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ARRESTO PREVENTIVO
Sumário
I - Não pode ser decretado o arresto preventivo se o requerente não provar o justificado receio de perder a garantia patrimonial do crédito.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
Relatório
Nos autos nº 562/18.6T9EVR o Ministério Público requereu o arresto preventivo contra o arguido/requerido GG, peticionando o arresto do direito do requerido sobre o apartamento sito na freguesia do Caia e São Pedro, concelho de Elvas, descrito sob o n.º ----, fração C, com o valor patrimonial de €.63 868,50, adquirido em 09/10/2009, por si e por AA, então casados entre si, em separação de bens.
O pedido foi indeferido por falta de prova do pressuposto do fundado receio de perda de garantia patrimonial por sentença proferida em 4 de março de 2019, com o seguinte teor (transcrição).
“I - Relatório
1.1. O Ministério Público intentou o arresto preventivo contra o arguido/requerido GG, melhor identificado nos autos, peticionando o arresto do direito do requerido sobre o apartamento sito na freguesia do Caia e São Pedro, concelho de Elvas, descrito sob o n.º -----, fração C, com o valor patrimonial de €.63 868,50, adquirido em 09/10/2009, por si e por AA, então casados entre si, em separação de bens.
1.2. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento relativamente à indicação dos meios de prova pelo Ministério Público, após autuação do presente incidente.
II - Saneamento
O tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, bem como em razão do valor e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas em juízo.
Não se verificam outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III - Fundamentação
A) Factualidade indiciada
1. O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos LL, GG e G. pela prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, alíneas a) e B e 104.º, n.º2, alínea b), do RGIT, nos termos e com os fundamentos de fls. 1912 a 1928 do processo principal.
2. Os arguidos deixaram de liquidar e entregar imposto ao Estado, nos seguintes montantes €.55 884,15 correspondentes a IVA relativo apenas a GG, €.387 076,50 no que respeita a IVA relativo à G, e €.74 171,73 respeitantes a IRC relativo à G.
3. O Ministério Público deduziu Pedido de Indemnização Civil em representação do Estado – Fazenda Nacional, pelos montantes mencionados em 2).
4. Nas contas bancárias do arguido GG, cujos extractos constam do Apenso VIII, são creditados montantes nunca superiores a 10.000€, são logo, a muito curto prazo, feitos movimentos a débito de quantias correspondentes.
5. O arguido GG tem uma viatura automóvel registada em seu nome, sem encargos, com matrícula do ano de 2010.
6. O arguido GG é co-proprietário de um apartamento sito na freguesia do Caia e São Pedro, concelho de Elvas, descrito sob o n.º ---, fração C, com o valor patrimonial de €.63 868,50, adquirido em 09/10/2009, por si e por AA, então casados entre si, em separação de bens.
7. Sobre aquele imóvel impende uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia do montante de capital de €.95 000,00, até ao limite máximo de €.133 701,10, e ainda uma penhora a favor da Fazenda Nacional, para garantia do pagamento de dívida própria de GG, no montante de €.566,31.
B) Factos não indiciados
Neste momento não existem factos não indiciados e o tribunal não responde a factos conclusivos e jurídicos integrados na alegação.
C) Da motivação probatória:
O tribunal logrou em formar a sua convicção com base na prova documental que compõe os autos principais e respectivos apensos, designadamente no que concerne ao relatório elaborado por Gabinete de Recuperação de Activos, a fls. 82 e seguintes; fls. 159, 165, 168, 169, 174, 191/192, do apenso VI. Quanto ao imóvel objecto do presente arresto, o tribunal não considerou a conjectura invocada pelo Ministério Público, que não se encontra suportada em qualquer facto positivo e objectivo. A situação invocada pelo Ministério Público reporta-se a factos ocorridos em 2014 e 2015, quando o imóvel já se encontrava onerado com hipoteca e ficou penhorado pela Administração Tributária e Aduaneira. Sem que exista neste momento qualquer informação de que em 2019 o requerido perigue o seu património pretendendo dissipá-lo para se furtar à responsabilidade jurídico-criminal.
IV - Fundamentação de direito
O Código do Processo Penal prevê duas medidas de garantia patrimonial, ou seja, a caução económica (art. 227º) e o arresto preventivo (art. 228º), tendo ambas como finalidade processual garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer dívida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime.
Dispõe o artigo 228.º do Código de Processo Penal, “A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil, se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial”.
O arresto preventivo gizado no supracitado normativo constitui uma medida de garantia patrimonial atentatória da liberdade das pessoas em função das exigências cautelares que no caso de fazem sentir. O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial, que consiste na apreensão judicial de bens fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito. Enquanto providência cautelar que é visa combater o “periculum inmora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal. Daí que, preventiva e temporariamente, acautele ao credor a garantia do seu crédito. O decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e da existência de justo receio de que o devedor inutiliza, oculte, se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
Nenhuma medida de coação ou de garantia patrimonial é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.
Como tal, as medidas de garantia patrimonial é aplicada após prévia constituição do visado como arguido (artigo 192.º do Código de Processo Penal).
Nos termos do art. 391º nº1 do Código de Processo Civil, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor (cfr. o art. 619º nº1 do Código Civil).
O arresto preventivo depende da verificação cumulativa de dois requisitos (artº 406º e ss. do Código de Processo Civil ex vi artigo 228.º do Código de Processo Penal): (i) a existência de um direito de crédito; e (ii) o justo receio da perda da garantia patrimonial.
Quanto ao primeiro requisito, importa dizer que só em relação aos direitos de crédito é possível requerer esta medida de garantia patrimonial, já que ela visa garantir o seu cumprimento.
A prova da qualidade de credor da requerente, tal como na generalidade das providências cautelares, não tem de ser feita de forma absoluta, bastando que, num juízo de verosimilhança, o Tribunal possa concluir pela provável existência de uma relação creditícia entre a denunciante/lesada e o denunciado/lesante.
O segundo requisito está previsto no artº 391º nº 1 do CPC e no artº 619º do C. Civil e pressupõe a alegação e prova de um circunstancialismo que faça antever o perigo de se tornar impossível ou difícil a cobrança do crédito. Dispensa-se o requerente do arresto preventivo, ao abrigo do artigo 228.º, n.º 1, da prova do periculum in mora no caso de ter sido previamente fixada caução económica que não foi prestada.
A avaliação deste requisito deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob pena de total ineficácia da decisão a proferir a final.
O justo receio pode resultar, nomeadamente, da prova sumária de que o requerido pretende alienar os seus bens imóveis; da prova de que se corre o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; da constatação de que não tem outros bens além do salário, tem outros débitos e pretende abandonar o local de trabalho para se furtar ao cumprimento dessas obrigações ou do facto de se constatar ser consideravelmente difícil a realização do crédito.
Quanto ao justo receio de perda de garantia patrimonial, duas notas: - em primeiro lugar, não estamos no âmbito da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro; o objecto dos autos não se reporta a crimes do elenco legal previsto no art.º 1.º do mencionado diploma; pelo que não se recorre ao estatuído no art.º 10.º, n.º 3 (“O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.”); - em segundo lugar, o receio justificado, afere-se mediante critérios objectivos, devendo basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com a experiência comum, aconselhem a uma decisão cautelar imediata, sob pena de total ineficácia da acção declarativa ou executiva. Trata-se, pois, da questão de apurar se o sentir do homem comum, colocado perante o mesmo circunstancialismo, conformaria receio idêntico.
No caso concreto, o requerido no presente arresto foi constituído arguido a fls. 1256; e não dúvidas não existem quanto à probabilidade da existência do direito de crédito, uma vez que o Ministério Público deduziu pedido de indemnização civil contra o requerido, cujo facto originador assenta abstractamente na prática de factos típicos, voluntários, ilícitos e culposos pelo requerido. Todavia, atenta a matéria de facto indiciariamente apurada, não se encontra-se demonstrado o perigo de insatisfação do provável direito de crédito que o Ministério Público detém sobre o requerido. Mesmo que se concorde que a penhora das Finanças pode ser cancelada caso o arguido se disponha a efetuar o pagamento da dívida, nada nos diz que o arguido pretende alienar a sua parte do imóvel, que, além de garantir uma dívida de terceiro (com prioridade sobre o crédito do Ministério Público), encontra-se penhorado pela Administração Tributária e Aduaneira, quem em primeira linha compete liquidar os impostos devidos pelo contribuinte.
Na acusação o Ministério Público a conduta imputada prende-se com a desconformidade das declarações apresentadas e a realidade, sem que da mesma se possa inferir a alineação/ocultação do imóvel objecto do presente arresto. Sucede que, fazendo meras afirmações conclusivas e simples conjecturas, a verdade é que o requerente não concretiza factualmente à data da acusação e do pedido de arresto qual é a concreta actividade desenvolvida pelo arguido. Salvo o devido respeito (sincero e não de mera circunstância), o Tribunal não pode acompanhar o entendimento do Ministério Público de que a circunstância que motiva a acusação detectada nos anos de 2014 e 2015 se replique até 2019 e, por decorrência lógica, conclua que o património registado em nome do requerido, só por aquele motivo, possa estar em perigo e o Ministério Público pode ver o crédito cuja patrimonialidade já é bastante reduzida, para não dizer quase inexistente, em risco de não se pago só porque foi deduzida acusação contra o proprietário do bem imóvel.
Não se encontra preenchido o requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial, para o decretamento do arresto preventivo, na aplicação conjunta dos artigos 228.º do Código de Processo Penal e 391.º do Código de Processo Civil, por referência ao artigo 619.º do Código Civil.
IV - Dispositivo
Pelo exposto, nos termos das disposições legais, julgo improcedente o pedido de arresto preventivo formulado pelo Ministério Público.
Sem custas por a elas não haver lugar
Fixo o valor processual do procedimento cautelar em € 30.891,57 (trinta mil oitocentos e noventa e um euros e vinte e cinquenta e sete cêntimos”.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1.O Ministério Público deduziu acusação pela prática de crimes de fraude fiscal contra a sociedade G, LL e GG, tendo deduzido pedido de indemnização civil pelo valor de €.517 132,68, sendo €.55 884,45, da responsabilidade individual de GG e €.461 248,23 de responsabilidade solidaria de todos os arguidos.
2. Simultaneamente o Ministério Público requereu a aplicação e medida de garantia patrimonial de arresto preventivo, prevista no artigo 228.º do CPP, relativamente a ½ do prédio sito na freguesia do Caia e São Pedro, concelho de Elvas, descrito sob o n.º ---, fração C, com o valor patrimonial de €.63 868,50, adquirido em 09/10/2009, pelo arguido GG e esposa, casados sob o regime da separação de bens.
3. Vem o presente recurso interposto do despacho do Mmo. Juiz que indeferiu a medida de garantia patrimonial requerida pelo Ministério Publico, com fundamento na não verificação de fundado receio de perda da garantia patrimonial, por não existirem elementos concretos de onde decorra que o arguido pretende alienar a sua parte do imóvel.
4. No despacho recorrido não foi devidamente ponderada a matéria factual resultante dos autos, o que conduziu a uma interpretação demasiado restritiva do disposto nos artigos 228.º, n.º1 do CPP e 391.º do CPC, no que respeita ao conceito de justo receio de perda da garantia patrimonial.
5. A densificação do conceito de justo receio de perda da garantia patrimonial depende da apreciação de factos ou circunstâncias de onde resulte, à luz da experiência comum, que o credor corre o risco de ver inviabilizada a possibilidade de se ver ressarcido do montante do crédito no momento próprio, caso não sejam tomadas medidas cautelares.
6. A prova exigível deverá contentar-se com elementos que revelem que esse receio é fundado, o que é substancialmente diferente de demonstrar a iminência do perigo do dano, ou seja, o perigo atual de perda da garantia, pelo que não é exigível a verificação de atos prévios de alienação de património, ou preparativos dessa alienação, tais como a publicitação de anúncios ou celebração de contratos promessa, ou outros, cuja divulgação pelo devedor motivado pelo não cumprimento do crédito nem sequer é minimamente plausível.
7. Pela jurisprudência têm sido indicados critérios exemplificativos, tais como a atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a sua maior ou menor solvabilidade, a natureza do seu património, a dissipação ou extravio que faça dos seus bens, indícios que revelem o propósito de não cumprir, e montante do crédito – cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/10/2009, proferido no processo n.º º390/08.7TBSRt.C1, e de 28/06/2017, proferido no processo n.º 9070/16.9T8CBR.C1.
8. No caso concreto não foi devidamente ponderado que os factos praticados pelos arguidos em 2014 e 2015, vertidos na acusação, demonstram uma séria, consciente e contínua vontade de se eximir ao pagamento dos impostos devidos pelo exercício da sua atividade comercial, propósito que efetivamente alcançaram, tendo deixado de pagar ao Estado, como era seu dever, o montante global de €.517 132,68.
9. Não se teve em consideração que, realizada investigação nesse sentido, não se apurou a existência de património de valor relevante registado em nome dos arguidos LL e G., Lda, para além do imóvel de que o arguido GG é coproprietário, cujo arresto se requereu.
10. Os arguidos continuam a dedicar-se à mesma atividade profissional, colhendo dela benefícios financeiros que o Ministério Público não consegue quantificar, atendendo a que trabalham por conta própria, detendo o controlo dos rendimentos que declaram, não se tendo apurado a existência de rendimentos declarados em nome de LL, e sendo que os rendimentos declarados por GG estão abaixo, ou muito próximos, do limite da penhorabilidade.
11. No que respeita aos saldos bancários verifica-se, pelos extratos das contas analisadas referentes ao período da prática dos factos, que não são depositadas quantias superiores a €.10 000,00, as quais são movimentadas a débito a curto prazo, tendo-se apurado e relatado em sede de acusação que os arguidos recorriam preferencialmente aos pagamentos em numerário ou através de endosso dos cheques recebidos dos clientes, o que indicia que apenas passavam pelas contas bancárias as quantias necessárias para fazer face a pagamentos de não pudessem ser efetuados de outro modo, inexistindo qualquer tipo de aforro.
12. Tal é também compatível com o que foi apurado pelo GRA quanto aos saldos das contas bancárias tituladas pelos arguidos já na pendência do inquérito, cujos saldos não são superiores a €.220,00, não sendo, como tal, viável o seu arresto.
13. Com a dedução de acusação e pedido cível, o arguido GG vê-se agora confrontado com o cálculo definitivo do montante da dívida peticionada, de cujo pagamento é responsável, quer solidária, quer individualmente, e com o facto de ser o o único dos arguidos a deter património pessoal suscetível de responder pela dívida.
14. A circunstância de o imóvel cujo arresto se requer ter registada uma hipoteca a favor da Caixa Geral de depósitos e uma penhora a favor da Autoridade Tributária não é impeditiva do decretamento do arresto, pois a alienação do direito do arguido sobre o prédio poderá concretizar-se após o levantamento da penhora, facilmente alcançável por via do pagamento da dívida exequenda no montante de €.566,31, bastando-lhe entrar em acordo com a coproprietária e com o credor hipotecário para alienar a sua parte do bem, sem que o Ministério Público tenha conhecimento ou possibilidade de intervir, já que não é plausível ou sequer expectável que tais negociações sejam amplamente publicitadas.
15. Não existem outros bens suscetíveis de garantir o crédito do Estado, e de acordo com as regras de experiência comum não é plausível que os arguidos se disponham a amealhar património até à eventual condenação de modo a possibilitar o pagamento do valor pelo qual venham a ser condenados, pelo que é aconselhável que se salvaguarde, desde já, o património que existe.
16. As circunstâncias acima referidas apreciadas conjugadamente convencem da verificação do justo receio de perda de garantia patrimonial.
17. O decidir em sentido contrário o Mmo. Juiz fez uma interpretação demasiado restrita do preceituado nos artigos 228.º, n.º1 do CPP e 391.º, n.º1 do CPC.
Em face do exposto, requer-se seja dado provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser dado sem efeito e substituído por outro em que se considere verificado o justo receio de perda da garantia patrimonial, decretando-se o arresto requerido, assim se fazendo a costumada justiça.
Por despacho de 11 de março de 2019, o recurso foi admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito e ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação.
O Exmº Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.
Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
Por via dessa delimitação a questão a decidir reside em saber se no caso estão presentes os pressupostos do decretamento do arresto preventivo.
Apreciando
Dos autos resultam indiciados os seguintes elementos, relevantes à decisão:
1. O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos LL, GG e G. pela prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, alíneas a) e B e 104.º, n.º2, alínea b), do RGIT, nos termos e com os fundamentos de fls. 1912 a 1928 do processo principal.
2. Os arguidos deixaram de liquidar e entregar imposto ao Estado, nos seguintes montantes €.55 884,15 correspondentes a IVA relativo apenas a GG, €.387 076,50 no que respeita a IVA relativo à G, e €.74 171,73 respeitantes a IRC relativo à G.
3. O Ministério Público deduziu Pedido de Indemnização Civil em representação do Estado – Fazenda Nacional, pelos montantes mencionados em 2).
4. Nas contas bancárias do arguido GG, cujos extractos constam do Apenso VIII, são creditados montantes nunca superiores a 10.000€, são logo, a muito curto prazo, feitos movimentos a débito de quantias correspondentes.
5. O arguido GG tem uma viatura automóvel registada em seu nome, sem encargos, com matrícula do ano de 2010.
6. O arguido GG é co-proprietário de um apartamento sito na freguesia do Caia e São Pedro, concelho de Elvas, descrito sob o n.º ----, fração C, com o valor patrimonial de €.63 868,50, adquirido em 09/10/2009, por si e por AA, então casados entre si, em separação de bens.
7. Sobre aquele imóvel impende uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia do montante de capital de €.95 000,00, até ao limite máximo de €.133 701,10, e ainda uma penhora a favor da Fazenda Nacional, para garantia do pagamento de dívida própria de GG, no montante de €.566,31.
Vejamos
Dispõe o art.228ª do C.P.P., cuja epígrafe é “arresto preventivo”, em que radica o pedido formulado pelo Ministério Público:
«1 - A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta».
A norma do processo civil, referida, é o art. 406º, que enumera os fundamentos do arresto e que prescreve:
«1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção».
O art.º 228.º, n.º 1 do Código de Processo Penal diz-nos, assim, que «a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil.» Os fundamentos do arresto são os do art.º 406.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, de acordo com o qual «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.»
O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial, que consiste na apreensão judicial de bens fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
Enquanto providência cautelar que é visa combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal. Daí que, preventiva e temporariamente, acautele ao credor a garantia do seu crédito.
Então, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e da existência de justo receio de que o devedor inutilize, oculte, se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
Não estando, no caso, em causa a existência da aparência do crédito, a dúvida reside na existência, ou não, do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
E o ónus da prova dos requisitos do arresto cabe, naturalmente, ao arrestante, uma vez que são factos constitutivos do direito que pretende fazer valer contra a parte contrária., só assim não sendo no caso de ter sido previamente fixada e não prestada caução económica.
No entanto, nem por isso deixa de ser necessário alegar e demonstrar factos dos quais resulte a necessidade da providência.
Por isso a lei, no art. 407º do CPC, impõe, no seu nº 1, que o requerente do arresto deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado.
Impõe-se, então, saber em que consiste, o “justificado receio” que legitima o arresto preventivo, sendo certo que a formulação legal é ampla a genérica denotando, por isso, a intenção de abranger situações diversas em que se justifica a apreensão dos bens.
Assim, “: (….) II.Para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial a que aludem os art. 619º nº 1 do C. Cv. e 406º nº 1 do C.P.C. é necessário que se alegue e prove que o devedor já praticou ou se prepara para praticar actos de alienação ou oneração, relativamente ao seu património que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores.
III.Embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado. Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas, antes devendo basear-se «...em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.»( Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187) (cfr. Ac. TRL de 4-11-2009, in dgsi.pt)..
«O justificado receio de perda da garantia patrimonial – para efeitos de decretar o arresto de bens do devedor – tem que ser aferido com base em critérios objectivos e, portanto, terá que assentar em factos concretos que revelem ou indiciem uma real situação de perigo de insatisfação do crédito decorrente da inexistência de bens que por ele possam responder. A mera circunstância de o devedor não ter cumprido a obrigação a que está obrigado relativamente ao requerente do arresto e de ter a intenção de vender um ou mais imóveis (sendo uma sociedade imobiliária em cuja actividade esses actos se inserem) não é bastante para justificar o receio de perda da garantia patrimonial do crédito …» (cfr, Ac.TRG de 3-7-2012, in dgsi.pt).
«O critério da avaliação deste requisito [do receio justificado] não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, devendo antes basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva. O receio da perda da garantia patrimonial para ser considerado “justo” há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação … Tendo a requerida vários credores, um volume de negócios cada vez mais reduzido e não lhe sendo conhecidos outros bens para além da conta bancária, fica suficientemente indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial»;
«À verificação do requisito do justo receio não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que seja justificado, pelo que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas. Uma simples chamada telefónica de alguém que não se identifica, a denunciar a intenção do requerido de transferir parte do dinheiro que recebeu como indemnização para outrem, não pode, isoladamente, suportar a existência de uma ameaça séria e justificada ao direito de crédito do requerente»( cfr. Acs.TRL de 15-11-2011 - de 25-2-2010, in dgsi.pt).
Revertendo ao caso sub iudice vemos que da decisão recorrida não resulta que o requerente do arresto tenha provado o justificado receio de perder a garantia patrimonial do crédito.
É que não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular, devendo a existência do “justo receio” resultar da interpretação de factos ou circunstâncias objetivas e concretas, não relevando para tanto as suspeitas tidas pelo credor, ou uma situação de desconfiança fundada tão só numa análise subjetiva da vivência do devedor.
Assim, correndo o ónus da prova dos requisitos do arresto por conta do requerente dele, naturalmente que a providência não podia ter sido decretada. Daí que nada haja a censurar à decisão recorrida, pois que tendo presente a lei e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, entendemos ser de manter a decisão recorrida, que indeferiu o pedido formulado por falta de preenchimento do pressuposto do “justificado receio” de perda da garantia patrimonial, já que para além de não terem sido alegados factos dos quais resulte o perigo de perda da garantia, também não se mostram indiciados factos que indiciem esse perigo.
Decisão.
Face a tudo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
- Sem tributação.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária