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LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário
Só é admissível a coligação ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 30.º do CPC quando a procedência das diferentes pretensões depende da apreciação do mesmo núcleo factual essencial. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 1109/14.9T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro Instância Central de Portimão – Juiz 3
I. Relatório (…) – Banco Internacional do (…), S.A., com sede Rua (…), n.º 30, no Funchal, instaurou contra: (…), Construção Unipessoal, Lda., sociedade comercial com sede no Edifício (…), r./c., Estrada de (…), freguesia e concelho de Albufeira, e (…), residente no Edifício (…), 2.º andar, n.º 229, na Estrada de (…), freguesia e concelho de Albufeira, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, formulando a final os “seguintes pedidos cumulativos: I) Declarado o enriquecimento sem causa da 2.ª Ré pela sua exploração das 79 fracções adjudicadas ao ora A pelo período de 83 dias decorrido entre 15 de Julho e 06 de Outubro, sendo por conseguinte a 2.ª Ré condenada ao pagamento ao ora Autor do valor de € 122.754,05 ou outro que venha a ser apurado pelos elementos de contabilidade da 2.ª Ré, desde que devidamente coerentes com os critérios de apuramento de receita, sob pena de ser despoletada investigação criminal por eventual crime de evasão fiscal; II) Reconhecida a responsabilidade civil da 2.ª Ré pela retirada intencional de partes integrantes das fracções adjudicadas ao Autor e condenada na reparação do prejuízo que essa retirada acarretou para o Autor, no valor de € 98.400,00 correspondente; III) Reconhecido o direito do Autor em sub-rogar-se à 1.ª Ré ao peticionar da 2.ª Ré o montante correspondente ao incumprimento contratual ou, caso assim não se entenda, ao seu enriquecimento sem causa à conta do empobrecimento da 1.ª Ré, que agravou assim o seu passivo e impossibilitou os seus credores de obter da mesma o ressarcimento dos seus créditos, sendo por conseguinte a 2.ª Ré condenada ao pagamento à 1ª Ré do valor do seu locupletamento, o qual corresponderá a € 1.155.746,10 ou outro que venha a apurar-se pelos elementos de contabilidade da 2.ª Ré, desde que devidamente coerentes com os critérios de apuramento de receita, sob pena de ser despoletada investigação criminal por eventual crime de evasão fiscal.
Em fundamento invocou ter celebrado em 21/09/2007 com a 1.ª Ré (…) um contrato de abertura de crédito para fomento à construção, no valor inicial de € 6.000.000,00 (seis milhões de euros), destinados a financiar a construção de 101 apartamentos no prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, lote 5, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial sob o artigo (…). Tal crédito foi garantido por hipoteca constituída sobre o dito lote 5, abrangendo “todas as benfeitorias, construções e acessões, presentes e futuras” que fossem efectuadas no mesmo.
Por força de sucessivas alterações ao contrato, o crédito inicialmente concedido foi sucessivamente aumentado, vencendo-se a obrigação de restituição no dia 21/12/2010, sendo que a 1.ª Ré não procedeu ao respectivo reembolso nem naquela data, nem posteriormente.
Face ao incumprimento verificado, o demandante instaurou acções executivas tendo em vista a cobrança coerciva do seu crédito, no âmbito das quais lhe viriam a ser adjudicadas 83 das 101 fracções, encontrando-se penhoradas as restantes 16 (duas outras foram entretanto vendidas a terceiros, livres de ónus) que garantem o remanescente do seu crédito perante a 1.ª Ré (…) e que ascende a € 5.505.706,07, montante sobre o qual se vão vencendo juros.
Mais alegou que a despeito de lhe terem sido adjudicadas 79 fracções em 11 de Julho de 2014, na sequência do que foi a 2.ª ré notificada, na sua qualidade de cessionária por via de acordo de cessão de exploração do empreendimento celebrado com a Ré (…), para proceder à respectiva entrega, só no dia 6 de Outubro de 2014 veio a tomar posse das mesmas, momento até ao qual aquela persistiu na exploração, fazendo seus os proventos obtidos e assim enriquecendo à custa do demandante, constituindo-se na obrigação de restituir a medida do seu locupletamento, no montante estimado de € 122.754,05.
Acresce que antes da entrega a 2.ª ré removeu ilicitamente diversas partes integrantes das aludidas fracções, as quais não repôs apesar de a tanto se ter expressamente obrigado, causando danos no valor de € 98.400,00, que deve ser condenada a ressarcir.
Finalmente, é a 1.ª ré credora da 2.ª no valor de € 1.155.746,10,correspondente a 20% do valor da receita bruta estimada, já deduzido o valor do investimento efectuado pela 2ª Ré no empreendimento, rendas que deveria ter pago durante o período de exploração e não pagou ou, quando assim se não entenda, sempre estará obrigada a restituir tal montante com fundamento no enriquecimento sem causa, assistindo ao autor o direito de sub-rogação face à inércia da credora, a aqui também ré (…), Construção Unipessoal, Lda., atento o disposto no art.º 606.º do CC, disposição legal que expressamente convocou.
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Citadas as RR, contestou a demandada (…), peça na qual arguiu a excepção dilatória da coligação ilegal dos RR “por inexistência entre os pedidos formulados somente contra a 2.ª Ré da conexão exigida pelo art.º. 36.º do CPC”, requerendo a notificação do autor para indicar qual ou quais os pedidos pretendia ver apreciados no processo sob pena de, não o fazendo, ser a contestante absolvida da instância. Impugnou ainda a factualidade alegada pelo autor em suporte dos pedidos formulados, por cuja improcedência concluiu.
Tendo imputado ao autor a omissão dolosa de factos que bem sabia terem ocorrido, factos essenciais à boa decisão da causa, pediu a condenação daquele como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a seu favor “correspondente ao reembolso das despesas tidas com o processo, incluindo os honorários do seu mandatário”.
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Conhecida nos autos a declaração de insolvência da Ré (…), Unipessoal Lda., passou a mesma a ser representada pelo Sr. Administrador Judicial, o qual apresentou contestação na qual arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade da sua representada, com a consequente absolvição da instância, que requereu.
Face à resolução de que foi objecto o (…), foi este substituído pelo Banco (…), SA, mas apenas no que respeita ao terceiro pedido formulado.
Teve lugar audiência prévia, após o que foi proferida decisão, que decretou como segue:
i. julgou a coligação ilegal e absolveu as RR da instância relativamente aos dois primeiros pedidos formulados;
ii.julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as RR do terceiro pedido formulado;
iii. julgou não verificada a responsabilidade de qualquer uma das partes por litigância de má-fé;
iv. condenou o autor nas custas do processo.
Inconformado, apelou o demandante e tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso tem por objeto o despacho saneador-sentença proferido em 12 de Junho de 2018, no qual o tribunal de 1.ª instância decidiu(i) julgar a coligação ilegal e absolver da instância as Rés relativamente aos dois primeiros pedidos formulados pelo ora Recorrente; (ii) julgar a ação totalmente improcedente, (iii) absolver as Rés do terceiro pedido formulado e (iv) condenar o Autor, ora Recorrente, nas custas do processo ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC. 2.ª O Recorrente não se conforma com esta decisão, versando o recurso apenas sobre matéria de direito. 3.ª Em primeiro lugar, a sentença enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, verificando-se uma ambiguidade que torna a decisão ininteligível. 4.ª Com efeito, conforme resulta da sentença proferida, o tribunal “a quo” decidiu absolver as Rés da instância relativamente aos dois primeiros pedidos e, simultaneamente, decidiu julgar a ação totalmente improcedente, o que implica a absolvição das Rés de todos pedidos. 5.ª Um declaratário normal não consegue descortinar, com segurança, o sentido inequívoco desta decisão, isto é, se no que diz respeito aos dois primeiros pedidos formulados o tribunal a quo decidiu absolver as Rés da instância ou do pedido. 6.ª Ademais, é essencial para o ora Recorrente descortinar o sentido da decisão proferida, tendo em conta as consequências totalmente distintas da absolvição das Rés da instância ou do pedido. 7.ª Pelo que deve a decisão recorrida ser declarada nula, baixando os autos à 1.ª instância para prolação de nova decisão que esclareça a ambiguidade detetada. 8.ª Subsidiariamente, caso se entenda que o tribunal a quo decidiu julgar a ação totalmente improcedente e logicamente absolver as Rés de todos os pedidos, verificar-se-ia a nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 9.ª Com efeito, a sentença recorrida não contém qualquer fundamentação de facto ou de direito que justifique a decisão de improcedência do primeiro e segundo pedido e consequente absolvição das Rés dos mesmos, especificando apenas os fundamentos que determinaram a absolvição das Rés do terceiro pedido. 10.ª Pelo exposto, deve a sentença recorrida ser declarada nula, baixando os autos ao tribunal da 1.ª instância a fim de ser proferida nova decisão com a fundamentação legalmente exigida. 11.ª Ainda que assim não fosse, sempre se diga que o tribunal a quo andou mal ao julgar procedente a exceção dilatória de coligação passiva ilegal, prevista no artigo 577.º, alínea f), do CPC, absolvendo a Ré (…) da instância no que concerne o primeiro e segundo pedido e conhecendo apenas do mérito do terceiro, nos termos do artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, deste diploma. 12.ª Na verdade, verifica-se nos presentes autos a existência de um litisconsórcio necessário passivo nos termos do artigo 33.º, n.º 1, do CPC, decorrente do exigido pelo artigo 608.º do CC. 13.ª Com efeito, o terceiro pedido formulado na presente ação consiste no exercício judicial da sub-rogação nos termos do artigo 606.º do CC – uma vez que se pretende fazer valer contra um terceiro (a Ré …), direitos de conteúdo patrimonial que competiam à sua devedora (a Ré …) – pelo que, em cumprimento do disposto no supra mencionado artigo 608.º, o ora Recorrente demandou o devedor e o terceiro conjuntamente na mesma ação. 14.ª Isto sob pena da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade processual das partes e consequente absolvição das Rés da instância, ao abrigo do disposto no artigo 33.º, n.º 1, 577.º, alínea e) e 576.º, n.º 2, do CPC. 15.ª Assim, uma vez que a dedução de três pedidos diferentes contra as duas Rés na mesma ação assentava num litisconsórcio necessário, o tribunal a quo não podia ter julgado procedente a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea f), do CPC de ilegalidade da coligação. 16.ª Por outro lado, o tribunal não podia decidir pela procedência da referida exceção, visto (i) encontrarem-se preenchidos nos presentes autos os requisitos legalmente exigidos para a coligação e (ii) não se verificarem quaisquer obstáculos à mesma, entre os consagrados no artigo 37.º do CPC, sendo de admitir a coligação das Rés. 17.ª Quanto ao preenchimento dos requisitos, cumpre referir que, de acordo com o artigo 36.º, n.º 2, do CPC, a coligação é igualmente lícita quando, embora seja diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas. 18.ª Ademais, a jurisprudência já defendeu que com a utilização do advérbio essencialmente nesta norma, o legislador visou permitir o recurso a um critério de oportunidade na formulação de um juízo sobre a pertinência da coligação, tendo em vista a predominância ou relevo dos factos de que dependem os pedidos principais. 19.ª Ora, se o tribunal a quo tivesse aplicado a norma do citado artigo 36.º, n.º 2, do CPC e não apenas as dos n.ºs 1 e 3 desta disposição, interpretando-a nos termos supra expostos, forçosamente concluiria pela pertinência e consequente admissibilidade da coligação passiva nos presentes autos. 20.ª De facto, a apreciação, e bem assim, a procedência ou improcedência dos três pedidos formulados na presente ação depende essencialmente dos mesmos factos, em especial, das relações estabelecidas entre o Autor e a 1.ª Ré e entre esta e a 2.ª Ré que deram origem à relação controvertida entre o Autor e a 2.ª Ré, em discussão na presente ação. 21.ª Por outro lado, aos pedidos não correspondem formas de processo diferentes e o tribunal a quo é competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia para conhecer de todos, não se verificando qualquer obstáculo à coligação nos termos previstos no artigo 37.º do CPC. 22.ª Destarte, (i) a coligação das Rés deve considerar-se lícita ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 36.º do CPC, admitindo-se que o Autor demande as duas Rés conjuntamente e formule três pedidos diferentes na mesma ação; (ii) a exceção dilatória de ilegalidade da coligação deve julgar-se improcedente, uma vez que entre os três pedidos existe a conexão exigida pelo artigo 36.º do CPC (cfr. artigo 577.º, alínea f), do CPC a contrario); e consequentemente (iii) a decisão recorrida de absolvição da Ré … da instância quanto ao primeiro e segundo pedido deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a referida exceção e determine o prosseguimento dos presentes autos, nomeadamente a prolação do despacho previsto no artigo 596.º do CPC e a marcação da audiência de julgamento. 23.ª Caso assim não se entenda, confirmando-se a decisão proferida pelo tribunal a quo, o Recorrente não se pode conformar com a condenação nas custas do processo nos termos definidos na sentença recorrida, razão pela qual vem requerer a reforma da mesma quanto a custas, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, do CPC. 24.ª O tribunal entendeu que «[a]s custas [eram] encargo do autor atento o decaimento – artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil», condenando-o nas custas do processo. 25.ª Esta norma dispõe que a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que a elas houver dado causa, sendo que o n.º 2 da mesma disposição legal explicita que «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». 26.ª O Autor, ora Recorrente, não é parte vencida no que respeita à absolvição das Rés do terceiro pedido, razão pela qual nunca poderia ser responsável pela totalidade das custas, como foi decidido pelo tribunal a quo. 27.ª Na verdade, o tribunal omitiu integralmente da sentença proferida a substituição processual do Recorrente pelo (…) no que respeita ao terceiro pedido, operada pelo despacho proferido em 14 de Julho de 2017, nos termos do artigo 269.º, n.º 2, do CPC e em face da sua legitimidade superveniente. 28.ª Legitimidade esta decorrente das deliberações do BANCO DE PORTUGAL de 19 e 20 de Dezembro que aplicaram uma medida de resolução ao (…) e que transmitiram para a esfera jurídica do (…) o crédito sobre a 1.ª Ré que justificava o direito do (…) sub-rogar-se nos direitos da mesma. 29.ª Uma vez operada a substituição, para todos os efeitos, o Autor quanto ao terceiro pedido deixou de ser o (…), passando o (...) a assumir esta posição processual, formando-se uma coligação ativa “superveniente”. 30.ª Assim, foi o (…) enquanto Autor – e não o ora Recorrente – a parte vencida desta ação relativamente à decisão de absolvição das Rés do terceiro pedido e, existindo duas partes vencidas, exigia-se a aplicação nos presentes autos da norma do artigo 528.º, n.º 4, do CPC que estabelece que «[q]quando haja coligação de autores ou réus, a responsabilidade por custas é determinada individualmente nos termos gerais fixados» no n.º 2 do artigo 527.º do mesmo diploma, isto é, que a responsabilidade é determinada na proporção em que cada parte seja vencida. 31.ª Pelo exposto, deve a sentença que condenou o Recorrente na totalidade das custas do processo ser objeto de reforma quanto a custas, repartindo a responsabilidade entre o Recorrente e o (…)”.
Com os transcritos fundamentos requer a final que na procedência do recurso seja a decisão recorrida declarada nula, baixando os presentes autos ao tribunal da 1.ª instância para prolação de nova decisão ou, caso assim não seja entendido, deverá a mesma decisão ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea f), do CPC e determine o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos, ou ainda seja a mesma decisão reformada quanto a custas, repartindo-se a responsabilidade pelas duas partes vencidas na presente ação – Recorrente e (…) –, na proporção do seu decaimento, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 528.º, n.º 4, do CPC.
Contra alegou a apelada (…), pugnando pela improcedência do recurso, com excepção do segmento relativo à repartição das custas, aqui tendo opinado no sentido da sua procedência.
A Mm.ª juíza pronunciou-se no sentido da decisão não padecer de qualquer nulidade.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
i. Da nulidade da sentença;
ii. Da (i)legalidade da coligação;
iii. Da condenação em custas.
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i. Da nulidade da decisão
O Banco apelante alega ser a decisão nula, por padecer de ambiguidade que a torna ininteligível, uma vez que se afigura incompatível a decretada absolvição das RR da instância no que respeita aos pedidos formulados em i. e a absolvição dos pedidos a final decretada. Vejamos se se verifica, ou não, o invocado vício.
Prevê-se na al. c) n.º 1 do art.º 615.º do CPC como causa da nulidade da sentença a existência de “alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Resulta do assim preceituado que eventual ambiguidade ou obscuridade de que a sentença padeça só a tornam nula se, por via daquelas, não for possível apreender o seu conteúdo.
Conforme esclarecia o Prof. Alberto dos Reis, escrevendo embora no âmbito de vigência do CPC de 1939, mas com plena actualidade[1], “(…) a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz”.
No mesmo sentido, sublinhou o STJ[2], que “Só existe, com efeito, obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido um tal destinatário não possa alcançar. A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respectivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo. Se dessa reclamação ressaltar à evidência que o reclamante compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas com os mesmos não concordou, bem como com o sentido decisório final, não ocorre a reclamada obscuridade/ambiguidade (…)”.
No caso dos autos, antecipa-se, não se vê que a decisão padeça de alguma obscuridade, antes se afigurando perfeitamente claros os seus termos. Assim, em sede de saneamento do processo, conhecendo da excepção dilatória em que se consubstancia a coligação ilegal, que deu por verificada, absteve-se a Mm.ª juíza de conhecer o mérito dos pedidos formulados em i. e ii., absolvendo em consequência as RR da instância (cfr. art.ºs 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, al. f), 578.º e 38.º, n.º 3, todos do CPC, o que, conforme é sabido, não obsta à propositura de nova acção com o mesmo objecto). Subsequentemente, de harmonia com a opção antes efectuada pelo autor, fez prosseguir os autos quanto ao pedido formulado em iii. e, na ponderação de que o processo dispunha de todos os elementos de molde a permitir a prolação de decisão antecipada do mérito, dele passou a conhecer, tendo julgado a acção improcedente (no que respeita ao único pedido para cuja apreciação prosseguiu), absolvendo em consequência as RR do pedido formulado.
Atento o que vem de se expor, não padecendo a decisão proferida de obscuridade ou contradição e encontrando-se a decisão de mérito, conforme o próprio apelante reconhece, devidamente fundamentada (sendo certo que, quanto ao pedido formulado em iii., o autor foi substituído na acção pelo …, que não recorreu da decisão), não se verifica o apontado vício formal, improcedendo assim a arguição da nulidade.
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ii. da (i)legalidade da coligação
Sustenta ainda o banco apelante que o que está em causa no terceiro pedido formulado é uma situação de litisconsórcio necessário passivo, uma vez que pretende fazer valer contra um terceiro, no caso a Ré (…), o direito de conteúdo patrimonial que competia à sua devedora (a Ré …), impondo-se, em cumprimento do disposto no art.º 608.º do CC, a sua demanda conjunta, sob pena de ilegitimidade. Quando assim se não entenda, argumenta, sempre deverá entender-se que a coligação é lícita, uma vez que “a procedência ou improcedência dos três pedidos formulados na presente ação depende essencialmente dos mesmos factos, em especial, das relações estabelecidas entre o Autor e a 1.ª Ré e entre esta e a 2.ª Ré que deram origem à relação controvertida entre o Autor e a 2.ª Ré, em discussão na presente ação”, inexistindo obstáculos de ordem formal à cumulação.
Apreciemos, pois, a valia de tais argumentos.
Nos termos autorizados pelo art.º 555.º do CPC (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) o autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu várias pretensões que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação, nesta parte remetendo para o art.º 37.º.
Resulta do regime legal em vigor que, privilegiando razões de economia processual, não se verificando incompatibilidade substancial entre as diversas pretensões, correspondendo-lhe a mesma forma do processo (ou formas de processo que não sejam manifestamente incompatíveis na sua tramitação) e sendo o tribunal competente para conhecer de todas em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia, nada obsta a que o autor deduza contra o réu os pedidos que entender, assentes em diversas causas de pedir, dispensando portanto a lei a existência de qualquer conexão objectiva[3].
Diferente da referida situação de cumulação de pedidos é aquela em que se verifica uma simples pluralidade de sujeitos mas o pedido formulado é um só, formulado por vários autores ou contra vários réus, como ocorre nas situações de litisconsórcio necessário.
Finalmente, na coligação, hoje prevista no art.º 36.º, conforme explicava o Prof. Alberto dos Reis[4], combina-se a “pluralidade de litigantes com a cumulação de pedidos. Os pedidos são múltiplos, e por este lado a coligação assemelha-se à cumulação e distingue-se da simples pluralidade de litigantes; há mais do que um autor (coligação de autores), ou mais do que um réu (coligação de réus) ou simultaneamente mais do que um autor e mais do que um réu (coligação de autores e de réus), e por esta circunstância a coligação distingue-se da simples cumulação e assemelha-se à simples pluralidade de litigantes”.
De posse de tais elementos, caracterizemos a situação dos autos.
No caso vertente o autor formulou contra a Ré (…) i. pedido de condenação na restituição do seu enriquecimento por ter explorado o empreendimento turístico depois de 79 das fracções que o integram terem sido adjudicadas àquele no âmbito de acção executiva por si instaurada, sendo certo que o contrato de cessão de exploração celebrado com a anterior proprietária, a Ré (…), não lhe era oponível; ii. pedido de indemnização pelos danos causados nas mesmas fracções, assentando o pedido formulado na responsabilidade civil por acto ilícito; iii. e, finalmente, a condenação da mesma ré no pagamento à devedora de determinada quantia, emergente do incumprimento do aludido contrato de cessão ou, assim não sendo entendido, com fundamento em ilegítimo enriquecimento à custa da cedente, crédito portanto titulado pela (…), direito creditório que o Banco autor pretende exercitar nos termos do art.º 606.º do CC, que expressamente invocou.
A configurar a descrita situação uma mera cumulação de pedidos, caracterizada, como se referiu, pela circunstância de existir um único autor e um único réu e prescindindo a lei, por isso mesmo, de exigir a existência de conexão entre os pedidos, contentando-se com a simples compatibilidade, então inexistiria obstáculo à apreciação de todas as pretensões que pelo banco autor foram formuladas. No entanto, se no que se refere aos dois primeiros pedidos não temos dúvida em considerar que estamos perante uma cumulação legal de pedidos, situação diversa ocorre com a terceira pretensão. Vejamos:
Está em causa uma actuação sub-rogatória por banda do banco credor, medida preventiva disponibilizada ao credor para tutela do seu direito de crédito, conferindo-lhe a possibilidade de se substituir ao seu devedor no exercício dos direitos de conteúdo patrimonial contra terceiro, caso o devedor não o faça e sempre que esse exercício seja essencial à satisfação ou garantia do seu crédito. A acção sub-rogatória tem, todavia, uma natureza indirecta ou oblíqua, uma vez que por força do princípio da “par conditio creditorium” não é permitida a deslocação patrimonial directa entre as esferas jurídicas do terceiro e do credor: este pede (deve pedir) a condenação do terceiro a prestar ao (seu) devedor[5].
A lei – art.º 608.º do CC – exige a citação do devedor, afigurando-se que por razões de ordem eminentemente pragmática, visando assegurar que a decisão judicial que venha a ser proferida lhe é oponível, facultando-lhe o exercício do contraditório.
Vem sendo comummente entendido que a actuação em sub-rogação configura uma situação de substituição processual imprópria, ou seja, a lei admite no processo a litigar em nome próprio, atribuindo-lhe portanto a qualidade de parte, uma pessoa que não é sujeito da relação material controvertida e que deste modo actua por conta de outrem, sem prescindir contudo da intervenção concorrencial do substituído em juízo (daí que se trate de uma substituição processual em sentido impróprio)[6]. Tal entendimento das coisas, afastando a identidade jurídica das pessoas que é requisito da mera cumulação de pedidos, obstaria a que se considerasse, no caso em apreço, ser este o instituto aqui em causa[7].
Mas ainda que se entenda que a legitimidade processual do credor para uma actuação sub-rogatória judicial resulta directamente de uma sua posição substantiva, aferindo-se a sua legitimidade para a causa por aplicação do critério geral da existência e titularidade da relação material controvertida tal como vem alegada pelo autor[8], resultando assim afastada a figura da substituição processual para a determinação do regime legal aplicável, é incontornável que estamos perante uma situação de litisconsórcio, com uma pluralidade de partes no processo, mas também de relações materiais controvertidas. E embora a posição do devedor seja sui generis – mais do que dissemelhante, pode ser oposta, quer à posição do autor (credor), quer à do réu (terceiro devedor) – deverá o mesmo ser considerado desde a sua citação, e ainda que não intervenha na causa, como parte principal, dada a sua condição de titular da relação material controvertida principal (daí que, intervindo, lhe seja consentido defender-se em termos amplos contra o credor, deduzir novos pedidos, cumulativos ou subsidiários, contra o terceiro, ou deduzir o mesmo ou outros pedidos contra outros terceiros)[9].
Decorre do que vem de se dizer que não se estando perante uma cumulação de pedidos, dada a diversidade de partes, a situação dos autos configura efectivamente, e conforme foi entendido, uma coligação, impondo-se portanto aferir da sua licitude à luz do que dispõe o art.º 36.º actualmente em vigor, tendo presente que suportam a solução legal ainda razões de economia processual.
Não se discute nos autos que os diversos pedidos formulados contra a Ré (…) assentam em diferentes causas de pedir, sendo certo ainda que são independentes entre si. Reconhecendo que assim é sustenta todavia o apelante que se verifica a conexão objectiva a que alude a previsão do n.º 2, dependendo a procedência dos pedidos essencialmente da apreciação dos mesmos factos “em especial, das relações estabelecidas entre o Autor e a 1.ª Ré e entre esta e a 2.ª Ré que deram origem à relação controvertida entre o Autor e a 2.ª Ré, em discussão na presente ação”.
Face a uma formulação idêntica do então vigente art.º 30.º do CPC e a propósito da na altura muito debatida questão de saber se dois ou mais filhos ilegítimos se podiam coligar para investigar a mesma paternidade, defendia o Prof. A. dos Reis que a palavra “essencialmente está ali posta para significar o seguinte: quando a questão a resolver seja substancialmente de facto, é necessário que os factos sejam os mesmos (…).
Portanto, a coligação só é lícita quando os factos forem os mesmos, isto é, quando se alegue que foi através dos mesmos factos, isto é, de factos comuns, que o pretenso pai revelou, em relação aos autores, a reputação e o tratamento como filho”[10].
Numa formulação mais flexível entendeu o TRP, em aresto citado pelo recorrente (acórdão de proferido no processo 0425280, acessível em www.dgsi.pt) que “I - Para a coligação activa ou passiva não se exige que a causa de pedir seja a mesma, nem que os factos sejam exactamente os mesmos, bastando que a apreciação dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos. II - Com o advérbio "essencialmente" visou-se permitir o recurso a um critério de oportunidade na formulação de um juízo sobre a pertinência da coligação, tendo em vista a predominância ou relevo dos factos de que dependem os pedidos principais.” Apelou-se a um critério de relevância dos factos que suportam as várias pretensões para concluir que “(…) não obstante a complexidade da causa, havendo factos comuns e interligados quanto às causas de pedir e aos pedidos formulados contra todos os Réus, há interesse na instrução, discussão e julgamento conjunto, nomeadamente por razões de economia processual, por permitir um melhor esclarecimento dos factos e evitar eventuais decisões contraditórias na parte em que os factos são comuns”.
Também o STA entendeu que a identidade essencial de factos ocorrerá “quando os factos invocados por um dos Autores, se se provarem, poderão servir de suporte factual, total ou parcial, às pretensões de todos eles”[11].
Pois bem, ainda a considerar-se que a exigência legal deve ser interpretada no apontado sentido mais flexível, não se vê que no caso que nos ocupa a procedência dos diversos pedidos formulados assente de forma predominante na mesma factualidade. Com efeito, se é verdade que a natureza do contrato celebrado entre as RR (…) e (…) assume relevância para efeitos de apreciação dos primeiro e segundo pedidos formulados, uma vez que a obrigação de entrega decorre da inoponibilidade do mesmo à execução no âmbito da qual as fracções foram adjudicadas ao autor (cf. art.º 819.º do CC), já nada releva se o mesmo contrato foi ou não objecto de incumprimento por banda da ré cessionária, em ordem a fundamentar a obrigação de indemnizar a cedente (…), ou se se verifica antes uma situação de enriquecimento ilegítimo à custa desta última, fundamento da obrigação da cessionária restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou. Por outras palavras, os factos que fundamentam os primeiros pedidos são essencialmente irrelevantes para efeitos da decisão a proferir no âmbito da terceira pretensão formulada, sendo o inverso igualmente verdadeiro, não se verificando assim o indispensável nexo causal exigido pelo art.º 36.º, em qualquer um dos seus números, daqui resultando, tal como foi decidido e assim se confirma, a ilegalidade da coligação.
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iii. Da condenação em custas
Na decisão apelada foi o autor agora apelante condenado nas custas da acção, condenação que assim abrangeu os três pedidos formulados. Sucede, porém, que tal como o recorrente justamente apontou, no que se refere à terceira pretensão formulada foi admitida a sua substituição pelo Banco (…), decisão que transitou em julgado. Daqui resulta que quem decaiu no pedido foi o substituto e não o aqui autor, sendo portanto o Banco (…) a parte vencida (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Procede assim, neste segmento, o recurso interposto.
* III Decisão Em face do exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, alterando a decisão recorrida no que se refere à condenação em custas, as quais serão suportadas pelo agora apelante apenas no que se reporta aos pedidos formulados em i. e ii. e confirmando-se quanto ao mais.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo do apelante quanto ao valor do seu decaimento, que se fixa em € 221.154,05.
* Sumário:
Só é admissível a coligação ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 30.º do CPC quando a procedência das diferentes pretensões depende da apreciação do mesmo núcleo factual essencial.
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Évora, 11 de Abril de 2019
Maria Domingas
Vítor Sequinho
José Manuel Barata
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[1] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, reimpressão, pág. 151.
[2] Acórdão de 13/11/2002, proferido no processo n.º 02B2381,acessível em www.dgsi.pt
[3] Já assim o entendia o Prof. A. dos Reis na vigência do Código de 76, conforme dá conta em Comentário, vol. III, pág. 152, reproduzindo quanto a propósito escrevera na 1.ª edição do seu Processo Ordinário: “Um indivíduo pode numa só acção fazer a outro quantos pedidos quiser, por mais dissemelhantes e desconexos que esses pedidos sejam. Não exige a lei qualquer ligação ou relação entre os pedidos para poderem cumular-se entre as mesmas pessoas”.
[4] Comentário ao Código do Processo Civil, Vol. III, pág. 10.
[5] Margarida Lima Rego, “As partes processuais numa acção em sub-rogação”, acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/8399/3/ASUB_2006.pdf, págs. 71-72 e nota 70 na página 86. Retenha-se, portanto, que relativamente aos efeitos da sub-rogação, os bens regressam ao património do devedor ou ingressam nele, em proveito de todos os credores e do próprio devedor.
[6] V. Margarida Lima Rego, “As partes processuais…”, págs. 74 a 76, mas criticando a posição. A autora defende que “a legitimidade processual do credor resulta, antes de mais, da sua titularidade de uma relação material, de natureza obrigacional ou creditícia, em que este ocupa, não somente uma posição de credor face ao seu devedor mas, desde logo, e mais concretamente, uma posição de credor com o poder jurídico de actuar em sub-rogação”, que mais não é do que “o poder substantivo de exigir do terceiro a prestação devida. Um poder próprio, e não alheio, ainda que seja outrem o destinatário da prestação. Um poder próprio para tutela de interesses próprios” maneira que “(…) nos casos de actuação judicial em sub-rogação a causa de pedir compreende os factos que subjazem, não a uma mas a duas relações materiais controvertidas, compreendendo o objecto do processo uma pretensão material complexa, assente na existência e titularidade de uma relação material principal – o devedor sub-rogado é titular de um direito contra o terceiro – e de uma relação material dependente – o credor sub-rogante é titular de um direito de crédito contra o devedor sub-rogado que compreende a possibilidade de uma actuação, judicial ou extra judicial, contra o terceiro” (págs. 79-80). Daqui decorre que a legitimidade do credor sub-rogante para a causa (legitimidade processual, portanto) será aferida em função da existência e titularidade alegadas de um crédito contra o devedor sub-rogado – na relação material dependente – e da existência e titularidade alegadas de um direito do devedor sub-rogado contra o terceiro – na relação material principal (pág. 83).
[7] Isso mesmo defendia o Prof. A. dos Reis, Comentário, vol III., pág. 153.
[8] Maneira que à legitimação material indirecta do credor sub-rogado não corresponderia uma legitimação processual indirecta, como refere Margarida Lima Rego, ob. cit.
[9] Aqui seguindo de perto Margarida Lima Rego, “As partes processuais….”, págs. 86-87 e 105.
[10] Prof. A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 102.
[11] Ac. STA de 2004-12-02, no processo 044/04, acessível em www.dgsi.pt.