ACIDENTE DE VIAÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Sumário


- Nas acções destinadas a julgar a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso de existência de seguro, só deve ser demandada a empresa que outorgou este, como resulta do disposto no art. 64º, nº 1, al. a), do D.L. 291/2007;

- De acordo com o dispositivo especial do art. 26º, nº 1, do Regulamento (UE) nº 1215/2012, é competente o tribunal de um Estado-membro no qual o requerido compareça sem arguir a incompetência do mesmo;

- Por sua vez, da regra estabelecida no art. 13º, nº 2, desse mesmo Regulamento (EU), e das normas para as quais o mesmo remete, conjugadas com a previsão do direito nacional inscrita no art. 146º, nº 1, do D.L. nº 72/2008, resulta que o lesado tem a opção de demandar, por responsabilidade civil coberta por seguro (v.g. a decorrente de acidente de viação ocorrido noutro país da U.E.), a seguradora ainda que com sede noutro país da mesma U.E., em tribunal nacional, de acordo como princípio da protecção da parte mais fraca ai estabelecido.

Texto Integral


Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

Recorrente(s): (…)

Recorrido/a(s): (…)

*
O Recorrente, residente na Rua (..), freguesia de (…), concelho de Barcelos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:

- X, (…)., com sede em (…), Espanha;
- (…) S.A., com sede na Avenida (…) – (…), Lisboa, na qualidade de representante em Portugal da (…).; e
- (…), residente em (…), Espanha.

Alegou, para o efeito, que no dia 17 de Junho de 2017, pelas 19H15, o veículo automóvel ligeiro de tipo autocaravana, com a matrícula …, de sua pertença e, então tripulado por (…), estava estacionado, fora da faixa de rodagem, em EO 1010 PK 0.200, quando foi embatido pelo veículo de matrícula …, pertencente ao Réu … e por este então conduzido.

Mais alegou que o aludido sinistro, que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, deveu-se a culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula …, que tinha o respectivo veículo segurado nas Rés, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ….

Termina pedindo que as Ré sejam condenadas a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 5.561,23, acrescida dos juros calculados à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.

Os Réus foram citados, tendo as Rés Segurados apresentado contestação.

Concluídos os autos após a fase dos articulados, o Tribunal, por se achar com dúvidas acerca da sua competência internacional, ordenou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem.

O Autor veio, então, pronunciar-se, alegando que o Tribunal português é internacionalmente competente para decidir a presente causa.

Foi então proferido despacho que com o seguinte dispositivo.

Assim, atentas as considerações expendidas e as normas legais citadas, julgo verificada a excepção de incompetência internacional deste tribunal e, consequentemente, absolvo os Réus (…) da instância.
Custas a cargo do Autor, porque deu causa aos presentes autos e neles decaiu – cfr. artigo 526º, do Código de Processo Civil.”

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Autor o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes

Conclusões…

I - O aqui Recorrente instaurou a referida acção contra os aqui Recorridos, com a finalidade de ser ressarcido e indemnizado pelos danos ocorridos na sua viatura, em consequência de acidente de viação provocado pelo veículo propriedade do aqui Recorrido (…), e por ele conduzido.
II - Os Réus (agora Recorridos) assumiram a culpa do sinistro, desde logo.
III - Autores e Réus não concordam, apenas, com os valores orçamentados para a reparação do sinistro
IV - Estamos perante uma acção de responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação.
V – O Meritíssimo Tribunal a quo declarou-se internacionalmente incompetente.
VI – Entende o Autor, Recorrente, que o tribunal português é competente, pelo princípio da protecção da parte mais fraca, em sede de conflito no âmbito de contratos de seguro.
VII - Entende o Autor, Recorrente, que o tribunal português é competente, em obediência à Constituição “material”, e sua prevalência face ao Direito Comunitário.
VIII - Entende o Autor, Recorrente, que o tribunal português é competente, por respeito à correta aplicação e interpretação da lex loci damni.
IX) Entende o Autor, Recorrente, que o tribunal português é competente, pois a pessoa lesada pode intentar uma acção directamente contra o segurador no tribunal do lugar em que tiver o seu domicílio num Estado-Membro, sempre que tal acção directa seja possível e o segurador esteja domiciliado no território de um Estado-Membro.
X) Entende o Autor, Recorrente, que o tribunal é competente, pois que os réus contestaram a acção, aceitando a competência do tribunal português.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a Douta sentença recorrida…

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

Constitui questão prévia a apreciar, a (i)legitimidade passiva do Réu/Recorrido (…)

A questão enunciada pelo Recorrente pode ser sintetizada da seguinte forma: Competência de Tribunal português para apreciação de pedido de indemnização fundado em acidente ocorrido em outro estado membro da U.E..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. FACTOS A CONSIDERAR

São os que emergem do processo, nomeadamente do articulado inicial do Autor, acima sumariada, onde se deve encontrar o aparente sustento factual da causa, relevante para a apreciação das excepções em causa.

3.2. DO DIREITO APLICÁVEL

3.2.1. Ilegitimidade passiva

De acordo com o art. 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

No caso, poderia parecer que esta questão, tal como poderá entendido o Tribunal recorrido, está prejudicada pela decisão dada à excepção que é objecto deste recurso, no entanto, julgamos que a decisão dessa está ligada ao conhecimento da legitimidade das partes para a demanda em causa, nomeadamente do R. …, questão que, aliás, já foi debatida entre as partes nos articulados.

Tratando-se de matéria de conhecimento oficioso (cf. art. 578º, do Código de Processo Civil), há que perceber, de acordo com os dados que o processo fornece, se tal excepção tem aqui fundamento.

De acordo com o disposto no art. 30º, do Código de Processo Civil, (1) O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

O art. 33º, por sua vez, dita que (1). Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. 2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

Como se salienta no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, (4) a alteração introduzida no art. 26º/3 CPC com a reforma de 1995 (DL 329-A/95 de 12 de Dezembro) e que permaneceu no Novo CPC (redacção da Lei 41/2013 de 26 de Junho), acolheu-se a tese subjectiva, defendida desde longa data pelo jurista Barbosa de Magalhães e posteriormente, por Palma Carlos segundo a qual têm legitimidade para a acção os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.

Nesta corrente que obteve consagração legal, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir.

Face à previsão da lei para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjectiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.

A falta do pressuposto processual fica circunscrita, usando as palavras do Professor ANTUNES VARELA:” […] aos casos (raros) de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como adversários da sua pretensão e as pessoas efectivamente ingressadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da própria petição transpareça a conclusão de que o autor chama a juízo pessoas, que não são os sujeitos da relação controvertida”.

Ponderando essas normas e a citada doutrina, vejamos então como a presente instância está configurada pelo Autor.

Quando se trata de esclarecer qual a “responsabilidade” dos demandados pelas consequências do acidente que constitui parte da causa de pedir sustentada, o demandante escreve o seguinte - “Os demandados são subsidiariamente responsáveis pelas consequências do acidente, em representação em Portugal da seguradora, por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº…, pelo qual assumiu a responsabilidade de circulação do veículo ....”

Desta afirmação, salvo o devido respeito, mal se compreende quais são os “demandados” “subsidiariamente” responsáveis (citados foram: um demandado, pessoa singular, e duas demandadas, sociedades anónimas). Todavia, cremos que, sem se dizer expressamente a que título era demandada a X, esta terá sido convocada para esta instância por causa do citado contrato de seguro pela qual assumiu a responsabilidade de circulação da viatura lesante e que, na posição da Autora, os demais Réus serão “subsidiariamente” responsáveis, sem que, todavia, se justifique de alguma forma essa subsidiariedade, através de qualquer norma convencional ou legal.

Acontece que de acordo com a legislação nacional, dúvidas não existem sobre quem deverá ser demandado nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, em caso de existência de seguro, pois o art. 64º, nº 1, al a), do D.L. 291/2007 (5), de 21 de Agosto: (1) As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a) Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório; (…).

Em 2017, de acordo com o estabelecido no art. 12º deste D.L., a Comissão Europeia fixou tal valor em 7290000 euros, pelo que o valor aqui reclamado pelo Autor está abrangido por essa norma processual imperativa.

Diante disso e pressupondo que o Réu Manuel se encontra devidamente citado já que nada em contra foi dito pelo mesmo até ao momento (cf. art. 191º, do Código Civil), tal como está configurada a lide pelo Autor, aquele carece de legitimidade passiva para a presente lide, como resulta do dispositivo conjugado dos arts. 64º, nº 1, al a), do D.L. 291/2007, e 30º, nº 3, do Código de Processo Civil, devendo, portanto, ser absolvido da instância, tal como ditam os arts. 278º, nº 1, al. d), 576º, e 577º, al. e), do Código de Processo Civil.

No que diz respeito aos demais envolvidos, os autos não fornecem neste momento dados determinantes para o conhecimento dessa excepção (6), que deverá, pelo que infra se expõe, ser apreciada oportunamente até porque, pelo menos relativamente à Ré D., tal foi suscitado também em sede de contestação.

3.2.2. Competência internacional do Tribunal português

Perante demanda que se funda em acidente de viação ocorrido em outro país, da U.E. (União Europeia), alegadamente provocado por veículo abrangido por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, pelo qual a Ré X assumiu a responsabilidade de circulação do veículo …, o Tribunal a quo julgou-se absolutamente incompetente, tendo para o efeito invocado o dispositivo dos arts. 4º, nº 1, 5º, e 7º, nº 2, do Regulamento (UE) Nº 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 12 de Dezembro de 2012 (7) e, para o conhecer oficiosamente de tal matéria, além de mais, o norma do seu art. 27º.

Ora, de acordo com o disposto no art. 26º, nº 1, do mesmo Regulamento, para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.

Em virtude desta regra especial, uma fez que não foi alegado nem se configura aqui uma situação de litisconsórcio necessário, julgamos que, no que concerne às Demandadas, que se apresentaram a contestar a pretensão do Recorrente, sem sequer arguiram essa excepção de incompetência, nunca essa excepção poderia ser declarada, como defende o Apelante, pois, relativamente às mesmas vigora, em face da sua postura, o princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do Código de Processo Civil) e nada importa que lhes seja extensível o conhecimento oficioso que eventualmente se faça em relação ao não contestante, (…).

Além disso, e ainda que assim não se entendesse, julgamos que o Tribunal recorrido não aplicou correctamente as citadas normas do Regulamento Europeu em causa.

Como refere Marco C. Gonçalves (8), o Reg.1215/2012 e estabelece critérios especiais (9) de competência, os quais visam proteger “a parte mais fraca” em litígios em matérias de seguros, contratos de consumo ou contratos individuais de trabalho. Com efeito, neste tipo de litígios, o legislador europeu presume que existe um desequilíbrio ou uma desigualdade entre as partes, razão pela qual se torna necessário conceder privilégios jurisdicionais aos segurados, consumidores e trabalhadores, tendo em vista a “salvaguarda efectiva dos seus direitos contratuais”.

A propósito do caso que aqui nos trás, acrescenta esse autor que: Pese embora a secção 3, referente à competência em matéria de seguros, se encontre concebida para regular a competência internacional em caso de litígio entre as partes de uma relação contratual de seguro, a verdade é que o art. 13º estende esse regime a terceiros.”

Com efeito, estando em causa, certamente quanto às referidas sociedades anónimas, matéria relacionada com seguro, a competência estabelecida por esse regime é a determinada pela sua Secção 3 (cf. o seu art. 10º).

Nessa Secção, prevê o art. 13º, que (1.) em matéria de seguros de responsabilidade civil, o segurador pode também ser chamado à acção no processo intentado pelo lesado contra o segurado, desde que a lei desse tribunal o permita. (2.) O disposto nos artigos 10º, 11º e 12º aplica-se no caso de acção intentada pelo lesado directamente contra o segurador, desde que tal acção directa seja possível. 3. Se o direito aplicável a essa acção directa previr o incidente do chamamento do tomador do seguro ou do segurado, o mesmo tribunal será igualmente competente quanto a eles.

No caso, essa norma existe no ordenamento jurídico nacional, e está actualmente prevista no art. 146º, nº 1, do D.L. nº 72/2008, que estipula relativamente a este seguro automóvel, de cariz obrigatório, que o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.

Deste modo, tal como se afirma, em caso similar, no recente Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (10), que aqui reproduzimos por economia e tendo em conta o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil: “A autora não é beneficiária do seguro, para os efeitos previstos no artigo 11º nº 1 al. b) do Regulamento (EU) nº 1215/2012, de 12/12, mas assume a qualidade de lesado (aderindo ao entendimento perfilhado no Acórdão do S.T.J. de 03.03.2005, disponível no sítio do IGFEJ).

Consequentemente, a autora enquanto pessoa lesada em litígio que a opõe a uma seguradora, que é demandada precisamente por causa de contrato de seguro, dispõe de diversos foros alternativos, podendo optar pelo tribunal que for mais favorável aos seus interesses, de acordo com o princípio de protecção da parte mais fraca (consagrado no já citado Considerando 18), e desde que a acção directa seja possível, o que sucede na situação presente (artigo 146º nº 1 do Decreto-Lei nº 72/2008, contendo o Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

No mesmo sentido, já se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2013, relativamente a um litígio que opunha o lesado residente em Portugal, vítima de um acidente ocorrido em Espanha, à ré seguradora, sedeada em França, com representação em Portugal, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.10.2009 (ambos disponíveis no sítio do IGFEJ), relativamente a litígio em que uma empresa portuguesa demanda companhia de seguros francesa, pelos danos emergentes de acidente de viação ocorrido em França, com veículo segurado nesta última.

Similarmente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se dá conta no Acórdão de 31.01.2018 (disponível no mesmo sítio), proferido no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial, e estabelecendo além do mais que «o artigo 11º, nº 1, alínea b), e o artigo 13º, nº 2, do Regulamento nº 1215/2012 retomam, no essencial, as redacções respectivas do artigo 9º, nº 1, alínea b), e do artigo 11º, nº 2, do Regulamento nº 44/2001» (por referência aos acórdãos de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C-352/13, EU:C:2015:335, n.o 60, e de 21 de janeiro de 2016, SOVAG, C-521/14, EU:C:2016:41, nº 43).”

Diante disto, consideramos que as regras do Regulamento 1215/2012 que foram invocadas pelo Tribunal a quo não têm aqui aplicação relativamente às demandadas S.A., que permanecem na lide, sem prejuízo da oportuna apreciação da sua legitimidade nesta instância, já que estamos perante situação regulada pelas regras especiais dos citados arts. 13º, nº 2, e 26º.

Por conseguinte, com prejuízo para o conhecimento das demais questões suscitadas, haverá que dar razão à apelação e revogar a decisão recorrida para que os autos prossigam tendo em vista, além de mais, a apreciação das excepções dilatória e substantiva invocadas pelas Rés contestantes, após a recolha dos elementos pertinentes (os acima indicados e, relativamente, à prescrição, v.g. desde logo, a fixação da nacionalidade do condutor do veículo espanhol a fim de se aferir o regime legal aplicável – cf. art. 45º, nº 3, do Código Civil).

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida que se substitui pela seguinte:

- Declara-se o Réu (…) parte ilegítima e, por isso, absolve-se o mesmo da presente instância;
- Declara-se o Tribunal internacionalmente competente para conhecer do mérito dos pedidos formulados pelo Autor e determina-se o prosseguimento dos autos, nos termos acima enunciados.
Fixam-se desde já em 1/3, as custas da acção devidas pelo Autor, atenta a absolvição do Réu Manuel (cf. art. 517º, do Código Civil).

Sem custas, no recurso, atenta a decisão proferida (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
*
Guimarães, 02-05-2019


Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4.…de 18.9.2017, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2c72e329b92dcfa6802581ae002f2162?OpenDocument
5. REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
6. Com efeito, há que perceber, qual o âmbito da representação que a 2ª Ré exerce (matéria controvertida, alegada pelas contestantes, em relação à 1ª Ré em território nacional para se aferir quem, se necessário após voluntária correcção da vertente subjectiva da lide, deve estar em juízo.- Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5f4c4d56e53ba4018025812c003bdcc2?OpenDocument
7. Consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32012R1215&qid=1413382002387&from=PT
8. Prof. Da Escola de Direito da Universidade do Minho, in Competência Judiciária na União Europeia, Scientia Iuridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXIV, nº 339, p. 433 e s.,
9. Note-se o que se enuncia nos considerandos 16 e 18 do referido Regulamento: (16) O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação. (18) No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.
10. Datado de 11.10.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4b5ec7430e009a618025833d003fa7b4?OpenDocument