I – A competência do tribunal, sendo um pressuposto processual, afere-se pelo pedido e respetivos fundamentos, nos termos em que são configurados pela A.
II – Peticionando a A. que se reconheça que o contrato denominado de prestação de serviço, que celebrou com a Junta de Freguesia, é de trabalho e que se declare ilícito o seu despedimento com as consequências previstas no Código do Trabalho, são os Juízos do Trabalho e não os Tribunais Administrativos os competentes para conhecer do litígio.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])
1 – RELATÓRIO
AA intentou, com o patrocínio do Ministério Público, a presente ação declarativa de condenação contra a JUNTA DE FREGUESIA BB, pedindo que:
- Seja reconhecido como contrato individual de trabalho de duração indeterminada o contrato celebrado entre si e a Ré, cuja execução se iniciou a 1.07.2016;
- Sejam repostos os seus direitos inerentes a tal reconhecimento, designadamente a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador subordinado, com a consequente reposição da sua situação contributiva desde 1.07.2016, a cargo da Ré;
- Seja a Ré condenada no pagamento da retribuição e respetivo subsídio referentes aos 12 dias de férias vencidos e não gozados do ano de 2016, no montante de € 560,00;
- Seja a Ré condenada no pagamento da retribuição e respetivo subsídio referentes às férias gozadas no ano de 2017, o que totaliza € 1.400,00;
- Seja a Ré condenada no pagamento do proporcional do subsídio de Natal relativo ao ano de 2016, no montante de € 350,00;
- Seja declarado ilícito o despedimento movido pela Ré, sendo esta consequentemente condenada a reintegrá-lo, com salvaguarda da sua categoria profissional e antiguidade;
- Seja a Ré condenada no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, aqui se incluindo o subsídio de Natal vencido em Dezembro de 2017;
- Seja condenada no pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento alegou que no dia 28 de julho de 2016 celebrou com a Ré um contrato denominado “contrato de prestação de serviços”, com início em 1 de julho de 2016, com o prazo inicial de 6 meses, podendo ser renovado por períodos sucessivos de 12 meses e até ao máximo de duas renovações. O contrato foi renovado em 1 de janeiro de 2017 e em 1 de janeiro de 2018. Foi contratado para prestar serviços de ... em áreas ajardinadas e arborizadas da Freguesia …, até um limite de 140 horas mensais e contra o pagamento de uma quantia anual de € 8.400,00, pagável em 12 prestações mensais de € 700,00. Apesar de, por imposição da Ré, o contrato ter sido denominado de “contrato de prestação de serviços”, sempre se tratou de uma relação individual de trabalho.
Em 12 de dezembro de 2017 foi-lhe comunicado que estava despedido e que deixaria de trabalhar para a Ré a partir do dia seguinte, 13 de dezembro de 2017.
Durante todo o tempo em que esteve ao serviço da Ré, nunca recebeu qualquer importância a título de subsídio de férias e subsídio de Natal e apenas gozou 22 dias úteis de férias em 2017, os quais não lhe foram pagos. Não recebeu qualquer importância a título compensatório ou indemnizatório decorrente da cessação do contrato.
A Ré contestou arguindo, para além do mais, a exceção de incompetência material do Juízo do Trabalho, cabendo a competência ao Tribunal Administrativo.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi a aludida exceção de incompetência em razão da matéria julgada improcedente e competente o Juízo do Trabalho.
Inconformada com esta decisão, a Ré apelou, tendo sido proferida a seguinte deliberação:
«Em face do exposto, acordam os Juízes destes Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e confirmam o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente.»
Desta deliberação e novamente inconformada, recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal impetrando a revogação do acórdão declarando-se o Juízo do Trabalho materialmente incompetente.
O A., com o patrocínio oficioso do Mº Pº, contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
“A) Segundo o Tribunal a quo, “aferindo-se a competência material pela forma como o Autor desenha o pedido e a causa de pedir, analisada a petição inicial cujo pedido e causa de pedir acima se resumiu, logo se constata que o Autor fundamentou a sua pretensão na existência de um alegado contrato individual de trabalho sob a veste de um denominado contrato de prestação de serviço, alegadamente imposto pela Ré e que terá findado por um despedimento que considera ilícito. Acresce que nada no articulado do Autor legitima conclusão de que este enformou o contrato de trabalho como sendo de natureza administrativa”; Todavia,
B) O facto de o Autor, representado pelo MP, ter desenhado uma relação de trabalho subordinado e ter invocado que a mesma era disciplinada pelo Direito do Trabalho não determina a competência material do Tribunal do Trabalho, quando, por norma legal imperativa, as autarquias locais deixaram de ter capacidade jurídica de direito privado desde 1-03-2008; Isto é,
C) O MP não pode impor que um Tribunal do Trabalho aprecie uma relação jurídica constituída entre um cidadão e uma autarquia local, que desenha como de trabalho subordinado quando, a existir e desenhada subordinação, essa relação é de direito público, sendo competente para dela conhecer os tribunais administrativos; Na verdade,
D) O artigo 116.º, alíneas x) e aa) da Lei n.º 12-A/2008, de 28/02, revogou expressamente o Decreto Lei n.º 427/89, de 7/12 e o Decreto Lei n.º 409/91, de 17/10, aonde se fundava a capacidade jurídico privada das autarquias para constituírem relações laborais. De onde,
E) A partir dessa data as autarquias apenas podem constituir relações jurídico laborais de direito público. Aliás,
F) Segundo o Acórdão do STJ de 24-02-2015, proferido no Processo n.º 636/12.7TTALM.S1, publicado in www.dgsi.pt:
“(…) Com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11/9, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e revogou a Lei n.º 23/2004, deixou de estar prevista no nosso ordenamento jurídico a vinculação do Estado através de relações laborais comuns, de direito privado, passando os trabalhadores com contrato de trabalho válido a ser titulares de Contrato de Trabalho em Funções Públicas.”
G) Pelo que compete aos tribunais administrativos conhecer da existência da invocada subordinação e retirar as consequências da mesma; [p]elo que,
H) Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, os artigos 126.º, n.º 1, alínea b) Lei de Organização Judiciária e artigo 4.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, bem como o artigo 116.º, alíneas x) e aa) da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, que revogou os preceitos que fundavam a capacidade jurídico-privada de direito laboral das autarquias locais.”
O A. formulou as seguintes conclusões:
“1- A competência material de um tribunal deve ser aferida em função da relação jurídica entre Autor e Réu (pedido e causa de pedir) configurada por aquele na petição inicial;
2- Tendo sido invocado como causa de pedir uma relação de trabalho subordinado entre A. e Ré -Freguesia BB- e como pedido o reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho- é competente para a sua apreciação o tribunal de trabalho e não o tribunal administrativo, nos termos dos artigos 64º do CPC, 211º da CRP, 40º e 126º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.
3- A capacidade jurídico-Iaboral de direito privado da Ré é questão do mérito da causa e não o pressuposto processual da competência do tribunal.”
2 – ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, está apenas em causa saber se o Juízo do Trabalho é o competente para conhecer da ação.
3 - FUNDAMENTAÇÃO
3.1 - OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório.
3.2 - O DIREITO
Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]).
Este mesmo coletivo teve já oportunidade de tomar posição sobre a questão aqui em causa, no processo 9086/18.0T8LSB-A.L1.S1, no qual foi, em 20 de fevereiro p. p., proferido acórdão mantendo a decisão da Relação que, como no caso sub judice, decidira ser o juízo do trabalho o competente.
Os factos aqui em causa são em tudo idênticos aos daquela ação, sendo certo que não vêm aduzidas pela recorrente quaisquer razões novas suscetíveis de alterar o que então decidimos.
Com a presente ação pretende o A. que se reconheça que o contrato que celebrou com a Ré foi de trabalho subordinado e que se declare ilícito o seu despedimento com as consequências previstas no Código do Trabalho.
Para tanto invocou factos que, na sua perspetiva, impõem a qualificação do contrato como de trabalho.
A Ré objeta que o contrato foi de prestação de serviço cabendo a competência aos juízos cíveis. Mas, provando-se os factos alegados pelo A., estando como estava legalmente impedida de celebrar contratos de trabalho de direito privado, o contrato em causa seria de trabalho em funções públicas, cabendo a competência para conhecer do litígio aos Tribunais Administrativos.
A competência material do tribunal, como pressuposto processual que é, afere-se em função, não só do pedido, como também da causa de pedir, padronizada nos moldes em que a relação jurídica é configurada pelo A., com recurso aos chamados índices de competência que constam das diversas normas determinativas da competência.
“Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina Redenti – «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)»; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor.
E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.
A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” ([4]).
A competência é regulada pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas normas processuais respetivas (art. 60º do CPC).
Estabelece o art. 126º, nº 1, al. b), da Lei 62/2013 de 26/08 (LOSJ):
“1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
(…)
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (…).”
Ora, pretendendo o A. que se qualifique o contrato como de trabalho de direito privado e peticionando a condenação da R. nas consequências previstas no Código do Trabalho para os casos de cessação ilícita do mesmo, como, segundo alega, foi o seu caso, não há dúvida que a competência para conhecer do pedido do A., tendo em conta a respetiva causa de pedir, cabe aos Juízos do Trabalho e não aos Tribunais Administrativos.
As objeções opostas pela R. relevam para o mérito da causa, mas não para afeitos de aferição da competência do tribunal ([5]).
4. DECISÃO
Pelo exposto delibera-se:
1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.
Anexa-se o sumário do acórdão.
Lisboa, 10 de abril de 2019
Ribeiro Cardoso (Relator)
Ferreira Pinto
Chambel Mourisco
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[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[4] Manuel de Andrade, NOÇÕES ELEMENTARES DO PROCESSO CIVIL, ed. 1993, reimpressão, págs. 90-91.
[5] Ac. STJ de 6.05.2010 (2ª Secção), proc. 3777/08.1TBMTS.P1.S1 “A competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida. É na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer”.