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CONTRATO PROMESSA
AUTORIA DA ASSINATURA
PROVA PERICIAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INDEMNIZAÇÃO
SINAL
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora):
I - Concluindo-se no exame pericial de grafologia forense que é provável que a assinatura aposta no contrato promessa tenha sido efetuada pelo promitente vendedor, entretanto falecido, e só não sendo superior o grau de probabilidade atribuído, porque o LPC, sem amostras de escrita corrente, que era impossível colher, baseando-se apenas na semelhança com outras dez assinaturas, nunca poderia atribuir maior grau de probabilidade, o resultado desse exame é suficiente para alicerçar a convicção do julgador quanto à autoria da assinatura, pois não resultou minimamente abalado, antes se mostrando reforçado pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente a procuração irrevogável emitida pelo falecido a favor da promitente compradora.
II – Em ação movida contra os herdeiros do promitente vendedor, retirada a força probatória plena ao documento particular (contrato promessa) – por força do douto acórdão do STJ a quem devemos obediência – não deixa o mesmo de poder ser apreciado e livremente valorado por este Tribunal em sede de reapreciação da decisão da matéria facto.
III - O incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objetivamente, o credor perca o interesse na prestação ou quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor – a chamada interpelação admonitória.
IV - A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida.
V - O incumprimento definitivo do contrato promessa faculta à autora o direito de resolver o contrato ou, simplesmente, o direito de ser indemnizada pelos danos que o incumprimento lhe tenha causado (dano contratual positivo).
VI – Constando do contrato promessa que o preço já foi pago, a quantia entregue a esse título, constituindo antecipação do pagamento, tem a natureza de sinal.
VII – Salvo estipulação em contrário, no contrato promessa sem tradição da coisa, existindo sinal, a indemnização devida ao promitente comprador corresponde ao dobro deste.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I – RELATÓRIO
I. T. instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra:
- Herança indivisa de E. L. representada pela herdeira e cabeça-de-casal Maria supra identificada;
- Maria, casada no regime de comunhão de adquiridos com P. S.,
- E. F..
- F. S.,
– M. A., solteiro, menor, cujo representante legal é a sua mãe M. M..
Pedindo a condenação dos demandados a indemnizá-la pelo incumprimento do contrato-promessa respeitante à fracção melhor identificada nos autos e respectivo recheio, devolvendo-lhe a quantia equivalente ao dobro do valor do sinal por esta prestado e do qual tem a respectiva quitação, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com o falecido E. L. um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, incluindo o respectivo recheio, no âmbito do qual lhe entregou a totalidade do preço acordado de €57.361,76.
O contrato não chegou a ser celebrado em vida do promitente vendedor. A autora interpelou os seus herdeiros com esse propósito, advertindo-os de que caso a escritura não fosse celebrada na data agendada consideraria o contrato definitivamente incumprido e perderia o interesse na sua conclusão. Estes não compareceram na data e local para o efeito designados.
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Os réus contestaram, nos termos constantes de fls. 105 a 119 do processo físico, excepcionando em primeiro lugar a ilegitimidade dos herdeiros de E. L. para serem pessoalmente demandados pela autora e arguindo a ineptidão da petição inicial por falta e/ou ininteligibilidade do pedido e/ou causa de pedir.
Impugnaram o contrato promessa, alegaram ser falso que o preço tenha sido pago e arguiram a nulidade do contrato por vício de forma, por falta de reconhecimento notarial das assinaturas e de licença de utilização do imóvel.
Deduziram, ainda, reconvenção com vista à devolução dos montantes, que alegam terem sido retirados pela autora de uma conta bancária pertencente ao falecido.
Concluíram pela improcedência da acção e pediram a condenação da autora a restituir-lhes a quantia de €16.926,75, acrescida de juros de mora, bem como no pagamento de uma indemnização por litigar de má fé.
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A autora replicou (fls. 146 e segs do processo físico), contrariando a obrigação de restituição da quantia pretendida pelos réus, bem como a invocada litigância de má fé, devolvendo-a a estes.
No mais, impugnou a factualidade alegada pelos réus na contestação e reiterou o que havia já defendido inicialmente, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade, da ineptidão e da nulidade do contrato invocadas por aqueles.
Requereu, ainda, a alteração do pedido, por forma a que aí passe a constar o seguinte: “deverão os RR. ser condenados a reconhecer a existência do crédito da autora no valor de €114723,52 pelo incumprimento do contrato-promessa respeitante à fracção melhor identificada nos autos e respectivo recheio, crédito esse que deve ser satisfeito pelos bens da herança, acrescido de juros desde a citação e até integral e efectivo pagamento, como das custas e demais encargos processuais”.
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Os réus pronunciaram-se sobre a requerida alteração do pedido e demais questões suscitadas pela autora, nos termos constantes do requerimento de 29-03-2016 (fls. 189 e segs. do processo físico).
Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual a autora declarou que considerava o pedido efectuado no valor de €114.723,52 e que prescindia da requerida alteração.
Os réus, por seu turno, declararam dar sem efeito a alegação de vício formal do contrato promessa e a invocação da ilegitimidade dos herdeiros, desde que se considere a acção intentada contra os mesmos, nessa qualidade.
De seguida, foi proferido despacho saneador, em que se decidiu:
- Considerar concretizado o pedido da autora para a quantia de € 114.723,52, acrescida dos juros peticionados;
- Não admitir a reconvenção deduzida pelos réus;
- Julgar improcedente a arguida nulidade de ineptidão da P.I.;
- Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelos réus e considerar a acção intentada contra os herdeiros de E. L., nessa qualidade.
Após, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento. Proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus de todo o pedido.
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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
.I- Há susceptibilidade de recurso quando o Recorrente entende existir uma incorrecta valoração da matéria factual e, ainda, quando considera existir uma errada interpretação do direito. II- A consideração realizada pelo Tribunal a quo de não ter ficado apurado nos autos a efectiva vontade de prometer comprar e de prometer vender quando a apreciação da efectiva declaração das partes outorgantes não consta nem das alegações das partes, do objecto do processo ou dos temas da prova, jamais tendo sido suscitada por nenhuma das partes, incorrerá o Tribunal a quo em excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº1, alínea d), segunda parte do Código Civil. III- A desvalorização da prova tal como ela existe e da qual se deve retirar uma interpretação lógica, coerente e ao abrigo da experiência comum – ou seja, de que o que é subscrito por um outorgante reflecte a sua vontade- especulando quanto à vontade dos outorgantes quando tal matéria jamais fora alegada por qualquer das partes implica que o Tribunal incorreu um excesso de pronuncia com o conhecimento de uma questão que não lhe fora colocada. IV- A especulação acerca da vontade dos outorgantes, em que o Tribunal a quo colocou subliminarmente a tónica numa eventual falta ou vício da vontade do promitente vendedor, resultou na contaminação da interpretação da prova existente com a consequente resposta negativa à celebração do contrato promessa. V- Para existir pronúncia sobre uma eventual falta ou vício da vontade por parte do Tribunal a quo tem de existir, pelo menos, a alegação de factos susceptíveis de enquadrarem tais conceitos. VI- Não pode ser considerada a falta de convergência entre as vontades declaradas e as vontades reais com base num documento denominado de contrato promessa de compra e venda que foi alvo de prova pericial que atestou, com probabilidade, a veracidade da assinatura do de cujus com a assinatura constante no mesmo, sem que seja arguida e provada qualquer falta ou vicio da vontade. VII- A valoração negativa da existência do contrato promessa quando não impugnada por nenhuma das partes e estando o mesmo junto aos autos reveste um carácter abusivo. VIII- A convergência das vontades basta-se com a aceitação mutua do clausulado entre as partes, em nome da liberdade contratual e, além disso, com a prova produzida nos autos, não podendo, assim, o Tribunal recorrido ultrapassar a prova cabal constante no processo que considera, de forma clara, que o contrato efectivamente existe e que, inclusivamente, existem indícios objectivos acerca da probabilidade de a assinatura aposta no contrato ser genuína. IX- Sendo a prova pericial requerida com base na necessidade de um técnico especializado aferir da questão, deve existir por parte do julgador especial cuidado e fundamentação da convicção quando infirma o resultado de um exame pericial que é o corolário da apreciação técnica emanada por entidade reconhecidamente idónea e competente. X- Pese embora o principio da livre apreciação de prova dê ampla margem ao julgador na apreciação do exame pericial, a valoração negativa de tal exame terá que ser consentânea com as regras de experiência comum, da lógica e da razão de forma a que a convicção do Tribunal possa fundamentada e justificadamente sobrepor-se aos conhecimentos técnicos de um perito que analisando um documento o considera como sendo de provável assinatura pelo de cujus. XI- O conhecimento, não invocado, pelo Tribunal a quo da eventual convergência entre a vontade real e a vontade declarada, ao não constar dos temas de prova nem sendo alegada por nenhuma das partes, excede a pronúncia admitida ao julgador, estando a violar-se o princípio do dispositivo e incorrendo, assim, numa nulidade da sentença nos termos do 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil. XII- Ao concluir o Tribunal a quo pela inveracidade do contrato promessa, sem que tal tenha sido alegado ou sustentado pelas partes, incorre num claro excesso de pronúncia. XIII- Não pode o julgador exceder o próprio direito civil ao tentar subsumir um contrato promessa de compra e venda que diz que não acreditar na sua efectiva existência, quando, na verdade, a figura da inexistência não está tutelada na parte geral do direito civil. XIV- De acordo com o melhor entendimento doutrinal e jurisprudencial, a inexistência mais não é do que a possível existência de nulidade ou anulabilidade, as quais carecem sempre de interpretação e concretização fáctica, o que, no caso, não foi realizado. XV- Ao inexistir qualquer facto alegado que seja de possível subsunção ou enquadramento na matéria da falta e vícios de vontade, não pode o julgador, arbitrariamente, considerar um contrato ferido de qualquer vicio, sem expor quais os factos que o inquinam e sem consubstanciar onde se enquadra essa alegação. XVI- Ao ter considerado que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o Recorrente se pauta pela “inveracidade” o Tribunal a quo extrapola os limites dos temas da prova e dos factos e alegações constantes nos articulados e, consequentemente, excede a pronúncia. XVII- Ainda que fosse permitido ao Tribunal a quo conhecer da invalidade de um negócio jurídico, a verdade é que tal não se poderá nunca bastar com a mera conclusão da sua inexistência, impondo-se que tal conhecimento se estribe em factualidade dada como provada que explicitasse quais as causas e efeitos que, a existir, contaminassem o negócio. XVIII- A mera consideração de inveracidade do contrato promessa de compra e venda consubstancia uma derrogação das normas imperativas previstas no Código Civil, impondo-se a fundamentação e concretização sobre quais os factos, faltas ou vícios e consequências da suposta invalidade do contrato promessa. XIX- Ao não fundamentar factualmente a decisão pela inveracidade incorre a sentença proferida numa nulidade nos termos do artigo 615.º n.º1 alínea b) do Código de Processo Civil, violando simultaneamente o artigos 154º do Código de Processo Civil e ainda o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa. XX- Ao não declarar a invalidade concreta que supostamente subjaz ao contrato promessa de compra e venda, incorre a sentença proferida numa nulidade nos termos do artigo 615.º n.º1 alínea b) do Código de Processo Civil. XXI- A Recorrente que discorde da valoração dos factos dados como provados pode deles recorrer, expondo os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente valorados pelo Tribunal a quo. XXII- A Recorrente entende que existiu um clamoroso erro de julgamento por parte do tribunal recorrido na consideração e valoração como não provados os factos expostos nos pontos a), b), c), e), f), g), i), j), k), l), m), o), p) da sentença recorrida. XXIII- Ao ser junto pela Autora um contrato promessa, devidamente assinado, onde se encontra clara a convergência de vontades entre ambos os Outorgantes não pode, o Tribunal a quo, sem mais, considerar como não provada a celebração do referido contrato promessa, o qual durante anos, produziu efeitos e obteve a vinculação das partes. XXIV- A validade, existência e fidedignidade do contrato promessa junto aos autos não foi colocada em crise, nem pelos réus que apenas se limitaram a impugná-lo por desconhecimento. XXV- O efeito probatório atribuído ao contrato promessa de compra e venda na sentença é dissonante da própria alegação dos réus , nomeadamente quanto ao modo de impugnação que não foi considerado, em virtude destes não impugnarem frontalmente a veracidade ou falsidade do documento subscrito pelo de cujus, antes e somente se cingem a alegar a falsidade da assinatura. XXVI- A não alegação de falsidade do documento tem implicações ao nível do valor probatório do documento, o qual, desde logo deveria resultar como um facto provado ante a impugnação por mero desconhecimento como em cima se aludiu. XXVII- O contrato promessa junto aos autos, estando devidamente assinado e tendo sido alvo de prova pericial que considerou como provável a assinatura do promitente vendedor, deverá ser considerado como prova bastante para a consideração da celebração do mesmo, assim como para vinculação dos seus outorgantes. XXVIII- Ao existir impugnação por parte dos Réus de uma acção declarativa de condenação de um documento junto pela Autora a título de desconhecimento sem menção de eventual falsidade do mesmo e sem qualquer concretização quanto ao elemento volitivo dos outorgantes não admite que o Tribunal a quo dê oficiosamente como não provada a celebração do mesmo. XXIX- Para que vingue qualquer alegação de falsidade do contrato promessa de compra e venda, sempre significaria a imprescindibilidade de alegação, arguição e prova de eventuais falta ou vícios da vontade, o que não sucedeu no caso concreto. XXX- A verdade é que, ainda que as partes aleguem a falsidade da assinatura aposta num documento, tal não significa que este não tenha sido celebrado, sendo que, neste conspecto, o que sucederá será o conhecimento e apreciação da idoneidade da assinatura, nunca podendo ser considerado que o contrato não foi celebrado: ele foi sempre celebrado, conjecturando-se acerca da autoria da assinatura. XXXI- Cremos ser de merecer valoração e resposta positiva o exame pericial que conclui pela probabilidade da fidedignidade da assinatura impugnada, o qual foi realizado com base nos documentos de identificação originais e, ainda, com base numa procuração irrevogável subsequente à celebração do dito contrato promessa. XXXII- Releva também a metodologia da realização do exame pericial que confirma também na fidedignidade do documento pois não foram detectados desalinhamentos ou diferenças na escrita impressa”, assim como “ a observação de DC1 não revelou quaisquer indícios de montagem, alterações , rasuras ou obliterações, nem indícios de decalque.” XXXIII- Assim, o contrato promessa de compra e venda junto aos autos, após escrutínio da prova pericial em conjugação com a procuração irrevogável atesta de forma esclarecedora o ânimo, eficácia e vinculatividade que o contrato surtiu na esfera jurídica de ambos os contraentes. XXXIV- A efectiva existência do contrato, a conclusão a que se deverá chegar mediante a forma de impugnação realizada pelos réus, uma justa e positiva valoração do exame pericial implica a consideração do contrato promessa de compra e venda como confissão extrajudicial e, por isso, dotado de força probatória plena. XXXV- Incorre, pois, em erro de julgamento a sentença que não valore positivamente um documento particular não impugnado por falsidade, antes concluindo pela inexistência do mesmo. XXXVI- Ao ser junto com o contrato promessa de compra e venda uma procuração irrevogável que visa dar à promitente compradora e no seu interesse todos os poderes para celebrar todos os negócios relativos ao imóvel objecto do contrato promessa, bem como lhe concede poderes para a celebração de negócio consigo mesmo, incorre em erro de julgamento a sentença que, ainda assim, se omita do conhecimento e a uma valoração positiva da mesma, sobretudo se a mesma demonstra plausibilidade lógica e cronológica ante o contrato promessa de compra e venda. XXXVII- A procuração dotada de poderes irrevogáveis afirma e confirma a celebração, validade e eficácia do contrato promessa de compra e venda e sublinha marcadamente a convergência de vontades na realização tanto do contrato promessa como do contrato prometido. XXXVIII- A existência da referida procuração não só releva no que aos seus efeitos directos diz respeito, uma vez que a mesma, pela sua própria natureza dá à Autora todos os poderes e hipóteses de fazer o que quiser com o imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda, mas ainda de forma indirecta deveria permitir ao tribunal recorrido elementar valoração de que não só as declarações constantes no contrato de promessa compra e venda são cristalinas e verdadeiras, ante a ordem lógica e cronológica dos acontecimentos, isto é, a celebração do contrato promessa de compra e venda em 2002, o pagamento do preço e já em 2003 a efectiva transmissão da disponibilização do bem imóvel ser transferido em todos os seus efeitos para a esfera jurídica da Autora. XXXIX- Ao existir, um ano após a celebração do contrato promessa, a deslocação dos promitentes vendedor e compradora a um cartório notarial onde aquele outorga uma procuração irrevogável, acompanhada tal expressa declaração de vontade, do juízo de probabilidade extraído da prova pericial e, ainda, da convicção pública transmitida aos amigos (veja-se depoimentos de F. L. a minutos 00:01:42.24 e ss. , S. A. a minutos 02:35 e ss. e J. V. a minutos 03:17 e ss.), incumbe ao Tribunal valorar positiva e objectivamente como provada a existência, a celebração e a convergência de vontades que resultam do documento junto aos autos. Deveria, assim, ser dado como provado que:
“a) No dia 18 de Abril de 2002, por escrito particular, a A. celebrou com o Sr. E. L., portador do NIF ... e do BI ..., um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual este último prometeu vender àquela a fracção autónoma referida em 1º, bem como o recheio da mesma, incluindo todos os móveis, electrodomésticos e demais equipamentos e duas armas de caça.” XL- Ao estar junto aos autos todo o clausulado relativo ao contrato promessa de compra e venda e, acompanhado tal da restante prova documental, como extractos bancários, procuração irrevogável, prova pericial e, por fim, da prova testemunhal e o facto de o promitente vendedor dar quitação do montante pago pela promitente compradora, impõe-se que essa declaração seja valorada como confissão extrajudicial. XLI- A confissão extrajudicial é aquela que se extrai de um documento particular que, acompanhado de demais prova, é tido como genuíno e cuja autoria do declarante não é derrogada, pelo que, existindo tais elementos nos autos, deveria ser dado como provado que: “b) O preço de venda acordado foi de € 57.361,76, valor que a A. pagou na íntegra.” XLII- Ao estar junto aos autos um contrato promessa de compra e venda, genuíno e cuja autoria não é derrogada, onde consta uma cláusula literal que estabelece que o contrato prometido seria celebrado em data a acordar entre ambas as partes, deveria ser tal dado, sem reservas, como provado: “c) A escritura de compra e venda da fracção autónoma objecto do contrato promessa deveria ser efectuada em data a acordar entre os outorgantes.” XLIII- O tribunal a quo considerou como não provado que “e) A oportunidade de negócio surgiu por necessidade financeira momentânea do Sr. E. L., a quem a A. também quis ajudar ao celebrar o contrato promessa.”, o que contraria toda a prova documental trazida aos autos bem como a prova testemunhal produzida e gravada nos mesmos. XLIV- Vemos que com a celebração do contrato promessa de compra e venda existiu um incremento patrimonial na esfera do falecido que, mais uma vez, veio a traduzir a ajuda dada pela Autora a diversos níveis e esferas da sua vida, conforme confirmado pelos depoimentos das testemunhas F. L., (minutos [00:01:42.24] a [00:02:09.15] e [00:05:06.03] [00:09:00.20]) S. A. (Minutos 02:35 a 03:00 e 03:38 a 04:31) e J. V. (Minutos 03:28 a 03:44 e 03:59 a 04:18 e Minutos 07:24 a 07:44). XLV- Além disso, o Tribunal recorrido mal andou em olvidar por completo a junção de todos os movimentos bancários realizados pelo Sr. E. L. no período antecedente e posterior à celebração do contrato promessa para que, tendo em conta esses movimentos, pudesse realizar um juízo de valoração favorável quanto à dependência bancária daquele, ou melhoria significativa. XLVI- Além de que, acompanhado do contrato promessa de compra e venda foi, ainda, outorgada a favor da Recorrente uma procuração irrevogável para a mesma realizar, eventualmente, negócios consigo mesma relativa ao imóvel objecto de discussão, o que só demonstrava a efectiva vontade do falecido em celebrar o contrato prometido futuramente. XLVII- Deveria, nessa medida, ter sido dado como provado que o contrato promessa de compra e venda, além de existir, sempre surgiu aliado à ajuda que a Autora sempre prestou ao falecido, estendendo-se, agora, a uma ajuda financeira de maior dimensão, devendo ser dado como provado que: “e) A oportunidade de negócio surgiu por necessidade financeira momentânea do Sr. E. L., a quem a A. também quis ajudar ao celebrar o contrato promessa.” XLVIII- O Tribunal a quo desconsiderou o depoimento do Sr. J. V., amigo e íntimo do falecido, que indicou a minutos 06:42 a 07:44 que a vivência do falecido no imóvel apenas se justificava pela relação de amizade entre a Autora e falecido, o que, quando confrontado com o contrato promessa e, ainda, com a procuração irrevogável, demonstra que a Autora tudo poderia ter feito para celebrar o contrato promessa e exigir a desocupação do imóvel. XLIX- Além disso, é, também, o depoimento integral de F. L. que atesta que o falecido sempre indicou que o imóvel não lhe pertencia – tendo, aliás, indicado isso no próprio café restaurante à testemunha S. A.- e que a Autora era a única pessoa que sempre o ajudou, fosse em tratamentos medicamentosos, urgências hospitalares, necessidades alimentares, entre outros.
Assim, deveria ter sido dado como provado, quer pelos depoimentos testemunhais das testemunhas arroladas pela Autora, quer pelo conteúdo do contrato promessa conjugado com a procuração irrevogável que:
“f) A A. permitiu que aquele fosse continuando a habitar a fracção, pelo menos até finais de 2009 e inícios de 2010, em virtude da boa relação entre ambos, condescendendo assim a A., a pedido do promitente-vendedor, em sucessivos adiamentos da celebração do contrato-prometido.” L- Encontra-se junto aos autos sob a forma de documento n.º1 da petição inicial o contrato promessa de compra e venda e é da leitura e interpretação literal do teor das cláusulas segunda e quarta que, sem mais, deveria ter sido dado como provado que: “g) E. L. comprometeu-se a entregar a casa em perfeito estado de conservação e totalmente mobilada assim que pudesse e a celebrar a escritura quando tivesse condições para assegurar habitação condigna para si próprio.” LI- O Tribunal a quo deu como não provado que “i) Poucas semanas após o falecimento do Sr. E. L., a A. efectuou o primeiro contacto com vista a obter dos seus herdeiros o cumprimento do contrato-promessa, tendo, no entanto, obtido destes respostas evasivas, que se fundavam na incapacidade do Réu menor de idade e na morosidade dos procedimentos tendentes à habilitação dos herdeiros, mas também no alegado desconhecimento do negócio firmado entre a A. e o de cujus.”, olvidando, por completo, a prova documental junta aos autos. LII- Encontram-se juntos aos autos documentos relativos às interpelações admonitórias formais remetidas pela Autora aos Réus, aqui Recorridos, que foram juntas sob a forma de documentos n.º6 a n.º10 com a petição inicial, sendo que, consta delas anexo os comprovativos de registo dos correios bem como os avisos de recepção assinados pelos próprios destinatários, aqui Recorrentes. LIII- Do teor das referidas missivas deduz-se uma clara continuidade das conversações, que, não foram, em momento algum, impugnadas pelos Recorrentes, o que só denota que os mesmos têm consciência da sua recepção, que confirmam que assinaram os referidos avisos de recepção (aos quais foi certificada a identidade pelo carteiro) e, além disso, que em alguns dos casos originaram respostas (veja-se documento n.º11 junto com a petição inicial), que se traduziam em respostas evasivas. LIV- Dessa forma, e atendendo à prova cabal, não impugnada, junta com a petição inicial (documentos n.º6 a n.º11) deveria ter sido dado como provado que “i) As respostas dos herdeiros após as interpelações da Autora para o cumprimento do contrato-promessa foram, sempre, evasivas, fundando-se na incapacidade do Réu menor de idade e na morosidade dos procedimentos tendentes à habilitação dos herdeiros, mas também no alegado desconhecimento do negócio firmado entre a A. e o de cujus.” LV- O Tribunal a quo ignorou por completo a prova documental junta com a petição inicial, bem como os comprovativos dos correios e os avisos de recepção assinados com identidade reconhecida pelo carteiro, através da apresentação e aposição dos dados do documento de identificação civil. LVI- Por não estar impugnada e estar acompanhada do comprovativo de envio via correios bem como do aviso de recepção devidamente assinado e completo com a identificação civil (veja-se documento n.º6 com a petição inicial), deveria ter sido dado como provado que: “j) A A. enviou uma carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Junho de 2014, dirigida à mãe e representante legal do Réu M. A., com vista a interpela-la a dar entrada de um pedido de autorização para proceder à alienação da fracção.” LVII- É pela falta de impugnação e conjugação e apreciação do teor das missivas de outubro de 2014, sempre acompanhadas pelos comprovativos de envio e recepção assinada pelos destinatários, conforme documentos n.º7 a n.º10 juntos com a petição inicial que deveria ter sido dado como provado que: “k) Através de carta registada com aviso de recepção enviada a cada um dos Réus no início de Outubro de 2014, a Autora dava-lhes conta de que, face à ausência de qualquer resposta por parte destes e face à recusa destes em providenciar pelo suprimento da incapacidade do herdeiro menor, iria marcar a escritura pública de compra e venda da fracção para o dia 27 de Outubro de 2014, mais advertindo que daria como definitivamente não cumprido o contrato-promessa de compra e venda caso os mesmos não comparecessem na escritura pública de compra e venda, no dia, hora e local designados.” LVIII- Ao existir nos autos a junção da notificação da Autoridade Tributária remetida para o domicílio fiscal da cabeça de casal, sito na Póvoa de Lanhoso, bem como o comprovativo de pagamento voluntário da dívida do IMI em processo de execução fiscal pela Autora, é facilmente compreensível que apenas com a entrega da notificação da AT pela cabeça de casal à Autora possa esta ter tido conhecimento do referido processo de execução fiscal. LIX- O argumento indicado pelos Réus de que desconheciam o paradeiro da notificação, porquanto após a sua recepção, colocaram a mesma no imóvel objecto de discussão não é compreensível, dado que caso se pretenda liquidar uma dívida não se coloca num local que não frequentam. LX- Foi facto trazido aos autos pela testemunha F. L. que a Autora não tinha acesso ao imóvel desde a data da morte do autor da sucessão, bem como todas as chaves estavam na posse dos Réus, caindo por terra o argumento apresentado pelos Réus que a Autora é que terá, alegadamente, pegado na notificação que deixaram no imóvel. LXI- Além disso, a minutos [00:12:23.17] a testemunha demonstra ter conhecimento de que a notificação do IMI chegou à esfera da Recorrente pela entrega directa da cabeça de casal “Eu sei que foram enviadas cartas, ou seja, há o IMI para pagar. Para pagar o IMI, mas foi enviado para a filha, mas depois a filha meteu a carta na caixa de correio da Dona I. T. e ela pagou.”, o que leva a que deva ser dado como provado que: “l) A Ré cabeça-de-casal da herança do falecido Sr. E. L., quando recebeu na sua casa a notificação da Autoridade Tributária da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis de 2014 remeteu-a para a Autora, que acabou por liquidar a dívida relativa ao IMI acrescida dos juros pelo atraso de pagamento.” LXII- Ao ter sido depositada na sua caixa de correio uma notificação à qual já acresciam juros em face de processo de execução fiscal instaurado, é claro que a Autora, promitente compradora no ano de 2014 (ano ao qual se reportava o imposto) decidiu realizar o pagamento do montante de €137,01 receando futuros encargos, devendo, por isso, ser dado como provado que: “m) Receando futuros encargos, a A. pagou o IMI referente à fracção, acrescido dos juros, por pagamento voluntário em processo de execução fiscal.” LXIII- Ao estar junto com a petição inicial o documento n.º15, quando acompanhado dos documentos n.º7 a n.º10, onde existe uma certificação por entidade notarial que no dia vinte e sete de outubro de 2014 para realização da escritura de compra e venda os Réus não compareceram, e, atendendo a que a informação da marcação, local e hora tinha chegado ao seu conhecimento conforme documentos n.º7 a n.º10 juntos com a petição inicial, deveria ter sido prova cabal a sua ausência no dia agendado. LXIV- Assim, a existir um documento lavrado por notário, onde se clarifica que apenas se encontrou presente o mandatário com poderes para o ato da Autora, aqui Recorrente, para a realização da escritura de compra e venda, junto aos autos sob a forma de documento n.º15 deveria ter sido dado como provado que: “o) No dia, hora e local designados pela A., os Réus não compareceram.” LXV- A testemunha F. L. era, além de presença assídua do imóvel até à data do falecimento do autor da sucessão, amiga deste último e sua empregada doméstica e, nessa medida, ao ter indicado a minutos [00:08:03.07] que “[é] assim, o apartamento do senhor E. L. é um apartamento que ganha muita humidade, assim no tecto, dos lados, ganha muita humidade e até cai assim, não é só aquelas bolhinhas pretas, cai assim cimento e o chão dele era assim (---) tem aquela carpete pregada no chão aquela carpete que é colada e os móveis, vá os móveis normais, digo eu.”, deveria ter sido tal valorado pelo Tribunal recorrido. LXVI- Ao ter ignorado o depoimento directo, espontâneo e com conhecimento da Sra. F. L., mal andou o Tribunal a quo. Assim, por força do depoimento da mesma, em específico do indicado a minutos 00:08:03.07, deveria ter sido dado como provado que: “p) O imóvel apresentava, ainda em vida do Sr. E. L., alguns problemas de condensações e humidades.” LXVII- Deve ser dado como provado o seguinte ponto: A Autora desde cinco de Setembro de dois mil e três, teve uma procuração do falecido em que a constitua sua bastante procuradora a Autora a quem conferiu poderes necessários para vender, prometer vender pelo preço e condições que entender convenientes a si própria ou a terceiros a fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao 1.º Andar, …, (lado …), integrada no prédio urbano sito na Rua ..., com os números .., .., .., .., .. e .., de polícia, lote ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na matriz predial urbana de Braga sob o art. ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ..., inscrição ..., no interesse da mandatária, por isso irrevogável, mos termos do nº 3 do artigo 265º e nº 2 do art. 1170º, do Código Civil e os poderes nela conferidos não caducarão nos termos do art. 1175º, com a possibilidade de celebração de negocio consigo mesmo, ficando expressamente dado o consentimento previsto no nº1 do art. 265º do Código Civil. LXVIII- A existência de um contrato promessa de compra e venda assinado por ambas as partes respeita o artigo 373.º do Código Civil, sendo, por isso, considerado um documento particular. LXIX- Ao existir pelos Recorrentes impugnação por mero desconhecimento, a força probatória do documento junto com a Autora não fica colocada em causa a veracidade e idoneidade do documento. LXX- A arguição da falsidade da assinatura, seguida de prova pericial que considera a assinatura do promitente vendedor como provável de ser subscrita pelo imputado autor, conjugada com os demais meios de prova colocaria o julgador de, em condições de apreciação da prova em termos objectivos de proceder a uma valoração positiva tanto do documento particular como ainda quanto à autoria da assinatura nele aposta, concretizando-se o mesmo enquanto confissão do seu subscritor e proba plena nos termos do artigo 376º do Código Civil. LXXI- Dado esse passo no sentido do reconhecimento da autoria da assinatura do contrato completa-se o circulo que nos leva à atribuição de força probatória plena do documento particular o que sucede de forma positiva, ante todos e variados elementos probatórios disponíveis e ainda negativamente em face da ausência de alegação e prova de qualquer vicio ou falta de vontade de que o autor da declaração, o de cujus, pudesse enfermar no momento da celebração de tal contrato promessa e do ajuste de todas as cláusulas ali insertas. LXXII- Quando um documento particular contém quitação do recebimento de valores, este vale como prova com confissão no momento em que não seja colocada em causa a sua veracidade e genuinidade, sendo, portanto, uma confissão extrajudicial o recebimento do valor pelo promitente vendedor a título de sinal pela aqui Recorrente nos termos do n.º2 do artigo 373.º e 376º, numero 2 do Código Civil. LXXIII- A inexistência é uma figura jurídica que não encontra tutela na parte geral do direito civil, sendo a invalidade do negócio jurídico possível de se consubstanciar em nulidade ou anulabilidade, no entanto, a declaração de invalidade de um negócio jurídico carece, sempre, da condenação às suas devidas e legais consequências. LXXIV- Com a sentença proferida violaram-se as normas previstas nos artigos 285º, 286º, 287º, 289º, 290º, 352º, 353º, 355º, 358º, 373º, 376º, 388º, 389º, 405º, 406, 410º, 440º ,441º, 442º e 808º do Código Civil, os artigos, 154º e 607º do Código de Processo Civil e ainda o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa nos termos e para os efeitos do artigo 639.º n.º2 alínea b) do Código de Processo Civil.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer a V/ Exas. que admitam o presente recurso e, em consequência, sejam julgadas as nulidades invocadas procedentes e , em consequência seja anulada a sentença recorrida nos termos requeridos e ao abrigo do disposto nos artigo 615º, número 1, alienas b) e d) do Código de Processo Civil.
Sem prescindir,
Caso tal não suceda, requer-se a revogação da sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente por provada a acção
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Foram apresentadas contra-alegações
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Foi proferido acórdão em que se decidiu:
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam a acção procedente por provada e condenam os réus, com o limite das forças da herança, a pagarem à autora a quantia de €114.723,52, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da citação para a presente acção e até integral e efectivo pagamento. Custas pelos apelados, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
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Inconformados os apelados interpuseram recurso de revista tendo o STJ, por acórdão de 22.11.2018, decidido anular o acórdão recorrido determinando a remessa dos autos a este Tribunal da Relação “a fim de ser reapreciada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos supra referidos [actos constantes dos pontos 1, 2, 3 e 4 (este apenas quanto ao seu segmento final)]”.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões acima reproduzidas.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
A) Factos provados na sentença:
1. Existe uma fracção autónoma, em regime de propriedade horizontal, designada pela letra “N”, correspondente ao 1.º Andar, …, Centro (lado …), integrada no prédio urbano sito na Rua ..., com os números ..,.., .., .., .. e .., de polícia, lote ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na matriz predial urbana de Braga sob o art. ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ..., inscrição .... 2. Essa fracção encontra-se inscrita na referida matriz urbana em nome de E. L.. 3. E. L. viveu sozinho na fracção autónoma supra referida até à data do seu falecimento, ocorrida em 25 de Maio de 2013. 4. O mesmo não deixou testamento, legado ou qualquer outra disposição de última vontade. 5. A fracção supra referida permaneceu desocupada desde essa data, contendo apenas o respectivo recheio e alguns pertences do falecido.
B) Factos não provados
a) No dia 18 de Abril de 2002, por escrito particular, a A. celebrou com o Sr. E. L., portador do NIF ... e do BI ..., um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual este último prometeu vender àquela a fracção autónoma referida em 1º, bem como o recheio da mesma, incluindo todos os móveis, electrodomésticos e demais equipamentos e duas armas de caça. b) O preço de venda acordado foi de € 57.361,76, valor que a A. pagou na íntegra. c) A escritura de compra e venda da fracção autónoma objecto do contrato promessa deveria ser efectuada em data a acordar entre os outorgantes. d) A intenção da A. sempre foi a de, sem necessidade de gastar mais dinheiro do que aquele que pagou aquando do contrato-promessa, arrendar o imóvel devidamente mobilado. e) A oportunidade de negócio surgiu por necessidade financeira momentânea do Sr. E. L., a quem a A. também quis ajudar ao celebrar o contrato promessa. f) A A. permitiu que aquele fosse continuando a habitar a fracção, pelo menos até finais de 2009 e inícios de 2010, em virtude da boa relação entre ambos, condescendendo assim a A., a pedido do promitente-vendedor, em sucessivos adiamentos da celebração do contrato-prometido. g) E. L. comprometeu-se a entregar a casa em perfeito estado de conservação e totalmente mobilada assim que pudesse e a celebrar a escritura quando tivesse condições para assegurar habitação condigna para si próprio. h) Algures entre o final de 2009 e o início de 2010, a A. expressamente solicitou ao promitente-vendedor para que este celebrasse o contrato-prometido, mas como este lhe confessou que se encontrava com algumas dificuldades em adquirir nova casa, a A. entendeu que devia aguardar mais algum tempo, em atenção à estreita amizade que as partes mantinham entre si. i) Poucas semanas após o falecimento do Sr. E. L., a A. efectuou o primeiro contacto com vista a obter dos seus herdeiros o cumprimento do contrato-promessa, tendo, no entanto, obtido destes respostas evasivas, que se fundavam na incapacidade do Réu menor de idade e na morosidade dos procedimentos tendentes à habilitação dos herdeiros, mas também no alegado desconhecimento do negócio firmado entre a A. e o de cujus. j) A A. enviou uma carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Junho de 2014, dirigida à mãe e representante legal do Réu M. A., com vista a interpela-la a dar entrada de um pedido de autorização para proceder à alienação da fracção. k) Através de carta registada com aviso de recepção enviada a cada um dos Réus no início de Outubro de 2014, a Autora dava-lhes conta de que, face à ausência de qualquer resposta por parte destes e face à recusa destes em providenciar pelo suprimento da incapacidade do herdeiro menor, iria marcar a escritura pública de compra e venda da fracção para o dia 27 de Outubro de 2014, mais advertindo que daria como definitivamente não cumprido o contrato-promessa de compra e venda caso os mesmos não comparecessem na escritura pública de compra e venda, no dia, hora e local designados. l) A Ré cabeça-de-casal da herança do falecido Sr. E. L., quando recebeu na sua casa a notificação da Autoridade Tributária da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis de 2014 deixou-a na caixa do correio da A.. m) Receando futuros encargos, a A. pagou o IMI referente à fracção. n) Foi a A. quem teve de negociar junto da … e da … a suspensão dos contratos de fornecimento de água e luz do imóvel, assim evitando mais prejuízos, quer para si, quer para a herança do seu promitente-vendedor. o) No dia, hora e local designados pela A., os Réus não compareceram. p) O imóvel apresentava, ainda em vida do Sr. E. L., alguns problemas de condensações e humidades e desde o seu falecimento a situação degradou-se assinalavelmente, tendo o imóvel, bem como o seu recheio, assistido a uma importante degradação nestes cerca de 30 meses em que permaneceu fechado, sem qualquer manutenção ou sem que fossem ligados desumidificadores e/ou outros electrodomésticos. q) O imóvel precisaria hoje de extensas obras para poder ficar em condições de ser arrendado e a sua mobília e electrodomésticos necessitariam de uma extensa remodelação, uma vez que se encontram danificados pela falta de uso e pela acção da natureza, do tempo, da humidade e da falta de manutenção.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A) Reapreciação da decisão da matéria de facto
Nos termos do douto acórdão do STJ está agora apenas em questão a seguinte matéria que julgamos provada no anterior acórdão:
1. Por escrito particular datado de 18 de Abril de 2002, E. L., portador do NIF ... e do BI ..., prometeu vender à autora e esta prometeu comprar àquele, a fracção autónoma em regime de propriedade horizontal, designada pela letra “N”, correspondente ao 1.º Andar, …, Centro (lado ...), integrada no prédio urbano sito na Rua ..., com os números ..,.., .., .., .. e …, de polícia, lote ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na matriz predial urbana de Braga sob o art. ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ..., inscrição ..., de que o mesmo se afirmou dono e legítimo possuidor, bem como como o recheio da mesma, incluindo todos os móveis, electrodomésticos e demais equipamentos e duas armas de caça. 2. Pelo preço de €57.361,76, do qual o promitente vendedor logo deu quitação. 3. A escritura de compra e venda da fracção autónoma objecto do contrato promessa deveria ser efectuada em data a acordar entre os outorgantes. 4. E. L. viveu sozinho na fracção autónoma supra referida até à data do seu falecimento, ocorrida em 25 de Maio de 2013, sem oposição da autora. (este último apenas quanto ao segmento “sem oposição da autora”).
No acórdão do STJ, afirma-se que apenas nos fundamos na circunstância de entendermos que “os réus não haviam impugnado como falsa a assinatura do autor da herança que representam … e que este erróneo pressuposto haveria que comprometer todo o percurso decisório subsequente”. Contudo, não foi esse o percurso seguido no nosso acórdão anulado, pois também dele consta:
– «(…) De qualquer forma realizou-se exame pericial, no LPC, concluindo-se que é provável que tal assinatura tenha sido efectuada pelo falecido.
Note-se que o grau de probabilidade só não pode ser superior em razão de não se terem colhido amostras actualizadas da escrita daquele a quem é atribuída a autoria do documento. Isto é, em caso de falecimento daquele a quem é atribuída a assinatura e, por isso, sendo apenas possível examinar e comparar outras assinaturas apostas em documentos (B.I. e carta de condução, apesar de constarem dos autos uma procuração e respectiva revogação, que o Tribunal também poderia ter enviado), sem amostras de escrita corrente, mas apenas dez assinaturas, 7 das quais meras reproduções fotográficas, como resulta do relatório (“limitações ao exame” referidas na página 4, 1º parágrafo, página 6 e página 10, 2º parágrafo), o LPC nunca atribuiria maior grau de probabilidade.
Ora, sob pena de, em caso de falecimento daquele a quem uma assinatura é atribuída, nunca ser possível provar a sua autoria, temos de conceder que o resultado do exame nos deve bastar.
Efectivamente tal prova tem de se considerar suficiente quanto à autoria da assinatura, pois não resultou minimamente abalada, antes se mostrando reforçada pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente a procuração irrevogável emitida pelo falecido a favor da autora.»
Isto é, já no anterior acórdão havíamos reapreciado a prova produzida no tocante à autoria da assinatura do documento em questão (contrato promessa) e, em face dela julgamos provado que o falecido E. L. tinha assinado esse documento.
Assim, da reapreciação então efectuada resulta já provado que E. L., portador do NIF ... e do BI ..., assinou o documento particular, datado de 18 de Abril de 2002, no qual constava que prometia vender à autora e esta prometia comprar àquele, a fracção autónoma em regime de propriedade horizontal, designada pela letra “N”, correspondente ao 1.º Andar, …, Centro (lado ...), integrada no prédio urbano sito na Rua ..., com os números ..,.., .., .., .. e .., de polícia, lote ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na matriz predial urbana de Braga sob o art. ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ..., inscrição ..., de que o mesmo era dono e legítimo possuidor, bem como como o recheio da mesma, incluindo todos os móveis, electrodomésticos e demais equipamentos e duas armas de caça, pelo preço de €57.361,76, do qual o promitente vendedor dava quitação. Bem como que a escritura de compra e venda da fracção autónoma objecto do contrato promessa deveria ser efectuada em data a acordar entre os outorgantes.
No tocante às declarações contidas no documento, que, em face da prova produzida, que reapreciamos, nos moldes sobreditos, julgamos provado ter sido assinado por E. L., dissemos:
– «Consequentemente, atento o disposto no art.º 376.º do CC, estando reconhecida a autoria da assinatura, o documento (contrato) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, pois não foi provada a falsidade ideológica do mesmo.
Assim, como os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, temos de considerar provados, em face do documento, os factos constantes das alíneas a), b) e c).
É certo que os réus, no que tange à declaração de pagamento do preço arguiram a sua falsidade. Contudo, não provaram a alegada falsidade.
Efectivamente, considerada reconhecida a autoria do documento, era aos réus que competia provar que o preço não foi pago.
Não era à autora que competia provar que pagou.
Os meios de prova que produziram nesse sentido são manifestamente insuficientes. Nem sequer por presunção judicial (a partir de outros factos) é legítimo extrair tal conclusão, pois a situação económica do falecido (o não carecer de vender para fazer face às suas necessidades, que aliás nem lograram provar, pois o que cada um necessita depende dos respectivos hábitos de consumo), ou a da autora (contrariamente ao que, na senda do alegado na contestação, se refere na motivação, é falso que a autora não tivesse meios para pagar o preço – pode não auferir rendimentos em Portugal, mas demonstrou ter uma situação desafogada, possuindo bens e capital em França, que lhe permitiam pagar o preço), só por si, pois que as testemunhas apresentadas pelos réus não tinha conhecimento directo deste facto, não passando tais depoimentos de conjecturas, não permitem concluir que a declaração constante do documento é falsa.
Os réus, herdeiros do falecido e como tal ocupando a posição processual que a este competiria, não alegaram qualquer vício da vontade, nem provaram a falsidade da declaração a fim de afastar a força probatória do documento particular e, por essa via, infirmar as declarações nele exaradas.
Não encontra assim fundamento no direito probatório o que em contrário vem referido na motivação da decisão de facto, pois que o documento cuja assinatura é reconhecida e cuja falsidade não é alegada nem provada, faz prova plena dos referidos factos, incluindo o pagamento do preço, nos termos dele constantes».
O STJ, no douto acórdão que anulou o nosso, a este propósito, considerando os sucessores do autor da declaração como terceiros, afasta a força probatória plena do documento (art.º 376º do CC) e determina queé sobre a autora que incide o ónus de provar os factos compreendidos na declaração, constitutivos do direito por si alegado, designadamente que entregou a quantia de €57.361,76.
Retirada a força probatória plena ao documento particular assinado por quem nele figura como declarante (por força do douto acórdão do STJ a quem devemos obediência), não deixa o mesmo de poder ser apreciado e livremente valorado por este Tribunal – neste sentido ver o acórdão do STJ de 02-12-2013 (processo nº 6687/09.1TVLSB.L1.S1) publicado em dgsi.pt – tanto mais que está provado que foi assinado por quem nele figura como declarante.
Ora, nenhuma razão foi adiantada pela demais prova produzida que nos leve a pôr em causa, que, o que nesse documento se declarou, não corresponda à vontade das partes, ou seja, que o falecido E. L. tenha assinado um documento a declarar que prometia vender a dita fracção autónoma à autora, por aquele preço, que dela já recebera, por qualquer outra razão.
Além desse contrato promessa o falecido outorgou a favor da autora procuração irrevogável, conferindo-lhe poderes para transaccionar o imóvel objecto do contrato de promessa de compra e venda pelo preço e condições que entendesse convenientes e com a faculdade de celebrar negócio consigo mesma. Procuração que mais tarde, por mútuo acordo, revogaram.
O facto de o falecido ter continuado a viver até à sua morte, que ocorreu de forma súbita, no apartamento prometido vender e de não terem celebrado a escritura de compra e venda, é compatível com a grande amizade que unia os promitentes (autora e Sr. E. L.), referida por todas as testemunhas, mesmo pelas testemunhas arroladas pelos réus e seus familiares.
A testemunha F. L., que conheceu o Sr. E. L. por intermédio de seu pai, que era amigo dele e também pelo facto de trabalhar no condomínio do prédio onde se situava a fracção em que ele residia, passou a fazer a limpeza da respectiva casa há cerca de 15 anos, duas vezes por semana, mas quase todos os dias, porque ia ao prédio limpar as zonas comuns, se encontravam e tomavam café. Conheceu a autora quando passou a limpar a casa do Sr. E. L.. Sabia que eram amigos desde a infância e era ela quem tratava dele. Em todos estes anos nunca por lá viu familiares dele, referindo apenas que viu uma única vez a filha e que ele por vezes falava de uma filha Maria que trabalhava num Hospital. Quem cuidava do Sr. E. L., não como empregada, mas como amiga, era a aqui autora. Era ela que tratava das roupas, que lhe trazia “tupperwares” com comida, que o levava ao médico, que geria as contas do falecido, etc.. Afirmando que isso é do conhecimento geral. A propósito do negócio do apartamento disse: (…) O senhor E. L. dizia-me a mim que ele vivia na casa, mas a casa era da Dona I. T.. Isso é o que eu sei dizer. (…) Ele disse que tinha vendido a casa, mas que ele morava lá. Que a casa era da Dona I. T.”. (…)”.
Não vislumbramos motivos para esta testemunha faltar à verdade pois não tem qualquer interesse na causa, não é familiar de qualquer das partes, nem beneficia do negócio. Demonstrou razão de ciência e é natural que não fizesse muitas perguntas sobre as razões por que o patrão continuava a morar na casa que dizia ter vendido à amiga. Desconfiança suscitaria um depoimento mais completo e elaborado.
A testemunha S. A., que trabalha no restaurante onde o Sr. E. L. almoçava, sendo que às sextas-feiras a autora almoçava com ele, disse que desenvolveu uma grande amizade com o falecido, pois muitas vezes almoçava sozinho e conversavam. Ele contava-lhe coisas da vida dele, dizia-lhe que conhecia a autora desde que eram novos e que ela era uma grande amiga. Numa determinada altura, que situa 3 anos antes do Sr. E. L. falecer, afirma que ele lhe disse: (…) “já vendi a minha casa à francesa” (francesa que era a Dona I. T.). (…). E que lhe perguntou: (…) “Então já fizeram a escritura?” E que ele respondeu: (…) “Não, ainda não se fez a escritura, mas já tenho o dinheiro e já fiz uma promessa de compra e venda”.
Não vislumbramos razão para esta testemunha faltar à verdade, pois não tem qualquer interesse na causa, não é familiar de qualquer das partes, nem beneficia do negócio.
Também a testemunha J. V. (ou V.), vizinho de andar do Sr. E. L. e seu amigo, com quem convivia desde que foi habitar naquele prédio (2003) e que muitas vezes almoçava com ele, falou da amizade entre a autora e o Sr. E. L., que era ela que tratava dele, até no Hospital. Afirmou que o Sr. E. L. lhe disse que o apartamento era dela, mais concretamente, que foi ela quem entrou com o dinheiro. Morava lá porque ela era amiga dele.
Também esta testemunha não tem qualquer interesse no desenlace deste processo, nem é mais amiga da autora do que era do falecido Sr. E. L..
As demais testemunhas, a amiga das filhas do Sr. E. L. (Manuela), a prima AV. (sobrinha do Sr. E. L. e filha da testemunha seguinte), o tio J. (irmão do Sr. E. L.) ou a mãe dos filhos mais novos do falecido E. L. (M. M.), não contrariam o que estas testemunhas afirmaram, pois nada sabiam, este nada lhes contou sobre o negócio – não lhes contou ter assinado um contrato promessa, embora tenha assinado, nem lhes contou sobre a procuração irrevogável, apesar desta ter sido realizada no notário. Aliás, embora nos respectivos depoimentos tenham querido fazer passar a ideia que se encontravam com ele muitas vezes (sempre que ele ia a Vieira do Minho) apenas dão pormenores de duas vezes. A testemunha M. M. refere a festa de S. José, a sobrinha refere o funeral de um dos irmãos do Sr. E. L., e o irmão J., para além do passado muito longínquo, refere o mesmo funeral e que terá ido com ele a Fafe visitar uma irmã. Não demonstraram ter grandes contactos com ele, serem conhecedores da sua vida, das suas doenças, terem-no visitado, etc.. É tudo muito vago e apenas sabiam dizer que ele nunca lhes disse que vendeu nada. Também o depoimento da mãe dos réus Maria e do menor M. A., que, além de ter interesse na causa, não se nos afigurou credível, nada adiantou sobre o negócio em questão.
Todas as testemunhas residentes em Vieira do Minho sabiam no entanto que a autora é casada e vive com o marido na mesma terra que eles (Vieira do Minho), que era amiga do Sr. E. L. desde que ambos eram jovens e o visitava muitas vezes. Mais disseram que a autora vive desafogadamente, tendo uma casa muito boa e terrenos (testemunha AV.). O que aliás a autora também provou por documentos juntos a fls. 284 a 327, relativamente a imóveis que possui em Portugal e em França, aos respectivos rendimentos e aplicações financeiras. Isto é, a sua situação económica permitia-lhe pagar o montante que no contrato se declarou corresponder ao preço.
De todo este conjunto de prova documental e testemunhal convencemo-nos, que, efectivamente, E. L., para além de ter assinado o documento particular intitulado contrato promessa de compra e venda, prestou as declarações dele constantes, que correspondem à sua vontade, tendo recebido o respectivo preço, por isso dele deu quitação e naturalmente continuou a habitar a casa prometida vender, até porque nunca chegaram a celebrar o contrato prometido. Acresce que se demonstrou, sem margem para dúvida, que a autora era muito sua amiga, cuidava dele na saúde e na doença, como ninguém da família, nem as filhas, o fez, sendo natural, que, face a tal amizade, nunca lhe tenha exigido a celebração do contrato prometido e daí nunca ter existido oposição da sua parte a que o amigo E. L. continuasse a habitar a casa prometida vender. Consequentemente, reapreciada toda a prova produzida, em obediência ao douto acórdão do STJ, julgamos provada a factualidade em questão.
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Está assente a seguinte factualidade:
1. Por escrito particular datado de 18 de Abril de 2002, E. L., portador do NIF ... e do BI ..., prometeu vender à autora e esta prometeu comprar àquele, a fracção autónoma em regime de propriedade horizontal, designada pela letra “N”, correspondente ao 1.º Andar, …, Centro (lado ...), integrada no prédio urbano sito na Rua ..., com os números ..,.., .., .., .. e 44.. de polícia, lote ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na matriz predial urbana de Braga sob o art. ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ..., inscrição ..., de que o mesmo se afirmou dono e legítimo possuidor, bem como como o recheio da mesma, incluindo todos os móveis, electrodomésticos e demais equipamentos e duas armas de caça. 2. Pelo preço de € 57.361,76, do qual o promitente vendedor logo deu quitação. 3. A escritura de compra e venda da fracção autónoma objecto do contrato promessa deveria ser efectuada em data a acordar entre os outorgantes. 4. E. L. viveu sozinho na fracção autónoma supra referida até à data do seu falecimento, ocorrida em 25 de Maio de 2013, sem oposição da autora. 5. O mesmo não deixou testamento, legado ou qualquer outra disposição de última vontade. 7. A fracção supra referida permaneceu desocupada desde a data do falecimento do referido E. L., com o respectivo recheio e alguns pertences do falecido. 8. Poucas semanas após o falecimento do Sr. E. L., a A. efectuou o primeiro contacto com vista a obter dos seus herdeiros o cumprimento do contrato-promessa. 9. Face à anunciada inacção dos réus e receando que a menoridade do herdeiro M. A. pudesse ser utilizada como justificação para protelar a celebração do contrato prometido, no dia 18 de Julho de 2013, através de Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos n.º 7307/2013, realizada na Conservatória do Registo Civil de Braga mediante as declarações prestadas pela autora, pela Sra. D. F. L. e pela Sra. D. T. F., foram habilitados como herdeiros legitimários do Sr. E. L. todos os seus filhos, aqui co-réus, Maria, E. F. e F. S., todos maiores de idade, mas também o menor M. A.. 10. Pressentindo que a menoridade do herdeiro M. A. poderia ser utilizada como justificação para protelar a celebração do contrato prometido, a autora tomou a iniciativa de requerer junto do Mº Pº no Tribunal de Família e Menores de Braga a necessária autorização para que a representante legal do menor o pudesse representar na escritura pública. 11. O Mº Pº viria a rejeitar a pretensão formulada pela autora, porquanto considerou, em suma, que esta não tinha legitimidade para requerer tal autorização. 12. A autora enviou uma carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Junho de 2014, dirigida à mãe e representante legal do réu M. A., com vista a interpelá-la a dar entrada de um pedido de autorização para proceder à alienação da fracção. 13. Através de carta registada com aviso de recepção enviada a cada um dos réus no início de Outubro de 2014, a autora dava-lhes conta de que, face à ausência de qualquer resposta por parte destes e face à recusa destes em providenciar pelo suprimento da incapacidade do herdeiro menor, iria marcar a escritura pública de compra e venda da fracção para o dia 27 de Outubro de 2014, mais advertindo que daria como definitivamente não cumprido o contrato-promessa de compra e venda caso os mesmos não comparecessem na escritura pública de compra e venda, no dia, hora e local designados, tudo conforme cartas juntas aos autos aos autos com a P.I. (docs. nºs 6, 7, 8 e 9, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 12. No dia e hora designados pela autora, os réus não compareceram no cartório notarial indicado pela autora. 13. A notificação da Autoridade Tributária da liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis de 2014, recebida na morada onde o falecido E. L. residiu e a que só os réus tinham acesso, foi posteriormente deixada na caixa do correio da autora 14. Receando futuros encargos, a autora pagou o IMI referente à fracção. 15. O imóvel apresentava, ainda em vida do Sr. E. L., alguns problemas de condensações e humidades e encontra-se desabitado desde o seu óbito.
B)Aplicação do direito aos factos:
Da factualidade provada resulta que entre a autora e o falecido autor da herança a que os réus se mostram habilitados, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda de um imóvel (fracção autónoma). Trata-se de um contrato bilateral, sinalagmático, criador da obrigação, para cada uma das partes, de outorgar num futuro contrato de compra e venda, respectivamente como comprador e vendedores (art.º 410º do CC) – que, como acordo vinculativo de vontades, deveria ter sido, pelos contraentes, pontualmente cumprido (art.º 406º, nº 1 do CC).
A morte do promitente vendedor não faz caducar o contrato promessa, pois os direitos e obrigações que resultam desse contrato, que não sejam exclusivamente pessoais, “transmitem-se aos sucessores” (art.º 412º, nº1 CC).
Não foi estabelecido prazo para a celebração da escritura, ficando a respectiva data de ser acordada entre as partes.
Após o falecimento do promitente vendedor a autora diligenciou pela obtenção de tal acordo com os herdeiros o que não logrou, como resulta dos factos provados e claramente ressalta da carta enviada por uma das herdeiras (F. S.), junta a fls. 65.
Não era exigível qua a promitente compradora ficasse “ad eternum” à espera da obtenção de autorização por parte da legal representante do réu menor para celebrar em seu nome o negócio, nem do acordo dos réus quanto à data da escritura. Provada a falta de colaboração dos réus, teria de ser ela a tomar a iniciativa da marcação da escritura. Os réus não apresentaram qualquer contraproposta no tocante à data da celebração do contrato prometido.
Nas cartas enviadas em 2.10.2014 a autora advertiu os réus de que da não celebração do negócio prometido na data aprazada resultaria a perda do seu interesse em contratar e que consideraria o contrato definitivamente não cumprido.
Nos termos gerais, o incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objectivamente, o credor perca o interesse na prestação e quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor – a chamada interpelação admonitória (artº 808 do Código Civil).
A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida. (1)
São requisitos da interpelação admonitória (ver acórdão do STJ, de 28/2/1992, in BMJ 414º-492):
– A intimação para o cumprimento; – A fixação de um termo peremptório para o cumprimento; – A comunicação de que a obrigação se terá definitivamente por não cumprida se não se verificar o cumprimento daquele prazo.
As cartas de 2.10.2014 cumprem tais requisitos devendo assim o contrato considerar-se definitivamente não cumprido.
Note-se que também a invocada perda de interesse no negócio conduziria a julgar definitivamente não cumprido o negócio, sendo que tal perda de interesse é objectiva, considerando o tempo decorrido desde a celebração do contrato, as várias iniciativas, junto dos réus, no sentido de obter o cumprimento do contrato, a sua falta de cooperação, o facto de um dos herdeiros ser menor, não dependendo da autora a obtenção da necessária autorização para a respectiva legal representante intervir no negócio, não tendo esta, apesar de interpelada pela autora, diligenciado nesse sentido, a previsível morosidade, face aos obstáculos e à falta de cooperação dos réus, encontrando-se a habitação prometida vender devoluta, a degradar-se, sem lhe permitir retirar do capital investido qualquer rendimento.
O incumprimento definitivo faculta à autora o direito de o resolver o contrato ou, simplesmente, o direito de ser indemnizada pelos danos que o incumprimento lhe tenha causado (dano contratual positivo).
Como refere Baptista Machado – Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pg. 130/1 e segs. – «o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência».
Não carece de ser efectuada pela via judicial, podendo operar por comunicação à outra parte.
No caso em apreço a autora não o fez, nem o peticiona, pretendendo apenas ser indemnizada pelos danos decorrentes do incumprimento definitivo do contrato, nos termos do art.º 442º do CC, considerando a quantia entregue como sinal e pedindo a sua devolução em dobro.
A este propósito estabelece o art.º 441º, que, no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
A quantia entregue pela autora foi recebida como pagamento do preço e sendo este devido apenas com a celebração do contrato de compra e venda, tem de considerar-se como antecipação do pagamento e, por isso com a natureza de sinal.
Como se refere no douto acórdão do STJ de 21.3.2012: “Embora não seja muito habitual que, a título de sinal, seja paga a totalidade do preço, o certo é que a letra da lei é taxativa, quando, no artigo 441.º do CC, faz presumir como sinal toda a quantia entregue pelo promitente – comprador ao promitente – vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço, pelo que, não estabelecendo a lei qualquer limite, não importa, por isso, que o sinal seja inferior, igual ou superior à prestação. Assim, embora a quantia que os promitentes – compradores pagaram à promitente – vendedora, nos termos do contrato – promessa em causa, corresponda à totalidade do preço, tem carácter de sinal (confirmatório).”
Salvo estipulação em contrário, no contrato promessa sem tradição da coisa, existindo sinal, a indemnização devida ao promitente comprador corresponde ao dobro deste.
Pelo exposto assiste à autora o direito de exigir dos réus quantia equivalente ao dobro do valor do preço que pagou antecipadamente e que, nos termos do art.º 441º do CC, assume a natureza de sinal.
Os réus são responsáveis pelo pagamento desta indemnização, nos termos estabelecidos no art.º 2071º do CC, isto é, até ao limite das forças da herança, sendo devidos juros de mora, à taxa legal para as obrigações civis, desde a citação, como prescrito nos artºs 804º, 805º nº 1, 806º e 559º do CC.
Na procedência das conclusões da apelante, impõe-se revogar a sentença recorrida e julgar procedente a acção.
V – DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam a acção procedente por provada e condenam os réus, com o limite das forças da herança, a pagarem à autora a quantia de €114.723,52, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da citação para a presente acção e até integral e efectivo pagamento.
Custas pelos apelados, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
Guimarães, 28-3-2019
Eva Almeida
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte
1 - Ac. do STJ de 25.6.2003 (proc. 03B4465) in dgsi.pt