CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Todos os direitos, traduzam-se ou não em prestações pecuniárias, que derivem directamente da celebração, execução, violação ou cessação do contrato de trabalho, prescrevem nos termos e prazos previstos no art. 381º do Código do Trabalho (um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho).
II - Contudo, tal regime não é aplicável a outras relações jurídicas, ainda que conexas com o contrato de trabalho, como é o caso das matérias relativas à reforma e previdência, nomeadamente as respeitantes ao subsídio de desemprego.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B………. instaurou contra C………., Ld.ª a presente acção declarativa com processo comum pedindo que se reconheça a duração do contrato de trabalho celebrado entre as partes em cinco anos e que seja reposta a legalidade perante a Segurança Social e que se condene a R. a pagar à A. a quantia de € 15.577,00, sendo € 11.577,00 a título de indemnização de lucros cessantes relativas às prestações de desemprego não auferidas e € 4.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados à A.
Alega a A., para tanto e em síntese, que tendo celebrado com a R. um contrato de trabalho em 1999-03-15, o mesmo cessou em 2004-10-06, por mútuo acordo, sendo certo que a R. nunca o comunicou à Segurança Social, nem procedeu aos respectivos descontos. De igual modo, a R. só entregou à A. a declaração da situação de desemprego, modelo 346, em 2005-01-05, tendo esta requerido o subsídio de desemprego em 2005-01-06, isto é, para além do prazo legal de 90 dias pelo que, tendo tal pedido sido indeferido pela Segurança Social, a R. constituiu-se na obrigação de indemnizar a A.
Contestou a R., invocando a excepção peremptória da prescrição, com fundamento em que decorreu mais de um ano, pois a acção foi proposta em 2006-04-10 quando o contrato cessou em 2004-10-06 e, quanto ao mais, contestou por impugnação.
A A. respondeu à contestação, por impugnação.
Foi proferido saneador-sentença, tendo o Tribunal a quo julgado:
a) Que era incompetente em razão da matéria para conhecer o pedido de condenação da R. na reposição da legalidade perante a Segurança Social, bem como do pedido de pagamento da indemnização de € 15.577,00, pelo que absolveu a R. da instância, nessa parte e
b) Procedente a excepção de prescrição do direito da A. ver reconhecida a duração efectiva do contrato de trabalho em 5 anos, pelo que absolveu a R. do pedido.
Irresignada com tal decisão, dela interpôs recurso a A., pedindo a sua revogação, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A - O despacho saneador do Tribunal do Trabalho, declarou-se materialmente incompetente para apreciar a relação controvertida apresentada.
B - Sucede que, a acção proposta assenta no incumprimento do artigo 385.° do Código do Trabalho que prevê que o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador documentos destinados a fins oficiais.
C - E, caso a referida obrigação não seja cumprida, visto que assenta no incumprimento de uma obrigação do empregador, permite a responsabilidade civil do mesmo.
D - E, por isso se formulou, no caso sub judice o pedido de indemnização contra o empregador pelos prejuízos daí decorrentes para o trabalhador.
E - Cremos que tal matéria se enquadra no conceito de "questões emergentes da relação de trabalho subordinado" a que alude o artigo 85.° alínea b) da lei 3/99 de 13 de Janeiro (LOFTJ)."
F - Acresce que, existe uma relação conexa com o pedido efectuado para a qual o Tribunal do Trabalho se considera materialmente competente, o que dita a aplicação da alínea o) do citado art.° 85 LOFTJ.
G - E, sendo assim, não restam dúvidas que o Tribunal materialmente competente para analisar o pedido em causa, é efectivamente o Tribunal do Trabalho.
H - Um dos pedidos deduzidos pela Autora é que seja reconhecida a duração efectiva do contrato de trabalho, em cinco anos.
I - Ora, trata-se da reivindicação de um direito da Autora e não de um crédito,
J - Pelo que, em nosso entendimento não se pode aplicar ao deduzido pedido de reconhecimento da duração do contrato, o preceituado no artigo 381.° do Código de Trabalho.
L - Que consagra um regime especial de prescrição de créditos resultantes do contrato de trabalho.
M - Acresce ainda que, a prescrição não é de conhecimento oficioso tal como prevê o artigo 303.° CC..
N - Contudo o despacho saneador recorrido, considera procedente por provada a excepção de prescrição de um direito - reconhecimento da duração do contrato, quando o que é invocado pela R. é a prescrição de créditos, assentes no pedido indemnizatório também deduzido pela A..
O - Ora como determina a 2.ª parte da alínea d) do n.°1 do artigo 668.° CPC, o conhecimento oficioso da prescrição não invocada, origina a nulidade da sentença.
P - A análise realizada pelo Tríbunal a quo, violou na interpretação feita as normas de competência material constantes do artigo 85.° alíneas b) e o) LOFTJ.
Q - Devendo contrariamente ao decidido, o Tribunal a quo considerar-se competente em virtude de se tratar de uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, bem como de se verificar uma conexão assente no pedido de reconhecimento de duração do contrato de trabalho.
R - Sucede ainda que considerou aplicar-se ao pedido de reconhecimento da duração do contrato de trabalho o artigo 381.° CT, que trata de prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho,
S - e que por isso não se aplica ao pedido de reconhecimento de um direito deduzido pela Autora.
S –[1] O Tribunal violou ainda o artigo 668.° n.°1 alínea d) parte final CPC, porquanto, tendo conhecido da excepção de prescrição do direito tomou conhecimento de questões de que não poderia conhecer, visto que a prescrição não é do conhecimento oficioso.
T - Sobre esta matéria, consideramos que não deveria o Tribunal, porque não chamado, ter conhecido da dita excepção de prescrição,
U - O que tendo-se verificado, vicia de nulidade o despacho saneador/sentença de que se recorre.
A R. apresentou a sua alegação de resposta, concluindo pela confirmação da decisão impugnada.
Admitido o recurso, o Tribunal a quo sustentou a sua decisão na parte respeitante à declaração de incompetência em razão da matéria.
A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Apenas a A. se pronunciou acerca do teor de tal parecer.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1. A A. e a R. celebraram verbalmente um contrato nos termos do qual a Autora obrigou-se a prestar à R. as funções de telefonista, auferindo o salário mínimo nacional.
2. Respectivamente de 61.300 escudos no ano de 1999; 63.800 escudos no ano de 2000; 67.000 escudos no ano de 2001; 348,01 euros no ano de 2002; 356,60 euros no ano de 2003; e 365,60 euros no ano de 2004.
3. Durante a sua existência nunca a R. comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato, nem, muito menos, procedeu aos respectivos descontos sobre o salário da trabalhadora, de modo a que a mesma pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social.
4. Apesar das várias solicitações da Autora nunca a R. acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora, porquanto erroneamente, e por que lhe convinha, entendia tratar-se de uma prestação de serviços.
5. Em 6 Outubro de 2004, acedeu a R. a assinar o acordo de cessação de contrato de trabalho, onde reconheceu que o contrato de trabalho celebrado com a A. durou três anos.
6. A R. obrigou-se a resolver e regularizar a situação da A. perante a Segurança Social no que diz respeito às cotizações durante o período de duração do contrato de trabalho.
7. A petição inicial dos presentes autos deu entrada na secretaria judicial em 10/04/2006 (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 1);
8. A ré foi citada para a presente acção em 27/04/2006 (cfr. aviso de recepção de fls. 26).

O Direito.
Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o âmbito do recurso[2], atento o disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, são três as questões a decidir, a saber se:
I – A sentença é nula.
II – O Tribunal do Trabalho é competente para conhecer o pedido de indemnização de €15.577,00, derivado da R. não ter passado tempestivamente o Modelo 346 da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e de o pedido de subsídio de desemprego ter sido indeferido, por extemporaneidade e
III – Está prescrito o direito da A. ver reconhecida a duração efectiva do contrato de trabalho, em 5 anos.

Vejamos a 1.ª questão.
Nas conclusões O e S [segunda com esta letra] entende a A. que a sentença é nula, pois o Tribunal a quo conheceu oficiosamente a excepção de prescrição, quando a mesma não foi invocada, assim preenchendo a hipótese prevista na alínea d), 2.ª parte, do n.º 1 do Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil.
Decidindo.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, ele pode ser impugnado através de recurso de agravo. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas e fundamentadas no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este as possa conhecer, suprindo-as ou indeferindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade [Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior [negrito nosso], in www.tribunalconstitucional.pt.
In casu, a A. não invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, como se vê de fls. 66, mas apenas na alegação e conclusões, pelo que dela não podemos conhecer, por extemporaneidade.
De qualquer modo, o fundamento da nulidade consistente no conhecimento oficioso da prescrição, foi apresentado como erro de julgamento, pelo que se tomará conhecimento da matéria, nesta configuração, na apreciação da 3.ª questão.
Daí que seja de indeferir, como efectivamente se indefere, a invocada nulidade da sentença, por extemporaneidade.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se o Tribunal do Trabalho é competente para conhecer o pedido de indemnização de € 15.577,00, derivado da R. não ter passado tempestivamente o Modelo 346 da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.A. e de o pedido de subsídio de desemprego ter sido indeferido por extemporaneidade.
Vejamos.
Dispõe o Art.º 85.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [de ora em diante referida apenas por LOFTJ], nomeadamente, o seguinte:
Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o Tribunal seja directamente competente.

Estabelece o Cód. do Trabalho:

Artigo 385º
Documentos a entregar ao trabalhador
1 — Quando cesse o contrato de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador um certificado de trabalho, indicando as datas de admissão e de saída, bem como o cargo ou cargos que desempenhou.
2 — O certificado não pode conter quaisquer outras referências, salvo pedido do trabalhador nesse sentido.
3 — Além do certificado de trabalho, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador outros documentos destinados a fins oficiais que por aquele devam ser emitidos e que este solicite, designadamente os previstos na legislação de segurança social.

[Tal norma foi antecedida por outra de idêntico teor, constante do Art.º 57.º da LCCT, regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, antecedida, por sua vez, pela norma constante do Art.º 30.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho e, por último, pelo disposto no Art.º 115.º da LCT, regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 1969-11-24].

Por outro lado, dispõem os Art.ºs 52.º e 61.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, o seguinte:
Artigo 52.º
Deveres da entidade empregadora para com os beneficiários
Em caso de cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora é obrigada a entregar ao trabalhador as declarações previstas neste diploma para instrução do requerimento das prestações no prazo de cinco dias a contar da data em que o trabalhador as solicite.
Artigo 61.º
Requerimento
A atribuição das prestações de desemprego depende da apresentação do requerimento à instituição de segurança social que abrange o trabalhador ou àquela em cujo âmbito de competência territorial se situa a sua residência, no prazo de 90 dias consecutivos a contar do desemprego.

Ora, da conjugação destas normas resulta com clareza que, cessado o contrato de trabalho por qualquer forma, o empregador é obrigado a emitir os documentos nelas previstos, nomeadamente, a preencher e entregar em 5 dias o Modelo n.º 346 [Exclusivo da Imprensa Ncional-Casa da Moeda, S.A.], possibilitando que o trabalhador requeira dentro do prazo de 90 dias as prestações correspondentes ao subsídio de desemprego.
No caso, tendo a trabalhadora solicitado tal documento e não tendo ele sido entregue a tempo de requerer, dentro do prazo de 90 dias, as prestações em referência, levando a Segurança Social a indeferir a pretensão, com fundamento em extemporaneidade imputada ao empregador, constituiu-se este na obrigação de indemnizar os danos decorrentes de tal incumprimento.
A nosso ver, já não estamos no âmbito da relação jurídica correspondente ao contrato de trabalho, mas numa relação jurídica derivada de responsabilidade civil decorrente do incumprimento de norma legal destinada a proteger interesses do trabalhador, conexa com a relação de trabalho, por dependência, o que assegura a competência do Tribunal do Trabalho, atento o disposto na alínea o) do Art.º 85.º da LOFTJ, acima transcrito, pois este pedido cumula-se com outro para o qual o Tribunal é directamente competente e que consiste no direito da A. ver reconhecida a duração efectiva do contrato de trabalho em 5 anos.
Repare-se que esta norma da alínea o) do Art.º 85.º da LOFTJ não é mais do que o decalque, devidamente adaptado, do disposto no Art.º 27.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Cód. Proc. do Trabalho de 1963[3], que se transcreve, na parte que interessa:
1. São ainda da competência do tribunal do trabalho:
a) As questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho…, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, por complementariedade ou por dependência;
2. Nos casos previstos na alínea a) do número anterior o tribunal só tem competência quando o pedido se cumule com outro para o qual ele seja directamente competente.

Trata-se de conexão objectiva, pois não interessa a conexão derivada da identidade de sujeitos. Por isso, a conexão há-de respeitar à causa de pedir ou aos pedidos. Porém, também não interessa à conexão aqueles casos em que há identidade de causa de pedir, em que um mesmo facto pode gerar diferentes fontes de indemnização, como sucede nos casos de acidentes de viação mistos de acidente de trabalho, em que cada jurisdição mantém a sua competência própria. À conexão respeita apenas àqueles casos em que há uma certa interligação dos diversos pedidos, em que uma causa depende da outra. É assim que na conexão por dependência, “qualquer das relações é objectivamente autónoma… Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal… Verificada a conexão…, o tribunal projecta a sua competência sobre a questão para que não é directamente competente”[4].
Aliás, para caso semelhante, em que existia o dever de indemnizar decorrente de responsabilidade civil, assim foi entendido e aplicado, na ideia de que tudo aconselhava nestas hipóteses a que a competência do tribunal do trabalho fosse estendida a estes pedidos, atento o disposto no Art.º 27.º do Cód. Proc. do Trabalho de 1963[5].
In casu, não tendo a R., na óptica da A.[6], preenchido e entregue em tempo a declaração do Modelo 346, privou esta de receber as prestações de desemprego, dado o indeferimento pela Segurança Social do respectivo pedido, por extemporaneidade, pelo que aquela se constituiu na obrigação de indemnizar esta, nos termos da responsabilidade civil[7].
Não se tratando de direito decorrente do contrato de trabalho, mas de violação de norma destinada a proteger interesses que surgem depois – rectius, por causa – da cessação do contrato de trabalho, estamos no âmbito da responsabilidade civil. Porém, dada a interligação que existe entre este pedido e aqueles que derivam directamente do contrato [de trabalho], a competência do tribunal do trabalho, em razão da matéria, é estendida a este pedido de indemnização, atento o disposto na alínea o) do Art.º 85.º da LOTJF, pois existe todo o interesse em que seja a jurisdição laboral a todos conhecer.
Assim, procedem as primeiras conclusões do recurso, de A a G.

Vejamos a 3.ª questão.
Trata-se de saber se está prescrito o direito da A. ver reconhecida a duração efectiva do contrato de trabalho, em 5 anos.
Entende a recorrente que a este pedido não se aplica o disposto no Art.º 381.º do Cód. do Trabalho e que a prescrição não é de conhecimento oficioso, tal como prevê o Art.º 303.º do Cód. Civil.
O Tribunal a quo, pelo contrário, considerou que tal direito se encontrava prescrito à luz daquela norma, no entendimento de que ele “…emerge directamente da relação contratual laboral que vigorou entre as partes”.
Ora, dispõe o Cód. do Trabalho:
Artigo 381º
Prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho
1 — Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
2 — Os créditos resultantes da indemnização por falta do gozo de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho suplementar, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo.

Tal norma foi antecedida pelo Art.º 38.º da LCT, com redacção quase intocada, no âmbito de vigência da qual a jurisprudência entendia o conceito de créditos numa acepção lata ou ampla, mais com o significado de direitos do que de prestações pecuniárias, nele fazendo abarcar as acções de impugnação de despedimento individual, com os direitos à reintegração ou à indemnização de antiguidade e ficcionando na cessação de facto o termo inicial do prazo de um ano, assim criando dificuldades enunciadas pela doutrina, como seja a aplicação da norma tanto a situações de prescrição como a situações típicas de caducidade[8].
Daí que o Cód. do Trabalho tenha vindo pôr fim a esta última dificuldade, autonomizando o prazo de propositura das acções de impugnação do despedimento individual, como se vê do seu
Artigo 435º
Impugnação do despedimento
1 — A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador.
2 — A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso de despedimento colectivo em que a acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato. [sublinhado nosso]
3 — Na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.

No entanto, permanece a dificuldade derivada de saber qual a amplitude do conceito que o termo créditos encerra, parecendo no entanto que ele abarca, conforme doutrina já respeitante ao Cód. do Trabalho[9], todos os direitos, traduzam-se ou não em prestações pecuniárias, que derivem directamente da celebração, execução, violação ou cessação do contrato de trabalho.
Tal asserção significa, no entanto, que tratando-se de relações conexas com o contrato de trabalho, sendo embora o tribunal do trabalho competente em razão da matéria como se decidiu na questão anterior, daí não deriva que os respectivos créditos estejam sujeitos à prescrição de um ano prevista no Art.º 381.º do Cód. do Trabalho.
Repare-se no que decidiu recentemente o nosso mais Alto Tribunal[10]:
“Ao contrário do defendido na sentença, a jurisprudência deste Supremo não tem limitado a aplicação do n.º 1 do art.º 38º da LCT aos créditos laborais pecuniários, antes tem entendido que ele vale para os direitos a prestações (pecuniárias ou não), entre as partes da relação laboral (empregador e trabalhador).
E é nessa perspectiva que tem sido defendido que o referido preceito se aplica também ao direito do trabalhador à impugnação do despedimento ilícito, por ausência de justa causa, com as inerentes consequências legais (direito às retribuições, direito à reintegração ou direito à indemnização de antiguidade), ou ao direito do trabalhador a ser classificado na categoria profissional correspondente às funções exercidas.
Por outro lado, a jurisprudência deste Supremo tem limitado a aplicação do preceito às prestações que respeitam, directa e imediatamente, à própria relação laboral e não às directa e imediatamente atinentes a outras relações jurídicas, ainda que conexas ou dependentes das relações jurídico-laborais.
É assim que tem entendido, de forma pacífica, no que respeita aos bancários, que o preceito não se aplica à prescrição, quer do direito à reforma (direito unitário a receber as respectivas pensões), quanto ao qual se entende valer o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (art.º 309º do Cód. Civil), quer quanto às prestações periódicas ou pensões em que a reforma se concretiza ao longo do tempo, quanto às quais se entende valer o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art.º 310º, al. g) do Cód. Civil.
Ora, como vimos acima, com a presente acção o A. não reclama da R. o pagamento de qualquer quantia que lhe seja devida no âmbito da relação jurídico-laboral que os ligou ou a realização de qualquer outra prestação pela R., nesse âmbito, antes visa apenas a declaração ou reconhecimento do período em que lhe prestou trabalho subordinado e da retribuição que lhe era devida e lhe foi paga, tudo para efeitos de, ulteriormente, fazer a respectiva prova no quadro da relação jurídica de reforma que o liga à Segurança Social, com vista à correcção do montante das respectivas prestações.
Ou seja, a acção tem a ver com essa relação de reforma, de que é meramente instrumental.
E, assim sendo, na linha do entendimento deste Supremo, não é aplicável ao direito accionado o prazo de prescrição do art.º 38º, n.º 1 da LCT.”
In casu, foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:

1. A A. e a R. celebraram verbalmente um contrato nos termos do qual a Autora obrigou-se a prestar à R. as funções de telefonista, auferindo o salário mínimo nacional.
2. Respectivamente de 61.300 escudos no ano de 1999; 63.800 escudos no ano de 2000; 67.000 escudos no ano de 2001; 348,01 euros no ano de 2002; 356,60 euros no ano de 2003; e 365,60 euros no ano de 2004.
3. Durante a sua existência nunca a R. comunicou à Segurança Social a celebração do dito contrato, nem, muito menos, procedeu aos respectivos descontos sobre o salário da trabalhadora, de modo a que a mesma pudesse ser contribuinte/beneficiária da Segurança Social.
4. Apesar das várias solicitações da Autora nunca a R. acedeu em fazer o que quer que fosse com vista ao reconhecimento dos direitos e das legítimas expectativas da trabalhadora, porquanto erroneamente, e por que lhe convinha, entendia tratar-se de uma prestação de serviços.
5. Em 6 Outubro de 2004, acedeu a R. a assinar o acordo de cessação de contrato de trabalho, onde reconheceu que o contrato de trabalho celebrado com a A. durou três anos.
6. A R. obrigou-se a resolver e regularizar a situação da A. perante a Segurança Social no que diz respeito às cotizações durante o período de duração do contrato de trabalho.
7. A petição inicial dos presentes autos deu entrada na secretaria judicial em 10/04/2006 (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 1);
8. A ré foi citada para a presente acção em 27/04/2006 (cfr. aviso de recepção de fls. 26).

Como se vê destes factos e decorre do mais até aqui referido, todas as questões relativas directamente ao contrato de trabalho foram acordadas entre as partes, ficando por solucionar um conjunto de matérias relativas à relação de previdência, nomeadamente, as respeitantes ao subsídio de desemprego.
Daqui decorre – e flúi do anteriormente decidido – que se trata de questões conexas, por dependência, com o contrato de trabalho, pelo que o direito de a A. ver reconhecida a duração efectiva do seu contrato de trabalho, em 5 anos de vigência, conforme peticionado, não é um crédito resultante do contrato de trabalho, tal como acontece com a relação de reforma versada no referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça, a qual se encontra aqui substituída pela relação de desemprego, sendo certo que ambas respeitam à relação de previdência.
Assim, tratando-se de relação conexa e não derivando o direito reclamado directamente do contrato de trabalho, não lhe é aplicável o disposto no Art.º 381.º do Cód. do Trabalho, pelo que não se verifica a excepção de prescrição.
Fica, deste modo, prejudicada a apreciação da questão do carácter não oficioso do conhecimento da excepção da prescrição.
Improcedem, destarte, as restantes conclusões do recurso.
Em síntese, é de revogar o saneador-sentença, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação posterior aos articulados, assim improcedendo o recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, revogando o saneador-sentença, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação posterior aos articulados.
Custas pela R.

Porto, 23 de Abril de 2007
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro

_________________________________
[1] A apelante usou esta letra – S – por duas vezes, certamente por lapso; no entanto, por simplicidade de apresentação das conclusões do recurso, nenhuma alteração se introduz.
[2] Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 497, de 1963-12-30.
[4] Como, expressis verbis, refere Alberto Leite Ferreira, in CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO ANOTADO, 2.ª edição, 1972, pág. 112 e repete in CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO ANOTADO, 1989, pág. 73.
[5] Cfr. José Maria Rodrigues da Silva, in A APLICAÇÃO DO DIREITO NA JURISDIÇÃO DO TRABALHO, 1991, nomeadamente a págs. 351 a 353.
[6] Pois é em face do pedido e da causa de pedir, tal como foram delineados pelo autor, que se afere da competência, em razão da matéria, do tribunal.
[7] Cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 1981-01-30, in Colectânea de Jurisprudência, Ano VI-1981, Tomo I, págs. 214 a 217.
Cfr. também o Acórdão da Relação do Porto de 2006-09-25, in www.dgsi.pt.
[8] No domínio de aplicação da LCCT [regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro] discutia-se se à acção de impugnação de despedimento individual se deveria aplicar – para a sua propositura – o prazo de um ano, previsto no Art.º 38.º da LCT ou se se deveria aplicar o prazo de um ano, mas do Art.º 287.º, n.º 1 do Cód. Civil, configurando o despedimento individual como um acto anulável, com todas as suas consequências. A favor desta solução pronunciavam-se Pedro Romano Martinez, in DIREITO DO TRABALHO, 2.ª edição, 2005, págs. 965 e 966, nota 2 e Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 1999, págs. 139 e 140.
Sobre a matéria pode ver-se também Pedro Romano Martinez, cit., págs. 769 a 771, João Leal Amado, in A PROTECÇÃO DO SALÁRIO, 1993, págs. 195 a 198, nota 38 e Maria do Rosário Palma Ramalho, in DIREITO DO TRABALHO, PARTE II – SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 2006, págs. 580 a 582 e 937 e 938.
[9] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, cit., págs. 937 e 938.
[10] Trata-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2006-05-18, proferido no Processo:05S4237, Nº do Documento:SJ200605180042374, in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido e subscrito pelos mesmo Juízes Conselheiros, pode ver-se o Acórdão de 2006-09-28, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV-2006, Tomo III, págs. 270 a 274.