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FACTOS ESSENCIAIS OU PRINCIPAIS E NÃO PRINCIPAIS
ERRO NA PARTILHA
AÇÃO DE EMENDA À PARTILHA
CADUCIDADE
ERRO NA FORMA DE EXERCITAR O DIREITO
Sumário
I- Ao A. cabe alegar na petição inicial os factos essenciais que constituem a causa de pedir da ação.
II- São ainda considerados pelo tribunal os factos que sejam concretizadores dos factos essenciais alegados.
III- Depois de proferida a sentença homologatória da partilha poderá a mesma ser emendada, em ação autónoma intentada para esse fim, se houver erro na partilha, nomeadamente sobre o conteúdo de determinada verba adjudicada ao interessado, requerente da ação.
IV- Não existe negligência da parte em fazer valer o seu direito no prazo legal que lhe era concedido, pois que intentaram a ação de emenda à partilha antes de decorrido o prazo de um ano após o conhecimento do erro, embora essa ação tenha sido considerada indevidamente intentada e mandada seguir a forma adequada.
V- Como decorre do artº 329º do CC, o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
Texto Integral
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas
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Em obediência ao decidido no Acórdão do STJ junto aos autos a fls. 740 e ss. - que anulou o acórdão recorrido e determinou que o processo baixasse à Relação para, se possível com intervenção dos mesmos desembargadores, se proceder ao conhecimento da questão cuja apreciação se omitiu, reformulando-se o acórdão em conformidade -, passa-se a conhecer da questão omitida, da caducidade do direito dos AA, suscitada pelos RR na contestação, questão não apreciada na primeira instância, nem objecto do recurso, mas que este tribunal deveria ter dela tomado conhecimento, nos termos do artº 665º nº2 do CPC.
A reformulação do acórdão irá ser feita com a intervenção do 2º adjunto, Dr. Fernandes Freitas, e não do Dr. João Diogo Rodrigues, em virtude de o mesmo ter sido colocado no Tribunal da Relação do Porto, desde Setembro de 2018.
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A. V. e esposa M. C., ambos melhor identificados nos autos, por apenso aos autos de Inventário que correram termos por óbito de J. V. e M. D., e no qual foram interessados AA e RR, ao abrigo do disposto no artigo 1387.º do Código de Processo Civil, intentaram a presente acção de emenda de partilha contra C. V.,J. D.,A. S. e esposa M. M., M. V. e marido A. S., C. V. e marido M. R., D. M. e esposa C. B., M. G. e marido Manuel e esposa I. M., pedindo que seja emendada a partilha obtida no referido inventário no que toca à descrição da verba n.º 1.
Alegaram, em síntese que nos autos de inventário a que os presentes se encontram apensos se procedeu à partilha dos bens deixados pelos falecidos J. V. e M. D., sendo certo que na verba n.º 1 se encontrava descrita uma casa de habitação com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B., e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, e inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros.
Mais alegam que no referido inventário foi proferida sentença homologatória do mapa da partilha, em 2.7.2009, transitada em julgado em 14.9.2009, na qual tal verba lhes foi adjudicada.
E que quando legitimados pela mencionada sentença quiseram tomar posse da casa e do seu logradouro foram impedidos de o fazer pelos Réus M. V. e A. S., em relação às construções existentes no logradouro, nomeadamente um tanque, fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem com alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro.
Mas alegaram que tal logradouro, onde se encontram tais construções e plantações, desde sempre fez parte da casa de habitação, ao qual se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa, e que jamais teriam outorgado a partilha nos moldes em que o fizeram, se acaso tal logradouro não fizesse parte da dita casa de habitação.
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Os Réus M. V. e marido A. S. defenderam-se, invocando desde logo a excepção peremptória de caducidade do direito dos autores, e impugnando a matéria de facto por eles alegada para fundamentar a emenda da partilha pretendida.
Alegam em síntese que a sentença que homologou a partilha foi proferida em 2.7.2009, tendo transitado em julgado em 14.9.2009, alegando os AA que a verba nº 1 contém um erro de facto na descrição do prédio.
Ora, ainda que se admitisse como verdadeiro o alegado erro de facto, a instauração da presente acção ocorreu apenas em 16.2.2012, isto é, mais de dois anos depois da prolação da sentença, pelo que é extemporânea.
Acresce que, muito embora os AA não indiquem uma data do conhecimento do erro, já o alegaram em Setembro de 2010, na altura em que deram entrada em tribunal de uma outra acção, que correu termos pelo 2º juízo do tribunal de Fafe, pelo que entre Setembro de 2010 e Fevereiro de 2012 decorreu mais de um ano, mostrando-se assim caduco o direito dos AA de intentarem a presente acção, nos termos do artº 1387º nº1 do CPC.
Mais alegam que a parcela de terreno que os autores pretendem ver integrada na verba n.º 1 faz parte da verba n.º 4, ou seja, das Leiras ..., facto de que os autores sempre tiveram conhecimento, pelo menos desde 1 de Maio de 2009, data em que tomaram posse da verba n.º 1, sendo certo que cerca de 1 mês depois os Réus delimitaram ambos os prédios, construindo um muro encimado de rede, construção essa que foi aceite pelos autores
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“…Em conformidade com o exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo os Réus do pedido.
Custas a cargo dos Autores…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os AA interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“1. Sem quebra do muito respeito devido consideram os Recorrentes que a douta sentença impugnada decidiu incorretamente a matéria de facto e as questões de direito submetidas à consideração do Tribunal e que, por isso, deve ser revogada. 2.No que concerne à matéria de facto provada, devia o Tribunal a quo ter dado como provado, em complemento ao ponto 1.2 da matéria provada e que se transcreve: "1.2 Inventário no qual por sentença datada de 2 de Julho de 2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1, da respetiva relação: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B. e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros" 3. que a sentença datada de 2 de Julho de 2009, que homologou o mapa de partilha, transitou em julgado no dia 14 de Setembro de 2009, 4. conforme, de resto, foi alegado na petição inicial no seu artigo 2º, e que resulta, como facto notório que é, dos autos principais à qual a presente ação se encontra apensada. 5. Pelo que, deve incluir-se na matéria de facto provada, em complemento ao ponto 1.2 dessa matéria, a menção de que a sentença homologatória do mapa de partilha "transitou em julgado em 14 de Setembro de 2009". 6. Mais devia aquele Tribunal ter dado como provado que o prédio identificado em 1.3 da matéria de facto provada "compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro", conforme alegado no artigo 9º da PI, e que: "Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub judice era a que ficou assinalada", conforme alegado no artigo 11º da PI. 7. Tais factos resultam, em suma, desde logo pelas declarações prestadas pela Ré C. V., no dia 27 de Janeiro de 2017, com depoimento gravado entre as 10h16m22ss e as 10h33m13ss, e que se encontra, quanto à matéria considerada confessada, a seguinte transcrição em ata desse dia: "Que na partilha efetuada no inventário 2200/08.6TBFAF, foi acordado entre os herdeiros que à verba nº 1 da relação de bens (a descrita em 1.3 dos factos provados) pertencia o canastro, o terreno das oliveiras, uma eira, um tanque, os barracos e a fossa". 8. Tal facto foi também corroborado pelas declarações prestadas pelo Autor A. V. com declarações prestadas na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 27/01/2017, entre as 10:57:05 e as 11:17:56 horas, acima transcritas. 9. Por sua vez, também corroborou os factos acima transcritos, a TESTEMUNHA J. V., filho dos Autores, com depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 22/02/2017, entre as 15:04:01 e as 15:25:66 horas, acima transcrito. 10. Tendo em consideração os depoimentos prestados, devia o Tribunal a quo ter dado como provado que o prédio identificado em 1.3 da matéria de facto provada compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro, e que nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada. 11. O depoimento do autor J. V., foi muito claro, seguro e espontâneo, quando declarou ao Tribunal o que é que fazia parte integrante da verba que lhe foi adjudicada, tal como de resto, foi acordado por todos os herdeiros aquando das reuniões que culminaram na partilha. 12. Os factos foram ainda confirmados pela Ré C. V. que, por confissão, e de forma desinteressada, relatou ao Tribunal o modo em que decorreram as negociações entre todos os herdeiros, relatando, com firmeza, aquilo que ficou decidido que integraria a verba nº 1 da relação de bens, ou seja, a casa que foi adjudicada ao ora Recorrente. 13. Tal descrição/composição da verba nº1 foi ainda corroborada pela TESTEMUNHA J. V., conforme resulta do seu depoimento e que em tudo é coincidente com os depoimentos acima referidos. 14. Ademais, resulta da motivação da douta sentença proferida que: "No mais o Tribunal ficou convencido que o logradouro atrás da casa de habitação adjudicada aos Autores integra a dita casa..." 15. Por último, não foi feita qualquer prova pelos Réus, ora Recorridos, que infirme os factos acima referidos. 16. Posto isto, devem pois tais factos ser acrescentados à matéria de facto dada como provada. 17. Face ao que dispõe o artº 662º do CPC, o Tribunal ad quem pode e deve alterar a decisão impugnada, considerando estes factos como provados. 18. No que concerne aos factos que foram tidos por não provados e que ora se transcrevem: "2.1 Que o facto referido em 1.3. (dos factos provados) tenha acontecido quando os autores estavam legitimados pela mencionada sentença; 2.3 Que os Autores não teriam aceitado a adjudicação do referido prédio sem aquela área, logradouro e construções integrantes", consideram os Recorrentes que tais factos deveriam e devem ser considerados como provados, porque resultam da prova testemunhal produzida. 19. Atento o depoimento do Autor A. V., acima transcrito, resulta que o conhecimento do erro ocorre quando este é impedido/perturbado pelos Réus, em Novembro de 2009, de exercer o seu direito de propriedade, traduzido em atos de posse, sobre as construções anexas à casa, ou seja, as existentes no logradouro daquela. 20. Só quando os Réus começaram a dizer que o tanque da casa, as fossas da casa, as várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro não lhes pertenciam, a pretexto de que tais construções não faziam parte do prédio que lhes foi adjudicado (cfr. ponto 1.3 e 1.4 dos factos provados) é que os Autores se aperceberam do erro na descrição de facto da verba. 21. Até àquele momento - Novembro de 2009 - não se tendo verificado qualquer oposição, os Autores não tiveram conhecimento do erro de facto na descrição dos bens, pelo que tem de se considerar provado que o facto referido em 1.3 dos factos provados, aconteceu quando os Autores estavam legitimados pela mencionada sentença, pois ocorreu em Novembro de 2009. 22. Analisando ainda o depoimento supra transcrito do Autor A. V. e bem ainda do depoimento da testemunha J. V., facilmente se depreende e infere que os Autores não teriam aceitado a adjudicação do referido prédio sem aquela área, logradouro e construções integrantes, pois o que aceitaram foi outra coisa bem diferente da que consta da redação da referida verba. 23. Resulta das declarações prestadas que os Autores só aceitaram a verba com a área, logradouro e construções integrantes, pois caso assim não fosse, nem sequer teriam vindo ao Tribunal reivindicar os seus direitos. 24. Das regras da experiência decorre que se os Autores aceitaram uma determinada coisa, não teriam aceite menos do que aquilo que estão convencidos que herdaram. 25. Pelo que, necessariamente tem de considerar-se provado que os Autores estavam e estão convencidos de que herdaram a casa e as construções anexas à mesma, pelo que sem as mesmas não teriam aceite esta partilha. 26. Posto isto, devem pois tais factos serem considerados como provados. 27. Face ao que dispõe o artº 662º do CPC, o Tribunal ad quem pode e deve alterar a decisão impugnada, em conformidade com o supra exposto, considerando estes factos como provados. 28. Dando como provados os factos supra descritos, ter-se-á, então de considerar que os Recorrentes tiveram conhecimento do erro que continha a verba nº 1 da relação de bens em Novembro de 2009. 29. Nos termos do nº 1 do artº 1387 do CPC, a emenda à partilha pode ser pedida dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença. 30. Assim, por todas as razões supra expostas, deveria considerar-se verificados os requisitos necessários à propositura da ação de emenda à partilha, ou seja, foi após a sentença – com transito em 14/09/2009 - que os Autores tiveram conhecimento do erro - em Novembro de 2009 -, e que interpuseram a primeira ação em 10/09/2010, conforme resulta dos presentes autos. 31. Na ação proposta em 10/09/2010 foi proferida, em 11/10/2010, sentença de absolvição da instancia por erro na forma do processo e remessa do requerimento inicial para os autos principais, para convocação dos interessados quanto à possível emenda da partilha. 32. A conferencia de interessados realizada em 24/10/2011 findou com falta de acordo quanto á emenda da partilha. 33. Em 16/02/2012 foi intentada a presente ação. 34. Dos dados acima referidos decorre que a primeira ação foi intentada antes de decorrido o prazo de um ano sobre o conhecimento do erro. 35. A sentença de absolvição da instância considerou que não era possível intentar ação sem que previamente fosse requerida, no inventário, a convocação dos interessados para tentar o acordo de todos quanto à emenda (artigo 1386ª nº 1 do CPC, então vigente). 36. O Tribunal decidiu que o direito de requerer, em ação própria, a emenda da partilha, não poderia ser exercido enquanto o pressuposto da falta de acordo dos interessados não fosse verificado através do incidente previsto no artigo 1386º, nº 1 do CPC. 37. Nos termos do artigo 329º do Código Civil o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. 38. Atenta a decisão proferida em 11/10/2010 e transitada em julgado, o prazo de caducidade esteve suspenso até ao dia 24/10/2011 - data da conferência de interessados. 39. Pelo que, a presente ação, proposta em 16/02/2012 é, portanto, atempada, ou seja, foi apresentada no prazo legal. 40. Não atuando conforme supra exposto violou a douta sentença, entre outras, as disposições dos artºs 615 º nº 1 c) do CPC e artº 837º do CC. 41. Por sua vez, verificado que está o prossuposto do momento do conhecimento do erro, deveria o Tribunal a quo ter apreciado a questão de fundo, ou seja, decidido qual a descrição da verba nº 1 da relação de bens e concluído que a mesma apresenta um erro de facto na sua descrição. 42. Tal questão não foi conhecida pelo tribunal a quo, por este ter entendido que a mesma se encontrava prejudicada pela questão da falta do requisito formal – data do conhecimento do erro. 43. No entanto, quer dos factos que se deverão considerar provados conforme supra explanado, quer da motivação da douta sentença proferida, na qual o Tribunal a quo ficou convencido que o logradouro atrás da casa de habitação adjudicada aos Autores integra a dita casa, e bem ainda da aplicação das regras da experiencia comum que nos dizem que as construções descritas como seja o tanque, as fossas, o espigueiro e demais anexos, pelas suas características pertencem à casa, as quais servem de dependência e de apoio, 44. resulta claramente que as referidas construções edificadas no logradouro da casa, bem como este, pertencem à verba nº 1 da relação de bens. 45. Nada obsta pois, à apreciação por este Venerando Tribunal da questão de fundo suscitada nos autos e constante do pedido formulado, nos termos do artº 665, nº 2 do CPC. 46. Caso assim não se entenda, por se considerar que quanto a esta questão a sentença em crise não está devidamente fundamentada, deverá então determinar-se que o tribunal de 1ª Instância proceda à respetiva fundamentação, nos termos do art 662º, nº 2 al. d) do CPC…”.
Pedem, a final, que seja revogada a sentença recorrida.
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Os recorridos M. V. e marido, A. S., vieram responder às alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- a de saber se a matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pelos recorrentes;
- se perante a matéria de facto alterada deve ser alterada a decisão em conformidade, com a procedência dos pedidos formulados pelos AA.
- se o direito dos AA se mostra caduco.
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Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:
“1.1. Pelo 2º Juízo do Tribunal de Fafe correu termos o inventário n.º 2200/08.6TBFAF, em que foram inventariados J. V. e M. D.; 1.2. Inventário no qual por sentença datada de 2 de Julho de 2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1, da respectiva relação de bens: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B. e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros; 1.3. Os autores quiseram tomar posse do prédio supra descrito e foram impedidos pelos Réus M. V. e marido A. S. de o fazer em relação ao logradouro que se situa por trás da casa e onde se localizam: o tanque da casa, fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro; 1.4. A pretexto de que tais construções não fazem parte do prédio que lhes foi adjudicado; 1.5. Logradouro ao qual se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa e do eido/quinteiro respectivo; 1.6. E no qual se localizam as escadas exteriores de acesso à referida casa de habitação; 1.7. No dia 10 de Setembro de 2010 os aqui autores intentaram acção de emenda de partilha, neste mesmo Tribunal, a qual veio a ter o n.º 1585/10.9TBFAF; 1.8. Por despacho datado de 04-10-2010 foram os ali (e aqui) Réus absolvidos da instância, por verificação de erro na forma de processo, tendo sido decidido aproveitar o requerimento inicial de tal acção, remetendo-o para o processo de inventário, com vista a aí ser obtido o acordo para a pretendida emenda; 1.9. No processo de inventário realizou-se uma conferência com vista a obter o acordo de todos os interessados para a emenda pretendida, a qual teve lugar no dia 24-10-2011 e na qual não foi possível obter o acordo em causa; 1.10. A presente acção deu entrada neste tribunal no dia 16-02-2012”.
E foram dados como não provados os seguintes:
“2.1. Que o facto referido em 1.3. tenha acontecido quando os autores estavam legitimados pela mencionada sentença; 2.2. Que o prédio descrito na verba n.º 1 tenha a área de 1062 m2; 2.3. Que os Autores não teriam aceitado a adjudicação do referido prédio sem aquela área, logradouro e construções integrantes; 2.4. Que os Autores tenham tomado posse do prédio descrito na verba n.º 1 da relação de bens do inventário, imediatamente após a conferência de interessados, a qual teve lugar no dia 30 de Abril de 2009, ou seja, no dia 1 de Maio de 2009, data em que lhes foram entregues as chaves da casa; 2.5. Que os Réus tenham construído o muro de vedação e limitação do prédio identificado na verba n.º 4, encimado com rede, um mês após a adjudicação efectuada no processo de inventário; 2.6. Que os autores tenham respeitado tal delimitação, não se tendo oposto à construção do dito muro, tendo até dado autorização para que fosse cortada a ramada do prédio que lhes foi adjudicado”
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Da impugnação da matéria de facto:
Insurgem-se os recorrentes contra os pontos 1.2 e 1.3. da matéria de facto provada e contra os pontos 2.1 e 2.3 da matéria de facto não provada, pretendendo ainda que se acrescente à matéria de facto provada um novo facto com a seguinte redacção: “o prédio identificado em 1.3 da matéria de facto provada "compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro";"Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada."
Dizem que ao ponto 1.2. deveria ser acrescentado que a sentença datada de 2 de Julho de 2009, que homologou o mapa de partilha, transitou em julgado no dia 14 de Setembro de 2009, facto que resulta da análise dos autos de inventário de que esta acção é apensa; e que ao ponto 1.3. se acrescente que os autores quiseram tomar posse do prédio supra descrito em Novembro de 2009, facto que resultou provado – assim como a demais matéria de facto a acrescentar -, das declarações prestadas em audiência pelo A. A. V., assim como das declarações prestadas pela Ré C. V. e pela testemunha J. V., filho dos Autores.
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E temos de dar razão aos recorrentes.
Quanto ao ponto 1.2da matéria de facto provada – embora não vejamos nele qualquer interesse para a decisão da causa –, ele pode ser alterado conforme pretensão dos recorrentes, pois decorre dos autos que a decisão homologatória da partilha transitou de facto em julgado em 29.9.2009 (facto também alegado pelos AA e aceite pelos RR no artº 10º da contestação). Quanto aos pontos 1.3 da matéria de facto provada e 2.1. da matéria de facto não provada – relacionados com o momento em que os AA tomaram conhecimento do alegado erro em que incorreram na adjudicação da verba nº1 – parece-nos aceitável concluir, pelas declarações do A. A. V., pelas declarações da ré C. V. e pelo depoimento da testemunha J. V., que tal aconteceu em Novembro de 2009, altura em que os AA tentaram tomar posse do imóvel que lhes foi adjudicado e foram impedidos de o fazer pelos Réus M. V. e marido A. S., em relação ao logradouro que se situa por trás da casa e onde se localizam o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro.
Claro que a data exata em que os AA tomaram conhecimento do alegado erro em que incorreram não foi por eles alegado na p.i., tendo sido por eles alegado apenas que tal aconteceu quando estavam legitimados pela mencionada sentença para tal.
Ora, a primeira questão que se coloca desde logo é a de saber se os AA alegaram um facto essencial para a pretensão por eles deduzida – o facto essencial que constitui a causa de pedir da acção - sendo certo que a data em que a parte tomou conhecimento do alegado erro é um facto essencial para a procedência da acção (nos termos do nº1 do artº 1387º do CPC (na redacção anterior à vigente, mas ainda aplicável ao caso dos autos).
Efetivamente, nos termos do art. 1386º n.º1 do CPC (na redacção anterior) “a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.”
E nos termos do artº 1387º, n.º 1, do mesmo código “quando se verifique algum dos casos previstos no número anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.” (sublinhado nosso).
Do que se trata, nos preceitos transcritos, não é de anular acto nenhum, mas de emendar uma partilha com fundamento em erro, sendo que o princípio dominante em sede de emenda da partilha é o da manutenção ou conservação, na medida do possível, do acto a emendar (Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II 1980-82, pag. 372).
No primeiro caso, os erros operam por si mesmos, não se tornando necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objectivo que a partilha se propõe alcançar; no segundo caso, torna-se mister alegar e provar os requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247º e segs. do CC, sendo certo que “erro susceptível de viciar a vontade das partes” é uma fórmula muito ampla que abrange uma generalidade de erros.
Daqui resulta que só o erro com influência no modo como decorreu a partilha é que poderá relevar para efeito da respectiva emenda a invocar na competente acção de emenda à partilha.
Ora, de acordo com o que dispõe o artº 1387º nº1 do CPC, ao autor cabe alegar e provar que o conhecimento do erro é posterior à sentença, e ao réu que a acção foi proposta para além do prazo de um ano a contar do seu conhecimento (Ac RP, de 13-12-2011, disponível em www.dgsi.pt.).
Ou seja, aos AA caberia alegar e provar, além do mais, como um dos factos essenciais para a procedência da ação, que tiveram conhecimento do erro (apenas) depois de proferida a sentença que homologou a partilha, pois como se refere no Ac RC de 14-12-2000 (disponível em www.dgsi.pt) “Num processo de inventário, não existindo acordo de todos os interessados para emenda da partilha, a emenda à partilha deve ser feita em acção a propor, nos termos do art. 1387º, n.º 1, do CPC. O conhecimento do erro tem, porém, que ser posterior à sentença. É que só nesta circunstância se entende que, por razões de equidade e de coincidência entre o direito e a realidade, se abra uma excepção ao poder vinculativo de uma sentença transitada em julgado. Se o conhecimento do erro for anterior à sentença, já o regime estabelecido nessa disposição não pode ter aplicação. Nesta circunstância, deve o respectivo incidente ser levantado e decidido antes de proferida a sentença. Isto, mesmo que o mapa de partilhas já se encontre elaborado. Se o erro for conhecido depois da sentença proferida, ainda que antes do seu trânsito, ao prejudicado apenas resta a emenda da partilha, pois tal erro não é fundamento de recurso e não pode o juiz do processo de inventário atender a uma reclamação sobre um tal erro já que com a prolação da sentença se esgotou o seu poder jurisdicional…”.
Ora, consideramos que os AA alegaram, no essencial, esse facto na petição inicial, ali dizendo que “quando legitimados pela mencionada sentençaquiseram tomar posse da casa e do seu logradouro, foram impedidos de o fazer pelos Réus M. V. e A. S., em relação às construções existentes num outro logradouro, nomeadamente um tanque, fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem com alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro”, vindo depois a concretizá-lo, no decurso da audiência, dizendo que tal ocorreu em Novembro de 2009 (pelos Santos).
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Efetivamente, nos termos do artigo 5., n.º 1 do CPC “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
Às partes continua a caber assim a alegação dos factos essenciais ou principais - causa de pedir e excepções –, cabendo depois ao juiz e às partes fazer com que sejam adquiridos para o processo os factos instrumentais, assim como os factos concretizadores ou complementares dos factos essenciais que resultem da instrução da causa e sobre os quais as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.
Com efeito, os factos essenciais ou principais que constituem a causa de pedir devem ser alegados pelo autor na petição inicial, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 552.º do CPC, sendo que, na terminologia do NCPC, os factos não principais dividem-seem factos instrumentais, concretizadores e complementares.
E de acordo com o artigo 5.º n.º 2, alíneas b) e c), os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo, mediante a alegação das partes, ou através de iniciativa oficiosa do juiz, o que deverá ocorrer até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.
Assim, os factos essenciais ou principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, sendo que os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento, assim como os factos complementares e concretizadores dos factos essenciais.
Sobre o que sejam factos complementares ou concretizadores – dos factos essenciais -, tem sido entendimento doutrinário que se trata de factos que apesar de se poderem incluir na previsão da norma - constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos - apenas constituem parte dessa previsão, pelo que a prova parcial dos mesmos impede a procedência da acção, mas não impede a sua admissibilidade, sendo ela passível de correcção até ao fim da produção da prova (Mariana França Gouveia “O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, Estudos em Homenagem aos Profs. Palma Carlos e Castro Mendes” 595-617).
Ora, como decorre do artigo 5º nº1 do CPC, o ónus de alegação das partes circunscreve-se aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas, podendo elas depois, no decurso do processo, aduzirem para o mesmo factos complementares ou concretizadores dos essenciais já alegados.
Partindo da definição concetual acaba de expor, podemos concluir que no caso em análise os AA alegaram na petição inicial o facto essencial (a causa de pedir) da sua pretensão: de que tomaram conhecimento do erro depois de proferida a sentença homologatória da partilha, tendo alegado depois, durante a audiência de julgamento, o facto concretizador daquele – de que tal ocorreu em Novembro de 2009.
Estamos perante um facto concretizador de um facto essencialresultante da instrução da causa, e sobre o qual os RR tiveram oportunidade de se pronunciar, exercendo sobre o mesmo o respectivo contraditório.
Resta-nos então apurar – agora em sede de impugnação de matéria de facto - se o mesmo foi ou não provado.
E contrariamente ao decidido na sentença recorrida, consideramos que sim, que os AA lograram provar nos autos que apenas tomaram conhecimento do erro em que haviam incorrido, em Novembro de 2009 - quando foram impedidos de usufruir do logradouro pelos RR.
Assim, ouvido o A. em declarações de parte, o mesmo afirmou, de uma forma simples mas convincente, que da verba nº 1 fazia parte a casa e o logradouro com todos os anexos que lhe pertenciam.
Mais concretamente referiu que “Em 2009 foi falado nas partilhas, sem tornas, e eu a receber a casa com o conjunto da casa”. Que tomou conta da casa que herdou “…desde que recebi os papéis do tribunal” situando essa data em Junho, Julho e Agosto, afirmando: “Eu recebi, comecei a fazer a limpeza ali no mês de Junho, Julho e Agosto”, logo que tiveram a conferência de interessados.
Que tomou logo conta da casa, “Da casa e do restante terreno, porque eu é que fiz limpeza à eira, eu fiz limpeza ao terreno das oliveiras, eu limpei a garagem (…) e o Sr. A. S. começou a fazer complicações comigo pelos santos de 2009. Ai esse muro, fê-lo por os Santos”. “Foi em 2009. Pelos Santos de 2009. Foi quando ele começou a fazer complicação comigo. Formou-me ali aquele muro em frente ao portão que dá acesso ao logradouro da casa, porque o logradouro da casa encontra-se por trás da casa”.
Mais referiu que embora das verbas descritas (verba nº1 e nº4) não constem esses anexos, que era do conhecimento de todos os interessados que eles pertenciam à casa que lhe foi adjudicada, constante da verba nº1 e não às leiras constantes da verba nº4. Mas que desde que foram adjudicadas as verbas aos interessados – o que aconteceu na conferência de interessados - até aos Santos de 2009, ou seja até ao dia 1 de Novembro de 2009, que usou, limpou a eira, as fossas, tudo sem ninguém se meter consigo. Que só aí é que começou a perceber que a sua irmã e o seu cunhado “queriam tomar conta da minha herança”.
Mais referiu que “A minha Irmã J. D. herdou o campo da C. e nunca veio para cima das oliveiras. Que regavam, lavravam até às oliveiras. Respeitou sempre a minha herança a minha irmã...aquilo tinha as divisões daqueles marcos de pedra (...), mas o campo da irmã J. D., entretanto falecida, foi comprado pelos RR, tendo o seu cunhado “Do 25 do natal de 2015 a 1 de Janeiro de 2016 ele levou lá uma máquina e deitou tudo abaixo”.
Ou seja, resulta das declarações do A que ele estava convencido que da verba nº1 por ele adjudicada fazia parte o logradouro situado atrás da casa (com todos os pertencentes indicados nos autos), vindo a constatar depois pelos Santos (em Novembro de 2009) que os RR se opunham a que ele tomasse posse desse mesmo logradouro, arrogando-se proprietários dele.
As declarações do A foram também corroboradas pelo depoimento da testemunha J. V., seu filho,que confirmou ao tribunal que o seu pai reuniu várias vezes com os irmãos por causa das partilhas e que lhe disse que herdou a casa e tudo o que lhe pertencia. Que o seu pai estava convencido que herdou a casa e tudo o resto existente no logradouro, e que foi isso que ele aceitou. A eira, tudo... a lógica do que vai com a casa, foi isto.
Que foi com ele à casa em Setembro de 2009; que foi ajudá-lo a manter a casa limpa, esclarecendo que “Limpamos o campo dos olivais, rapamos aquilo tudo …tínhamos posto fruteiras e depois sei lá, para não criar silvas, rapamos aquilo tudo. E também na frente da casa, na eira, limparam também. E que nessa altura, não houve oposição.
Depois aquele muro foi construído pela sua tia M. V. e pelo seu tio A. S., a partir das partilhas “acho que foi no Natal”.
Que a sua tia J. D. nunca se opôs à limpeza do terreno e dos aidos; que ela tratava do campo até ali. Parava sempre que havia limite. Que nesse terreno chamado terreno das oliveiras, o seu pai plantou lá fruteiras, o que aconteceu em Outubro, pelas vindimas, ainda a sua tia J. D. era viva.
Que a reivindicação que os seus tios fazem dessa parte do terreno das oliveiras só ocorreu após o falecimento da sua tia J. D., quando eles adquirem o terreno aos filhos. A ré C. V. relatou também ao tribunal, de forma desinteressada e convincente, o modo como decorreram as negociações entre todos os herdeiros, afirmando com convicção aquilo que ficou decidido que integraria a verba nº 1 da relação de bens, ou seja, a casa que foi adjudicada ao irmão A. V., com os demais elementos referidos na petição inicial, ficando para a M. V. a garagem. A testemunha R. J. afirmou também ao tribunal que sabe que o cunhado e a irmã ficaram com a casa e com o logradouro em causa, que conhece desde nova como sendo da casa.
E o mesmo se passou com a testemunha J. N. que afirmou também ao tribunal que a casa do pai do A. V. e dos Réus sempre incluiu as construções referidas na acção.
Ou seja, todos os depoimentos por nós auditados foram no sentido de que da verba nº1, da qual faz parte a casa de habitação, fazem também parte os demais anexos. Aliás, o próprio tribunal recorrido ficou convencido dessa realidade, na inspecção que fez ao local, ao fazer constar do despacho proferido sobre a matéria de facto o seguinte: “No mais, o tribunal ficou convencido que o logradouro atrás da casa de habitação adjudicada aos autores integra a dita casa, embora a prova tenha sido insuficiente quanto aos limites e área de tal logradouro. Esta convicção resultou no essencial da inspecção ao local realizada, na qual o tribunal pode perceber a ligação existente entre a casa e o logradouro situado nas suas traseiras, para o qual a dita casa tem não só um portão mas ainda umas escadas de acesso ao interior da casa. Não parece crível que tais escadas servissem apenas para aceder a uma tal pequena faixa de terreno como aquela que os Réus alegam ser a única que pertence aos autores naquele local. Mais, as regras da experiência dizem-nos, que as construções descritas, como seja o tanque, as fossas, o espigueiros e demais anexos, pelas suas características pertencem à casa, às quais servem de dependência e de apoio. Na verdade, não é comum que os prédios rústicos integrem quaisquer construções, excepto quando se situem em sítios isolados onde se torna necessário um tal construção para apoio à agricultura, o que não é caso. E mesmo nesses casos não estaremos a falar de fossas, tanques de roupa, etc, mas apenas de pequenos anexos para arrumo de alfaias. Não foi feita prova também de que os Réus tenham procedido à construção do muro nas traseiras da casa adjudicada aos autores logo no mês de Maio de 2009, já que a única prova feita (as duas testemunhas ouvidas) prestaram depoimentos que nos parecerem forçados, nesse sentido…”.
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Ora, tendo em consideração os depoimentos (parte deles) acima transcritos, corroborados pela convicção do tribunal formada após a inspecção judicial, consideramos que deve ser alterado o ponto 1.3. da matéria de facto provada (no sentido de do mesmo constar a referência a Novembro de 2009) e acrescentada à matéria de facto provada os seguintes factos:
“o prédio identificado em 1.3 da matéria de facto provada compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro” (factos alegados em 3, 4, e 5 da p.i.).
“Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada” (facto alegado em 11º da p.i.).
Com a alteração ao ponto 1.3 da matéria de facto provada, mostra-se desnecessária a apreciação do ponto 2.1. da matéria de facto não provada.
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Quanto ao ponto dado como não provado em 2.3. “Que os Autores não teriam aceitado a adjudicação do referido prédio sem aquela área, logradouro e construções integrantes” tal resulta das declarações do próprio A. A. V. acima transcritas, interpretadas à luz das regras da experiência, de que não faria sentido a aquisição de uma casa agrícola sem o respectivo logradouro, no qual se encontram o tanque (de lavar), as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro, sendo razoável aceitar que fosse para o A. essencial a aquisição da casa no seu todo, com todos os anexos a ela pertencentes, assim como com as árvores descritas que por norma fazem parte do conjunto de casas agrícolas.
Consideramos, assim, que este facto deve fazer parte do elenco dos factos provados.
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Alterada que foi a matéria de facto impugnada, passa então a mesma a ser a seguinte:
“1.1. Pelo 2º Juízo do Tribunal de Fafe correu termos o inventário n.º 2200/08.6TBFAF, em que foram inventariados J. V. e M. D.; 1.2. Inventário no qual por sentença datada de 2 de Julho de 2009, transitada em julgado em 29.9.2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1, da respectiva relação de bens: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B. e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros; 1.3. O prédio descrito na verba nº 1 compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro. 1.4. Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada. 1.5. Os autores quiseram tomar posse do prédio supra descrito, em Novembro de 2009, e foram impedidos pelos Réus M. V. e marido A. S. de o fazer em relação ao logradouro que se situa por trás da casa e onde se localizam: o tanque da casa, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro; 1.6. A pretexto de que tais construções não fazem parte do prédio que lhes foi adjudicado; 1.7. Logradouro ao qual se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa e do eido/quinteiro respectivo; 1.8. E no qual se localizam as escadas exteriores de acesso à referida casa de habitação; 1.9. No dia 10 de Setembro de 2010 os aqui autores intentaram acção de emenda de partilha, neste mesmo Tribunal, a qual veio a ter o n.º 1585/10.9TBFAF; 1.10. Por despacho datado de 04-10-2010 foram os ali (e aqui) Réus absolvidos da instância, por verificação de erro na forma de processo, tendo sido decidido aproveitar o requerimento inicial de tal acção, remetendo-o para o processo de inventário, com vista a aí ser obtido o acordo para a pretendida emenda; 1.11. No processo de inventário realizou-se uma conferência com vista a obter o acordo de todos os interessados para a emenda pretendida, a qual teve lugar no dia 24-10-2011 e não qual não foi possível obter o acordo em causa; 1.12. A presente acção deu entrada neste tribunal no dia 16-02-2012. 1-13. Os Autores não teriam aceitado a adjudicação do prédio constante da verba nº1 sem o logradouro e as construções integrantes melhor descritas em 1.3.
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Ora, é á luz desta matéria de facto que irão ser apreciadas as demais questões colocadas pelos recorrentes – nos termos e para os efeitos previstos no artº 665º nº2 do CPC – , por eles já suscitadas nas suas alegações de recurso, afigurando-se-nos por isso desnecessária a audição das partes para o efeito (dado que elas já tiveram a possibilidade de se pronunciarem sobre as mesmas nas alegações e contra-alegações apresentadas).
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Do erro dos recorrentes quanto à verba nº1 que lhes foi adjudicada:
Pretendem os recorrentes com a instauração desta acção obter a emenda da partilha no sentido de verem alterada a verba nº1 da relação de bens, que lhes foi adjudicada, no sentido de dela passarem a constar os anexos que indicam, alegando para o efeito que aceitaram a adjudicação dessa verba no convencimento de que da mesma faziam parte aqueles anexos.
Ou seja, invocam os recorrentes, para obterem a emenda da partilha – quanto àquela verba -, o erro na formação da sua vontade, ao aceitarem uma realidade pensando que estavam a aceitar outra bem diferente e da qual só tomaram conhecimento após a sentença homologatória da partilha.
E lograram provar que têm razão.
Nos termos do art. 1386º, n.º 1, do CPC (na redacção anterior à vigente), “a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.”
O art. 1387º n.º1 do referido código prescreve por seu turno que “quando se verifique algum dos casos previstos no número anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.”
Decorre assim da análise dos preceitos legais transcritos que a emenda da partilha pode ter lugar por um de dois meios: por acordo dos interessados, como incidente do próprio processo de inventário (art. 1386º); ou, na falta de acordo, em acção própria, de emenda da partilha, dependência do processo de inventário (1387º).
Ora, como consta da decisão recorrida, a cuja fundamentação aderimos nesta parte, do que se trata, nos citados arts. 1386º e 1387º, não é de anular acto nenhum, mas de emendar uma partilha com fundamento em erro, sendo que o princípio dominante em sede de emenda da partilha é o da manutenção ou conservação, na medida do possível, do acto a emendar (Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II 1980-82, pag. 372).
A emenda da partilha pressupõe sempre um erro de facto, que pode consistir na descrição ou na qualificação dos bens, ou em qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
Segundo Lopes Cardoso (“Partilhas Judiciais”, 3ª Ed., Vol. II, pags. 523 e segs), a lei processual reporta-se a dois aspectos distintos do erro de facto causal da emenda da partilha: por um lado, o erro de facto na descrição ou qualificação dos bens; por outro lado, qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes. No primeiro caso, os erros operam por si mesmos, não se tornando necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objectivo que a partilha se propõe alcançar; no segundo caso, torna-se mister alegar e provar os requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos dos arts. 247º e segs. do CC, sendo certo que “erro susceptível de viciar a vontade das partes” é uma fórmula muito ampla que abrange uma generalidade de erros.
Como se salienta no Ac. do STJ, de 25-02-2010, disponível em www.dgsi.pt, “ o objecto e típica funcionalidade da acção de emenda da partilha não se traduz numa reapreciação crítica dos actos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas em apurar se um acto, específico e determinado do processo – a partilha – padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos art. 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados, ou outro erro susceptível de viciar a vontade das partes – que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o acto não é objecto de anulação.”
Daqui resulta que só o erro com influência no modo como decorreu a partilha é que poderá relevar para efeito da respectiva emenda a invocar na competente acção de emenda à partilha.
(…) ao autor cabe provar que o conhecimento do erro é posterior à sentença, e ao réu que a acção foi proposta para além do prazo de um ano a contar do conhecimento, neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 13-12-2011, disponível em www.dgsi.pt...”.
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Como dissemos, concordamos com a sentença recorrida na parte acabada de reproduzir, mas já não com a conclusão nela extraída – que julgou improcedente a acção, com o fundamento de que os AA não lograram provar a data em que tomaram conhecimento do erro invocado –, pois resultou provada nos autos aquela data – em Novembro de 2009 –, ou seja, depois da sentença de homologação da partilha, tendo assim os AA logrado provar um dos pressupostos de que dependia a instauração desta acção.
Tal prova era essencial fazer-se porque o conhecimento do erro tem de ser posterior à sentença, conforme estatui o art. 1387º, n.º1, do CPC (Ac RC de 14-12-2000, já por nós citado, assim como pela sentença recorrida).
Ora, concluindo-se pela tempestividade da instauração da acção – depois de proferida a sentença homologatória da partilha -, haverá que verificar agora se os AA incorreram em erro sobre a partilha, nomeadamente sobre o conteúdo da verba nº 1 para aceitarem a sua adjudicação.
Como resulta da matéria de facto provada, por sentença datada de 2 de Julho de 2009, transitada em julgado em 29.9.2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1 da respectiva relação de bens, da qual consta: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B. e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros.
Ora, era convicção dos AA, como lograram provar nesta acção, que daquela verba nº1 faziam ainda parte – e dela deviam constar -, o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro – anexos existentes num logradouro situado atrás da casa de habitação.
Pois que nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada.
Mais lograram os AA provar que não teriam aceite a adjudicação do prédio constante da verba nº1 sem o logradouro e as construções nele integrantes melhor descritas em 1.3.
Estamos perante um erro vicio, um vício da vontadeou um erro na formação da vontade, que se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância, de facto ou de direito, que foi determinante na decisão de celebrar o negócio em causa (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume, 2.ª reimpressão, pág. 233 e Ac.STJ de 22.1.2008 em www.dgsi.pt).
O erro vício prende-se como os motivos determinantes da vontade negocial, daí que se diga tratar-se de um vício da vontade, e corresponde, de certo modo, a uma divergência entre a vontade efectiva e a vontade que o declarante enganado teria tido se não estivesse sob a influência do erro, distinguindo-se assim do erro na declaração (erro-obstáculo) que se traduz numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
No caso, os recorrentes outorgaram a partilha que foi homologada por sentença, na firme convicção que da verba que lhes foi adjudicada (a verba nº1) faziam parte determinados anexos – os acima assinalados -, que serviam de apoio à casa de habitação, tendo aceite essa adjudicação apenas nessa suposição, que se veio a revelar errada, dado que os RR se arrogavam também o direito a esses mesmos anexos como pertencentes à verba nº4, por eles adjudicada.
O erro manifestado revela-se na circunstância – provada - de que se fossem esclarecidos acerca da realidade da verba nº 1, ou se tivessem conhecimento de que daquela verba não faziam parte os anexos mencionados, eles nunca teriam realizado o negócio nos moldes em que o fizeram.
Trata-se de um erro em que laboraram os recorrentes, mas induzidos pelos demais herdeiros, pois que nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus, para tentarem viabilizar uma partilha amigável, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio era a que ficou assinalada.
Além disso, a própria constituição e acesso ao logradouro em que se situam aqueles anexos é de molde a fazer crer aos recorrentes que eles faziam parte da casa de habitação que lhes foi adjudicada, uma vez que a ele se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa e do eido/quinteiro respectivo e no qual se localizam as escadas exteriores de acesso à referida casa de habitação.
Ou seja, estamos perante um conjunto de circunstâncias que permitem concluir que “aos olhos dos recorrentes” da verba nº1 fazia parte o logradouro com os nexos nele integrados, anexos esses que fazem parte da casa de habitação no seu todo.
Acresce que a lei não exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro por parte do declaratário para que o mesmo seja operante, bastando-se com o conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro.
Assim, no caso, aos réus apenas bastaria saber – o que se intui facilmente por critérios de normalidade -, que a verdadeira composição da verba nº 1, com todos os nexos que serviam de apoio à casa de habitação adjudicada aos AA, era para eles um elemento essencial na ponderação e decisão da partilha efectuada.
Aliás, como resulta da matéria de facto provada em 1.4. “Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada”.
Ou seja, os RR conheciam ou não podiam ignorar a essencialidade deste elemento para os Recorrentes na partilha efectuada.
Não subsistem assim dúvidas de que se está perante um erro sobre as qualidades do objecto (cfr. artigo 251° do Código Civil), cuja essencialidade para os declarantes/Recorrentes os declaratários/Recorridos não podiam ignorar.
Este erro – sobre o objecto negocial - torna a emenda da partilha legítima.
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Da caducidade do direito dos AA.
Resta no entanto saber se, apesar do direito que lhes foi reconhecido, o mesmo se mostra caduco pelo decurso do tempo, por não ter sido exercitado pelos seus titulares no prazo de um ano a partir do seu conhecimento, como o impõe o artº 1387º nº1 do CPC (na redacção anterior à vigente, mas ainda aplicável ao caso dos autos).
Resulta efectivamente dos autos que a sentença que homologou a partilha foi proferida em 2.7.2009, tendo transitado em julgado em 14.9.2009, e que os AA tomaram conhecimento do erro em que laboraram em Novembro de 2009, sendo certo que a presente acção deu entrada em juízo em 16/02/2012.
Nos termos do citado nº 1 do artº 1387 do CPC, a emenda à partilha pode ser pedida dentro de um ano a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
Ora, os AA interpuseram acção de emenda à partilha em 10/09/2010 – dentro do ano legalmente previsto no citado artº 1387º do CPC – tendo sido proferida nessa acção, em 11/10/2010, decisão de absolvição dos RR da instância, por erro na forma do processo, com a remessa do requerimento inicial para os autos principais, onde foram os interessados convocados para uma conferência, para possível emenda da partilha.
Realizada a conferência com vista a obter o acordo de todos os interessados para a emenda pretendida, que teve lugar no dia 24-10-2011, na mesma não foi possível obter o acordo, motivo porque se viram os AA obrigados a intentar a presente acção, o que fizeram em 16-02-2012.
Analisada a sequência factual descrita, verificamos que não houve negligência dos AA em fazer valer o seu direito judicialmente, no prazo legal que lhe era concedido, pois que intentaram a acção de emenda à partilha logo em 10 de Setembro de 2010, ou seja, antes de decorrido o prazo de um ano após o conhecimento do erro.
É certo que essa acção foi considerada indevidamente intentada, tendo sido considerado pelo tribunal da causa que havia erro na forma de processo – que haveria a parte que esgotar primeiro a hipótese prevista no artº 1386º do CPC, no qual se prevê que “a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.”
E só no caso de os interessados não estarem de acordo quanto à emenda, poderia ela ser pedida em acção (autónoma), proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro.
Acontece que o tribunal decidiu remeter a petição inicial da acção para o processo de inventário, como se de um requerimento de emenda à partilha se tratasse, o que significa que ao assim proceder, considerou o tribunal que proferiu aquela decisão que era de aproveitar o ato praticado.
Fê-lo, aliás, ao abrigo do disposto nos artºs 199º nº 1; 288º nº 1, al. b); 493º nº 2 e 494º, al. b), todos do CPC vigente na altura, e de acordo com a orientação preconizada na doutrina e na jurisprudência.
Como se decidiu no AC RL de 22-02-2007 (disponível em www.dgsi.pt), “ocorre o vício processual de erro na forma de processo, quando a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas. O mesmo só determinará a anulação de todo o processo (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada”.
Ora, durante o período de tempo em que decorreram no processo de inventário as diligências para a obtenção do acordo dos interessados – diligências essas cuja demora não podem ser imputadas aos recorrentes –, estavam eles impedidos de intentarem nova ação, o que só puderam fazer finda a conferência de interessados na qual se concluiu pela não obtenção do acordo.
Como decorre do artº 329º do CC, o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
Ora, durante o período de tempo em que decorreram as diligências no processo de inventário, é óbvio que os AA não podiam intentar esta acção; só com o desfecho final da conferencia de interessados - realizada em 24-10-2011 e na qual se concluiu pela falta de acordo –, puderam os recorrentes exercitar novamente o seu direito, o que fizeram atempadamente em 16-02-2012.
Ou seja, há aqui um lapso de tempo – não imputável aos recorrentes –, que não pode ser contabilizado para efeitos de caducidade, porque ele não pode ser considerado como de inércia da parte em exercitar o seu direito.
Como é sabido, quer a prescrição quer a caducidade são institutos que têm por base a inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno de tutela do direito, em harmonia com o velho aforismo dormientibus non succurrit jus.
Por isso, embora a caducidade (tal como a prescrição) vise desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse ou à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. Há portanto uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra editora).
Ora, como se viu, não ocorreu qualquer negligência da parte em exercitar o seu direito – pese embora tenha errado na forma de o exercitar –, erro a que a lei não concede uma relevância extrema, dando pelo contrário à parte a possibilidade de usar (ainda) a forma legalmente correta, com o aproveitamento dos atos praticados, o que foi feito pelos recorrentes, tudo dentro dos prazos que a lei lhes concede.
Concluímos do exposto que não se verifica a caducidade do direito dos AA.
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Procedem, assim, as conclusões de recurso dos apelantes, com a revogação, em conformidade, da decisão recorrida.
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Decisão:
Julga-se procedente a Apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida julgando-se procedente a acção no seguinte sentido:
“Emenda-se a partilha, fazendo-se constar da verba nº1 o seguinte: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de D. B. e do Poente com herdeiros de D. B., não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. ..., com o valor patrimonial de 35.000,00 euros.
O prédio descrito na verba nº 1 compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro”.
Custas (da Apelação) a cargo dos recorridos.
Notifique.
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Sumário do acórdão:
I- Ao A. cabe alegar na petição inicial os factos essenciais que constituem a causa de pedir da acção.
II- São ainda considerados pelo tribunal os factos que sejam concretizadores dos factos essenciais alegados.
III- Depois de proferida a sentença homologatória da partilha poderá a mesma ser emendada, em acção autónoma intentada para esse fim, se houver erro na partilha, nomeadamente sobre o conteúdo de determinada verba adjudicada ao interessado, requerente da acção.
IV- Não existe negligência da parte em fazer valer o seu direito no prazo legal que lhe era concedido, pois que intentaram a acção de emenda à partilha antes de decorrido o prazo de um ano após o conhecimento do erro, embora essa acção tenha sido considerada indevidamente intentada e mandada seguir a forma adequada.
V- Como decorre do artº 329º do CC, o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.