INSOLVÊNCIA
EMBARGOS
PRAZO
Sumário


I - O nº8 do art.º 37º do CIRE determina que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação de créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio mas fá-lo no pressuposto de que foi este o último acto de publicidade praticado.
II - Não o tendo sido, ter-se-á de admitir – ao abrigo do princípio de economia processual sancionado no art.º 130º do CPC - como tempestivamente deduzidos os embargos pelo credor que, respeitando o prazo fixado para o efeito, o computa a partir da afixação do edital na sede da insolvente por ter sido esse efectivamente o último acto de publicidade realizado.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral



ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO
1. BB, veio interpor recurso do despacho que indeferiu liminarmente, por intempestividade, os embargos por si deduzidos ao complemento da sentença de insolvência da sociedade CC, Lda., formulando as seguintes conclusões:
“A – O recorrente interpôs embargos a insolvência plena de "CC, Lda", no próprio dia da afixação de edital no estabelecimento da devedora.
B- Os Artºs. 37°-7 e 8 e 40°. CIRE mandam contar o prazo da dedução de embargos à insolvência tanto da afixação do edital como da descarga do anúncio no portal "citius".
C- A solução normativa não é uma alternativa, mas copulativa.
D - Quer dizer: o prazo de dedução dos embargos conta-se da conjunção das duas datas, pressupostas, segundo a prudência legislativa, muito próximas ou no mesmo dia.
E- Havendo, como aconteceu, distanciamento entre essas duas datas, vale a última, isto é, a da afixação do edital, pelo menos para os credores leigos.
F - E o recorrente não faz profissão de concessão de créditos, nomeadamente no caso de crédito de um mútuo ocasional, como foi o resultante do consentimento trocado entre si e a insolvente, sob promessa de reembolso rápido.
G- Deste modo, a decisão recorrida infringiu os arts. 37/7 e 8 e 40/2 CIRE.
H - Pelo que o despacho recorrido deve ser reformado, para prosseguimento dos embargos.
I - O entendimento diferente de principal quanto ao artº 40/2 CIRE, torna o preceito inconstitucional por enfrentar o princípio constitucional da boa-fé inerente a uma ordem fundamental baseada na dignidade humana e no respeito pelas diferenças de cultura e informação (não discriminatórias) dos cidadãos portugueses- arts. 1 e 20/4 da CRP.
V. Exas., com douto suprimento, deferirão o presente recurso.”


2. Não houve contra-alegações.

3. Dispensaram-se os vistos.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se, sendo o anúncio a que alude o art.º 37º nº7 do CIRE publicado no portal Citius precedentemente aos editais a que alude o mesmo normativo, o prazo para dedução de embargos à insolvência se pode contar, ainda assim, da publicação do mesmo anúncio.

II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos a considerar na decisão deste recurso, para além do que consta do antecedente relatório, são os seguintes:
1.1. No dia 9.7.2018 foi proferido complemento da sentença de insolvência de 9.6.2014 da sociedade CC, Lda.;
1.2. Em 11.7.2018 foi publicado o anúncio no portal do Citius com o seguinte conteúdo:
ANÚNCIO
Processo: 248/14.0TBCTX
Insolvência pessoa coletiva (Requerida)
Referencia: 78785021
Data: 11-07-2018
Publicidade do Complemento da sentença proferida em 09/06/2014 nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artº 39º CIRE
Citação de credores e outros interessados nos autos de Insolvência acima identificados
No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 1 de Santarém, no dia 10-07-2018, pelas 16:15 horas, foi proferido complemento da sentença de declaração de insolvência do(s) devedor(es):
CC Lda, NIF - …, Endereço: Av. … – Quinta …, Cartaxo, 2070-… Cartaxo, com sede na morada indicada.
Nos autos é Administrador da Insolvência:
DD, NIF - …, Endereço: Avenida …, …, Lote …, 1º Esquerdo, 2430-… Marinha Grande
Ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente.
Ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.
Não se declara aberto o incidente de qualificação da insolvência, uma vez que inexistem elementos para o efeito, nos termos do artº 36º nº 1 al. i) a contrário, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Para citação dos credores e demais interessados correm éditos de 5 dias.
Ficam citados todos os credores e demais interessados de tudo o que antecede e ainda:
O prazo para a reclamação de créditos foi fixado em __30__ dias.
O requerimento de reclamação de créditos deve ser endereçado ao administrador da insolvência nomeado e apresentado por transmissão eletrónica de dados (nº 2 do artº 128º do CIRE). Sempre que o credor não esteja patrocinado por advogado, o mesmo requerimento deve ser apresentado ou remetido por correio electrónico ou por via postal registada, ao administrador da insolvência nomeado, para o domicílio profissional constante do presente edital (nº 3 do artº 128º do CIRE), acompanhado dos documentos probatórios de que disponham.
Mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento (nº 5 do artº 128º do CIRE).
Do requerimento de reclamação de créditos deve constar (nº1, artº 128º do CIRE):
 A proveniência do(s) crédito(s), data de vencimento, montante de capital e de juros;
 As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
 A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável;
 A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
 A taxa de juros moratórios aplicável.
É designado o dia 13-09-2018, pelas 14:00 horas, para a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório,e deliberação sobre o pedido de administração da massa pela insolvente, podendo fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para o efeito.
É facultada a participação de até três elementos da Comissão de Trabalhadores ou, na falta desta, de até três representantes dos trabalhadores por estes designados (nº 6 do artº 72º do CIRE).
Da presente sentença pode ser interposto recurso, no prazo de 15 dias (artº 42º do CIRE), e/ou deduzidos embargos, no prazo de 5 dias (artº 40º e 42º do CIRE).
Com a petição de embargos, devem ser oferecidos todos os meios de prova de que o embargante disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no artº 511º do Código de Processo Civil (nº 2 do artº 25º do CIRE).
Ficam ainda advertidos que os prazos para recurso, embargos e reclamação de créditos começam a correr finda a dilação e que esta se conta da data da publicação do anúncio no portal Citius.
Os prazos são contínuos, não se suspendendo durante as férias judiciais (nº 1 do artº 9º do CIRE).
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
Informação
Plano de Insolvência
Pode ser aprovado Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor (artº 192º do CIRE).
Podem apresentar proposta de Plano de Insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa responsável pelas dívidas da insolvência ou qualquer credor ou grupo de credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de graduação de créditos ou, na falta desta, na estimativa do Sr. Juiz (artº 193º do CIRE).

1.3. No dia 12.7.2018 procedeu-se à afixação de edital à porta do Tribunal e no dia 8.8.2018 na “ residência do insolvente “ – Cfr. CERTIDÃO DE AFIXAÇÃO DE EDITAIS.

1.4. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Veio o credor BB opor embargos ao complemento da sentença de insolvência.
Nos termos do disposto no art.40.º, n.º2 do CIRE os embargos devem ser deduzidos dentro dos cinco dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável. No caso em apreço, e uma vez que o embargante não foi notificado do complemento de sentença nos termos prescritos no n.3 do art.37.º do CIRE, ter-se-á que aferir o prazo de notificação da sentença atendendo à citação prevista nos nºs. 7 e 8 do art.37º do CIRE. Nos termos do art.37.º, n.º7 do CIRE, os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede, nos estabelecimentos da empresa e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius. Os editais e anúncios devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) e e) e i) a n) do artigo anterior, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior – art.37.º, n.º8 do CIRE.
Portanto, o embargante dispunha de um prazo de 10 (dez) dias, ou seja, dos cinco dias subsequentes à notificação da sentença acrescidos de cinco dias respeitante à dilação para apresentar a petição inicial de embargos. O complemento de sentença foi publicado no portal CITIUS em 11/07/2018, pelo que o prazo para a dedução de embargos terminava, neste caso, em 23/07/2018 (art.138.º, n.º2 do NCPC), a que acresceriam os 3 dias úteis previstos no art.139.º do NCPC, transferindo esse termo para o dia 26/07/2018.
Os presentes embargos deram entrada nos autos em 08/08/2018, ou seja, muito depois de decorrido o prazo legal para a sua apresentação.
Pelo exposto, e não obstante já ter sido ordenada a citação prevista no art.41.º, n.º2 do CIRE, com vista a evitar a prática de actos inúteis e ao abrigo dos princípios da economia processual e da adequação formal, ao abrigo dos arts.40.º, n.º2 e 41.º, ambos do CIRE, por extemporâneos, não admito os embargos deduzidos pelo credor BB”.

2. Do mérito do recurso

2.1. Insurge-se o recorrente por o Tribunal “ a quo”, na apreciação acerca da (in) tempestividade dos embargos ter ponderado apenas na data em que foi publicado o anúncio menosprezando aquela em que o edital foi afixado, o que ocorreu quase um mês depois.
Vejamos.
Como se salienta no Acórdão desta Relação de 30.11.2016 [1] “no actual sistema de impugnação da sentença declaratória da insolvência prevê o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, uma dupla via de reacção - os embargos e o recurso - sendo que os legitimados são os mesmos (cf. artigos 40º e 42º).
Como decorre do artigo 40º, n.º 2, do CIRE, os embargos são necessariamente fundados em razões de facto, pois “… apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência”.
Em contrapartida, o recurso deve basear-se em fundamentos de direito, por inadequação da decisão à factualidade apurada por má aplicação da lei, ou seja, quando se entenda que face aos elementos apurados a decisão não devia ter sido proferida (cf. n.º 1 do artigo 42º, do CIRE)”.
No caso, o apelante, credor da insolvente, deduziu embargos à insolvência, estribado na alínea d) n.º 1 do artigo 40º do CIRE.

Entendeu o Tribunal “a quo” que, porque o mesmo não havia sido notificado do complemento da sentença nos termos prescritos no nº3 do art.º 37º - aspecto que não nos cumpre sindicar - o início do prazo de dedução dos embargos (de cinco dias) começou a correr depois de finda a dilação (também de cinco dias) e que esta se conta desde a publicação do anúncio, de acordo com o estatuído no nº 8 do mesmo normativo.

Assim seria, sem dúvida, se porventura o anúncio tivesse sido publicado subsequentemente aos editais e não antes.

A propósito da notificação da sentença que decreta a insolvência [2] dispõe o nº 7 do art.º 37º que : “Os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius”.
E acrescenta o nº 8 que: “ Os editais e anúncios referidos no número anterior devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) a e) e i) a n) do artigo anterior, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior.”.

Como se depreende com clareza da leitura destas normas, o legislador pretendeu que a sentença fosse levada ao conhecimento dos credores desconhecidos do insolvente por duas vias: mediante a afixação de editais e pela publicação de um anúncio no portal do Citius.

Não estabeleceu, à semelhança do que sucedia com o art.º 248º nº1 do CPC de 61 na versão dada pelas Leis nº 52/2008, de 28.8 e nº 29/2009, de 29.6., qualquer ordem cronológica na execução desses actos, apesar de aludir, como no CIRE sucede, à afixação de editais, em primeiro lugar, e à publicação de anúncios, em segundo.

Cremos, porém, que já no domínio do pretérito Código de Processo Civil, da conjugação das normas que disciplinavam a citação edital se podia extrair que os editais deveriam ser afixados e só subsequentemente a publicação dos anúncios teria lugar, tanto mais que a citação se considerava feita no dia em que se publicasse o último anúncio ou, não havendo anúncios, no dia em que fossem afixados os editais (cfr. art.º 249º e 250º do CPC 61 na versão assinalada).

Ora, no novo Código de Processo Civil, o legislador veio explicar isso mesmo, ao referir expressamente que a citação edital é feita por afixação do edital seguida da publicação de anúncio ( Cfr. art.º 240º nº1 ).

Na verdade, continuando o legislador a afirmar que a citação se considera efectuada no dia da publicação do anúncio (cfr. art.º 242º nº1 do CPC) não faz sentido, como outrora não fazia, que quando o mesmo fosse publicado, subsistissem por cumprir formalidades tendentes a permitir a maior difusão possível do acto de citação que tantas implicações tem.

Estas considerações não só se aplicam à citação edital em causa, como se justificam com maior acuidade por o prazo que nasce com a mesma ser um prazo curto : cinco dias acrescidos doutros tantos de dilação.

Como se viu, o anúncio foi publicado no dia 11.7.2018 mas os editais só o foram subsequentemente: No dia 12.7.2018 procedeu-se à afixação de edital à porta do Tribunal e só no dia 8.8.2018 na “ residência do insolvente “.

Esta “ inversão da ordem das coisas” não é, como se assinalou, consentida no Código de Processo Civil e sendo o processo de insolvência um processo que se rege pelo mesmo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (cf. artigo 17º do CIRE) alcançamos a conclusão que foi postergada na citação do apelante uma formalidade essencial que impede que a data da publicação do anúncio seja a data determinante para o início do cômputo do prazo para deduzir embargos.

Com efeito, o nº8 do art.º 37º do CIRE determina que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação de créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio mas fá-lo no pressuposto de que foi este o último acto de publicidade praticado.

Não o tendo sido, ter-se-á de admitir – ao abrigo do princípio de economia processual sancionado no art.º 130º do CPC - como tempestivamente deduzidos os embargos pelo credor que, respeitando o prazo fixado para o efeito, o computa a partir da afixação do edital na sede da insolvente por ter sido esse efectivamente o último acto de publicidade realizado.

III- DECISÃO
Por todo o exposto acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que aprecie da admissão liminar dos embargos tempestivamente deduzidos.
Sem custas.
Évora, 11 de Abril de 2019
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Relatado pelo Des. Francisco Xavier e consultável na Base de Dados do IGFEJ.
[2] Aplicável ao “complemento “da mesma por força do disposto no nº 2, alínea b) do art.º 39º.