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DIREITOS DE PERSONALIDADE
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
TUTELA POST MORTEM
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I – Na reapreciação da decisão de facto a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
II – O n.º 2 do art.º 70.º do C.C. estabelece duas modalidades de reação do titular do direito de personalidade ofendido, que podem ser cumuladas: o recurso à responsabilidade civil, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no art.º 483.º do mesmo Cód., e o recurso às providências que se tenham por adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
III – O que se protege no n.º 1 do art.º 71.º do C.C. é objetivamente o respeito pelos mortos, como valor ético, e subjetivamente a defesa da inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros, destarte se defendendo, no âmbito do direito subjetivo de personalidade, o direito que os vivos têm a que os seus mortos sejam respeitados.
IV – O n.º 2 do art.º 71.º abrange a legitimidade das pessoas aí referidas para pedirem também indemnização pelos danos que resultarem da ofensa dos direitos de personalidade do seu familiar falecido.
V – O direito à identidade pessoal, consagrado no art.º 26.º da Constituição, abrange além do direito ao nome, também um direito à «historicidade pessoal», ou seja, o direito ao conhecimento da paternidade biológica, de que resulta, além do mais, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade.
VI – O art.º 483.º do C.C. refere dois factos ilícitos como geradores da responsabilidade civil: a violação do direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e o art.º 484º., do mesmo Cód., é um caso especial de facto antijurídico definido naquele art.º 483.º, pelo que a ofensa do crédito ou do bom nome deve-se considerar subordinada ao princípio geral deste último preceito legal.
Texto Integral
SUMÁRIO
I – Na reapreciação da decisão de facto a Relação, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
II – O n.º 2 do art.º 70.º do C.C. estabelece duas modalidades de reacção do titular do direito de personalidade ofendido, que podem ser cumuladas: o recurso à responsabilidade civil, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no art.º 483.º do mesmo Cód., e o recurso às providências que se tenham por adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
III – O que se protege no n.º 1 do art.º 71.º do C.C. é objectivamente o respeito pelos mortos, como valor ético, e subjectivamente a defesa da inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros, destarte se defendendo, no âmbito do direito subjectivo de personalidade, o direito que os vivos têm a que os seus mortos sejam respeitados.
IV – O n.º 2 do art.º 71.º abrange a legitimidade das pessoas aí referidas para pedirem também indemnização pelos danos que resultarem da ofensa dos direitos de personalidade do seu familiar falecido.
V – O direito à identidade pessoal, consagrado no art.º 26.º da Constituição, abrage além do direito ao nome, também um direito à «historicidade pessoal», ou seja, o direito ao conhecimento da paternidade biológica, de que resulta, além do mais, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade.
VI – O art.º 483.º do C.C. refere dois factos ilícitos como geradores da responsabilidade civil: a violação do direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e o art.º 484º., do mesmo Cód., é um caso especial de facto antijurídico definido naquele art.º 483.º, pelo que a ofensa do crédito ou do bom nome deve-se considerar subordinada ao princípio geral deste último preceito legal.
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
A) RELATÓRIO
I.- M. C.; L. F.; e M. J., residentes em ..., Guimarães, intentaram a presente ação declarativa comum contra C. P., residente em ..., Fafe, pedindo a condenação deste a pagar: à primeira, a quantia de € 20.000, e a cada uma das segunda e terceira, a quantia de € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Fundamentam este pedido alegando, em síntese, que o Réu intentou ação de impugnação de paternidade e maternidade alegando ser filho biológico do falecido marido da 1.ª Autora e pai das 2.ª e 3.ª Autoras, M. F., e da sua irmã e filha deste, M. I., dizendo-se, assim, filho de uma relação incestuosa.
Simultânemente, o mesmo Réu “multiplicou-se em contactos” com os diversos meios de comunicação social, quer a falada, quer a escrita, “propagando” na televisão, na rádio e na internete que «o seu avô é o seu pai», o que foi reproduzido “até à náusea” em diversos jornais, quer de âmbito local (“Notícias ...”; “Jornal ...”; “Comércio de …”), quer de âmbito regional e até nacional (o “Jornal ...” e o “Correio ...”).
Mais alegam que a divulgação destes factos, que o Réu sabe serem falsos, lhes causa imensa revolta, mágoa e tristeza, sentindo-se objecto de olhares e comentários dos vizinhos, tendo deixado de frequentar os locais que antes frequentavam, sendo impedidas de gozar o seu sossego e descanso normais, de dia e durante a noite, pela privação e perturbação do sono.
O Réu contestou, impugnando especificadamente os factos e atribuindo ao seu pai biológico e à 1.ª Autora, que de tudo sabia, a responsabilidade de quanto esta e as demais Autoras invocam.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente por provada a acção, condenou o Réu a pagar a cada uma das AA. M. J. e L. F. o valor individual de 5.000,00 euros e à A. M. C. o montante de 7.500,00 euros.
Inconformado, traz o Réu o presente recurso pedindo a alteração da decisão, julgando-se improcedentes os pedidos formulados pelas Autoras.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
II.- Do texto que o Apelante apresenta como conclusões, transcrevem-se os seguintes excertos:
“A - Uma vez que os visados são o Falecido M. F. e a sua filha M. I., nenhum deles parte na ação, nem em nenhuma outra em cujos factos eles tenham considerados como ofensivos à sua honra e consideração.
Não bastando para isso a alusão feita a título de conclusão no art.º 24.º da petição inicial “parece não haver dúvidas de que os direitos de personalidade daquele (…) foram violados …” sem nunca antes ter mencionado quais esses direitos e como foram violados e como é que ele os sentiu violados.
E como já foi referido os herdeiros não têm direito a indemnização no confronto dos agentes das ofensas, no quadro da responsabilidade civil porque não foi relativamente às mesmas que houve, a ter havido, facto voluntário do agente; ilicitude; culpa e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Pelo que o réu tem de ser absolvido por via do facto de elas não terem causa de pedir ou a sua causa de pedir, do modo como está formulada não tem respaldo na lei por forma a permitir que possam pedir que sejam indemnizadas pelos danos que invocam na ação.
Sendo que a decisão de que se recorre violou, diretamente as normas que são invocadas para sustentar a causa de pedir e o pedido.
Designadamente os artigos 70.º e 71.º, n.º 2 e segs e 483.º e 494.º todos do Código Civil.”.
“B - Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, é elemento fundamental os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento;
No caso presente as testemunhas depuseram de forma a sustentar a tese desenvolvida pelo Réu;
A prova documental e pericial sustenta a tese desenvolvida pelo Réu;
A prova produzida não pode ser valorada para decisão em sentido contrário;
O tribunal “a quo”, face à prova produzida, quer documental quer testemunhal, deveria ter dado como não provados os factos alegados por forma a sustentar a versão do Ré.
Bem como errou na apreciação da prova quando relativamente ao ponto 11 a única testemunha que se refere a este título é a Manuela que nega tenha sido o réu a dar origem ao título, referindo, inclusive que o réu ligou ao diretor do Jornal a reclamar de terem dado aquele título à notícia. Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.
Quanto ao ponto 12, tendo o aqui mandatário subscritor ouvido as testemunhas das autoras e lido a transcrição do testemunho da Maria, porquanto foi nomeado apenas agora como patrono do Réu, não vislumbra nenhum testemunho que corrobore o que ali é referido, designadamente que nenhuma das testemunhas diz ter visto uma reportagem televisiva a encenar a árvore genológica de quem quer que fosse. Bem como o resto que lá consta. Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.
Quanto ao ponto 13, não há nenhum testemunho que corrobore o que ali é referido, “por verem o nome de seu falecido marido e pai arrastado na lama” sendo isto uma transcrição do alegado pelas autoras que nunca foi referido pelas testemunhas. Sendo que as testemunhas apenas se referem aos “danos” relativos a elas serem visadas seja na rua no trabalho ou onde quer que seja nunca o pai. E quanto ao “acusado, falsamente, da prática de incesto”, trata-se de uma nova transcrição sem sustentáculo absolutamente nenhum na prova. Isto o tribunal não ouviu, apenas leu! Pelo que este ponto deveria ter sido dado como não provado.
Relativamente aos pontos 14, 15, 16, 17 e 18, o que nele consta não tem qualquer interesse para a causa porque quem terá sido visado no que é referido na matéria dada como provada são o M. F. e a M. I., nenhum deles é autor na presente ação. Este facto não tem cobertura no direito português a título de indemnização civil para estes terceiros que se viram metidos numa confusão que ao contrário do que se quer fazer parecer não foi provocada pelo Réu, mas sim pelo seu progenitor natural, o M. F., que o entregou a terceiros após o seu nascimento, não se sabe bem quando mas próximo do seu nascimento e o deixou na ignorância da sua situação até que o próprio aqui Réu se “esbarrou” no trabalho com um familiar do referido pai biológico. Quem provocou a situação foi o Sr M. F. e na tese das autoras a própria autora viúva, porque entendem ser ela a mãe do C. P.. O que é espantoso que a mãe que abandonou o filho venha pedir indemnização ao filho abandonado por danos à sua honra e consideração e não aos de personalidade do seu falecido marido, já que a esse aspeto nada é alegado, quando é ela a mãe que o abandonou!!!
E o tribunal não tem isto em consideração.
Tal como não tem em consideração que o aqui Réu andava em busca da sua personalidade que desconhecia e que por isso a busca não podia partir do resultado final.
Não é legítimo ao Réu que só levantasse as hipóteses que no fim do processo se revelariam certas.
Que fizesse as perguntas que no fim se revelassem acertadas.
O tribunal tinha de ter o bom senso de avaliar que a autora M. C. nunca quis fazer o teste de paternidade/maternidade diretamente e relativamente ao Réu.
Tinha de ter em consideração o que as pessoas foram dizendo ao réu e sua esposa a testemunha Manuela e que foram relatadas por ela e que punham sérias dúvidas ao réu sobre todos as questões ligadas a este assunto.
Tendo a decisão do Tribunal “a quo”, ao dar a resposta da forma que deu e não no sentido que aqui se refere que deveria ter dado, violado o normativo do n.º 1 do art.º 607.º do CPC, porque não podemos esquecer os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis “O princípio da livre apreciação das provas, adoptado no n.º 1 do art.º 635.º do CPC, significa apenas a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, no entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra provas.” (Alberto dos Reis, CPC anotado, 3.º -245, e em sentido similar, em CPC anot., 4.º-570) extraído de Abílio Neto, Advogado, Código do Processo Civil Anotado 17.º edição Actualizada Julho/2003. Sendo que no caso presente se considera que o tribunal julgou contra as provas produzidas e tirou conclusões implícitas sem prova.
Sendo modificável a decisão de facto, nos termos do n.º 1, do artigo 662.º do CPC.
Mesmo que o recorrente não tivesse cumprido o previsto no artigo 662.º do CPC sempre se considera que existem no processo elementos que impõem decisão diversa da tomada.”.
“C - As autoras não lograram demostrar os 5 pressupostos para a responsabilização dos RR.,
Pelo que não restava ao tribunal outra alternativa senão declarar que as autoras não provaram os factos constitutivos do seu direito e deveria a ação improceder e o Réu absolvido dos pedidos.
O que agora este tribunal de recurso irá fazer.”.
III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas pretende o Apelante que:
- se reaprecie a decisão de facto;
- se reaprecie a decisão de mérito.
B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Como acima se deixou referido, o Apelante impugna a decisão da matéria de facto, identificando, inequivocamente, os pontos de facto visados pela impugnação. Indica os meios de prova que impunham decisão diversa, e apresenta o seu projecto de decisão.
Não o fazendo, embora, nas conclusões, identifica nas alegações os tempos da gravação onde se situam os trechos dos depoimentos pessoais que invoca, depoimentos que, de resto, transcreve.
Têm-se, pois, por cumpridos todos os ónus mencionados no n.º 1 e o referido na alínea a) do n.º 2, do art.º 640.º do C.P.C., não havendo, assim, obstáculo legal à reapreciação da decisão de facto pretendida. 2.- Na reapreciação desta decisão cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., tendo presente que, como consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Com efeito, é agora mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
De acordo com o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
As regras sobre o ónus da prova que constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C. devem ser complementadas pelo princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, dúvida que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.-
V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
a) Julgou provado que:
1. O M. F. faleceu no estado de casado com M. C., em primeiras núpcias e sob o regime da comunhão geral de bens a ../../2010. 2. São herdeiras do falecido M. F., entre outros, a autora M. C., enquanto viúva, a L. F. e a M. J., enquanto filhas, 3. O réu, nascido a .. de .. de 1966 no lugar de ... concelho de Guimarães, foi registado como filho de J. S. e de E. P. casados entre si. 4. Em Dezembro de 2008 o réu intentou uma ação de impugnação de maternidade e paternidade nas Varas Mistas de Guimarães, contra os pais registrais – E. P. e J. S. e pretensos pais biológicos – o falecido M. F. e a filha deste M. I. no âmbito da qual foi requerido “A declaração de reconhecimento da viabilidade da ação de impugnação de paternidade e maternidade; seja comprovada a paternidade e a maternidade do requerente; e a consequente retificação dos dados relativos à paternidade e à maternidade…”. 5. Os factos vertidos em 4. foram divulgados no Notícias ..., Jornal ..., Comércio de Guimarães, Jornal ..., no Correio ..., assim como na .., .. e ... 6. O corpo do M. F. no dia do velório foi transportado para o Gabinete Médico Legal de Guimarães a fim de aí se proceder à recolha de amostras biológicas para o exame de paternidade requerido no âmbito da acção de impugnação de maternidade e paternidade. 7. Por suspeitas levantadas pelo réu quanto à natureza acidental da morte do M. F. foi aberto inquérito crime que correu os seus termos junto dos serviços do MINISTÉRIO PÚBLICO de Guimarães 1ª secção sob o nº 1611/10.1TAGMR vindo a terminar com despacho de arquivamento proferido a 27.10.2010. 8. A 29 de novembro de 2010 foi junto aos autos do processo comum 421.08.0TCGMR o relatório pericial de investigação biológica de filiação – exame DNA no âmbito do qual pela análise dos marcadores genéticos das amostras biológicas de M. F., M. I. e C. P. concluiu com o grau de probabilidade de 99,984 da paternidade de M. F. relativamente a C. P. e de fraternidade germana de M. I. relativamente a C. P. praticamente provadas. 9. Por sentença proferida no processo 421/08.0TCGMR (fls. 140 e ss) foi a ação julgada parcialmente procedente e declarado que C. P. não é filho de J. S. com a consequente destruição retroativa da filiação paterna e avoenga paterna. Declarado que C. P. é filho do réu M. F. com o consequente averbamento da paternidade e avoenga paterna no assento de nascimento do mesmo. E improcederem os demais pedidos.
Interposto recurso desta decisão foi proferido o acórdão no TRG junto a fls. 190 e sgs. no qual foi decidido “negando provimento aos recursos interpostos por C. P. e E. P.:
Alterar parcialmente a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.
Manter e confirmar ainda assim a sentença recorrida maxime no tocante ao excerto decisório no qual se declara “que o C. P. é filho do Réu M. F. com o consequente averbamento da paternidade e avoenga paterna no assento de nascimento do mesmo” (1).
Deste acórdão foi interposto recurso para o STJ, cuja cópia está junta a fls. 211 e ss, no qual foi decidido “nestes termos e considerando o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que decidiu rejeitar o recurso da matéria de facto da recorrente E. P. e em consequência ordenar a baixa do processo ao tribunal recorrido a fim de ser, se possível pelos mesmos Exmos Srs Juizes Desembargadores apreciada, na sua totalidade, a impugnação da matéria de facto por aquela formulada e em sede de apelação a respeito dos factos contidos nos pontos 2 e 3 do elenco supra fixando-se posteriormente o acervo factual que resulte da convicção que formule após a apreciação critica dos meios de prova que lhe cabe efetuar corrigindo-se eventualmente aspetos de ordem formal que lhe pareçam pertinentes e julgando-se a causa em harmonia com a decisão de direito”.
Pelo TRG foi, na sequência do ordenado, proferido o acórdão, cuja cópia está junta a fls. 228 verso e sgs., decidindo “Alterar parcialmente a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto;
Manter e confirmar, ainda assim, a sentença recorrida, maxime no tocante ao excerto decisório no qual se declara/decreta “que o C. P. é filho do Réu M. F. com o consequente averbamento da paternidade e da avoenga paterna no assento de nascimento do mesmo.”.
Interposto recurso deste acórdão, foi pelo STJ proferido o acórdão, cuja cópia está junta a fls. 240 verso e ss., no qual se referiu que “O A não conseguiu provar que fosse filho do R M. F. e da M. I. (pedido principal), ou seja, não conseguiu afastar a maternidade que consta do registo (a Ré E. P.) e nessa medida há que considerar improcedente a ação no que toca ao reconhecimento da maternidade.”, decidindo “negar-se a revista, mantendo-se o Acórdão recorrido” - Conteúdo das decisões a fls 240, decisão de fls. 248 verso, de fls. 250. 10. M. I., nascida a .. de .. de 1971, natural da freguesia de ..., Concelho de Guimarães, é filha de M. F. e de M. C. (habilitação de herdeiros a fls. 16). 11. Mesmo depois de ter recebido cópia do relatório de paternidade e do respetivo resultado o réu continuou a afirmar na comunicação social que «O teste só veio confirmar aquilo de que eu suspeitava e que me negaram este tempo todo», dando origem a títulos de jornal como «Teste confirma que avô é pai”. 12. Em dia não apurado posterior ao conhecimento do réu do resultado dos testes do ADN referidos em 8., no programa da manhã da …, o réu repetiu a afirmação de que era filho de uma relação incestuosa, dispondo-se a “encenar”, com figurantes, a sua pretensa árvore genealógica, indicando como seus pais, mais uma vez e para todo o país, o falecido M. F. e a filha deste M. I.. 13. Os factos relatados causaram nas autoras revolta, mágoa e tristeza, por verem o nome de seu falecido marido e pai arrastado na lama, mesmo após a sua morte, acusado, falsamente, da prática de incesto. 14. As autoras são objecto de olhares e comentários por parte de vizinhos e conhecidos, procuradas por jornalistas para comentarem o caso, impedidas de gozar a sua privacidade e o direito à paz e ao sossego que todo o cidadão tem, ou deve ter. 15. As autoras sentiram-se constrangidas no seu dia a dia, alterando a sua rotina quotidiana deixando de frequentar a mercearia, feira, correios, e os locais (onde) habitualmente se deslocavam por receio de serem confrontadas com perguntas, mexericos e comentários das pessoas em geral; 16. As autoras viram-se impedidas de gozar o seu sossego e descanso normais, quer durante o dia, quer durante a noite, com privação e perturbação do sono, causadas pelo stress emocional que a situação criada pelo réu lhes causou, com o nome do seu marido e pai a ser associada, repetidamente, nas tvs, rádio e jornais, à prática de um crime de violação na pessoa de uma filha. 17. Os factos referidos em 4 dos factos assentes foram e são ainda comentados pela generalidade das pessoas na freguesia onde residem as autoras, e bem assim na área do concelho de Vizela e de Guimarães, pela proximidade geográfica, para além de terem sido vistos, ouvidos e lidos em todo o país, graças à publicidade que dos mesmos foi feita através dos órgãos de comunicação social. 18. A autora M. J. iniciou tratamento psiquiátrico, por apresentar um quadro depressivo, com predomínio de sintomatologia ansiosa aparentemente reactivo a situação vivencial desfavorável, estando a ser seguida por especialista da área e medicada para a sua doença.
b) Julgou não provado que:
A ida do réu à televisão tenha ocorrido no dia 20 de dezembro de 2010.
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VI.- Tanto quanto se pode extrair da parca fundamentação constante de fls. 282, o Tribunal a quo terá fundado a sua convicção quanto aos pontos da matéria de facto impugnados, n.os 13 a 17, nas “testemunhas arroladas pelas AA,” as quais “referiram de forma praticamente unânime mas serena e objectiva por isso credíveis que a situação foi durante muito tempo falada, não só em ..., como em Vizela e Guimarães e ainda hoje se fala. Foi dito que os jornalistas frequentaram a zona sempre. Que as AA na sequência do sucedido passaram a ser olhadas e conectadas por isso deixaram de sair, frequentar os sítios mais comuns, como o café da localidade e tornaram-se pessoas mais reservadas. Que a situação lhes causou tristeza, tendo inclusive no que concerne à autora M. J. justificado, atenta a dimensão, acompanhamento médico e toma de medicação.”.
Relativamente ao ponto n.º 11, o Tribunal a quo escreveu ter valorado “a prova junta pelas AA, gravação do programa da manhã com intervenção do réu, cujo conteúdo foi visionado em sede de audiência final”.
Na parte restante da fundamentação o Tribunal a quo justifica as razões por que “não convenceram as declarações prestadas pela mulher do réu”.
Ouvidos atentamente todos os depoimentos, e visualizada a gravação do programa televisivo “...”, da ..., emitido em 20/12/2010, cumpre proceder à reapreciação da decisão.
A primeira observação a fazer aos depoimentos das testemunhas “arroladas pelas AA.”, é a de que, de facto, ouviram-se “serenas”, mas não se pode dizer que foram objectivas, e a “serenidade” poderá ser explicada pelo facto de não terem sido submetidas a contra-instância (mau grado o Tribunal a quo ter pedido alguns esclarecimentos às duas primeiras infra referidas), visto que o Mandatário Judicial do ora Apelante, constituído no processo, apresentou renúncia ao mandato e não compareceu à audiência.
As testemunhas S. C. e C. A., marido e mulher, afirmaram ambos que souberam da “história” pela família. Diz a primeira: «Foi a M. J. que me contou que apareceu um senhor a dizer que era irmão», repetindo ainda «nós falávamos. Somos como se fossemos da família», e o segundo: «Tomei conhecimento pela família que desabafavam» - esta é, pois, a sua razão de ciência, quanto ao estado de espírito alegado pelas Autoras. Perguntado ao segundo: «sabe se a Dª M. J. teve de recorrer a tratamento médico?», respondeu «a sobrinha dizia que andavam em apoio psicológico». Nem uma nem o outro viram o programa televisivo acima referido, afirmando ambos terem visto uma entrevista do Apelante na televisão ..., tendo C. A. reconhecido não se lembrar o que este «falou», e a referida S. C., em termos muito vagos e em tom de voz hesitante disse apenas «foi lá falar que seria o pai e avô também». Relativamente à presença de jornalistas, esta última afirmou «nunca vi. Mas sabia que foram», e aquele afirmou «cheguei a ver as televisões por lá a perguntar». Sobre a interrupção da vida normal, respondeu este C. A. que «Durante esse tempo e numa 1.ª fase deixaram de ir ao café», não conseguindo concretizar o tempo que demorou esta “fase”.
Ambos se referiram ao episódio do “levantamento do cadáver” e o quanto isso chocou «os familiares», mostrando-se sabedores que tal ocorreu «p’ra fazer os testes do ADN», referindo a testemunha S. C. ter sido este episódio o que suscitou mais “falatórios” entre as pessoas que diziam «que vergonha…», e foi o que terá abalado mais as Autoras.
Este episódio vem narrado no documento de fls. 31 dos autos, que é fotocópia de uma notícia publicada num jornal cujo título e folhas não estão perceptíveis na fotocópia, aí se dizendo que “de acordo com as palavras de um dos presentes, “de uma forma discreta e respeitosa” (a negrito também na fotocópia), foi ordenada pelo procurador do Ministério Público de Guimarães, com a finalidade de transportar o corpo do finado …, a fim de ser realizada a colheita de ADN necessária para o apuramento da verdade”, acrescentando-se “Uma prova que não pôde ser realizada em vida, devido à não-comparência do visado nas várias notificações que lhe foram feitas nesse sentido e que, a não ser feita agora, obrigaria a posterior exumação” (transcreve-se este extracto como um exemplo de jornalismo sério, porque esclarecedor e objectivo), afirmando-se na mesma notícia, referindo-se ao Apelante, “Acha mesmo que dizer-se que M. F. era seu avô é abusivo, “porque eu próprio nunca lhe chamei avô. Tratei-o sempre por tio””, referindo depois o jornalista que “existem indícios de que o seu nascimento e o da irmã gémea poderá ter resultado de uma relação incestuosa do alegado avô com a filha mais velha”.
Deve referir-se que, aquando da publicação desta notícia ainda não eram conhecidos os resultados dos exames genéticos.
Resumido o depoimento daquelas duas testemunhas os das outras não diferem nos aspectos que se deixaram ressaltados. A testemunha A. S., com quem «elas desabafaram muito … e contaram esta história», «deu na televisão», mas na televisão … «não vi». Viu «na televisão ...», mas não disse “o que viu”. Perguntada se tinha visto por ali “jornalistas” respondeu «a família é que contou. Eu não vi». Sobre as rotinas diárias das Autoras, numa instância que se pode dizer algo “conduzida” referiu que «elas já não passavam para o café. Também não viu a passar para o supermercado. P’ra evitar serem olhadas ficavam em casa», sem fazer qualquer alusão ao tempo em que isto durou e acrescentar outros pormenores esclarecedores, designadamente se antes dos factos as viam passar e com que frequência (pormenores que também lhe não foram pedidos). Perguntada, respondeu em conformidade com a pergunta, «Elas falavam que não tinham dormido bem».
As testemunhas S. C. e C. M. prestaram depoimentos nos mesmos termos, dando respostas idênticas a perguntas que também eram idênticas, e formuladas em termos similares e seguindo a mesma ordem. A título de mero exemplo, à primeira foi colocada a seguinte questão: «Em termos de descanso, as pessoas comentavam consigo?», obtendo como resposta:«Sim… Sim», e observando-lhe o Exm.º Advogado «via-se na cara», «Ah sim», respondeu a testemunha. Nenhum “comentário” foi concretizado e nem se ficou a saber o que “a cara” demonstrava.
A segunda, C. M. começou o depoimento a referir que «o que mais me chocou foi na televisão, em vários canais que aquelas pessoas andavam envolvidas, que tinham um filho de fora, depois não era só dele, também era da irmã». Disse ter visto reportagens na SIC e na ... e no Jornal ..., e ter «ficado um bocado escandalizada porque aquilo não fazia sentido nenhum», acrescentando que «a irmã era a Maria. Eu conhecia-a e achava que não era possível», ou seja, transmitiu os seus juízos pessoais. Afirmou ainda que «assistiu à M. J.. Volta e meia ia dar uma palavra amiga porque via que aquelas pessoas precisavam a nível psicológico», dizendo que esta «teve de ficar em casa de baixa». Mais afirmou ter “chegado” a ver «alguns jornalistas». Disse que «houve ali uma fase via-se que não queriam contactar ninguém», não concretizando, porém, o período de duração desta fase. Questionada assim: “Em termos de dormir, as pessoas chegaram a contactar consigo?”, respondeu «As pessoas diziam que já não dormiam há uma série de … O que é que as pessoas vão dizer?» - o que não pode deixar de se considerar demasiado vago. Esta testemunha foi a única que afirmou que «na noite do velório foram lá levantar o corpo para uma autópsia. Foi falado que a família foi acusada de o ter morto», não tendo referido a sua razão de ciência.
Relativamente à testemunha Manuela, esposa do ora Apelante, ainda que não disponhamos da imagem, o registo da voz é calmo, o discurso coerente, e a narrativa decorreu espontaneamente, não entrando em contradições. As afirmações foram todas sustentadas, indicou, pelo nome e pelas moradas, todas as pessoas que informaram o ora Apelante sobre a paternidade e de quem poderia ser a mãe, descreveu com pormenor todas as conversas que o Apelante teve com os familiares (filhos e um irmão) do seu pai biológico, afirmando, a dado passo: «Pedimos ajuda a todas as partes para nos ajudar. A própria E. P. (a mãe registral) afirmou que não era ela a mãe e disse (ao seu marido) que já que descobriu quem era o pai, que fosse à descoberta de quem era a mãe, e passados uns dias o C. P. continuou a procurar saber quem era a mãe, mas toda a gente se fechou em copas. Entretanto ligou à M. J. (uma das Autoras) a perguntar “como é que vamos ficar. Isto vai ficar assim?” e ela disse “eu sempre estive bem. Estou bem. Se quiseres anda tu». Refira-se que esta Autora foi quem o apoiou no início, acompanhando o Apelante a fazer o primeiro exame genético (e daí se compreenda que, pelas proporções que o caso atingiu, o seu incómodo possa ser maior).
Mais afirmou a referida testemunha que o Apelante voltou a ligar à mãe registral e que esta lhes respondeu «deixa-me em paz. Eu não sou tua mãe. Tu já sabes quem é», acrescentando que «nesta altura já tinha havido comentários que a M. I. era a mãe» acrescentando: “chegamos a ir a casa de um irmão falecido de M. F. a pedir ajuda, que lhe contassem em família quem era a verdadeira mãe. Toda a família já tinha assumido o M. F. como pai», e esse tio «começou a contar e a mulher dele interveio e disse, “Ó M. J. não vale a pena estares com mais coisas. A mãe dele é a tua sobrinha M. I.», acrescentando que «os dois deitaram os olhos ao chão e os dois disseram “entrastes como meu sobrinho sais como meu sobrinho. As portas estão sempre abertas». Mais à frente disse que «depois de saírem os resultados dos testes da clínica genética todas as portas se fecharam».
Questionada contou terem sido «conversas dos vizinhos, uma senhora já idosa» que criou a convicção no Apelante que a sua mãe biológica seria a referida M. I..
As referências que fez aos exames genéticos realizados pelo I.M.L., nas quais o Tribunal a quo se fundou para retirar credibilidade ao seu depoimento, não se nos afiguram de todo descabidas. Uma leitura atenta ao acórdão desta Relação de fls. 222v.º a 238, que reapreciou a matéria de facto, e da sentença da 1.ª Instância, de fls. 141 a 161, sobretudo aos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento pelos três Peritos Médico-Legais, permite inferir que foram apresentadas três versões do relatório e que se relativamente à paternidade biológica nada há a apontar – o grau de probabilidade foi de 99,999999998893 -, já quanto à maternidade a recusa da mãe registral, E. P., fazer o exame, levou a 1.ª Instância a extrair a presunção de ser ela a mãe, o que fez decair a pretensão do Apelante, de impugnação também da maternidade registral, sendo certo que o relatório do I.M.L. que dá como praticamente provada a fraternidade germana daquele com a referida M. I., estabelecendo, assim, a maternidade biológica na pessoa da ora A. M. C., esposa do pai biológico, não foi valorado quanto ao estabelecimento da maternidade na acção de impugnação acima referida.
É, pois, pertinente a observação da referida testemunha no sentido de que o esclarecimento total só se obteria se ela fizesse os exames genéticos, e o resultado a excluísse da maternidade, tanto mais que, como referiu, tendo consultado o Prof. Pinto da Costa este lhes realçou a essencialidade de tais exames, porque «o DNA Mitocondrial é passado da mãe aos filhos», não sendo de exigir de uma pessoa normal, como a testemunha, estar a par do funcionamento das regras e princípios legais que regem o ónus da prova, aos quais os Tribunais recorreram para decidir.
Sem embargo, acerca da maternidade, referiu aquela testemunha: «nunca ninguém disse que era a D.ª M. C. a mãe», reiterando que a única razão que move o Apelante, seu marido, é a busca da verdade sobre quem são os seus pais biológicos.
Ainda relativamente ao relatório do IML de fls. 44 a 49, mau grado nele se afirmar que os marcadores genéticos permitiram excluir a referida M. I. como mãe biológica do ora Apelante, “mas não permitiram exclui-la irmã biológica germana”, dando a paternidade e a fraternidade germana como “praticamente provadas”, também serão de certo modo compreensíveis as reticências opostas pela testemunha, já que as baseia “nas gravações do julgamento”, e o referido relatório está datado de 25/11/2010, anterior em cerca de quatro anos ao julgamento, sendo certo que, como se pode ler no acórdão desta Relação, na própria audiência, e face aos esclarecimentos dos Peritos, (que desconheceriam o grau de parentesco entre a A. M. C. e a mãe registral do Apelante - respectivamente, tia e sobrinha), o Tribunal instou-os a apresentarem uma última versão do relatório (que não consta destes autos, ignorando-se, por isso, o seu teor).
Relativamente às notícias nos jornais, disse a testemunha: «Nós éramos bombardeados quase todos os dias por chamadas. Acabou por ceder em alguns momentos por causa da pressão», acrescentando «nunca nos era dito que perguntas é que iam fazer e o que é que iam fazer».
No que se refere ao título da notícia “Teste confirma que avô é pai”, publicada no “Correio ...” (cfr. fls. 41) afirmou que o Apelante «ligou para o director do jornal a dizer para terem cuidado com o que estão a dizer, e ele disse “se não não tem a certeza nós temos”» - resposta a que o conhecido estilo sensacionalista característico deste jornal dá perfeita credibilidade.
Referindo-se à “encenação” da “…”, na ..., emitida, como se referiu, em 20/12/2010 acrescentou «essa encenação foi-nos apresentada sem nós termos conhecimento».
Impõe-se referir que a visualização da gravação permite credibilizar esta afirmação, atenta as posturas das pessoas, incluindo a do Apelante.
No que se refere às afirmações imputadas ao Apelante nas notícias, à observação feita pelo Exm.º Mandatário Judicial das Autoras no sentido de que, normalmente, os jornalistas colocam “entre aspas” o que as pessoas dizem, respondeu a referida testemunha «O que está aí escrito não quer dizer que ele o tenha dito na realidade. Ele disse sempre que tanto lhe fazia» (sobre a maternidade biológica, que fosse a A. M. C. ou a M. I., referindo mesmo que «pela lógica» até seria aquela).
Nenhuma das pessoas ouvidas classificou a situação usando o termo «lama». Quem, de facto, o fez foi apenas o Exm.º Mandatário Judicial das Autoras, quando instava a supramencionada testemunha.
Por outro lado, em parte alguma, seja dos depoimentos, seja dos documentos juntos aos autos se alude à “prática de um crime de violação”.
No referido programa “...”, o Apelante afirma «pai já tenho, mãe ainda não», e perguntado “quando poderá saber”, responde «já pedimos os testes», acrescentando «vai a mulher do meu pai fazer testes». Admitiu que a sua mãe biológica «pelos testes» será a A. M. C., mas acrescentou «pelas averiguações que eu fiz a mãe só pode ser a M. I.», dizendo ainda que «primeiro descobri que tinha uma irmã gémea. Está no bilhete de identidade como filha de M. C.».
Depois, foi passada a palavra ao Prof. Pinto da Costa, que explicou que «o DNA mitocondrial é passado da mãe aos filhos. Para se saber se ele é filho da M. I. tinha que se fazer o exame à M. I.», afirmando ainda que «o DNA nuclear não é suficiente para dar a resposta se ele é ou não filho da M. I.».
Impõe-se, assim, alterar a decisão de facto, colocando-a concordante com a prova efectivamente produzida, e extraindo dos pontos impugnados os factos que são meramente conclusivos.
VII.- Nos termos expostos, altera-se a decisão de facto nos termos seguintes:
i) Substitui-se a redacção dos pontos de facto impugnados pela seguinte:
11. Em 05/12/2010 o jornal “Correio ...” noticiou que “Os testes de ADN realizados pelo empresário de 44 anos de Fafe, a que o CM teve acesso, confirmam que, tal como ele suspeitava, é filho de M. F., de 83 anos, falecido em Agosto. Já uma eventual relação de incesto, de que terá resultado o nascimento de C. P., não foi confirmada”. Mais se diz que “O teste exclui a filha mais velha do seu pai, M. I., como sua mãe biológica”. "O teste só veio confirmar aquilo de que eu suspeitava e que me negaram este tempo todo", confirmou ao CM C. P., o homem que depois de descobrir, aos 41 anos, que tinha uma irmã gémea, iniciou uma luta para saber quem eram, afinal, os seus verdadeiros pais.”, notícia esta que tem o título “Teste confirma que avô é o pai” - cfr. fls. 41, que se dá aqui por reproduzida, estando ainda disponível em “https://www. ..jornal.pt/portugal/detalhe/teste-confirma-que-avo-e-o-pai”. 12. No programa “...” que foi emitido pela ... em 20/12/2010, o Apelante/Réu admitiu que a sua mãe biológica «pelos testes» será (a Apelada/Autora) M. C. e afirmou: «pelas averiguações que eu fiz a mãe só pode ser a M. I.», que é também filha do seu pai biológico. No referido programa a realização chamou diversos espectadores, dos que estavam presentes, e pô-los a figurar as diversas pessoas envolvidas na relação – os pais registrais daquele; o pai biológico e a esposa (aqui A. M. C.); a filha M. I.; a A. M. J., apresentada como irmã gémea do Apelante; este; e um “meio irmão”. 13.- Os factos acima descritos, que ocorreram já depois da morte do marido e pai das Apeladas/Autoras, causaram-lhes mágoa. 14.- Aquando do funeral do marido e pai das Apeladas/Autoras houve jornalistas que fizeram a cobertura da notícia, fazendo-se notar nas imediações da casa das Apeladas/Autoras e os vizinhos teceram comentários sobre o caso. 15.- As Apeladas/Autoras sentiram-se constrangidas no seu dia-a-dia e refugiaram-se em casa. 16.- As Apeladas/Autoras sentiram-se perturbadas e sofreram de stress por verem o nome do seu marido e pai a ser referido, repetidamente, nas tvs, e em jornais. 17.- O acima referido em 4. foi comentado pela generalidade das pessoas na freguesia onde residem as Apeladas/Autoras, e bem assim em Vizela, pela proximidade geográfica, para além de terem sido vistos e lidos em todo o país, por terem sido objecto de notícia nos órgãos de comunicação social. 18. A Apelada/Autora M. J., em 27/12/2010, teve uma consulta de psiquiatria e iniciou tratamento psiquiátrico por apresentar “um quadro depressivo com predominância de sintomatologia ansiosa aparentemente reactivos a situação vivencial desfavorável”, como consta do documento de fls. 52, que se dá por reproduzido.
ii) julga-se não provado que:
- O Apelante/Réu tenha tido conhecimento antecipado do título da notícia referida em 11, ou o tenha sugerido, ou ainda, por qualquer forma, tenha manifestado o seu assentimento ao mesmo título. - O Apelante/Réu tenha tido conhecimento antecipado e tenha manifestado o seu assentimento à figuração referida em 12. - As Apeladas/Autoras tenham sido procuradas por jornalistas para comentarem o caso descrito nos autos. - Alguém tenha referido ou associado o marido e pai das Apeladas/Autoras à prática de um crime de violação na pessoa de sua filha. - A propositura da acção acima referida em 4. ainda hoje seja objecto de comentários pelas pessoas referidas em 17.-
VIII.- As Autoras/Apeladas fundam o pedido de indemnização na ofensa do direito à honra, ao bom nome e reputação do falecido marido e pai, e fundamentam a legitimidade para formularem aquele pedido na sua qualidade de herdeiras, invocando ainda a violação dos seus próprios direitos de personalidade, dizendo violado o seu direito ao sossego, descanso e privacidade, e ofendida a sua saúde pela revolta, mágoa e tristeza que a actuação do Apelante/Réu lhes causou.
1.- O artº. 26º., nº. 1, da nossa Constituição consagra, dentre os direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação.
E consagra ainda o direito à identidade pessoal.
Enquanto direitos de personalidade são direitos absolutos, oponíveis erga omnes, merecendo, por isso, o respeito universal – cfr. artº. 18º., nº. 1, da Constituição.
Considerada a sua essencialidade relativamente à pessoa humana, os direitos de personalidade são ainda inalienáveis e irrenunciáveis, admitindo-se, embora, em algumas situações, a relevância do consentimento do lesado, desde que a limitação ao exercício dos direitos de personalidade não seja contrária aos princípios da ordem pública, nos termos do art.º 81.º do Código Civil (C.C.)
Também o artº. 70º., do C.C., reconhece o direito de qualquer pessoa à protecção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fazendo incorrer em responsabilidade quem desrespeite aqueles direitos, para além de reconhecer ao ofendido a legitimidade para requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, seja para evitar a consumação da ameaça, seja para atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Refere RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA que este preceito legal protege a honra “enquanto projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal”, referindo ainda que “a honra em sentido amplo inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, familiar, profissional …”, e envolve ainda “o crédito pessoal como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem” (in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 301-305).
PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, referindo a honra como “a dignidade pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas”, distingue-a na vertente pessoal ou subjectiva, e na vertente social ou objectiva, explicando que na primeira “traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa tem por si própria” e na segunda “traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa merece ou de que goza na comunidade a que pertence”, referindo que “A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeito e consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5.ª ed., pág. 62).
Em sentido idêntico se pronunciou MENEZES CORDEIRO, ao deixar referido que “a honra constitui a consideração pela integridade moral de cada ser humano”, podendo distinguir-se “a honra social ou exterior, que exprime o conjunto de apreciações valorativas ou de respeito e deferência de que cada um disfruta na sociedade” e a “honra pessoal ou interior, que corresponde à auto-estima ou imagem que cada um faz das suas próprias qualidades”.
E prossegue referindo ainda que “a consideração de que cada um disfrute na sociedade, exprime o seu bom nome: este, na razão directa das suas valorações positivas que concite, dá azo à reputação do sujeito” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Tomo III, pág. 143).
Uma pessoa terá boa ou má reputação consoante sejam positivos ou negativos os juízos valorativos referentes à sua integridade, à sua seriedade e à sua moralidade.
2.- O n.º 2 do art.º 70.º do C.C. estabelece duas modalidades de reacção do titular do direito de personalidade, que podem ser cumuladas: o recurso à responsabilidade civil, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no art.º 483.º do mesmo Cód., e o recurso às providências que se tenham por adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
O art.º 483.º do C.C. refere dois factos ilícitos como geradores da responsabilidade civil: a violação do direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
O artº. 484º., do mesmo Cód., como refere o Acórdão do S.T.J. de 14/05/1976, “não é mais que um caso especial de facto antijurídico” definido naquele art.º 483.º, pelo que a ofensa do crédito ou do bom nome “se deve considerar subordinada ao princípio geral” deste art.º 483.º (in B.M.J. 257º., pág. 131)
De acordo com ANTUNES VARELA “pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro, contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade” (ut “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 548-549).
Aceitando esta posição, MENEZES CORDEIRO acrescenta que o referido art.º 484.º não exige, como seu pressuposto de funcionamento “a falsidade de quaisquer afirmações”, referindo ainda que “A afirmação totalmente verdadeira pode atentar contra a honra das pessoas. Nem tudo o que sucede, existe ou se faz tem de ser revelado. Mesmo não estando em causa a intimidade privada, protegida por um direito específico, há um juízo de oportunidade a fazer”, e conclui escrevendo que “a afirmação falsa, tendenciosa ou incompleta é particularmente indicada para atingir a honra. Todavia, a informação verdadeira também poderá sê-lo: a exceptio veritatis, só por si, não é justificativa” (Ob. Cit., págs. 147-149).
3.- Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 68.º do C.C., a personalidade cessa com a morte.
Porém, o n.º 1 do art.º 71.º do mesmo Cód., parece conceder a protecção aos direitos de personalidade mesmo depois da morte do respectivo titular.
Têm legitimidade para a defesa dos referidos direitos o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho, ou herdeiro do falecido, nos termos reconhecidos pelo n.º 2 do referido art.º 71.º.
Defende RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, que a morte “não impede que haja bens da personalidade física e moral do defunto que continuam a influir no curso social e que, por isso mesmo, perduram no mundo das relações jurídicas e como tais são autonomamente protegidos”, referindo o “caso particular” do “seu cadáver, das partes destacadas do seu corpo”, mas também, dentre outros, “da sua honra, do seu bom nome, e da sua vida privada”, acrescentando que “mais até do que uma mera tutela de bens jurídicos, a nossa lei estabelece uma permanência genérica dos direitos de personalidade do defunto após a sua morte”, “assim se podendo falar de uma tutela geral da personalidade do defunto” (Ob. Cit., págs. 188-193).
Para MOTA PINTO a formulação do art.º 71.º, n.º 1, “é infeliz, pois a tutela incide sobre direitos ou interesses das pessoas mencionadas no n.º 2 e não sobre direitos do defunto, cuja personalidade cessou com a morte” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed. Actualizada, pág. 208).
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA dizem que “em certa medida, a protecção dos direitos de personalidade depois da morte constitui um desvio à regra do artigo 68º” (in “Código Civil Anotado”, nota 1 ao artigo 70.º).
HEINRICH EWALD HÖRSTER defende que a protecção dos direitos de personalidade depois da morte “visa em primeira linha a defesa do falecido e apenas indirectamente contempla também os interesses dos respectivos familiares”. “Não obstante, os familiares, ao reagirem contra uma ofensa a pessoas falecidas exercem um direito próprio”(in “A Parte Geral do Código Civil Português” “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 1992, pág. 263).
MENEZES CORDEIRO refere que “a tutela post mortem é, na realidade, a protecção concedida ao direito que os familiares têm de exigir o respeito pelo descanso e pela memória dos seus mortos” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Tomo III, pág. 466).
Defende PEDRO PAIS DE VASCONCELOS que o que se protege no referido n.º 1 do art.º 71.º “é objectivamente o respeito pelos mortos, como valor ético, e subjectivamente a defesa da inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros”, tratando-se, assim, de “defender, no âmbito do direito subjectivo de personalidade, o direito que os vivos têm a que os seus mortos sejam respeitados (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5.ª ed., pág. 51).
4.- Esta diferença de perspectivas reflecte-se na diversidade de posições defendidas quanto à questão de saber se a legitimidade conferida para a tutela post mortem abrange a legitimidade para pedir uma indemnização, já que o n.º 2 do art.º 71.º apenas a reconhece “para requerer as providências” referidas no n.º 2 do art.º 70.º.
As divergências que se constatam na doutrina também se verificam na jurisprudência.
Assim, defende PEDRO PAIS DE VASCONCELOS: “a difamação ou a injúria de um familiar já falecido, a ofensa ao seu nome ou à sua imagem, ou à sua privacidade podem afectar gravemente a dignidade dos seus parentes ou herdeiros que lhe sobreviverem e podem causar-lhe sofrimento e afronta grave”, não devendo, por isso, “ser negada aos familiares e herdeiros a faculdade de exigir a indemnização dos danos morais e materiais causados”, defendendo que o n.º 1 do art.º 71.º “constitui fundamento para a constituição da ofensa como ilícita” e conjugado com o regime do art.º 483.º “oferece base suficiente para justificar a vigência do regime geral da responsabilidade civil aquiliana à indemnização dos danos morais e materiais causados a pessoas vivas pela ofensa da dignidade dos seus parentes já falecidos” (Ob. Cit., pág. 51).
Também MENEZES CORDEIRO defende o direito à indemnização, citando CASTRO MENDES, e RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA defende que “mesmo de um ponto de vista literal”, a expressão usada pelo referido n.º 2 do art.º 71.º abrange igualmente “a responsabilidade civil” já que ela também é referida no n.º 2 do art.º 70.º, e quanto ao “espírito da lei”, “a indemnização ou compensação por perdas e danos é um modo igualmente possível e eficaz de tutela da personalidade do defunto” já que “a indemnização ou a compensação dirige-se aqui ao dano ocasionado no bem jurídico constituído pela personalidade física e moral do falecido, perfeitamente enquadrável no art. 483.º do Código Civil, pese embora a falta de personalidade jurídica do defunto”, acrescentando que haverá situações em que “a única sanção susceptível de aplicação ao caso concreto seja a indemnização em dinheiro” (Ob. Cit., pág. 196).
Já HEINRICH EWALD HÖRSTER recusa o direito à indemnização, muito embora considere a solução legislativa como “duvidosa, em termos jurídico-políticos” defendendo que “a lei devia ter previsto uma indemnização a pagar a uma instituição de solidariedade social” para evitar privilegiar “quem procede a ofensas a pessoas falecidas” (Ob. Cit., pág. 261, nota 58).
Na jurisprudência aceitam o direito à indemnização o Acórdão do S.T.J. de 15/05/2013 (ut Proc.º 2612/07.2TVLSB.L1.S1, Cons.º Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 03/05/2005 (ut Proc.º 4145/05, Desemb. Ferreira de Barros, in www.dgsi.pt).
Recusam o referido direito os Acórdãos do S.T.J. de 18/10/2007 (ut Proc.º 07B3555, Cons.º Salvador da Costa, in www.dgsi.pt) e de 04/11/2008 (ut Proc.º 08A2342, Cons.º Paulo Sá, in www.dgsi.pt), e ainda o Acórdão da Relação de Évora de 16/12/2008 (in C.J., ano XXXIII, tomo V, págs. 260-262), fundados no elemento literal da norma, que só refere “as providências previstas” no n.º 2 do art.º 70.º, que são aquelas que se considerem adequadas a evitar a consumação da ameaça ao direito ou a atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
5.- Um dos direitos de personalidade, também expressamente consagrado no art.º 26.º da Constituição, é o direito à identidade pessoal.
Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA este direito abrange além do direito ao nome, também um direito “à «historicidade pessoal», designando este “o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores” (in Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed. revista, pág. 462), ou seja, o direito à identificação dos antecedentes genealógicos.
Como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 309/2016, de 18/05/2016, “o direito ao conhecimento da paternidade biológica e o direito à constituição e/ou destruição do respetivo vínculo jurídico cabem no âmbito de proteção, quer do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da CRP, quer do direito fundamental de constituir família, plasmado no artigo 36.º, n.º 1 da CRP.
No âmbito normativo do direito à identidade pessoal reconhecido pela Constituição, além do direito natural à diferença de cada ser humano, decorrente do caráter único, indivisível e irrepetível de cada pessoa humana concreta, que tem expressão mais relevante no direito ao nome, inclui-se o direito à “historicidade pessoal”, expresso na relação de cada pessoa com aquelas que lhe deram origem. Nesta dimensão relacional, em que a pessoa humana também se define em função de uma “memória” familiar conferida pelos antepassados, extrai-se o direito ao conhecimento da progenitura, de que resulta, além do mais, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade” (ut Proc.º 1000/14, Consº Lino Rodrigues Ribeiro, consultável através de www.direitoemdia.pt).
IX.- Relativamente à pretensão que foi formulada pela Autora/Apelada, a haver responsabilidade de indemnizar ela só poderá radicar no art.º 483.º do C.C., que faz depender a obrigação da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; o nexo de causalidade entre aquele facto e este dano (cfr., dentre outros, P. LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 444 e sgs.).
i) O elemento básico da responsabilidade é o facto – “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (AUTORES e ob. cit.).
Este comportamento tanto pode consistir numa acção como numa omissão. O que importa é que a vontade o domine.
A ilicitude tanto pode consistir na violação de um direito (absoluto) de outrem, como na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios – in casu o facto ilícito seria a ofensa do bom nome do marido e pai das Apeladas/Autoras, assim como a invocada ofensa à integridade psíquica e aos direitos ao sossego e ao descanso.
A culpa, como escreve ANTUNES VARELA, “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Ed., págs. 566).
Como refere JOSÉ MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “o juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável” (in “Direito das Obrigações” vol. I, 2017-14.ª ed., pág. 305).
Podendo a culpa revestir a forma de dolo ou a forma de negligência (também dita mera culpa), cabem no primeiro os casos em que o agente quis a verificação do facto ilícito (dolo directo); ou, não havendo actuado com vista à verificação do facto, previu-o como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou (dolo necessário); ou ainda, previu a verificação do facto como uma consequência possível da sua actuação, mas conformou-se com essa verificação (dolo eventual).
A negligência caracteriza-se, essencialmente, por o agente não ter usado da diligência no grau que lhe é exigível, cabendo aqui os casos em que prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, “por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”– culpa consciente; assim como aqueles em que o agente, “por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão” não chega, sequer, a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida – negligência inconsciente - vide ANTUNES VARELA, (ob. cit., pág. 573).
Ainda segundo o mesmo Autor, a “mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime, assim, uma ligação da pessoa com o facto”, sendo, por isso, um dos elementos do nexo de imputação do facto ao agente, e é reprovável ou censurável em grau que “será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo e mais forte ou intenso o dever de o ter feito”.
O C.C. consagrou o critério da culpa em abstracto - artº. 487.º, n.º 2.
A significação do conceito do “bom pai de família” não é, porém, a do puro homem médio, mas antes a do “bom cidadão”, como refere ainda ANTUNES VARELA, que acrescenta, “o que significa que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento” (ob. cit. pág. 575/576, nota 3).
O outro requisito necessário à constituição do direito de indemnização é a existência de danos, ou seja, que o facto, ilícito e culposo, provoque danos na esfera jurídica do titular do direito ofendido.
O dano, ainda segundo os ensinamentos daquele Ilustre Civilista, é “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”, ou seja é “a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (cfr. “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 598-599).
O último requisito é o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Com efeito, dispõe o art.º 563.º do C.C. que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A causalidade, que funciona como pressuposto de responsabilidade civil e como molde para a fixação da indemnização, comporta as duas formulações da teoria da causalidade adequada – a positiva e a negativa, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.
Tendo presente que a causalidade adequada se refere ao “processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano”, entender-se-á existir a indiferença ou inadequação quando o evento, segundo o normal decurso das coisas e a experiência da vida, não eleva ou favorece, nem modifica o círculo de riscos de verificação do dano.
Ainda que sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, para a produção do dano podem intervir outros factos, do próprio lesado ou de terceiro, sendo que ocorrendo um concurso de causas adequadas e simultâneas ou subsequentes “qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano” (cfr. o Ac. do S.T.J. de 20/06/2006, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIV, tomo II, págs. 120-121). X.- Na situação sub judicio as Autoras, alegando que o ora Apelante intentou uma acção de impugnação e reconhecimento de paternidade e de maternidade na qual defende ser fruto de uma relação incestuosa entre o pretenso progenitor, marido e pai delas, e a filha mais velha dele, e tendo propalado estas afirmações por diferentes meios de comunicação social, difamou-o, por “falsamente” o ter acusado de um crime de violação na pessoa de uma filha.
a) É, pois, a ofensa à honra do referido marido e pai das Autoras o ilícito que imputam ao ora Apelante.
No entanto, alegam ainda que quando o referido M. F. faleceu o Apelante conseguiu obter uma ordem do Procurador da República para interromper o velório, tendo este determinado o transporte do corpo para o Gabinete Médico-Legal de Guimarães a fim de aí se proceder à recolha de amostras biológicas para a realização do exame de determinação da paternidade, e mesmo depois de ter recebido cópia do relatório de paternidade “e do respectivo resultado” que excluiu a M. I. (a supramencionada filha daquele M. F.) como mãe biológica do Apelante, continuou a afirmar aos órgãos de comunicação social esta filiação biológica o que lhes causa revolta, mágoa e tristeza, “sendo constantemente objecto” de olhares e comentários por parte de vizinhos e conhecidos e vendo violado o seu direito ao sossego e descanso.
Do que ficou provado (v.g. no n.º 14) pode concluir-se que o facto gerador dos comentários dos vizinhos e que motivou o interesse dos órgãos de comunicação social foi o da interrupção do velório pela remoção do cadáver para o I.M.L. de Guimarães.
Contudo, tal facto foi ordenado pela autoridade materialmente competente e os fundamentos da ordem de remoção são absolutamente consistentes, posto que necessários à realização de uma diligência essencial para a satisfação de um direito de personalidade do Apelante – como se referiu, o direito à historicidade pessoal -, sendo certo que, à data do decesso do marido e pai das Apeladas/Autoras, já se encontrava pendente a acção de impugnação da paternidade registral e averiguação da paternidade biológica.
Diversamente do invocado pelas Apeladas/Autoras, o Apelante não pode ser responsabilizado pelo título da notícia referida em 11, tanto mais que não há correspondência entre ele e o conteúdo da notícia, pois que nesta se diz expressamente que “o teste exclui a filha mais velha do seu pai, como sua mãe biológica”, extraindo-se, do contexto em que está inserida, que na frase aí atribuída ao Apelante este se refere à confirmação da sua paternidade biológica.
É certo que no programa televisivo de 20/12/2010, referido em 12., o Apelante surge a afirmar: «pelas averiguações que eu fiz a mãe só pode ser a M. I.», mas também admitiu que os resultados do teste a excluíam da maternidade.
O juízo de reprovabilidade que a facticidade apurada permite dirigir ao Apelante só poderá assentar na publicidade que permitiu fosse dada a uma situação que respeita exclusivamente à esfera da vida privada, sua mas também das pessoas que nela foram chamadas a intervir.
De resto, configurando uma situação despida de interesse público, em princípio, não deveria, sequer, suscitar o interesse da comunicação social.
Sem embargo, a facticidade apurada não permite a qualificação deste segmento da actuação do Apelante como dolosa, pelo que só pode ter-se por negligente.
b) Resulta inequívoco que a imputação da prática de um incesto é ofensivo do bom bom nome da pessoa visada, porque a nossa sociedade reprova um pai que gera um filho na própria filha, ficando a sua reputação social afectada, mesmo que tal imputação seja feita sob a forma da “suspeita fundada”.
Os factos provados também permitem concluir que as publicitações da situação ofenderam a saúde psíquica das Apeladas/Autoras, na medida em que lhes causaram perturbação e stress.
A ofensa a estes direitos gera a responsabilidade de indemnizar as lesadas.
A indemnização dos danos de natureza não patrimonial não visa repor a situação que existia antes do acto lesivo, antes sendo seu objectivo o de compensar psicologicamente o lesado dos sofrimentos pela satisfação que poderá retirar do valor pecuniário atribuído.
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, de acordo com o disposto no art.º 494.º do C.C.: o grau de culpa do lesante; a situação económica do lesante e a do lesado; as específicas circunstâncias do caso concreto, podendo ainda acrescentar-se os padrões de indemnização geral adoptados pela jurisprudência.
Resulta inequivocamente da facticidade provada que o Apelante foi determinado na sua actuação pela rejeição familiar a que foi votado, e pela necessidade imperiosa que sentiu de ver reconhecida a sua família biológica; não deixa de ser censurável a actuação dos progenitores que, tendo rejeitado um filho quando ele nasceu, mantêm essa rejeição mesmo quando passaram já mais de 40 anos sobre o nascimento, provocando um sofrimento acrescido ao filho que se vê, assim, duplamente rejeitado. A conduta que um homem médio esperaria das Apeladas/Autoras, sobretudo, de M. C., seria a de uma activa cooperação para a reposição da verdade na historicidade pessoal do Apelante.
Quando este imputou a maternidade à sua irmã, fê-lo fundamentado nas narrações de pessoas que, atentos os seus laços familiares próximos, se lhe apresentavam como fidedignas, pelo que a imputação foi feita de boa fé, tendo, porém, e para o público, retirado tal imputação quando conheceu os primeiros resultados dos exames de pesquisa biológica de filiação, realizados pelo I.M.L..
Litigando o Apelante com o benefício do apoio judiciário, é de presumir que a sua situação económica seja, pelo menos, mais fraca que a das Apeladas.
Não ficou provado o que as Apeladas alegaram quanto à “busca” pelo Apelante dos órgãos de comunicação social, ou de se ter “feito convidar” para qualquer programa televisivo – apenas não conseguiu resistir às solicitações que lhe foram dirigidas pelos jornalistas.
Finalmente, não pode deixar de se fazer observar que uma das pessoas visadas (M. I.) não interveio na acção nem tampouco foi chamada a depor, e para além das Apeladas e daquela, o referido M. F. tem ainda mais dois filhos, desconhecendo-se o grau de sensibilidade destes aos factos acima descritos.
As Apeladas/Autoras, convocando a ofensa do direito à honra do seu marido e pai e a ofensa de seus próprios direitos de personalidade não discriminam qual o montante que peticionam para si próprias e o que seria devido para reparar a honra daquele.
Ponderado o que vem de ser referido crê-se haver fundamento consistente para fazer baixar o montante indemnizatório, discriminando as Apeladas/ Autoras de acordo com a facticidade provada.
Assim, para a Apelada/Autora M. J. fixa-se a indemnização no valor de € 250,00, fixando-se em € 150,00 o valor indemnizatório da A/A L. F., e relativamente à A/A M. C. o valor, que terá necessariamente de ser simbólico, de € 50,00.
C) DECISÃO
Considerando quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, condenando o Apelante/Réu a pagar: à Apelada/Autora M. J. a importância de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros); à A/A L. F., a importância de € 150,00 (cento e cinquenta euros); e à A/A M. C. a importância de € 50,00 (cinquenta euros), de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Custas da acção e da apelação pelo Apelante/Réu e pelas Apeladas/ Autoras, na proporção do vencido.
Guimarães, 28/03/2019
Fernando Fernandes Freitas Alexandra Rolim Mendes Maria Purificação Carvalho
1- Aditado o último segmento que o Tribunal a quo omitiu na transcrição.