, exarou-se o seguinte:
Cabe aferir se no ano de 2012 o Réu Rui (…) vivia há mais de um ano com os Réus Eduardo (…) e Maria Isabel (…) na fracção arrendada, a relevância dessa circunstância para determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8 de Agosto, no que concerne à transição para o regime do Novo Arrendamento Urbano e actualização da renda, conforme disposto nos artigos 30.º e seguintes do Novo Regime do Arrendamento Urbano, qual o valor devido a título de renda e desde quando.”
Nestes autos está em causa um contrato de arrendamento para habitação que foi celebrado em 1974. Trata-se, pois, de contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10, e, por conseguinte, anterior à entrada em vigor do novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02.
O NRAU aplica-se às relações contratuais subsistentes à data da sua entrada em vigor (cfr. art.º 59.º n.º 1 do NRAU).
Na senda da política de atualização das chamadas “rendas antigas”, ou seja, rendas relativas a contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10 (RAU) e contratos não habitacionais celebrados antes da vigência do Dec.-Lei n.º 257/95, de 30.9, o NRAU, com a redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, instituiu o sistema de transição para o NRAU e de atualização de rendas previsto, quanto aos arrendamentos para habitação, nos artigos 30.º a 37.º, assente na interpelação do arrendatário por parte do senhorio e resposta daquele com determinados efeitos e cominações, em que o rendimento do agregado familiar do arrendatário e a sua idade poderão ter efeito relevante.
Conforme resulta do Relatório deste acórdão, a apelante pediu ao tribunal a quo, em primeiro lugar, que este reconhecesse que o 3.º R., pelo menos em 2012 e em 2013, fazia parte do agregado familiar do 1.º R., não sendo assim verdadeiro o teor da certidão emitida pela Administração Tributária que não considerara o 3.º R. e o respetivo rendimento na determinação do rendimento anual bruto corrigido (RABC) do inquilino, para o efeito de determinação da isenção da atualização da renda ao abrigo do regime introduzido no NRAU pela Lei n.º 31/2012. A procedência desse pedido constituía pressuposto do sucesso do segundo pedido formulado na petição inicial, o qual consistia na declaração de que “o valor atualizado da renda do 1.º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Azinhaga (…) em Lisboa é de 339,89 €, desde 01/12/2013”. Da procedência do primeiro pedido dependia também a viabilidade das quantias reclamadas nos restantes pedidos (vide pedidos 3.º, 5.º, 6.º e 7.º).
A pretensão da A., à luz dos pedidos formulados, visava a fixação de um determinado valor para a renda, com base num determinado pressuposto, que era o de que o 1.º R. não gozava das condições de proteção previstas no art.º 35.º do NRAU. Não se vislumbra, no petitório, a pretensão ou aceitação de fixação de uma renda com base em pressuposto diverso.
Ora, o tribunal a quo, ao analisar a questão primacial do litígio, que era a pretensa coabitação do 3.º R. com o inquilino, para o efeito de se considerar o respetivo rendimento no cálculo do RABC, decidiu-a negativamente. Daí decorria o insucesso da ação, sendo certo que a fixação de renda no pressuposto de que o R. gozava da condição de proteção prevista no art.º 35.º do NRAU consubstanciaria uma evidente condenação em algo diverso do que fora pedido, acarretando a nulidade da sentença (artigos 609.º n.º 1 e 615.º n.º 1 al. e) do CPC). Note-se que os RR., embora se opusessem à atualização da renda peticionada pela A., não indicaram em concreto qual o valor que consideravam devido, nem deduziram pedido reconvencional de fixação da renda nesse valor.
A identificação do objeto do litígio, a que o tribunal procedeu nos termos do art.º 596.º n.º 1 do CPC, não extravasou, nem o poderia fazer, os limites da pretensão formulada pela A., assim caracterizada.
Por outro lado, a nova comunicação de atualização de renda (datada de 18.4.2016) transcrita pela apelante no corpo das suas alegações apenas foi trazida ao processo pelos RR., como fundamento de declaração de inutilidade superveniente da lide – que veio a ser indeferida. A A. não extraiu dessa comunicação qualquer alteração do pedido (artigos 264.º e 265.º do CPC).
Pelo exposto, considera-se que a sentença não enferma da nulidade que lhe é assacada.
Segunda questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. Em 17/10/1974, José (…), no estado de casado com a Autora, celebrou com o 1.º Réu, no estado de solteiro, contrato de arrendamento do 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Azinhaga (…) em Lisboa, mediante o pagamento de renda no valor de três mil escudos, conforme documento de fls. 28 e 29 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. José (…) faleceu em 8 de Setembro de 2007, no estado de casado com a Autora, tendo deixado como herdeiros a Autora e o filho José (…), conforme documentos de fls. 262 a 264 e 273 a 275. 3. O prédio urbano sito na (…) Azinhaga (…), em Lisboa, inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…)/20091105, encontra-se registado em nome de José Fernandes (…) e a ora Autora Maria Ângela (…) (quota de 1/2), José Simão e Prazeres de Jesus (…) (documento de fls. 265/266 – Informação predial).
4. José Simão faleceu em 22 de Outubro de 2012, no estado de casado com Prazeres de Jesus (…), tendo deixado como herdeiros Prazeres de Jesus (…) e José Antunes (…), conforme documentos de fls. 283 a 289.
5. A Autora enviou ao 1.º Réu carta registada com aviso de recepção, datada de 27/03/2013, recebida em 28/03/2013, em que comunicou a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano e a actualização da renda, de 44,10 € para 330,00 €, de acordo com o artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, a iniciar em 01 de Maio de 2013, tendo em consideração o valor patrimonial actualizado do imóvel arrendado ao ora 1.º Réu ser de 61.180,00 €, conforme documento de fls. 38 a 40, cujo teor se dá por reproduzido.
6. O 1.º Réu enviou à Autora carta datada de 25/04/2013, em que informa que a carta que recebeu carecia de fotocópia da caderneta predial, pelo que o prazo de resposta não podia começar a contar sem esse envio. Sem prescindir, informa a não aceitação da transição para o novo regime nem o valor proposto, devido aos baixos rendimentos. Juntou Declaração das
Finanças com a informação de ter sido requerida a emissão de documento comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar, conforme documento de fls. 41 e 42, cujo teor se dá por reproduzido.
7. A Autora enviou ao 1.º Réu carta datada de 30/04/2013, expedida em 06/05/2013 e recebida em 8/05/2013, em que envia cópia da Caderneta Predial e informa que ficava a aguardar pela “Declaração Definitiva das Finanças”, conforme documento de fls. 43 a 51, cujo teor se dá por reproduzido.
8. A Autora enviou ao 1.º Réu carta datada de 24 de Junho de 2013, recebida em 25 de Junho de 2013, em que informa que continua a aguardar o envio de Declaração Definitiva das Finanças e a solicitar o envio de cópia do Bilhete de Identidade ou de cartão de cidadão, para prova da idade, conforme documento de fls. 52 a 54, cujo teor se dá por reproduzido.
9. O 1.º Réu remeteu à Autora carta datada de 03 de Julho de 2013, em que refere enviar “1 Declaração das Finanças (Original) substitutiva da Declaração definitiva das Finanças pelo motivo de a mesma ainda não se encontrar disponível (…) e 1 fotocópia do meu Bilhete de Identidade”, conforme documento de fls. 55 a 56, cujo teor se dá por reproduzido.
10. O 1.º Réu enviou à Autora carta datada de 14/10/2013, em que consta “venho por esta enviar os seguintes documentos (…) 1 Certidão definitiva (original) emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…) anexo 1 fotocópia da carta enviada em 3 de Junho de 2013 em que lhe enviei uma declaração (original) das finanças que esta certidão vai substituir, e 1 fotocópia do meu bilhete de identidade”, conforme documento de fls. 57 e 58, cujo teor se dá por reproduzido.
11. Da Certidão da Autoridade Tributária e Aduaneira de fls. 58, emitida em 10-10-2013, consta “declara-se que, no ano fiscal de 2012, o valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar é: 4.245,22 (Inferior a 5 Retribuições Mínimas Nacionais Anuais – RMNA, pelo que se enquadra na proteção prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º e no artigo 35.º ou no n.º 7 do artigo 36.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) (…) O cálculo do RABC foi efetuado de acordo com os rendimentos anuais ilíquidos, nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, auferido por todos os elementos do agregado familiar do arrendatário abaixo identificados”, constando, identificado como “arrendatário” o 1.º Réu e como “cônjuge não separado” a 2.ª Ré.
12. A Autora enviou ao 1.º Réu carta datada de 17 de Outubro de 2013, recebida em 24 de Outubro de 2013, com o seguinte teor:
Exmo. Senhor
Tendo recebido a sua carta datada de 14 de Outubro de 2013 com uma certidão anexa emitida pelos serviços fiscais, cumpre-me comunicar o seguinte:
Nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 5º do Dec. Lei n.º 158/2006, de 8 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 266 - C/2012, de 31 de Dezembro, “o RAB do agregado familiar do arrendat ário é corrigido através da soma dos rendimentos anuais ilíquidos , nos termos previstos no artigo anterior, auferidos pelas pessoas que vivam em comunhão de habitação com o arrendatário há mais de um ano.”
Ora, com o senhor vive há muito mais de um ano, em comunhão de habitação, seu filho Rui. Do requerimento para emissão da certidão V. Exa. deveria ter feito constar tal facto e não o fez. É, assim, culposamente responsável pela inexactidão da certidão emitida bem como pelos prejuízos desse facto para mim advenientes.
Não tendo V. Exa. requerido a emissão de certidão do RABC com todos os elementos legalmente previstos, não constando qualquer menção ao facto de seu filho viver em comunhão de habitação com o senhor há muitos anos, não posso tomar em consideração a certidão agora recebida pelo que comunico que a renda de vida a partir da que se vencer no dia 1 de Dezembro de 2013, inclusive, é de 344,98 €.
É V. Exa. ainda devedor das diferenças mensais relativas às rendas vencidas do dia 1 de Julho de 2013 a 01 d e Novembro de 2013 no valor total de (6x300,88 € = 1.805,28 €).
Atentamente,”
conforme documento de fls.59 e 60, cujo teor se dá por reproduzido.
13. O 1.º Réu respondeu à Autora, por carta datada de 13/11/2013, em que refere que o filho Rui não faz parte do agregado familiar e a declaração enviada está conforme a legislação em vigor, conforme documento de fls.61, cujo teor se dá por reproduzido.
14. Por carta dirigida ao 1.º Réu, datada de 27/11/2013, recebida em 29/11/2013, a Autora comunicou que “o seu filho mencionado na minha anterior carta vive em comunhão de habitação com V. Ex.ª há mais de um ano. Assim, mantenho integralmente quanto lhe comuniquei na minha anterior carta pelo que a nova renda será devida nos termos da mesma”, conforme documento de fls.62 e 63, cujo teor se dá por reproduzido.
15. O 1.º Réu respondeu por carta datada de 30 de Dezembro de 2013, em que informa “mantenho e reitero o conteúdo da minha missiva de 13/11/2013 de que o meu filho não habita no locado e que não se enquadra na definição de composição de agregado familiar (…) Fico a aguardar que me envie o cálculo da renda através do RABC. (…) Mais informo que perante a recusa no recebimento da renda por parte de V. Exa. No passado dia 07 do presente mês de Dezembro, procedi ao procedi ao depósito da mesa na conta n.º (…) da Caixa Geral de Depósitos…”, juntando fotocópia do documento de depósito, no valor de 44,10 Euros, conforme documento de fls. 64 e 65, cujo teor se dá por reproduzido.
16. O Mandatário da Autora enviou aos Réus carta datada de 4 de Fevereiro de 2014, que foi recebida, informando estar mandatado “para tratar do assunto do incumprimento do contrato de arredamento (…) por falta do pagamento de renda actualizada, desde Dezembro de 2013, no valor de 344,98 € e dos retroactivos desde Junho de 2013 (…)”,, conforme documento de fls. 66 a 68, cujo teor se dá por reproduzido.
17. O 1.º Réu respondeu por carta de 19 de Fevereiro de 2014, mantendo a posição já expressa anteriormente, juntando:
- certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 7 de Fevereiro de 2014, declarando que o 3.º Réu tem o domicílio fiscal na Praceta (…), Odivelas, e
- atestado de residência de 7 de Fevereiro de 2014, emitido pela Junta de Freguesia de Odivelas, destinado a ser apresentado à Associação de Inquilinos, em que consta que o 3.º Réu reside na Praceta (…), Odivelas,
conforme documento de fls. 69 a 71, cujo teor se dá por reproduzido.
18. O 1.º esquerdo sito na Azinhaga (…) em Lisboa foi avaliado em 62.097,70 euros pelo Serviço de Finanças no ano de 2010 (11/04/2010), para efeitos de IMI (documento de fls. 44 a 49, cujo teor se dá por reproduzido).
19. O 1.º esquerdo sito na Azinhaga (…), em Lisboa foi avaliado em 65.375,83 euros pelo Serviço de Finanças no ano de 2013, para efeitos de IMI (documento de fls. 30 a 35, cujo teor se dá por reproduzido).
20. Até 30 de Outubro de 2013 o domicílio fiscal e todos os demais domicílios constantes dos documentos oficiais do 3º Réu correspondia ao domicílio dos pais, os 1.º e 2.º Réus (admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
21. O Bilhete de Identidade do 3.º Réu caducou em 31 de Outubro de 2013 (documento de fls. 444).
22. Quando solicitou a emissão do Cartão do Cidadão, o 3.º Réu indicou como residência a Praceta (…), Odivelas (admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
23. No ano de 2012 o 3.º Réu teve o rendimento anual ilíquido de 12.187,67 Euros (documento de fls. 445 a 448).
24. Em 2012, na sequência de zanga com o 1.º Réu, seu pai, o Réu Rui (…) foi viver em casa de António (…), seu padrinho, na Praceta (…), Odivelas.
O tribunal a quo enunciou, na sentença, os seguintes
Factos não provados
- Em 2012 o Réu Rui (…) vivia com os Réus Eduardo (…) e Maria Isabel (…), seus pais, na fracção arrendada.
- Em 2013 o Réu Rui (…) vivia com os Réus Eduardo (…) e Maria Isabel (…), seus pais, na fracção arrendada.
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).
In casu, a apelante defende que deve julgar-se não provado o teor do n.º 24 da matéria de facto, que tem a seguinte redação:
Em 2012, na sequência de zanga com o 1.º Réu, seu pai, o Réu Rui (…) foi viver em casa de António (…), seu padrinho, na Praceta (…), Odivelas.”
Segundo a apelante, deve, pelo contrário, dar-se como provado o seguinte:
Em 2012 o Réu Rui (…) vivia com os Réus Eduardo (…) e Maria Isabel (…), seus pais, no andar arrendado”.
Segundo a apelante, o facto dado como provado sob o n.º 24 está em contradição com o dado como provado sob o n.º 20. Por outro lado, a documentação fiscal junta aos autos faz prova plena quanto ao domicílio fiscal/residência do 3.º R., que não pode ser afastada pelo depoimento das testemunhas indicadas pelo tribunal a quo, as quais foram instruídas pelos RR.
Vejamos.
A declaração fiscal do 3.º R. referente ao ano 2012, referida pela apelante na conclusão 1.ª e constante a fls 445 a 448 apenas menciona, como “Residência fiscal”, residência no “Continente”.
De todo o modo, está dado como provado, sob o n.º 20, que até 30.10.2013 “o domicílio fiscal e todos os demais domicílios constantes dos documentos oficiais do 3.º R. correspondia ao domicílio dos pais, os 1.º e 2.º Réus”.
A apelante extrai do teor dos artigos 19.º da Lei Geral Tributária e dos artigos 369.º a 371.º do Código Civil que os documentos emitidos pela Autoridade Tributária constituem documentos autênticos e fazem prova plena quanto à residência do 3.º R..
Os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, são documentos autênticos (art.º 363.º n.º 2 do CC).
Os documentos autênticos “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora” (art.º 371.º n.º 1 do CC).
A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida mediante a prova da sua falsidade (n.º 1 do art.º 372.º do CC). O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na realidade o não foi (n.º 2 do art.º 372.º do CC).
Ora, não se vislumbra que os documentos acima referidos no n.º 20, incluindo os emitidos pelas autoridades tributárias, contenham, quanto à residência do 3.º R., qualquer indicação de perceção direta, pela autoridade emitente, de facto ou factos demonstrativos da efetiva residência do 3.º R..
Em regra a indicação da morada em documentos oficiais assenta na simples declaração do respetivo requerente, não pressupondo qualquer confirmação efetiva por parte da autoridade emitente (neste sentido, vide o acórdão desta Relação, datado de 18.4.2013, processo n.º 7618/10.1TBCSC-B.L1-2, em que o presente relator interveio como adjunto, consultável em www.dgsi.pt). Assim, salvo disposição especial em contrário, a prova que de tais documentos se pretenda colher, quanto à residência da pessoa neles identificada, não será mais do que prova bastante, base de presunção suscetível de ser afastada por mera contraprova (cfr. art.º 346.º do CC) e, de todo o modo, definitivamente arredável por prova em contrário, não sujeita a modalidade especial (cfr. artigos 347.º e 350.º n.º 2 do CC).
Quanto ao domicílio fiscal, o art.º 19.º da Lei Geral Tributária dispõe o seguinte, na parte aqui relevante:
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.
(…)
13 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.
(…).”
O domicílio fiscal da pessoa singular é, em princípio, o local da sua residência habitual. Por conseguinte, para a administração fiscal, os direitos e os deveres do contribuinte definem-se, no âmbito das relações jurídico-tributárias (âmbito de aplicação da LGT – art.º 1.º), de acordo com o local da sua residência habitual, a qual deverá ser comunicada à administração tributária, de forma a haver coincidência entre o domicílio fiscal constante nos registos da administração tributária e a residência habitual do sujeito passivo. Porém, mesmo tendo em vista a definição dos direitos e deveres tributários o contribuinte poderá provar que a sua residência não é a que corresponde ao domicílio fiscal declarado – sem prejuízo da sanção contraordenacional eventualmente correspondente à não efetuação atempada da comunicação de alteração da residência – prevalecendo-se da efetiva localização da sua residência (neste sentido, v.g., acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2015, processo 08313/14, consultável em www.dgsi.pt).
Ora, se assim é em relação às questões jurídicas de natureza tributária, por identidade ou maioria de razão o será relativamente a questões de natureza diversa, como as atinentes à atualização de rendas em contrato de arrendamento para habitação, de que este processo cuida. Tanto mais quando, afinal, os RR. apresentam em abono da sua tese, precisamente, uma certidão emitida pelas autoridades tributárias, supra referida no n.º 11 da matéria de facto.
O tribunal a quo era, pois, livre de apreciar as provas segundo a sua prudente convicção (art.º 607.º n.º 5 do CPC), o que fez, dando prevalência ao depoimento de duas testemunhas, nos termos constantes a fls 10 a 12 da sentença, onde justifica, de forma que se nos apresenta como convincente, o seu juízo.
A apelante limita a fundamentação da impugnação da decisão de facto ao teor dos aludidos documentos, não procedendo à análise crítica dos restantes meios de prova, limitando-se a afirmar, no corpo das alegações (sem referência nas conclusões), que “o depoimento das testemunhas António Graça e Luís Brandão, instruídas pelos Réus, não têm a virtualidade de afastar a prova plena da autenticidade das declarações fiscais…”
Por tudo o exposto, entendemos que a matéria de facto deve manter-se.
Terceira questão (rendas devidas pelos RR. e desde que data)
Dá-se por reproduzido o acima aduzido a propósito da nulidade apontada pela apelante à decisão recorrida (“primeira questão”).
Conforme supra exposto, a apelante instaurou a presente ação com o propósito de afastar as consequências emergentes da certidão emitida pela administração tributária nos termos supra indicados no n.º 11 da matéria de facto, ou seja, arredar a aplicação ao 1.º R. da cláusula de proteção prevista no art.º 35.º do NRAU, com a redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.8. Com efeito, a apelante pretendia demonstrar que, contrariamente ao que constava da aludida certidão, que fora emitida ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 32.º do NRAU, o agregado familiar do arrendatário, no qual se deveria integrar o 3.º R., auferia um rendimento anual bruto corrigido (RABC) superior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (cfr. artigos 31.º n.º 4, alínea a) e 35.º n.º 1, do NRAU), pelo que a renda deveria ter-se como atualizada nos termos previstos na al. b) do n.º 5 do art.º 33.º do NRAU, com as consequências pecuniárias constantes nos diversos pedidos formulados.
Porém, o alegado quanto à composição do agregado familiar do inquilino e ao seu rendimento não se provou, pelo que a ação improcede na totalidade, nada mais havendo a apreciar ou a decidir, conforme se decidiu na decisão recorrida e se afirmou na apreciação da referida nulidade da sentença alegada pela apelante.
A apelação é, assim, improcedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.º s 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 09.5.2019

Jorge Leal
Pedro Martins
Laurinda Gemas