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ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
NATUREZA
ÂMBITO
Sumário
I- A providência cautelar prevista nos arts. 403º a 405º do CPC é subsidiária dos alimentos provisórios, destinando-se a suprir necessidades fundamentais, a tutelar eficazmente certos direitos de personalidade, pretendendo atenuar as consequências de lesões já produzidas pelo facto ilícito. II- Nesta tutela antecipada de direitos, o legislador restringiu a atribuição da reparação provisória aos danos resultantes da morte ou de lesão corporal.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B……………….., Lda intentou procedimento cautelar comum contra C………………., S.A., pedindo a condenação da requerida no pagamento, a título de reparação provisória do dano, da quantia de € 30.000,00, como 1.ª prestação, fixando-se as prestações seguintes em € 10.000,00, a serem pagas mensalmente; devendo a requerida ser condenada, ainda, a pagar-lhe a reparação da viatura ou, em caso de perda total, o valor que tiver de despender na aquisição de uma viatura equivalente à mesma e cujo custo de aquisição foi de € 25.000,00, acrescido de IVA.
Alegou ter ocorrido um acidente de viação entre um seu veículo pesado, conduzido por um seu empregado, sob as suas ordens e direcção efectiva, e um veículo seguro na Ré, conduzido pela respectiva proprietária, circulando as viaturas em sentido contrário, sendo que a última invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o pesado, o qual o fazia na sua mão de trânsito, embatendo contra o mesmo.
Do embate resultou a impossibilidade de circulação do pesado, o que fez com que a requerente tivesse de alugar um veículo com as mesmas características a outra empresa, para o substituir.
Os pagamentos que efectua a essa empresa são ruinosos, estando a provocar-lhe sérias dificuldades financeiras.
A requerida contestou, salientando a situação de comissário do condutor do veículo da requerente e a consequente presunção de culpa pela ocorrência do acidente. Imputou, ainda, a culpa do acidente ao condutor do pesado, por ter invadido a hemi-faixa de rodagem por onde circulava a sua segurada, isto é, a da esquerda, atento o sentido do pesado.
II.
Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a providência cautelar, absolvendo a requerida do pedido.
III.
Recorreu a requerente, concluindo como segue:
1. A decisão enferma de erro na apreciação da prova, o qual foi determinante no desfecho em 1.ª instância.
2. A requerida teria sido condenada como responsável pela liquidação dos danos sofridos pela agravante se tivesse sido provado que a viatura segurada por aquela tinha sido a única e exclusiva culpada do sinistro.
3. Como as duas únicas testemunhas presenciais do sinistro – os condutores das viaturas envolvidas – apresentaram versões opostas, tal como é referido na decisão, o Tribunal a quo entendeu que não se podia determinar quem era o responsável pelo acidente.
4. Uma vez que o condutor do veículo da requerente conduzia sob a direcção, no interesse e sob as ordens desta, concluiu pela sua culpa presumida, nos termos do art. 500.º do CC.
5. Apesar de os depoimentos em causa terem sido opostos, os documentos juntos aos autos permitem concluir qual das testemunhas depôs com verdade e exactidão.
6. Como a Sr.ª Juíza reconhece na sua decisão, a determinação da culpa pelo acidente depende da certeza quanto ao local onde se deu o embate entre os dois veículos envolvidos, sendo relevante, para o efeito, saber se o embate se deu antes ou depois de o veículo da agravante já se encontrar imobilizado contra o muro e o poste da EDP.
7. As fotografias juntas à contestação como doc. 1 permitem comprovar que no local do embate havia largura suficiente para as duas viaturas se cruzarem, já que estão posicionadas a par e ainda sobra muito espaço entre elas e entre a segurada e o muro que ladeia a estrada.
8. Pelas fotografias também se pode verificar que o camião da agravante está encostado ao muro situado à sua direita e que existem destroços junto à sua frente do lado esquerdo, que deixam rasto até ao local onde a viatura segura pela agravada se encontra imobilizada.
9. Significa que esta última embateu no canto esquerdo da frente do camião quando este já se encontrava imobilizado, tendo aí feito ricochete, levando-a a rodopiar sobre si própria até se imobilizar ao lado daquele.
10. Mais claro, ainda, é o auto da GNR junto á p.i., pelo qual se comprova que pelas medições feitas no local do sinistro o mesmo tem largura suficiente para que as duas viaturas se cruzassem.
11. No croquis do referido auto aparece assinalado como “Local provável do embate indicado por ambos os condutores”, a frente esquerda do veículo da agravante, o qual se encontra imobilizado contra o muro.
12. A condutora do veículo seguro na agravada prestou declarações à GNR, ao contrário do que disse em sede de julgamento.
13. O embate deu-se depois de o veículo da agravante ter embatido no muro e no poste.
14. Nesse mesmo auto, são citadas as declarações dos condutores envolvidos, nas quais a condutora do veículo segurado na agravada declara que quando viu o camião “travei de imediato tendo-se dado o embate”, o que vem de encontro ao depoimento em Tribunal do condutor do pesado.
15. A condutora do ligeiro não refere que foi arrastada para trás, o que não deixa de ser estranho, dada a importância que esse facto, a ter sido verdade – o que não se concede – teria para efeitos de determinação da responsabilidade.
16. Segundo o art. 712.º/1-b) do CPC – por aplicação remissiva do art. 749.º, “A decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, pode ser alterada pela Relação (…) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
17. Como escreve Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, citando Manuel de Andrade, “É o caso (…) de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória dum documento não impugnado nos termos legais”.
18. Foi exactamente o que se passou no caso sub judice, uma vez que nem as fotografias nem o auto da GNR juntos aos autos foram impugnados nos termos do art. 544.º do CPC.
19. A Sr.ª juíza olvidou-se de que o condutor do pesado foi indicado como testemunha por ambas as partes, enquanto a condutora do ligeiro só o foi pela agravada.
20. O depoimento, a ser considerado válido, só pode ser o do primeiro, que fez prova, quer pela requerente, quer contra a requerida – apesar de também ter sido indicado por esta.
21. Como nos termos do art. 515.º do CPC “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas”.
22. Quer as fotografias, quer o auto da GNR confirmam o depoimento da testemunha presencial que conduzia o veículo da agravante e desmentem a versão apresentada em juízo pela condutora do veículo segurado na agravada.
23. A Sr.ª Juíza devia ter decidido no sentido de atribuir à agravada a responsabilidade pelos danos sofridos pela agravante, concluindo pela procedência do requerido por esta.
24. Deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se por outra que defira o requerido pela requerente.
A agravada respondeu, pedindo a confirmação da decisão.
Esta não foi objecto de sustentação.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
IV.
Factos considerados provados na sentença:
1. No dia 17.5.2006, pelas 19,45, na Rua …………, freguesia de ………., concelho de Vila do Conde, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-BN-.., propriedade da requerente e conduzido por D………………, e o veículo ..-..-OX, conduzido pela sua proprietária, E……………..
2. À data do sinistro a requerente tinha transferido a sua responsabilidade sinistral para a Companhia de Seguros F……………, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5070/1173940.
3. E a proprietária do veículo OX tinha transferido a sua responsabilidade para a requerida, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º AU22134575.
4. No local do acidente a rua forma uma curva para a esquerda, no sentido Árvore – Fajozes e tem a largura de 7 metros.
5. No momento do acidente chovia e o piso estava molhado.
6. Nas referidas circunstâncias, o veículo da requerente circulava no sentido Árvore – Fajozes.
7. O veículo da requerida circulava na mesma via, no sentido Fajozes – Árvore.
8. Quando os veículos se encontravam a fazer a curva supra referida, ocorreu o embate entre a frente, sobre o lado esquerdo, do veículo OX e o lado esquerdo da frente do veículo BN.
9. O veículo BN embateu num poste de electricidade e imobilizou-se junto a um muro do seu lado direito.
10. O condutor do veículo BN exercia tal condução sob a direcção, no interesse e sob as ordens da requerente.
11. Momentos antes de se imobilizar, o veículo BN circulava a cerca de 60 km/hora e depois a cerca de 40 km/hora.
12. Na sequência do embate, o veículo da requerente sofreu danos ao nível da carroçaria, mecânica e electrónica.
13. A requerida invocou a peritagem para declarar a perda total do veículo, alegando que o valor deste é de € 17.000,00, e o respectivo salvado de € 3.214,00.
14. A requerente é uma sociedade da área da construção e obras públicas.
15. Tem neste momento a correr várias frentes de obra, com prazos para cumprir.
16. A requerente necessitava da viatura sinistrada para o exercício diário da sua actividade.
17. Para honrar os seus compromissos com os clientes, a requerente contratou os serviços de uma sociedade ligada ao seu ramo, denominada G…………………, Lda.
18. A qual dispõe de uma viatura com características similares às da sinistrada.
19. Essa viatura desempenhou as tarefas que eram realizadas pelo veículo sinistrado, designadamente transporte de terras de aterro e desaterro das obras de escavação e construção, bem como outros materiais.
20. Desde a data do sinistro até ao final do mês de Maio, a requerente pagou à sociedade G………………., Lda, a quantia de € 5.324,00.
21. Relativamente ao mês de Julho, a requerente pagou à sociedade G……………..., Lda a quantia de € 9.147,60.
22. Relativamente ao mês de Agosto, a requerente pagou à sociedade G……………...,Lda a quantia de € 9.583,20.
23. Será também devido o pagamento da factura relativa ao mês de Setembro.
24. A requerente reclamou o sinistro à requerida via fax, no dia 23.5.2006.
25. Na sequência da reclamação, a requerida abriu o respectivo processo de sinistro, o qual está ainda a correr termos sob o n.º 06U057732.
26. A requerente tem remetido à requerida os valores que tem vindo a pagar pelo aluguer do veículo pesado.
27. O pagamento do aluguer do veículo à sociedade G………….. tem vindo a trazer fortes dificuldades de tesouraria à requerente.
V.
Questões suscitadas no recurso:
\ Erro na apreciação da prova e consequente erro na decisão da matéria de facto;
\ Valor dos documentos juntos aos autos para efeitos de determinação do lugar onde ocorreu o embate e para sustentar o depoimento do condutor do veículo pesado;
\ Alteração da decisão da matéria de facto, no sentido de se atribuir à condutora do ligeiro a responsabilidade pela ocorrência do acidente e à agravada a responsabilidade pelos danos sofridos pela agravante.
1.
A composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: garantir um direito, definir uma regulação provisória, ou antecipar a tutela pretendida ou requerida. No primeiro caso, tomam-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; no segundo, as providências definem uma situação provisória ou transitória; no terceiro, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 227.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória que resulta quer da circunstância de corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependentes (art. 383.º/1), quer da sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção. A diferença qualitativa entre a composição provisória e a tutela atribuída pela acção principal decorre dos seus pressupostos específicos, nomeadamente, da suficiência da probabilidade da existência do direito acautelado ou tutelado para o decretamento da providência (art.s 384.º/1, 387.º/2, 403.º/2, 407.º/1 e 423.º/1). A suficiência da mera justificação como grau de prova exigido para o decretamento da providência constitui um sinal forte de uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que exige uma prova stricto sensu dos factos relevantes – ibid. p. 228.
A summaria cognitio é uma das características das providências cautelares, significando que nelas se faz uma apreciação sumária da situação através de um procedimento simplificado e rápido – ibid. p. 230.
Uma das consequências da summaria cognitio é que o grau de prova que é suficiente para a demonstração da situação que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente se basta com a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado, requerendo-se apenas uma mera justificação, embora mantendo-se as regras da repartição do ónus da prova.
Para o decretamento da providência cautelar basta a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência do direito, um fumus boni juris – ibid. p. 233.
2.
Postas estas considerações gerais, vejamos o caso concreto em apreciação.
Como adianta a agravante, para que a providência cautelar tivesse obtido uma decisão que lhe fosse favorável, necessário se tornava que, indiciariamente, se houvesse provado a culpa da condutora do veículo seguro.
Ora, o que aconteceu foi que se considerou que a culpa efectiva se não podia atribuir a nenhum dos condutores, pelo que se fez operar a culpa presumida do condutor do veículo da requerente, que o dirigia ao abrigo de uma relação comitente-comissário.
A situação em análise consiste numa audiência de julgamento em que se decidiu a matéria de facto com base em depoimentos de testemunhas, entre as quais se encontravam os condutores dos veículos intervenientes, não estando gravados os respectivos depoimentos, e ainda nos documentos juntos aos autos – cfr. fls. 126-127.
Como adverte Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, 4.ª ed., p. 260 e ss, na falta de gravação das provas oralmente produzidas, a sindicabilidade da decisão do tribunal de 1.ª instância pressupõe que todos os elementos onde o tribunal fundou a decisão impugnada estejam acessíveis à Relação, tal como o estiveram para o tribunal de 1.ª instância quando proferiu a decisão recorrida.
Daí que a Relação possa alterar a decisão da 1.ª instância quando a convicção do tribunal se formou apenas com base na apreciação de documentos, de depoimentos escritos, de relatórios periciais ou nas regras da experiência; mas já não o pode fazer quando o tribunal se baseou declaradamente noutros elementos oralmente produzidos ou constatados, como a inspecção judicial, mas que não ficaram registados no processo e cuja volatilidade impede o contacto com o novo órgão decisório.
Como resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal baseou-se manifestamente nos depoimentos testemunhais, pelo que, não tendo os mesmos sido objecto de registo magnético, não podemos sindicar a bondade da decisão, razão pela qual se tem de manter inalterada a matéria de facto.
Mas outra das circunstâncias que pode justificar a modificação da decisão, ocorre quando os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712.º/1-b) do CPC).
O autor citado, p. 261, afirma que na mencionada previsão do artigo se abarcam as situações em que o tribunal se defronta com elementos cuja força probatória plena não tenha sido abalada (v.g. documento autêntico cuja falsidade não tenha sido invocada, confissão reduzida a escrito ou produzida nos articulados, acordo das partes), com factos relativamente aos quais o tribunal recorrido tenha desrespeitado a prova legal ou com outros factos submetidos a regimes probatórios específicos, mas que não tenham sido assumidos pelo tribunal recorrido.
Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, p. 486, afirma que quando não tenha havido registo da prova produzida oralmente em audiência, continua naturalmente a Relação, ao sindicar a decisão de facto, a não poder dar como provada matéria que, em 1.ª instância, foi considerada não provada, salvo se ocorrer alguma das situações em que o n.º 1 do art. 712.º lhe faculta a alteração do decidido.
Miguel Teixeira de Sousa, o. c., p. 415, escreve que a Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão de 1.ª instância em duas situações: se o processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, o recorrente tiver cumprido o ónus de transcrição das passagens da gravação em que fundamenta o seu recurso (trata-se de referência á redacção anterior da alínea a) do n.º 1 do art. 712.º; se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712.º/1-b)). Nestes casos, os poderes da Relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (porque não há elementos novos trazidos ao processo) e de substituição (porque a Relação substitui a decisão recorrida).
O mesmo autor cita jurisprudência segundo a qual a Relação pode alterar o julgamento da matéria de facto se o tribunal da 1.ª instância não tiver considerado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais.
A recorrente defende que isso acontece com os documentos juntos aos autos, mormente com o croquis da GNR, e ainda com as fotografias.
As fotografias são, indubitavelmente, documentos particulares.
Estatui o art. 368.º do CC que «As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão».
As fotografias foram apresentadas pela requerida.
E não foram impugnadas pela requerente – cfr. acta de fls. 94.
Mas o que representam tais fotografias não impugnadas? A posição dos veículos após o acidente. Não documentam, naturalmente, a dinâmica do acidente, mas a estática que lhe é subsequente.
Na segunda das fotografias verifica-se que, em consonância com o croquis da participação, o veículo ligeiro se encontra voltado no sentido contrário ao que levava antes do embate, isto é, no mesmo sentido do camião. E também parecem ver-se destroços entre a roda da frente esquerda do camião e o local onde se encontra o ligeiro.
Destes elementos, a agravante retira a conclusão de que o embate se deu quando o pesado se encontrava já parado, tendo sido o ligeiro que nele foi embater, aí deixando parte dos destroços, e tendo rodopiado com a força do embate, de modo a ficar parado nas circunstâncias mencionadas.
É uma versão plausível, mas não a única, dado que o embate pode ter acontecido com ambos os veículos em andamento, tendo alguns destroços ficado agarrados ao rodado do pesado e sido arrastados por ele (se não são do próprio pesado). Aliás, esta é a versão do acidente relatada pela requerida na sua contestação, tendo sido como suporte dela que a mesma juntou as fotografias de fls. 69.
Dir-se-á, pois, que se as fotografias não demonstram a tese da seguradora, que as juntou, também não confirmam a tese da requerente, contra quem foram juntas.
Passemos à análise da participação do acidente de fls. 29 e 30.
Estamos perante um documento autêntico – art. 363.º/2 do CC.
A força probatória dos documentos autênticos está regulada pelo art. 371.º/1 que diz: «os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador».
Analisado esse documento, verificamos que o soldado participante não viu o acidente, e na respectiva descrição (fls. 29 v.º) reproduziu as declarações dos condutores intervenientes. A condutora do veículo seguro disse que “ao chegar à curva avistei o camião, tive de imediato a percepção que não cabia entre o camião e a parede, travei de imediato tendo-se dado o embate”, ao passo que o condutor do pesado disse que “em sentido contrário apareceu um veículo de frente, que embateu de frente não conseguindo desviar-se do meu veículo, tendo espaço do lado dela”.
Por conseguinte, a única coisa que o documento atesta é que os condutores disseram aquilo que dele consta, bem como as medições feitas pelo soldado.
Das mencionadas declarações nada se pode extrair no sentido de a culpa ter sido de um ou de outro dos condutores, porque ambos se atribuem a responsabilidade pela ocorrência. Com efeito, quando a condutora do ligeiro diz que não cabia entre o camião e a parede só pode querer dizer que o camião lhe não deixou espaço para passar.
Quanto ao croquis de fls. 30, o mesmo não está feito à escala e o sítio onde se assinala o local provável do embate não está referenciado metricamente nem relativamente ao limite da via do lado direito, atento o sentido do camião, nem relativamente ao limite do lado esquerdo, atento o mesmo sentido. E também se não coaduna com a versão do acidente apresentada pela seguradora.
A que se encontra assinalada é a distância da parte lateral traseira esquerda do camião ao limite esquerdo da via, atento o seu sentido (C), com 3,50 metros. O que significa que o camião, já completamente encostado á sua direita, após o embate, pelo menos com a sua traseira, chegava precisamente ao eixo da via, que tem 7 metros de largura (H).
Menciona-se, ainda, o “local provável” do embate. Todavia, “local provável”, mesmo indicado por ambos os condutores (cfr. fls. 30, descrição do croquis), não é local certo.
Desta forma, pela mera análise desses documentos não se pode dizer qual dos condutores desrespeitou as regras estradais.
Concluímos, assim, que os documentos em causa não quadram à previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 712.º, não impondo decisão da matéria de facto diversa da tomada.
3.
No entanto, mesmo que houvesse lugar à alteração da matéria de facto, deparávamos com um problema de outra ordem.
Com efeito, a requerente pretende antecipar a tutela que há-de resultar da acção definitiva, mediante duas solicitações: pedindo a condenação da requerida no pagamento, a título de reparação provisória do dano, da quantia de € 30.000,00, como 1.ª prestação, fixando-se as prestações seguintes em € 10.000,00, a serem pagas mensalmente; devendo a requerida ser condenada, ainda, a pagar-lhe a reparação da viatura ou, em caso de perda total, o valor que tiver de despender na aquisição de uma viatura equivalente à mesma e cujo custo de aquisição foi de € 25.000,00, acrescido de IVA.
A primeira parte do pedido consiste no arbitramento de uma quantia certa mensal.
Ora, como afirma Abrantes Geraldes, o. c., IV, 2.ª ed., p. 132 e ss., a providência cautelar prevista no art. 403.º a 405.º do CPC é subsidiária dos alimentos provisórios, tentando obviar à incapacidade reconhecida à tutela jurisdicional de prevenir todas as consequências danosas ou de assegurar a restitutio in integrum.
Destina-se a suprir necessidades fundamentais, a tutelar eficazmente certos direitos de personalidade, pretendendo atenuar as consequências de lesões já verificadas pelo facto ilícito.
Nesta tutela antecipada de direitos, o legislador restringiu a atribuição da reparação provisória aos danos resultantes da morte ou lesão corporal, pelo que outros danos não abarcados pelo art. 403.º têm de aguardar pela decisão final da acção principal, onde haverá uma discussão alargada dos pressupostos da responsabilidade civil, a não ser que seja possível integrar a pretensão na norma do art. 381.º ou nos requisitos gerais das providências cautelares.
Estende, ainda, a lei a providência aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de pôr seriamente em risco o sustento ou a habitação do lesado (n.º 4 do art. 403.º).
Estamos, pois, perante bens fundamentais, a justificar o arbitramento de reparação provisória.
Ora, não é isso que está invocado nos autos, mas danos de natureza patrimonial que, apesar de importantes para a requerente, não assumem aquela grandeza, pelo que a reparação natural só pode resultar da discussão definitiva do litígio.
Vemos, assim, uma outra impossibilidade para a pretensão respeitante à reparação provisória.
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e confirma-se a sentença.
Custas pela agravante.
Porto, 03 de Maio de 2007
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira