SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário


I. O prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Civil tem natureza civil ou substantiva e é um prazo de caducidade, ao qual, são aplicáveis as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 138º do Código de Processo Civil, por força do estatuído no n.º 4 deste artigo.
II. Ao referido prazo não é aplicável a regra prevista no n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil.

Texto Integral



Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. BB e Outros, todos identificados nos autos, invocando a qualidade de titulares de direitos reais de habitação periódica (DRHP’s) no empreendimento denominado Luna Hotel da Oura (antes designado Oura Hotel), sito na Rua de Dunfermline, Areias de S. João, Albufeira, requereram procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra CC, SA., e DD, SA., pedindo que as requeridas respeitem o exercício pleno dos DRHP pelos requerentes, nomeadamente, assegurando-lhes o gozo livre e pacífico das semanas de todos os titulares que hajam atempadamente pago os valores de prestação periódica previamente vigentes à realização da AG de 11 de Julho de 2018, decretando-se a devolução de todos os montantes entretanto pagos por titulares às requeridas para além desses valores, por serem indevidos, determinando-se a suspensão das deliberações tomadas nos pontos 3., 5. e 7. da ordem de trabalhos da AG de 11 de Julho de 2018.

2. Para tanto, alegaram, em síntese, que, por carta registada com aviso de recepção, datada de 08 de Junho de 2018, foram os requerentes convocados para uma assembleia geral dos titulares do DRHP; que a assembleia se realizou no dia, hora e local consignados na carta; que parte dos requerentes puderam estar presentes ou representados; que foram deliberadas e aprovadas propostas, de forma abusiva, relativamente ao aumento da comparticipação de cada um dos titulares, pelo que devem ser suspensas e, em consequência, devem ser restituídos os valores pagos que excedam o que era devido, devendo ser facultado o acesso ao gozo do direito àqueles que procederam ao pagamento das quantias determinadas em data anterior à deliberação de 11 de Julho de 2018.

3. As requeridas deduziram oposição invocando, além do mais, a caducidade do procedimento, alegando que o prazo de 10 dias previsto no artigo 380º do Código de Processo Civil é de natureza substantiva, pelo que o decurso do mesmo determina a extinção do direito, não lhe sendo aplicável o disposto no artigo 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

4. Cumprido o contraditório quanto à matéria de excepção veio a ser proferida sentença na qual se considerou “verificada a excepção da caducidade (o prazo terminou no dia 23 de Julho de 2018), assim se extinguindo o direito cautelar dos requerentes”.

5. Inconformados interpuseram os recorrentes o presente recurso, que concluíram nos seguintes termos:
A) Consideram os Apelantes que, com o devido respeito, padece a sentença recorrida dos vícios de omissão de pronúncia, erro na aplicação e interpretação do direito e erro na apreciação da matéria de facto.
B) No caso em apreço, na sua resposta às excepções (Req. Ref.ª 30282440), os Requerentes/Apelantes reportaram factos que consubstanciavam um comportamento abusivo das Requeridas/Apeladas ao invocar a caducidade, nomeadamente sob a forma de “venire contra factum proprium”.
C) Ora, a M.ma Juiz a quo pura e simplesmente ignora estes factos e a exceção de abuso de direito aduzida pelos Requerentes/Apelantes, não se pronunciando sobre eles em nenhum ponto da sentença, mesmo sendo essa exceção de conhecimento oficioso.
D) Pelo que, salvo melhor opinião, padece então a referida sentença do vício de nulidade, decorrente dessa omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
E) Ainda, uma justa apreciação desta questão deverá ter em conta que as regras substantivas que regulam as assembleias de DRHP’s são, por analogia, as previstas para as assembleias de condóminos, nomeadamente o artigo 1433.º do Código Civil (CC).
F) Note-se que esse artigo, quanto à suspensão das deliberações, faz uma remissão geral à lei do processo, não limitando de nenhuma forma a sua aplicabilidade a trechos ou parte da mesma.
G) Acresce que não pode deixar de ser tido em conta que o prazo estabelecido no artigo 380.º, n.º 1 do CPC é de 10 dias, o que é absolutamente simétrico ao prazo estabelecido para as Requeridas se oporem.
H) Ora, ninguém contesta que as Requeridas podem fazer-se valer do regime previsto no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, prolongando temporalmente por mais 3 dias úteis a possibilidade de dar entrada da sua oposição.
I) Negar essa possibilidade aos Requerentes no momento da entrada do seu requerimento inicial seria, cremos, uma flagrante violação do princípio de igualdade entre as partes, criando uma inexplicável “desigualdade de armas” ou “standard duplo” para prazos simétricos estabelecidos dentro do Código do Processo Civil.
J) Pelo que a única interpretação correta e compatível com o princípio de igualdade das partes é que o regime previsto no artigo 139.º, n.º 5 do CPC é também aplicável ao prazo estabelecido no artigo 380.º, n.º 1 do CPC.
K) Acresce também que está também mal a sentença ao considerar que todos e cada um dos Requerentes/Apelantes foram convocados para a assembleia geral por carta registada com aviso de ressecção, sendo, portanto, aplicável a exceção de caducidade a todos e cada um deles.
L) De facto, o artigo 18.º do requerimento inicial é formulado de forma genérica, devendo a menção aos “requerentes” aí plasmada ser entendida como não exaustiva e não aplicável a todos e cada um deles individualmente.
M) Mesmo se essa formulação pudesse suscitar alguma dúvida, resulta do próprio requerimento inicial e dos documentos juntos que existia um conjunto de titulares – os identificados nas alíneas A) a I) do Requerimento Inicial – cuja titularidade só veio a ser judicialmente reconhecida por sentença notificada às partes em 09.07.2018, ou seja, 2 dias antes da realização da Assembleia.
N) Pelo que, naturalmente, neste contexto, não poderiam ter sido estes titulares em concreto convocados para a assembleia, já que à data do envio das cartas registadas com aviso de ressecção, não lhes era reconhecida pelas Requeridas/Apeladas a sua qualidade de titulares.
O) O mandatário dos Requerentes/Apelantes veio, em tempo e nos termos previstos no artigo 46.º do CPC, esclarecer e rectificar isso mesmo, nos artigos 1.º a 4.º da resposta às excepções (Req. Ref.ª 30282440).
P) E as próprias Requeridas/Apeladas vêm também reconhecer posteriormente esses factos, no seu requerimento Ref.ª 30403670, nomeadamente nos artigos 6.º a 9.º dessa peça processual.
Q) Acrescente-se que a aceitação especificada aí aduzida no artigo 4.º desse requerimento já não aproveita, porque é póstuma e não anterior aos esclarecimentos e rectificação apresentados pelo mandatário dos Requerentes/Apelantes na resposta às excepções (Req. Ref.ª 30282440).
R) Os factos assim rectificados são aduzidos pelos Requerentes simplesmente como defesa por exceção à “exceção de caducidade”, e como tal devem ser enquadrados e entendidos.
S) Ou seja, não são trazidos como novos factos integrantes da causa de pedir, já que a nulidade por falta de convocatória não é alegada no requerimento inicial e nem dela se querem aproveitar os Requerentes, por reconhecerem que essa falta de convocatória desses titulares (que existiu) derivou de não estar ainda reconhecida judicialmente a sua titularidade dos DRHP.
T) Diga-se também, que o facto de ter sido pago o montante da multa não pode ser considerado contraditório quanto a esta versão dos factos, porque, para além dos requerentes identificados nas alíneas A) a I), moveram este processo também outros requerentes, identificados nas alíneas J) a Z), sendo que, quanto a estes, foi-lhes enviada a convocatória, sendo-lhes então aplicável o prazo de propositura a contar do dia da assembleia.
U) Ou seja, para que também estes pudessem ser incluídos no requerimento inicial de suspensão das deliberações como partes, o pagamento da multa era necessário e daí ter-se procedido a esse pagamento.
V) Em resumo, tal como se esclarecia na resposta às excepções (Req. Ref.ª 30282440), há aqui conjuntos distintos de titulares aos quais se aplicariam prazos distintos de propositura desta providência, a saber:
a) Os Requerentes identificados nas alíneas D), F), G), H) e I) do requerimento inicial não receberam convocatória e não compareceram nem se fizeram representar na Assembleia;
b) Os Requerentes identificados nas alíneas A), B), C) e E) do requerimento inicial não receberam convocatória, mas fizeram-se representar na Assembleia;
c) Os Requerentes identificados nas alíneas J) até Z) do requerimento inicial receberam convocatórias e alguns compareceram ou fizeram-se representar na Assembleia.
W) Ora, se quanto aos referidos nas alíneas V.b) e V.c) supra será pacífico admitir que o prazo de propositura começou a contar a partir da realização da assembleia, já quanto aos referidos na alínea V.a) é forçoso concluir que o prazo de propositura só começou a contar a partir da data em que tomaram conhecimento das deliberações.
X) O que só veio a acontecer mais tarde, nas datas em que emitiram as respectivas procurações forenses juntas aos autos, que foram de 18/07/2018 para o Requerente Gonçalo e 16/07/2018 para os restantes Requerentes identificados nas alíneas D), F), G), H) e I) do requerimento inicial.
Y) Atendendo a tudo o exposto, mesmo que se tenha por aplicável a exceção de caducidade, esta só podia ter provimento parcial, devendo a providência prosseguir com os Requerentes aos quais esta não se aplicaria – os identificados na alínea 24.a) supra.

6. Contra-alegaram as recorridas pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Cumpre, apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença;
(ii) Da caducidade por decurso do prazo para a instauração do procedimento, havendo a este propósito que se apreciar as questões relativas à natureza e decurso do prazo para instauração do procedimento e do abuso de direito.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância, “de acordo com a alegação dos requerentes e com a documentação junta aos autos”, foram considerados como provados os seguintes factos:
a. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 08 de Junho de 2018, os requerentes foram convocados para uma assembleia geral dos titulares de DRHP do Luna Hotel da Oura, a realizar às 15 horas do dia 11 de Julho de 2018, no Hotel Brisasol, Rua do Município, em Albufeira (artigo 18º do requerimento inicial).
b. A carta tinha fixado o objecto e ordem de trabalhos (artigo 18º do requerimento inicial).
c. A convocatória foi acompanhada de três documentos (artigo 19º do requerimento inicial).
d. A AG realizou-se na data, hora e local previstos na convocatória (artigo 20º do requerimento inicial).
e. Parte dos requerentes puderam estar presentes ou representados na referida AG (artigo 22º do requerimento inicial).
f. A presente acção cautelar foi instaurada no dia 24 de Julho de 2018.
g. Os requerentes procederam ao pagamento da multa, ao abrigo do disposto no artigo 139º, n.º 5, do CPC.
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B) – O Direito
1. Invocam os recorrentes a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, alegando que a propósito da excepção da caducidade alegada pelas recorridas invocaram o abuso de direito, como excepção impeditiva do direito à alegação da caducidade.
Como se sabe, de acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º1, do art.º 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …”, porquanto deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (cf. artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil)
Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
E, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, pelo que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
No caso em apreço, em resposta à excepção da caducidade alegada pelas requeridas invocaram os recorrentes a excepção do abuso de direito, prevista no artigo no artigo 334º do Código Civil, a propósito da (in)aplicabilidade da norma do n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil ao prazo previsto no artigo 380º do Código de Processo Civil.
Ora, independentemente de saber se em resposta à matéria da excepção da caducidade no âmbito da providência cautelar podiam os requerentes invocar uma contra excepção, certo é que a verificar-se a caducidade, por decurso do prazo para instauração do procedimento, a dita excepção do abuso de direito, porque paralisadora dos efeitos decorrentes da caducidade, constitui mais do que um argumento em prol da procedência da excepção, sendo, por conseguinte, questão que o tribunal recorrido tinha que abordar, ainda que a considerasse manifestamente infundada.
Assim, a sentença recorrida enferma da dita nulidade, mas tal circunstância não obstaculiza ao conhecimento do recurso, devendo este tribunal ad quem substituir-se ao tribunal a quo na apreciação da questão, como decorre do n.º 1 do artigo 665º do Código de Processo Civil.

2. Entendeu-se na sentença recorrida que ocorreu a caducidade do procedimento, por ter sido excedido o prazo legalmente previsto para a sua instauração, assim se extinguindo o direito cautelar dos requerentes, com os fundamentos seguintes:
«As requeridas defendem-se por excepção, invocando a caducidade do procedimento.
Alegam que a AG decorreu no dia 11 de Julho de 2018, as deliberações cuja suspensão se pretende foram aprovadas nessa data e que, por isso, a acção cautelar deveria ter sido interposta até ao dia 23 de Julho de 2018, o que só veio a suceder um dia depois.
O contraditório, como se assinalou, encontra-se cumprido.
Os requerentes defendem, em sede de exercício do contraditório, que nem todos os requerentes receberam convocatória para estar presente na AG.
Dos factos (de acordo com a alegação dos requerentes e com a documentação junta aos autos):
a. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 08 de Junho de 2018, os requerentes foram convocados para uma assembleia geral dos titulares de DRHP do Luna Hotel da Oura, a realizar às 15 horas do dia 11 de Julho de 2018, no Hotel Brisasol, Rua do Município, em Albufeira (artigo 18º do requerimento inicial).
b. A carta tinha fixado o objecto e ordem de trabalhos (artigo 18º do requerimento inicial).
c. A convocatória foi acompanhada de três documentos (artigo 19º do requerimento inicial).
d. A AG realizou-se na data, hora e local previstos na convocatória (artigo 20º do requerimento inicial).
e. Parte dos requerentes puderam estar presentes ou representados na referida AG (artigo 22º do requerimento inicial).
f. A presente acção cautelar foi instaurada no dia 24 de Julho de 2018.
g. Os requerentes procederam ao pagamento da multa, ao abrigo do disposto no artigo 139º, n.º 5, do CPC.
Do direito aplicável:
Nos termos do disposto no artigo 380º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o prazo para requerer a suspensão das deliberações é de 10 dias, a contar da data da assembleia, a não ser que os interessados não tenham sido regularmente convocados, caso em que se contará da data do conhecimento das deliberações em causa.
O legislador consagrou prazos curtos de propositura de acções relativas a esta temática, com o objectivo da estabilização das deliberações, de modo a evitar a perturbação que da sua indefinição pudesse advir.
Este prazo é de natureza substantiva, sujeito ao regime da caducidade e, por isso, insusceptível de suspensão ou interrupção.
Após ter sido suscitada a excepção pelas requeridas, os requerentes vêm dizer – em oposição ao que haviam afirmado no artigo 18º do seu requerimento inicial – que, afinal, nem todos foram convocados para a AG.
Ora, esta alegação está em frontal contradição com o alegado aquando da interposição da acção cautelar (veja-se artigos 18º a 22º). Mais, encontra-se em contradição com o acto de pagamento da multa por parte dos requerentes porque, no seu entender, haviam apresentado, como apresentaram, a acção cautelar após o decurso do prazo de 10 dias (se, efectivamente, não haviam sido convocados deveriam, no seu interesse, ter alegado tal circunstância no requerimento inicial e assim evitado o pagamento da multa).
Como acima se referiu – e é entendimento unânime da jurisprudência dos Tribunais Superiores – está em causa um prazo de caducidade, um prazo substantivo, a que não se aplica o disposto no artigo 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, este Tribunal considera verificada a excepção da caducidade (o prazo terminou no dia 23 de Julho de 2018), assim se extinguindo o direito cautelar dos requerentes.»

3. Os requerentes discordam deste entendimento, argumentando, em síntese, que é aplicável ao prazo do artigo 380º, n.º 1, do Código de Processo Civil a norma do n.º 5 do artigo 139º, podendo o requerimento inicial ser apresentado num dos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo, sob pena de desigualdade em relação às requeridas que podem deduzir oposição aproveitando esta faculdade; que, como haviam dito em resposta à excepção, nem todos foram convocados para a assembleia geral, no caso aqueles que só viram reconhecido o seu direito como titulares de DRHP pela sentença notificada em 09/07/2018, tendo rectificado a alegação efectuada no requerimento inicial ao abrigo do artigo 46º do Código de Processo Civil; e que ocorreu abuso de direito na invocação e apreciação da caducidade.
Porém, desde já se adianta que não lhes assiste razão.
Senão vejamos:

4. O presente procedimento cautelar foi requerido ao abrigo do n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Civil, onde se estabelece o prazo de 10 dias para se requerer a suspensão da execução de deliberações sociais, contando-se o prazo, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações.
Como resulta do preceito o prazo para a instauração do procedimento conta-se desde a data da realização da AG, se o requerente foi regularmente convocado, ou, na sua falta, desde o conhecimento das deliberações tomadas.
E, como se diz na sentença recorrida, este prazo é de natureza substantiva, estando sujeito ao regime da caducidade, sendo insusceptível de suspensão ou interrupção.
De facto, como se refere, entre outros no acórdão da Relação de Lisboa, de 28/10/2004 (proc. n.º 6927/2004-6), disponível como os demais citados sem outra referência em www.dgsi.pt: «É pacífico o entendimento de que se trata de um prazo de caducidade, que é de direito substantivo [cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. 2º, pág. 92, e Acs. da RL de 22.2.96 e de 2.3.99 in CJ 1996, tomo I, pág. 124, e CJ 1999, tomo II, pág. 13], não obstante a sua previsão conste da lei adjectiva e na sua contagem devam seguir-se os critérios estabelecidos nos nºs. 1 a 3 do artigo 144º por força do estatuído no seu nº 4.
Tem, assim, aplicação ao caso a regra da continuidade dos prazos prevista neste normativo, os quais, por princípio, apenas se suspendem durante as férias judiciais. Esta suspensão em período de férias judiciais não se verifica, porém, nos procedimentos cautelares por revestirem sempre carácter urgente, como o determina o nº 1 do artigo 382º.» [actual artigo 363º do Código de Processo Civil].
No mesmo sentido, veja-se ainda, o acórdão da Relação de Lisboa, de 09/12/2014 (proc. n.º 514/14.5TYLSB.L1), e as referências jurisprudenciais e doutrinárias ali referenciadas, e os acórdãos, da Relação do Porto, de 30/06/2014 (proc. n.º 1150/13.9TBBGC-A.P1) e da Relação de Évora, de 16/12/2008 (proc. n.º 3052/08-3).
E, sendo o referido prazo de natureza substantiva, não lhe é aplicável o prazo previsto no n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil, que permite a prática do acto dentro dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, o qual só se aplica aos prazos de natureza processual.
E tanto assim é, que no n.º 4 do artigo 138º do Código de Processo Civil se refere que os prazos para a propositura de acções previstos no código seguem o regime dos números anteriores, não remetendo, por conseguinte para o artigo 139º do Código de Processo Civil.
Deste entendimento não decorre a violação do principio da igualdade das partes, pelo facto de as recorridas poderem beneficiar do prazo previsto no n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil para a apresentação da oposição, dado estarem em causa prazos com natureza e consequências diferentes: no caso dos requerentes, o prazo de instauração do procedimento, de natureza substantiva, cujo decurso implica a extinção do direito de acção e, no caso das requeridas, um prazo de natureza processual, que ocorre já no desenrolar da lide, com consequências diversas, sendo certo que os requerentes também podem beneficiar da aplicação do referido preceito em relação a actos que pratiquem já no âmbito do processo, tal como as requeridas.

5. Deste modo, tendo-se como assente que os requerentes foram regularmente convocados para a AG, que se realizou no dia 11 de Julho de 2018, onde terão sido tomadas as deliberações impugnadas, o prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Civil para requererem a suspensão da execução das ditas deliberações terminava dia 21 de Julho, o qual, sendo sábado, transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 2ª feira, dia 23 de Julho de 2018.
Assim, e não sendo aplicável a faculdade prevista no n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil de praticar o acto nos 3 primeiros dias úteis ao termo do prazo mediante o pagamento de multa, o requerimento inicial apresentado em 24 de Julho de 2018, foi apresentado para além do prazo legalmente previsto, tendo, por conseguinte, ocorrido a caducidade e a extinção do direito em causa.

6. Advogam, porém, os recorrentes que a referência que fazem no artigo 18º do requerimento inicial, quando afirmam que “por carta registada com aviso de recepção, datada de 08 de Junho de 2018, os requerentes foram convocados para uma assembleia geral …. a realizar às 15 horas do dia 11 de Julho de 2018 …” é genérica e não abrange todos os requerentes, pois partes deles, designadamente os que viram os seus direitos reais de habitação periódica reconhecidos por sentença notificada às partes em 09/07/2018, ou seja, 2 dias antes da realização da assembleia, como esclareceram em sede de contraditório, rectificando a declaração inicial ao abrigo do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Mas, esta argumentação não colhe, porquanto a declaração constante do artigo 18º do requerimento inicial é inequívoca no sentido de que os requerentes foram (todos) convocados para a dita assembleia, pois não se faz qualquer distinção em relação a qualquer deles, designadamente dos que terão apenas visto os seus direitos reconhecidos pela mencionada sentença judicial, e aquela alegação factual feita pelos requerentes no requerimento inicial tem-se por aceite pela parte contrária, que dela fez uso para invocação da caducidade na oposição, servindo de fundamento à arguição desta excepção, não podendo posteriormente vir a ser rectificada ao abrigo do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Além disso, concorda-se com a sentença recorrida, no sentido de que a invocação posterior de que nem todos os requerentes teriam sido convocados para a AG é contraditória com o facto de terem pago a multa pela prática do acto ao abrigo do n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil.
Aliás, a este respeito, não podemos deixar de referir que o que os recorrentes não perspectivaram foi que as requeridas viessem alegar a caducidade, daí que invoquem o abuso de direito, questão que adiante se abordará.
Acresce que mesmo que se entendesse ser de presumir a inexistência da dita convocatória em relação aos requerentes abrangidos pela mencionada sentença, tal facto não servia à pretensão dos requerentes em ver prosseguir o procedimento cautelar, porquanto, à data da realização da AG e da apresentação do requerimento inicial ainda não teriam os seus direitos reais de habitação periódica reconhecidos por sentença transitada em julgado (a sentença diz-se só ter sido notificada 2 dias antes da realização da AG), pelo que careciam de legitimidade para impugnar as deliberações anteriormente tomadas.

7. Por fim, clamam os recorrentes pela existência de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, se bem percebemos, pelo facto de em anterior procedimento as requeridas não terem invocado a caducidade, em situação análoga à dos presentes autos.
Mas esta questão, salvo o devido respeito, é manifestamente improcedente.
Nos termos do artigo 334º do Código Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Para que haja abuso de direito é, pois, necessário que exista uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito (cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 6ª ed., pág. 516).
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa ou intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4ª ed. pág. 299).
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/04/2008 (proc. n.º 2889/2008-6): “existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado”.
Ora, no caso, não vemos como é que o não exercício do direito das requeridas em invocarem a caducidade no âmbito de anterior procedimento judicial pode ser visto como a criação de legitima expectativa de que a caducidade não venha a ser invocada em procedimento judicial posterior, ainda que haja uma similitude processual em ambos os procedimentos.
Aliás, se bem virmos a alegação dos requerentes tal questão diz apenas respeito ao facto de as requeridas antes (no anterior procedimento) não terem questionado a aplicação ao prazo decorrente do n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Civil da norma do n.º 5 do artigo 139º deste código.
Ora, invocação da caducidade do direito de acção cautelar insere-se no exercício normal e legítimo do direito de defesa que legalmente assiste ao requerido, não podendo ficar condicionado pelo seu não exercício em acção anterior, nem o juiz ficar refém do entendimento alegadamente aceite no processo anterior no que se reporta à interpretação e aplicação da dita norma adjectiva, como parece ser o entendimento dos requerentes, quando dizem, em resposta à excepção, que à semelhança do que sucedeu no processo anterior, em que se aceitou que o prazo para instauração do procedimento era de 10+3 dias, também no presente procedimento se devia seguir este entendimento, “sob pena de violação de princípios da confiança processual e da legítima expectativa das partes”.
Por conseguinte, improcede a dita excepção.

8. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. O prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 380º do Código de Processo Civil tem natureza civil ou substantiva e é um prazo de caducidade, ao qual, são aplicáveis as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 138º do Código de Processo Civil, por força do estatuído no n.º 4 deste artigo.
II. Ao referido prazo não é aplicável a regra prevista no n.º 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
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Évora, 11 de Abril de 2019

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)