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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PODER LEGAL LIMITADO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
EFEITOS NÃO RETROACTIVOS DO DESPACHO
PRAZO PARA CONTESTAR
ACÇÃO
Sumário
I - Começando a lei (art.º 272.º1, CPC) por indicar ao juiz um motivo justificado de suspensão - a pendência de causa prejudicial - atribui-lhe, depois, o poder de suspender a instância quando entender que ocorra outra motivo também justificado, isto é, motivo diferente da pendência da causa prejudicial e que, em seu juízo, justifique a suspensão. II - Não decorre da lei qual o que se deva entender que ocorre (outro) “motivo justificado”, permitindo concluir que se confere ao juiz uma margem lata de liberdade de acção, podendo ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda. III - Esse poder conferido pelo n.º1, do art.º 272.º, não tem carácter discriminatório; é um poder legal limitado. IV - O seu exercício pressupõe a existência do indicado “motivo justificado”, ou seja, suficientemente ponderoso para justificar a suspensão da marcha normal do processo, que se mostre conveniente e contribua para a justa resolução do litígio e, naturalmente, que não prejudique o princípio da igualdade das partes. V - O exercício desse poder, mormente na valoração do “motivo justificado”, não deve fazer-se à margem de princípios processuais basilares, nomeadamente: da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º1; de gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º1; e, da boa-fé processual, previsto no artigo 8.º. VI - Na integração do conceito “motivo justificado para a suspensão da instância”, deve entender-se que a lei não toma em consideração, propriamente, os prejuízos ou vantagens (de um ponto de vista subjectivo) das partes, mas apenas do ponto de vista processual, devendo o juiz ponderar as vantagens e os inconvenientes da suspensão para obter a justa composição do litígio. VII - O Tribunal a quo fez uma incorrecta ponderação e valoração dos motivos invocados pelo legal representante da Ré e, consequentemente, mal decidiu ao determinar a suspensão da instância por 30 dias, sem que existisse um verdadeiro motivo justificado para, em termos de probabilidade, se antever qualquer vantagem para a justa composição do litígio, desse modo interferindo com o normal desenvolvimento da lide. VIII - O despacho recorrido, ao decidir «Atento o requerido e o silêncio do Autor e não havendo motivos para dar sem efeito a diligência já realizada, suspendo a instância pelo período de 30 (trinta) dias», apesar de incidir sobre o requerimento apresentado em 11 de Junho de 2018, não é susceptível de produzir efeitos rectroactivos, nem tão pouco esse propósito decorre do seu conteúdo, pelo que a instância só se suspendeu em consequência dessa decisão após a sua prolacção. IX - Nessa data já o prazo para contestar a acção tinha atingido o seu termo e, logo, caberia retirar as devidas consequências processuais, nomeadamente, atendendo ao art.º 57.º 1 do CPT. X - Vista a questão na perspectiva da recorrida Ré, quer o facto de ter apresentado o requerimento de 11 de Junho de 2018, quer ainda o de ter sido notificada do primeiro despacho do tribunal a quo -, facultando ao autor a possibilidade de se pronunciar, querendo-o, em cinco dias, quanto à possibilidade de ser suspensa a instância - não só não interferiu com o início e decurso do prazo para contestação, como para além disso não são idóneos para lhe terem criado qualquer legítima expectativa no sentido de entretanto não ser exigível que cumprisse o prazo para contestação. A ré não podia deixar de ponderar que veio a juízo requerer a suspensão do prazo para contestar, pretensão que nem foi decidida naquele primeiro despacho que lhe foi notificado, nem do seu conteúdo pode retirar-se uma interpretação nesse sentido.
Texto Integral
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APELAÇÃO n.º 2369/18.1T8MTS-A.P1 SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 B... instaurou contra C..., Unipessoal Lda, a presente ação de processo comum emergente de contrato de trabalho, pedindo que julgada a acção procedente seja esta condenada a pagar-lhe, em virtude da ilicitude do despedimento, as seguintes quantias:
a) 1.500 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) 2.250,00 € a título de indemnização em substituição da reintegração;
c) 750,00 € a título de compensação, acrescida das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão;
d) 681,82 €, a título de férias não gozadas;
e) 676,03 € a título de proporcionais de subsídio de Natal.
O tribunal a quo ordenou a citação da Ré para a acção e designou dia para a audiência de partes, tendo tal sido cumprido a 15 de Maio de 2018, através de carta registada com A/R, recebida a 16 de Maio de 2018.
No dia designado para a realização de audiência de partes, em 6-06-2018, procedeu-se a esse acto, mas não compareceu a Ré ou quem a legalmente representasse. Pela Senhora Juíza foi proferido o despacho seguinte:
-«Tendo decorrido já algum tempo sobre a hora designada para a diligência, dada a ausência da ré ou de quem legalmente a represente, condeno a mesma na multa correspondente ao mínimo legal caso não justifique a sua falta no prazo legal – art.º 54º, 5, CPT. Notifique a ré faltosa para, no prazo de 10 dias, contestar querendo a acção da qual em devido tempo lhe foi remetido o respectivo duplicado da petição inicial, em caso de falta de contestação da ré, será proferida sentença conforme for de direito».
Em cumprimento do determinado a secretaria judicial notificou a Ré nos termos ordenados, por carta registada expedida nesse mesmo dia 06 de Junho de 2018. I.2 Em 7-06-2018,dia imediatamente seguinte ao da realização daquele acto, foi aberta conclusão no processo “com informação de que durante a pendência da diligência entrou o requerimento junto a fls. 17 a 19”.
No aludido requerimento, o sócio gerente da Ré invoca, no essencial, o seguinte:
-«(..) Conforme comprova documento que se anexa o signatário foi chamado para se apresentar no dia de hoje pelas 10h40 m no IPO – Porto, tendo de ali comparecer 30m/a 60m antes da hora marcada para o acto médico. Tal facto impediu-o de comparecer à predita diligência, considerando que é o único representante da Ré. Dada a urgência da (???) não teve o signatário oportunidade nem condições de constituir mandatário ou mesmo preparar a sua defesa. Pelos motivos expostos, requer a V. Ex.ª se digne dar sem efeito a diligência determinando nova realização para data posterior, mas nunca antes de Setembro de 2018 face à ponderosa circunstância de ser submetido a intervenção cirúrgica nos próximos dias, o que, sendo comprovara nos autos.
(..)».
Pronunciando-se sobre o requerido, o tribunal a quo proferiu o despacho que segue: -«Atentos os motivos invocados, dou sem efeito a condenação em multa. Porquanto no requerimento ora apresentado não foi aventada qualquer possibilidade de acordo entre as partes, entende-se não dar sem efeito a diligência realizada, prosseguindo os autos os seus normais trâmites». I.3 Por fax entrado em juízo a 11-06-2018, a Ré apresentou novo requerimento, igualmente subscrito pelo seu representante legal, com o conteúdo seguinte:
- “C..., Lda, tendo sido notificada para contestar a acção sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor, sendo logo proferida sentença a julgar o caso conforme for de direito vem dizer o seguinte: No passado dia 6 de Junho o representante legal da C..., lda, remeteu para o Tribunal um requerimento a informar que o seu representante legal não podia comparecer a fim de intervir na audiência de partes para esse mesmo dia para as 09h45m, juntando documento que comprovava a marcação de consulta médica. Vem agora juntar declaração de presença de que nesse mesmo dia 6 de Junho entre as 10h27 e as 13h16 esteve presente no IPO no serviço de cirurgia torácica-geral deste hospital. Por essa razão, e conforme ali se referiu, não pôde estar presente na referida audiência tendo solicitado que fosse adiada, o que pela notificação que agora recebeu para contestar a acção percebeu que não foi atendida. O representante legal da C... tem interesse em apresentar-se ou pelo menos ter condições de preparar a sua defesa com advogado, o que em face da doença que lhe foi recentemente diagnosticada, a data da cirurgia e a notificação para a audiência de partes, não lhe foi possível fazer. Ainda informa o Tribunal, conforme também já tinha dito, que irá ser operado no IPO no próximo dia 18 de Junho de 2018, motivo pelo qual vem solicitar a este tribunal que indique nova data para que a audiência de partes se realize, uma vez que, a não acontecer fica a C... impedida até de negociar um entendimento com o autor e de apresentar as razões da discordância da acção, antes do passo que segue que é de contestar o que implica também o pagamento de uma taxa. Assim, vem a C... requerer ao tribunal que suspenda o prazo para contestar e marque nova data para a realização da audiência de partes em prazo posterior, pelo menos, ao dia da cirurgia, sem esquecer do tempo razoável para que se recupere desta intervenção”.
Concluídos os autos, pela Senhora Juíza foi proferido despacho com o conteúdo seguinte:
-«Porquanto é apresentado requerimento solicitando a suspensão da instância e aventando a possibilidade de acordo, notifique o Autor para, querendo e no prazo de 5 dias, se pronunciar».
O despacho foi notificado às partes por carta registada, expedida em 12 de Junho de 2018.
Recebida a notificação, o autor não se pronunciou. I.4 O Tribunal a quo, em despacho de 10-07-2018,pronunciou-se sobre o requerido, proferindo a decisão seguinte:
-«Atento o requerido e o silêncio do Autor e não havendo motivos para dar sem efeito a diligência já realizada, suspendo a instância pelo período de 30 (trinta) dias». I.5 Não concordado com essa decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
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............................................. I.6 A Ré apresentou contra-alegações que sintetizou nas conclusões seguintes:
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............................................. I.9 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento. I.10 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação são as seguintes:
iii) Se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito ao declarar suspensa a instância, devendo antes ter proferido sentença nos termos previstos no art.º 57.º n.º1, do CPT. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
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............................................. III. Motivação de direito
Começa o recorrente por defender que os motivos invocados pela Apelada, nomeadamente a circunstância de o seu representante legal ir ser cirurgicamente intervencionado no dia 18-06-2018 e o tempo de recuperação inerente à mencionada intervenção, assim como os seus problemas de saúde, não justificam a suspensão da instância – arts. 269.º e 272.º do CPC, enfermando a decisão recorrida de erro de julgamento.
Contrapõe a recorrida que há motivos para suspender a instância, cabendo ao juiz ponderá-los, uma vez que foi determinada por sua decisão, bem assim que tendo o recorrente abdicado do direito ao exercício do contraditório que lhe foi concedido não lhe é lícito vir neste momento abusar desse direito impondo o que pretendia ter dito e não disse. III.1 As causas de suspensão da instância constam enunciados no art.º 269.º, CPC, entre eles constando que a instância suspende-se [n.º1 al.c)] “Quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes”.
Esta norma ou, mais precisamente, o poder do juiz suspender a instância, é depois regulado pelo art.º 272.º, do CPC.
Decorre do n.º1 desse artigo, que o Juiz pode ordenar a suspensão não só quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento doutra já proposta mas também quando entender que ocorra outro motivo justificado.
Começando a lei por indicar ao juiz um motivo justificado de suspensão - a pendência de causa prejudicial - atribui-lhe, depois, o poder de suspender a instância quando entender que ocorra outra motivo também justificado, isto é, motivo diferente da pendência da causa prejudicial e que, em seu juízo, justifique a suspensão.
Não decorre da lei qual o que se deva entender que ocorre (outro) “motivo justificado”, permitindo concluir que se confere ao juiz uma margem lata de liberdade de acção, podendo ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda.
E, como elucida o Professor Alberto dos Reis, a norma “nem faz depender de requerimento das partes o uso do poder de ordenar a suspensão, nem lhes recusa o direito de provocar, mediante requerimento, o exercício de tal poder. Há-de, portanto, concluir-se que o magistrado pode suspender a instância, ou por sua iniciativa, ou a requerimento das partes” [Comentário ao Código do Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, p. 285].
No entanto, como também assinala o mesmo autor, importa ter presente que esse poder conferido pelo n.º1, do art.º 272.º, “não tem carácter discriminatório; é um poder legal limitado” [Op. cit. p. 285].
Dai que, o seu exercício pressuponha a existência do indicado “motivo justificado”, ou seja, suficientemente ponderoso para justificar a suspensão da marcha normal do processo, que se mostre conveniente e contribua para a justa resolução do litígio e, naturalmente, que não prejudique o princípio da igualdade das partes.
Acresce, ainda, que o exercício desse poder, mormente na valoração do “motivo justificado”, não deve fazer-se à margem de princípios processuais basilares, nomeadamente, os seguintes:
i) Da cooperação, previsto no artigo 7.º n.º1: “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
ii) Dever de gestão processual, previsto no artigo 6.º n.º1: “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.
iii) Dever de boa-fé processual, previsto no artigo 8.º: “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”.
Uma última nota, para sublinhar, acompanhando-se o Ac. da Relação de Lisboa de 24 de Janeiro de 2013 [Proc.º 154/11.0TVPRT.L1-8, Desembargadora Maria Amélia Amexoeira], que «Na integração do conceito “motivo justificado para a suspensão da instância”, deve entender-se que a lei não toma em consideração, propriamente, os prejuízos ou vantagens (de um ponto de vista subjectivo) das partes, mas apenas do ponto de vista processual, devendo o juiz ponderar as vantagens e os inconvenientes da suspensão para obter a justa composição do litígio». III.2 Revertendo ao caso, importa começar por assinalar que a Ré no requerimento que motivou o despacho recorrido, não requereu, em rigor, a suspensão da instância. Na verdade, conforme expresso no final do mesmo, requereu ao tribunal que suspendesse o prazo para contestare marcasse nova data para a realização da audiência de partes em prazo posterior, pelo menos, ao dia da cirurgia, sem esquecer o tempo razoável para a recuperação dessa intervenção.
A suspensão da instância foi, pois, determinada por iniciativa da Senhora Juíza, pese embora no despacho que ordenou a notificação do requerimento da Ré ao autor para se pronunciar refira “Porquanto é apresentado requerimento solicitando a suspensão da instância (..)”. Porventura terá o tribunal a quo entendidoque essa era a figura processual que melhor se ajustava ao requerido, mas não o explicou.
Contudo, com o devido respeito, bem interpretado o requerimento da Ré, designadamente na parte em que visava a suspensão do prazo para contestar, o tribunal a quo poderia tê-lo apreciado à luz do disposto no artigo 58.º n.º2, do CPT, a conjugar com os números 5 e 6 do actual art.º 559.º do CPC - correspondentes ao n.ºs 4 e 5, do artigo 486.º do pretérito CPC, para o qual é feita a remissão naquele n.º2 -, dai resultando que verificado o circunstancialismo dos n.ºs 5 e 6, daquele artigo, pode ser prorrogado, até 10 dias, o prazo para apresentação da contestação. Para que melhor se compreenda, a prorrogação com um limite de dez dias é fixada pelo n.º2, do art.º 58.º do CPT, ficando aquém do previsto no n.º5, do art.º 556.º do CPC, sendo que neste e no número 6, estabelece-se o seguinte:
5 - Quando o juiz considere que ocorre motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente ao réu ou ao seu mandatário judicial a organização da defesa, pode, a requerimento deste e sem prévia audição da parte contrária, prorrogar o prazo da contestação, até ao limite máximo de 30 dias.
6 - A apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso; o juiz decide, sem possibilidade de recurso, no prazo de vinte e quatro horas e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º.».
Esse teria sido o procedimento mais correcto, adequada e consentânea com o dever de boa gestão processual, tanto mais se tivermos presente que o tribunal a quo entendeu não se justificar dar sem efeito a audiência de partes, ou seja, em termos práticos, nessa perspectiva do julgador o que afinal estava em causa era apenas o prazo para contestação.
Por outro lado, deve também ter-se em conta que o autor não deu o seu acordo à suspensão da instância, não cabendo a decisão no n.º 4, do art.º 274.º do CPC. Embora na notificação do requerimento da Ré dirigida ao autor se mencione, conforme consta do despacho que a determinou, que “é apresentado requerimento solicitando a suspensão da instância”, nos termos do mesmo despacho o autor foi notificado “para, querendo e no prazo de 5 dias, se pronunciar”, ou seja, sem que tivesse sido fixada qualquer consequência para o caso de não responder, não podendo o seu silêncio ser interpretado como assentimento com a suspensão da instância.
Assim, a nosso ver, este conjunto de razões são, desde logo, bastantes para afastar a existência do necessário “motivo justificado” para suspender a instância por determinação do Juiz.
Mas se dúvidas houvesse, existem outras razões igualmente relevantes que não podiam deixar de ser ponderadas na apreciação e decisão do requerimento apresentado pela Ré através do legal representante.
Em primeiro lugar, a Ré ao invés de vir apenas no próprio dia designado para a realização da audiência de partes requerer que fosse dada “sem efeito a diligência determinando nova realização para data posterior, mas nunca antes de Setembro de 2018 face à ponderosa circunstância de ser submetido a intervenção cirúrgica nos próximos dias, o que, sendo comprovara nos autos”, deveria tê-lo feito com maior antecedência, desde logo, de modo a viabilizar o requerido.
É mencionado no requerimento que “Dada a urgência da (???) não teve o signatário oportunidade nem condições de constituir mandatário ou mesmo preparar a sua defesa”, mas nem a alegação elucida minimamente desde quando sabia o legal representante da Ré que iria ter a consulta médica hospitalar, nem tão pouco tal se extrai do documento que foi junto aos autos para comprovar a marcação da mesma, pois é uma cópia remetida via fax que não reproduz na totalidade o documento original. De todo o modo, não é credível que a marcação da consulta lhe tenha sido comunicada de um dia para o outro, antes sendo de crer, na normalidade das coisas, que houve pelo menos alguns dias de antecedência.
Ora, os deveres de cooperação e de boa-fé processual acima assinalados impunham à Ré conduta diferente, nomeadamente, que imediatamente a seguir ao recebimento da notificação para a audiência de parte viesse requerer o que tivesse por conveniente atenta a coincidência das datas. Note-se, ainda, que a ré foi notificada para a realização da audiência de partes em 16 de Maio de 2018, tendo sido designado o dia 6 de Junho de 2018 para a sua realização, o que vale por dizer que entre uma e outra data mediaram 20 dias completos.
O tribunal a quo não terá ponderado esta circunstância quando decidiu suspender a instância, mas deveria tê-lo feito.
Por outro lado, se a consulta foi no dia 6 de Junho e a intervenção cirúrgica foi marcada ao legal representante da Ré para dia 18 de Junho (conforme mencionou no requerimento), não cremos que fosse inviável à Ré, a menos que outra circunstância se interpusesse, o que também não foi alegado, que nesse entretanto e, diga-se, mesmo anteriormente, tivesse diligenciado pela constituição de mandatário para assegurar a sua defesa no processo.
Considerando tudo o que se referiu, crê-se forçoso concluir que o Tribunal a quo fez uma incorrecta ponderação e valoração dos motivos invocados pelo legal representante da Ré e, consequentemente, mal decidiu ao determinar a suspensão da instância por 30 dias, sem que existisse um verdadeiro motivo justificado para, em termos de probabilidade, se antever qualquer vantagem para a justa composição do litígio, desse modo interferindo com o normal desenvolvimento da lide.
Como efeito, embora no despacho que determinou a notificação do autor para se pronunciar se refira ter sido “ aventa(da) a possibilidade de acordo”, tal posição do legal representante da Ré assentava no pressuposto de ver marcada nova audiência de partes. Ora, “não havendo motivos para dar sem efeito a diligência já realizada”, como se menciona o despacho recorrido, a suspensão da instância nada acrescentava para possibilidade de eventual acordo, simplesmente beneficiando a Ré ao possibilitar-lhe vir contestar para além do prazo normal.
Concluindo, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do n.º1, do art.º 272, do CPC, posto ter determinado a suspensão da instância sem que existisse o necessário “motivo justificado”.
Assim, quanto a este ponto procede o recurso. III.3 Numa segunda linha de argumentação, defende o recorrente terem-se esgotado “todos os prazos para a Apelada contestar, dado que o despacho que suspende a instância foi produzido depois de decorrido o prazo para contestar, devendo, pelo exposto, o Tribunal a quo proferir sentença a declarar os factos articulados pelo A., ora Apelante, como confessados pela R., ora Apelada, à luz do art. 57.º n.º 1 do CPT.”.
Em suma, na sua perspectiva o tribunal a quo errou ao ter suspendido a instância, quando devia ter proferido sentença nos termos do art.º 57.º CPT, que seria o procedimento correcto por se ter esgotado o prazo para contestar, não ter sido apresentada contestação e o despacho tão pouco poder ter efeito rectroactivo.
A recorrida não se pronunciou quanto a este ponto.
A notificação à Ré do despacho proferido no audiência de partes ”para, no prazo de 10 dias, contestar querendo a acção da qual em devido tempo lhe foi remetido o respectivo duplicado da petição inicial, em caso de falta de contestação da ré, será proferida sentença conforme for de direito”, foi cumprida no próprio dia, ou seja, em 06 de Junho de 2018, uma quinta-feira.
Deve presumir-se que a notificação se concretizou no dia 11 de Junho -segunda-feira-, 1.º dia útil após completados 3 dias sobre o registo, em 10 de Junho – domingo. Aliás, note-se, foi motivada pelo conteúdo dessa notificação que a Ré, através do legal representante, apresentou o requerimento de 11 de Junho de 2018, que foi apreciado e decidido pelo despacho recorrido.
A apresentação do requerimento acima referido pela Ré naquele mesmo dia -em 11 de Junho - não gera qualquer efeito quanto ao início do prazo e seu decurso.
Do mesmo modo, o despacho da Senhora Juíza, proferido igualmente no dia 11 de Junho e notificado às partes por carta registada, expedida em 12 de Junho de 2018, dizendo «Porquanto é apresentado requerimento solicitando a suspensão da instância e aventando a possibilidade de acordo, notifique o Autor para, querendo e no prazo de 5 dias, se pronunciar», não é susceptível de produzir qualquer efeito quanto ao início do prazo e normal decurso. Nem tal decorre da lei, nem do despacho resulta qualquer menção a esse propósito, nem mesmo tinha o Tribunal a quo poder para decidir em contrário.
De resto, note-se, mesmo que o tribunal a quo tivesse interpretado o requerimento como visando a prorrogação do prazo para contestação, a apresentação do mesmo não suspendia o prazo em curso (n.º 6 do art.º 559.º do CPC); e, por isso mesmo, nesses casos, conforme estabelecido segunda parte da norma “o juiz decide, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido”, acrescendo que para ser mais expedita, a notificação, é feita “ nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º”, isto é, por telecópia ou meios telemáticos, ou mesmo por comunicação telefónica.
Assim, o prazo de dez dias para a Ré contestar iniciou-se no dia 12 de Junho de 2018, vindo a atingir o seu termo a 21 de Junho – quinta-feira. Por força do disposto no art.º 139.º n.º5, o acto poderia ainda ser praticado independentemente de justo impedimento até ao 3.º dia útil imediatamente seguinte àquele, mediante pagamento de multa, ou seja, até 26 de Junho de 2018 – terça-feira.
Acontece que a recorrida Ré não apresentou contestação até ao termo daquele prazo e o despacho que veio a suspender a instância só veio a ser proferido também após aquele termos, mais precisamente, em 10 de Julho de 2018.
O despacho recorrido, ao decidir «Atento o requerido e o silêncio do Autor e não havendo motivos para dar sem efeito a diligência já realizada, suspendo a instância pelo período de 30 (trinta) dias», apesar de incidir sobre o requerimento apresentado em 11 de Junho de 2018, não é susceptível de produzir efeitos rectroactivos, nem tão pouco esse propósito decorre do seu conteúdo, pelo que a instância só se suspendeu em consequência dessa decisão após a sua prolacção.
Ora, como se disse, nessa data já o prazo para contestar a acção tinha atingido o seu termo e, logo, caberia retirar as devidas consequências processuais, nomeadamente, atendendo ao art.º 57.º 1 do CPT, dispondo:
-«Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo de contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
Por conseguinte, também por esta razão, mal se compreende a decisão do Tribunal a quo ao decidir suspender a instância, não levando em consideração que entretanto o prazo para contestar se iniciara e concluíra, bem assim que a Ré não apresentara contestação. Nesse contexto, visto que o Tribunal a quo partiu do pressuposto de uma eventual “possibilidade de acordo” – a aludiu no despacho de 11 de Junho – e, implicitamente, entendeu que havia motivo justificado para suspender a instância, quanto muito poderia ter suspendido a instância para a obtenção de eventual acordo, mas deixando claro que, em contrário, haveria lugar à prolação de sentença nos termos previstos no art.º 57.º /1, do CPT.
Por outro lado, vista a questão na perspectiva da recorrida Ré, quer o facto de ter apresentado o requerimento de 11 de Junho de 2018, quer ainda o de ter sido notificada do primeiro despacho do tribunal a quo -, facultando ao autor a possibilidade de se pronunciar, querendo-o, em cinco dias, quanto à possibilidade de ser suspensa a instância - não só não interferiu com o início e decurso do prazo para contestação, como para além disso não são idóneos para lhe terem criado qualquer legítima expectativa no sentido de crer não lhe ser entretanto exigível que cumprisse o prazo para contestação.
Com efeito, a ré não podia deixar de ponderar que veio a juízo requerer a suspensão do prazo para contestar, pretensão que não foi decidida naquele primeiro despacho que lhe foi notificado, acrescendo que nem do seu conteúdo pode retirar-se uma interpretação nesse sentido. A Ré tanto podia contar com uma decisão que suspendesse a instância como com decisão contrária.
Vale isto por dizer, que a Ré deveria ter levado em conta que o prazo estava a correr e, logo, vendo aproximar-se o termo do prazo sem que recaísse decisão sobre o seu requerimento, cabia-lhe ter acautelado a necessidade de contestar para impedir o efeito gerado pela falta de contestação, do qual foi devidamente elucidada na notificação de 6 de Junho de 2018.
Concluímos, pois, que assiste razão ao recorrente, ao defender que a revogação da decisão recorrida implica a prolação de sentença, nos termos do art.º 57.º 1 do CPT.
O tribunal a quo errou, mas o seu erro não autoriza que se beneficie a Ré, em detrimento dos direitos do autor, impondo-se dar cumprimento às normas legais que regulam a tramitação do processo, repondo a sua normalidade. IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente revogando a decisão recorrida, que suspendeu a instância por 30 dias, em consequência devendo o Tribunal a quo proferir sentença, nos termos previstos no art.º 57.º1, do CPT.
Custas do recurso a cargo da recorrida, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).
Porto, 25 de Março de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes (Parcialmente vencido, pelas razões constantes do voto que segue:
Acompanhando o acórdão na parte em que revoga a decisão recorrida que decretou a suspendeu a instância por 30 dias, não se acompanha no mais, ou seja quando conclui que, em consequência, deve “o Tribunal a quo proferir sentença, nos termos previstos no art.º 57.º1, do CPT”.
É que, no caso, apenas tendo incidido a decisão recorrida sobre a questão da suspensão da instância – sem esquecermos, aliás, como se refere no acórdão, a respeito da apreciação dessa questão, que a Ré no requerimento que motivou o despacho recorrido não requereu, em rigor, a suspensão da instância, resultando diversamente daquele um requerimento para que o tribunal suspendesse o prazo para contestar e marcasse nova data para a realização da audiência de partes em prazo posterior, pelo menos, ao dia da cirurgia, sem esquecer o tempo razoável para a recuperação dessa intervenção –, não tendo eu dúvidas em concluir, como no acórdão, que se impõe a revogação de tal decisão de suspensão da instância, já no mais, porém, salvaguardando naturalmente o devido respeito pela posição que fez vencimento, considero que, tendo a decisão recorrida apreciado apenas a questão da suspensão da instância, e não pois nada mais, em particular o que realmente foi requerido pela Ré e muito menos a questão de saber se tinha ou não já decorrido o prazo para a Ré contestar, a pronúncia desta Relação, em sede de recurso, deveria, na minha ótica, cingir-se àquela mesma decisão, de suspensão da instância, única que afinal era objeto do recurso, revogando-a no caso, por ter na base uma interpretação e aplicação incorretas do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, e apenas determinando, de seguida, que o Tribunal a quo retirasse dessa revogação as necessárias consequências, incluindo processuais, para o processamento posterior da ação. Assim o considero tendo também presente que a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina como limitação ao seu objeto que, em termos gerais, salvo questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento, apenas incida sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas. Ou seja, recorrendo-se ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2016 – disponível em www.dgsi.pt, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes –, em que se apela ao que tem afirmado a Doutrina e a Jurisprudência, que aí se indica, estamos perante um modelo de reponderação, “que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso” destinando-se os recursos “à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido”. Ora, no caso, verdadeiramente, em momento algum o Tribunal recorrido se pronunciou, ou sequer aventou essa possibilidade, sobre o decurso do prazo da contestação, seguindo diversamente, de modo inadequado como se concluiu no presente acórdão, um trajeto processual no sentido da apreciação da questão da suspensão da instância, dando aliás indicação prévia nesse sentido, assim ao próprio Autor/recorrente, cuja audição determinou com essa finalidade, de resto ainda num momento em que o prazo da contestação se encontraria em curso, sem que o mesmo, então, se tivesse pronunciado, remetendo-se antes ao silêncio, apenas reagindo mais tarde, através do presente recurso, contra a decisão de suspensão da instância – decisão que refere expressamente que teria tido por base “o requerido e o silêncio do Autor” –, então sim, mas apenas aí, invocando que o prazo da contestação, quando foi proferida aquela decisão, já havia decorrido.)
Rita Romeira