PREVARICAÇÃO
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
PERDA DE VANTAGENS OBTIDAS COM O CRIME
ARTºS 11 DA LEI 34/87
DE 16.07 E 110º
Nº 1
B) E 11º
DO CP
Sumário


1.Para que se verifique a prática do crime de prevaricação, previsto no art. 11 da Lei 34/87 de 16.07 e punido também com perda de mandato, além da atuação consciente e contra direito, terá o tribunal de poder afirmar, inequivocamente, que o objetivo da atuação do titular do cargo político foi prejudicar ou beneficiar alguém, isto é, que não teve o interesse público a justificá-lo.

2.Sem prejuízo dos direitos de terceiro (art. 111º do Código Penal), no caso de condenação pela prática de um crime, a perda de vantagens obtidas com aquela prática decorre direta e automaticamente da lei penal ( art. 110 nº1 b)), não podendo o juiz equacionar a sua não aplicação.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que, com o nº 103/14.4TACBT, corre termos no Juízo Central Criminal de Guimarães foi decidido:

- Condenar os arguidos J. M. e I. C. pela prática de um crime de prevaricação de titular de cargo político p.p. nos termos do disposto no artigo 11º da Lei 34/87 de 16 de Julho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos) por referência ao disposto nos artigos 3º, nº 1, alínea i) do mesmo diploma, cada um, na pena de três anos de prisão;
- Suspender a execução da pena por igual período;
- Decretar a perda do mandato dos arguidos J. M. e I. C.;
- Julgar improcedente o pedido de declaração de perda de vantagem a favor do Estado, dele absolvendo os arguidos;
- Condenar os arguidos ao pagamento das custas do processo, com taxa de justiça fixada, individualmente, em 5 Ucs.

Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos e o Ministério Público para este Tribunal da Relação, concluindo a respetiva motivação do seguinte modo:

-Conclusões apresentadas pelo arguido J. M. (transcrição):

1.O Recorrente impugna a matéria de facto decidida pelo acórdão recorrido, nos termos do disposto no artº 412º nº 3 CPP.
2. Os concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados são aqueles que o acórdão recorrido julgou como não provados.
3. Tais factos, no entendimento do Recorrente têm que ser considerados provados pelo
Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e que são os seguintes:

- Os arguidos concluíram que seria impossível a satisfação das necessidades do serviço de finanças do município somente com a colaboração dos funcionários da autarquia, sendo fundamental recorrer a apoio externo para assessorar essa área.
- O Departamento Financeiro da autarquia, face ao escasso número de funcionários e a ausência de técnicos superiores qualificados não tinha possibilidade de proceder elaboração do plano de saneamento financeiro, tendo sido equacionada a necessidade de contratar uma empresa que elaborasse esse plano;
- Atendendo à relação familiar que tinha com A. S., o arguido J. M. comunicou que não iria participar na discussão e na decisão de contratar, deixando o assunto entregue aos referidos eleitos e empossados Vereadores;
- O arguido J. M. não teve mais intervenção nesse assunto e só veio a saber mais tarde e já depois do acto de investidura, através de conversa com o co arguido, que este, em conjunto com o Prof. C. P., haviam decidido contratar o Dr. A. S., pois entendiam ser uma inquestionável mais valia para o Município, quer pelo conhecimento técnico que o mesmo detinha relativamente aos assuntos financeiros da Câmara, quer pela experiência adquirida durante o exercício de funções de Presidente da Câmara.
- O arguido J. M. assinou os documentos nos pontos 12 e 15 da acusação, sem saber que respeitavam à contratação de seu pai;
- Só dias mais tarde, após a investidura, é que o arguido J. M. soube, através de conversa com o Vice-Presidente da Câmara, que tinha sido decidida, na tal reunião conjunta dos Vereadores, a contratação dos serviços do seu pai;
- O arguido J. M. desconhece por que motivo e quando foi constituída
a referida sociedade, bem como as razões que determinaram ter sido esta a adjudicatária para a prestação de serviços;
- O arguido J. M. desconhecia a existência da sociedade comercial denominada “Casa do P.”, que essa sociedade era participada pelo seu pai e que o seu pai constituíra essa sociedade escassos dias antes do início do procedimento;
- O arguido desconhecia que a contratação de seu pai (o próprio e não a sociedade, cuja existência desconhecia) lhe pudesse vir a ser submetida a despacho, trazida por funcionário para assinar, tendo em conta o seu já descrito propositado alheamento dessa eventual contratação.
- A denominação “Casa do P.” não corresponde a qualquer denominação de família do arguido, pelo que esse nome não lhe era familiar;
- O Dr. A. S., na execução do contrato de prestação de serviços, desempnhou as tarefas seguintes: teve reuniões diversas com os serviços de contabilidade para construção de cenários da receita previsível para ano seguinte reuniões com as chefias dos departamentos e divisões para recolha de informação das obras em curso e recursos financeiros para a sua execução no ano seguinte, reuniões com os membros do executivo para o elencar das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, procedeu à análise da evolução da execução do orçamento e do cumprimento do equilíbrio orçamental, teve reuniões com os serviços e membros do executivo Deu apoio na preparação e elaboração de mapas e informações que constam da Prestação de Contas e na preparação e elaboração do Relatório e Contas, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, fez análise e acompanhamento do nível de endividamento do município, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, deu apoio na preparação da informação a remeter à empresa A. F., responsável pela elaboração do Plano de Saneamento Financeiro, teve reuniões com os serviços, membros do executivo e colaborados A. F. e fez acompanhamento da execução dos pagamentos previstos com o Plano de Saneamento Financeiro (cerca de 11.400.000,00€) e acompanhamento da implementação dos objectivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro e deu apoio na elaboração dos Relatórios Semestrais de Saneamento Financeiro e acompanhamento da implementação dos objetivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro;
- No decurso da execução do contrato foram executadas pelo Dr. A. S., designadamente, as seguintes tarefas e serviços: apoio na elaboração do orçamento e PPI (Plano Plurianual de Investimentos); Apoio no controle daexecução do orçamento e PPI; Articulação dos diversos serviços do Município,no sentido de um melhor cumprimento do orçamento e PPI; Apoio naelaboração de alterações ao orçamento e PPI; Apoio no controle do equilíbrioorçamental; Apoio na elaboração do relatório de contas e prestação de contas;
Análise e controle das dívidas a fornecedores; Apoio na preparação do plano de pagamento a fornecedores; Apoio na inventariação do património do Município; Apoio no controle das existências em armazém; Apoio na preparação de informação para a elaboração do Plano de Saneamento Financeiro; Apoio nocontrole dos pedidos de pagamento aos Fundos Comunitários;
- A contribuição do Dr. A. S. para elaboração do saneamento financeiro possibilitou que o plano tivesse sido aprovado e obtido o visto pelo Tribunal de Contas.
- O quadro de pessoal da divisão de finanças da Câmara era insuficiente para o processamento do expediente corrente do Município;
- O serviço de finanças não estava dotado de meios materiais e humanos que viabilizassem a preparação do plano de saneamento financeiro;
- A preparação do plano de saneamento financeiro, como a preparação do plano plurianual de investimentos, exigiam conhecimentos e qualificações específicos, não disponíveis no mercado;
- A contratação de técnicos especializados, mas desconhecedores da realidade municipal, implicaria um gasto de tempo, e um dispêndio de verbas muito superior à despesa contratada;
- A celebração do contrato de prestação de serviços permitiu, por um valor muito inferior ao de mercado, e com adequada celeridade, dotar a autarquia com os serviços de um quadro qualificado pelo conhecimento e pela experiência, o que tornou viável a preparação do plano de saneamento financeiro com grande celeridade;
- Foi graças aos serviços contratados que o plano de saneamento financeiro foi aprovado e implementado ao longo dos anos, com rigor e sucesso.
- Os serviços contratados foram prestados à vista de toda a gente, diariamente durante o período de vigência do contrato e em total articulação com os serviços municipais, tendo a utilidade da contratação dos serviços sido identificada pelo arguido I. C. e decidida em articulação de vontades com o Vereador C. P.;
- Ao decidir pela celebração do contrato de prestação de serviços o arguido I. C. teve, exclusivamente, em vista servir os interesses públicos da autarquia;
4. O Recorrente pretende que todos estes sobreditos factos, que foram julgados não provados pelo Acórdão recorrido, sejam julgados PROVADOS pela Relação de Guimarães.
5. A fundamentação para esta pretendida alteração consiste no depoimento das seguintes testemunhas: A. P., P. M., C. F., A. T., G. L., J. A., com a fundamentação nos respectivos depoimentos, e os documentos juntos aos autos.
6. Deste modo, verifica-se destes depoimentos que , no decurso de uma reunião de trabalho, o Recorrente o co-arguido e o Prof. C. P. foi aventada a hipótese de o Dr. A. T., ser contratado para a área financeira da autarquia.
7. De imediato, e atendendo à sua relação familiar com o Dr. A. T. , que é seu pai, o Recorrente comunicou expressamente aos demais intervenientes nessa reunião que não iria participar, nem nessa discussão nem na consequente decisão, não tendo mais qualquer intervenção nesse assunto.
8. O Recorrente veio a saber mais tarde e já depois do acto de investidura, da decisão dessa contratação.
9. O Recorrente não teve conhecimento da constituição da sociedade “Casa do P.,Ldª, nem da decisão de contrratação de uma empresa pois estava convicto que o seu pai iria ser contratado por decisão dos outros vereadores.
10. A fundamentação quanto a estes factos também consiste no teor dos documentos de fls 1246 a 1248 e 1053,1054,1055,1056 do 4º Volume dos autos, os quais consistem nos certificados de admissibilidade de firma da sociedade “Casa do P.”.
11. Com efeito e para a constituição da empresa, esses documentos evidenciam a seguinte cronologia quanto á actuação da testemunha A. S. :
- 29.10.2009 - requisição do certificado
- 4.11.2009- emissão e recepção certificado
- 5.11.2009 - a empresa foi constituída
- 9.11.2009 - despacho e convite
- 10.11.2009 - proposta
- 11.11.2009 - despacho adjudicação do Engº I. C.
- 15.01.2010 - contrato
- 16..11.2009 cabimentação
12. Esses documentos demonstram que a empresa havia sido constituída com uma primeira requisição de denominação, contendo três nomes que foram rejeitados pelo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC)E, só tendo sido aprovado o nome numa segunda requisição em 29.10.2009, a qual continha outros três nomes, sendo a denominação “Casa do P.” o segundo nome indicado nessa segunda requisição, portanto, a quinta escolha nas duas requisições da testemunha A. S..
13. Quando o pai do Recorrente decidiu constituir a empresa, ele próprio não poderia adivinhar que a denominação aprovada pelo RNPC seria a de “Casa do P.,Ldª”.
14. Há evidencia de verosimilhança e credibilidade que, em tão curto espaço de tempo, e constituindo a 5ª escolha nas duas requisições de nomes de empresa, que o Recorrente não tivesse tido conhecimento que a denominação “Casa do P.” era o nome de uma empresa de seus pais.
15. É credível que o Recorrente J. M. não poderia ter tido conhecimento da constituição da aludida empresa, nem da respectiva denominação social associando-a a seu pai, dada a sucessão de actos praticados num curto espaço de tempo, de escassos dias.
16. É verosímil que o arguido J. M. tenha assinado os documentos referidos nos pontos 12 e 15 da acusação, sem saber que respeitavam à contratação de seu pai.
17. O que é comprovado por prova documental, designadamente no ofício subscrito pelo Recorrente enviado à sociedade “Casa do P., Ldª “, contém no fim da 2ª página contratação pretendida não tinha por objecto principal a Prestação de Serviços de dois assistentes operacionais – que garantam o funcionamento dos serviços Espaço internet/ Leitura presencial / Empréstimo domiciliário disponibilizados no Pólo da Biblioteca Municipal Prof. M. S. sito na Gandarela, o que se trata de um erro evidente.
18. Daí que se pode concluir com toda a certeza que o Recorrente não leu, nem pode ter lido, esse ofício que assinou.
19. Se o Recorrente tivesse lido tal ofício teria detectado esse clamoroso erro que consistia na definição do objecto da prestação de serviços e que era a objecto principal a Prestação de Serviços de dois assistentes operacionais – que garantam o funcionamento dos serviços Espaço internet / Leitura presencial / Empréstimo domiciliário disponibilizados no Pólo da Biblioteca Municipal Prof. M. S. sito na Gandarela.
20. Esta pretendida alteração da matéria de facto alicerça-se no conjunto de depoimentos sobreditamente enunciados e nos documentos pertinentes que a sentença refere, designadamente:de fls. 1 a 26, de fls. 11 a 35, de fls. 17., de fls. 20, 288 e segs, 318 e segse os documentos juntos pela testemunha A. S. na instrução e na audiência de julgamento.
21. O contrato celebrado com a sociedade reconduz-se à contratação do Dr A. T..
22. Essa sociedade exercia actividade apenas com o trabalho do Dr A. S..
23. O objectivo do co–arguido Engº I. C. e dos restantes vereadores foi, precisamente o de contratar o Dr A. S. e que fosse este a efectuar a colaboração, pessoalmente à autarquia.
24. A testemunha A. P. informou a testemunha A. S. que o artigo 35.º da LVCR (Lei nº 12-A/2008 de 17.02) impunha a obrigatoriedade da contratação de empresas em detrimento de pessoas singulares para os contratos de prestação de serviços.
25. Daí que essa testemunha tenha utilizado essa empresa para efectuar a proposta contratual ao convite , indicando a sua denominação à testemunha A. P..
26. Desde que celebrou o contrato e até à respectiva cessação, o Dr A. S. desempenhou funções diariamente, na Câmara Municipal X, tendo-lhesido atribuído gabinete de trabalho.
27. Diariamente e durante os anos em que vigorou o contrato, o Dr A. S. comparecia no seu gabinete de manhã e até ao fim do dia, o que era do conhecimentode todos os funcionários, autarcas, eleitos locais.
28. O Dr A. S. desempenhou tarefas e funções descritas na presentemotivação, designadamente:
29. Teve reuniões diversas com os serviços de contabilidade para construção de cenários da receita previsível para ano seguinte reuniões com as chefias dos departamentos e divisões para recolha de informação das obras em curso e recursos financeiros para a sua execução no ano seguinte, reuniões com os membros do executivo para o elencar das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, procedeu à análise da evolução da execução do orçamento e do cumprimento do equilíbrio orçamental, teve reuniões com os serviços e membros do executivo Deu apoio na preparação e elaboração de mapas e informações que constam da Prestação de Contas e na preparação e elaboração do Relatório e Contas, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, fez análise e acompanhamento do nível de endividamento do município, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, deu apoio na preparação da informação a remeter à empresa A. F., responsável pela elaboração do Plano de Saneamento Financeiro, teve reuniões com os serviços, membros do executivo e colaborados A. F. e fez acompanhamento da execução dos pagamentos previstos com o Plano de Saneamento Financeiro (cerca de 11.400.000,00€) e acompanhamento da implementação dos objetivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro e deu apoio na elaboração dos Relatórios Semestrais de Saneamento Financeiro e acompanhamento da implementação dos objetivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro.
30. No decurso da execução do contrato de prestação de “consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão” foram executadas pelo Dr A. S., designadamente, as seguintes tarefas e serviços:

Apoio na elaboração do orçamento e PPI (Plano Plurianual de Investimentos);
• Apoio no controle da execução do orçamento e PPI;
• Articulação dos diversos serviços do Município, no sentido de um melhor cumprimento do orçamento e PPI;
• Apoio na elaboração de alterações ao orçamento e PPI;
• Apoio no controle do equilíbrio orçamental;
• Apoio na elaboração do relatório de contas e prestação de contas;
• Análise e controle das dívidas a fornecedores;
• Apoio na preparação do plano de pagamento a fornecedores;
• Apoio na inventariação do património do Município;
• Apoio no controle das existências em armazém;
• Apoio na preparação de informação para a elaboração do Plano de Saneamento
Financeiro;
• Apoio no controle dos pedidos de pagamento aos Fundos Comunitários;
31. O processo de saneamento financeiro levado a efeito pela Câmara Municipal X resultante da actividade desenvolvida pela adjudicatária, determinou a celebração de um contrato de empréstimo, que foi aprovado pela Câmara Municipal a 25 de Junho de 2010, pela Assembleia Municipal em 30 de Junho de 2010, e visado pelo Tribunal de Contas a 17 de Setembro de 2010 .
32. A contribuição do Dr A. S. para elaboração do saneamento financeiro possibilitou que este plano tivesse sido aprovado e obtido o visto pelo Tribunal de Contas.
33. O Recorrente e entende que alguns factos que foram incorrectamente julgados e que e que são aqueles que o acórdão recorrido julgou como provados, e que são os seguintes:

6- Com vista a atribuir-lhe benefícios económicos os arguidos acordaram contratar A. T. para exercer funções de consultor nas áreas das finanças, economia e gestão na Câmara Municipal X mediante o pagamento de remuneração que por este seria decidida;
7- A. T. é professor primário aposentado e não lhe é conhecida formação académica ou técnica nas áreas de economia, finanças, gestão ou contabilidade, publicas ou privadas;
8- Na Câmara Municipal X existia já um núcleo ou departamento com funções na área financeira e de contabilidade do Município organizado nos serviços de gestão e finanças com funcionários que se dedicavam ao acompanhamento destas matérias;
9- Não obstante a existência deste departamento, o arguido J. M., no exercício das suas funções de Presidente da Câmara X, em execução do referido plano, proferiu um despacho em 06 de Novembro de 2009 em que determinou a “abertura de um procedimento de ajuste directo, previsto no art.º 112° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec. Lei 18/2008 de 29 de Janeiro, que tem por objecto principal a “Prestação de Serviços em regime de avença de consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento, prestação e relatório de contas, bem como que articule a execução do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais”, pelo prazo de 12 meses, nos termos do Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro e demais legislação aplicável”;
10- Nesse mesmo despacho de 06 de Novembro o arguido J. M. determinou igualmente que para aquele serviço se deve efectuar o pedido de proposta unicamente à empresa “Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda.” com sede em lugar …, X, NIF ...;
11- Nesse despacho de abertura de um procedimento de ajuste directo, onde o arguido considerou a complexidade das regras de contabilidade e finanças do Município como motivo da contratação, não indicou o arguido J. M. as razões pelas quais a proposta deveria ser apresentada exclusivamente à empresa “Casa do P. Lda.”;
12- No dia 09 de Novembro de 2009, dia útil seguinte após ter sido proferido o citado despacho de abertura de procedimento, os arguidos elaboraram ou mandaram elaborar o ofício “Ajuste directo” dirigido à empresa “Casa do P. Lda.”, que nesse mesmo dia foi assinado pelo arguido J. M., na qualidade de presidente da Câmara, onde convidava a empresa Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda. a apresentar proposta para adjudicação do seguinte serviço: “Prestação de Serviços em regime de avença de consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento, prestação e relatório de contas, bem como que articule a execução do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais”;
13- No referido convite à contratação apresentado à empresa Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda. pelo Município X não foi indicado o preço base nem foi efectuada qualquer estimativa de despesa;
14- Pelo contrário, estabeleceu-se que a entidade convidada deverá indicar na proposta as condições em que se dispõe a contratar, indicando o preço e as condições de pagamento, bem como o prazo para execução do serviço;
15- Estabeleceu-se ainda que o prazo para apresentação da proposta de contratação terminaria no dia seguinte, consignando-se que: “as propostas deverão ser entregues até às 17:00 horas do dia dez de Novembro de 2009.”;
16- Os arguidos, ou alguém a mando destes, entregaram em mão a A. T., representante legal da empresa “Casa do P. Lda.” e pai do arguido J. M., o convite para apresentar proposta de adjudicação do dito serviço;
17- No dia 10 de Novembro de 2009, dia seguinte àquele em que foi elaborado o ofício de ajuste directo, a empresa “Casa do P. Lda.”, representada por A. T. apresentou, na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo arguido J. M. na qualidade de Presidente da Câmara, a proposta de prestação de serviços de “Assessor financeiro” onde constavam as seguintes condições:
- A empresa obriga-se a executar os serviços de assessoria de acordo com os termos do referido convite;
- O preço do serviço será de 1.750 (mil setecentos e cinquenta euros) acrescidos de IVA;
- “As condições de pagamento são: em 12 prestações devendo o pagamento ser efectuado no 20.º dia do mês correspondente à prestação do serviço”
- “Prazo de entrega/execução: imediato/horário de funcionamento dos serviços”.
30- Não foi igualmente possível apurar a existência de qualquer serviço efectiva e especificamente prestado pelo progenitor do arguido J. M. durante a vigência do contrato de prestação de serviços, nomeadamente quais os assuntos em que efectivamente interveio, ou quais os pareceres, informações ou relatórios que tenha elaborado no exercício do serviço de consultoria para que foi contratdo;
33- Com a contratação da sociedade “Casa do P. Lda.” os arguidos tinham como objectivo exclusivo garantir a contratação pessoal de A. T., progenitor do arguido J. M., mediante o pagamento dos referidos valores, o que lograram alcançar;
34- Foi o arguido J. M. quem assinou o acto decisório que deu início ao procedimento, e foi igualmente este arguido que determinou a escolha do procedimento – ajuste directo – e a escolha da sociedade que pertencia aos seus progenitores como a única entidade a contratar;
36- O arguido J. M. passou igualmente a exercer ele próprio a qualidade de sócio da sociedade “Casa do P. Lda.” em 04 de Novembro de 2013, por doação da sua progenitora de uma quota no valor nominal de trezentos e setenta e cinco euros;
38- Os arguidos não fixaram qualquer limite máximo de vigência no contrato celebrado;
39- Os arguidos, em especial o arguido J. M., na qualidade de decisor do tipo de procedimento a adoptar, estava impedido por essa razão, de adoptar o procedimento de ajuste directo para a contratação almejada;
40- Os arguidos estavam impedidos de proceder à contratação desta empresa nos termos em que o fizeram, sem fundamentar a sua decisão quanto ao convite a uma única entidade, nomeadamente porquanto:
- não resultava da matéria objecto de contrato qualquer especificidade, especial complexidade ou exigência conexa com as matérias e serviços em causa que autorizassem concluir que a sociedade convidada fosse a única no mercado apta a prestá-los.
- não resultava, por outro lado, qualquer especial aptidão desta sociedade ou de algum dos seus funcionários ou gerentes (o que não foi sequer ponderado nos elementos do concurso) relativamente a matérias de economia gestão finanças e contabilidade.
- inexistiam quaisquer motivos impeditivos de que o serviço em causa pudesse vir a ser prestado por outros profissionais especialistas na matéria a operar no mercado.
41- Em consequência da conduta dos arguidos, e tal como pelos mesmos almejado, foram abonadas a A. T. através da sociedade “Casa do P. Lda.” as quantias pecuniárias referidas que, em condições de observância legal das regras dos impedimentos dos titulares de cargos públicos e do respeito pelas normas da contratação pública, designadamente da livre concorrência, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não auferiria;
42- De modo a alcançar o desiderato entre ambos fixado de contratar o progenitor do arguido J. M., e no âmbito da respectiva esfera de competência, os arguidos conferiram uma aparência de legalidade ao procedimento adjudicatório, indicando o nome de uma sociedade constituída no dia anterior ao início dos procedimentos, e concluindo o concurso realizado no prazo de três dias uteis, mediante a subversão do referido regime legal, norteando a sua conduta pelo escopo último de beneficiar A. T., progenitor do arguido J. M. e pessoa do círculo de relações pessoais, profissionais e político-partidárias do arguido I. C.;
43- Bem sabiam os arguidos que estavam impedidos de intervir em procedimento de contratação do progenitor do arguido J. M.;
44- Os arguidos actuaram no contexto do acordo entre ambos celebrado e com base, apenas, nas relações de proximidade existencial e político-partidária acima referidas.
45- Pelo que os arguidos não fundamentaram, em qualquer momento do procedimento contratual, de facto e de direito, as razões que motivavam a adjudicação directa determinada, como obrigatoriamente se impunha face aos normativos legais vigentes em matéria de contratação pública;
46- O que, atenta a natureza dos serviços visados não sucedia no caso concreto, nada obstando à definição de especificações do contrato, nomeadamente padrões qualitativos das potenciais propostas, designadamente logo ao nível da própria aptidão técnica do prestador do serviço definida por parâmetros curriculares.
47- Os arguidos omitiram nos seus despachos supra referidos tal fundamentação, por não existir, em concreto, qualquer razão atendível para uma inviabilização do recurso a uma modalidade concorrencial de contratação;
48- A que acresce que não existia qualquer razão fundada em critérios de qualidade ou de preço para que fosse contratada a sociedade pertencente aos progenitores do arguido J. M., sendo tal contratação motivada exclusivamente pelas razões de proximidade pessoal supra mencionadas;
49- Os arguidos contrataram a empresa pertencente ao progenitor do arguido J. M. com consciência que nas suas descritas condutas actuavam na qualidade de Presidente e Vice-Presidente da Camara Municipal X bem sabendo que assumiam funções públicas e politicas e ainda que com os comportamentos que assumiram se desviavam dos seus deveres funcionais em violação das normas vigentes no ordenamento jurídico a que estavam vinculados;
50- Não tendo os arguidos J. M. e I. C. observado a prossecução do interesse público e da optimização das necessidades colectivas que norteia a execução de contratos de aquisição de bens e de serviços por parte das autarquias locais actuando por outro lado com o propósito comum de proporcionar a A. T., através da contratação de uma sociedade comercial que lhe pertencia, um tratamento favorável aos seus interesses particulares de natureza patrimonial, igualmente ao nível da execução do contrato, como descrito;
51- Ao adoptarem as condutas supra descritas, os arguidos actuaram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e na sequência de um acordo entre estes firmado, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e aos impedimentos nesta matéria em razão dos vínculos familiares, as quais deliberadamente decidiram não acatar no procedimento de adjudicação do contrato acima referido;
52- Visando, com a respectiva conduta, favorecer patrimonialmente A. T., com base em relações de proximidade familiar e pessoal, em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios que norteiam a contratação pública;
53- Os arguidos actuaram bem sabendo que a respectiva conduta era adequada a abonar o progenitor do arguido J. M. de quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da livre concorrência, legalidade, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir;
54- Mais actuaram sabendo que a referida conduta era lesiva dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estarem incumbidos de defender no âmbito das adjudicações e contratos em que intervieram;
55- Os arguidos actuaram em todas as situações supra descritas de forma livre voluntária e consciente, sabendo proibida e punida por lei a respectiva conduta
.
34. Tais factos, têm que ser considerados NÃO PROVADOS pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, com a fundamentação no depoimento das testemunhas P. M., G. L., J. A..
35. O acórdão recorrido desvalorizou totalmente os depoimentos das testemunhas cujos depoimentos, sobreditamente, se encontram transcritos , incorrendo em erro notório na apreciação da prova
36. Diz o douto acórdão recorrido que as testemunhas que corroboraram a versão dos arguidos são pessoas que lhes são próximas e têm com eles uma afinidade que resulta de trabalharem ou terem trabalhado em conjunto na câmara, devendo o seu depoimento ser, por essa razão, apreciado com particular cautela.
37. Ao contrário do decidido, as testemunhas A. P. e , G. L. já não trabalham com o arguido , pois a primeira há três anos deixou de trabalhar na autarquia e a segunda aposentou-se em 2011 .
38. As testemunhas J. A. e P. M. e C. P. , apesar de ainda trabalhar na autarquia, depôs de forma isenta e imparcial não se vislumbrando nos seus depoimentos qualquer indício de tentarem favorecer o Recorrente.
39. Esta ausência de valoração dos depoimentos destas testemunhas afigura-se, absurda, ilógica e atentatória das regras da experiência comum.
40. Afigura-se absurda e ilógica a conclusão de que as testemunhas da defesa não tivessem feito os seus depoimentos com seriedade, honestidade intelectual, com conhecimento directo dos factos , tendo pessoalmente presenciado e participado nos factos que descreveram, tendo sido actores principais da realidade fáctica que descreveram.
41. As regras da experiência comum demonstram que os funcionários públicos têm umapostura de verticalidade de carácter quando são inquiridas no tribunal, até porque estão eivadas de formação funcional de serviços púbico e no interesse público.
42. Em contraponto, todas as testemunhas da acusação demonstraram que percepcionaram os factos tendo em conta a análise técnica dos documentos, não tendo presenciado qualquer situação fáctica à data dos factos imputados ao arguido pela pronúncia.
43. No acórdão recorrido ocorre violação das regras de experiência comum, pois o conhecimento “técnico” dos documentos é totalmente insuficiente para alicerçar , fundamentar e motivar a decisão sobre matéria de facto que o acórdão recorrido efectuou, designadamente quanto aos factos que julgou como provados e que vêm impugnados no presente recurso.
44. Deste modo, ocorreu erro notório na apreciação da prova pois perante os factos provados pelo acórdão recorrido, e a motivação explanada torna-se evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum - alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.
45. O Acórdão recorrido interpretou a prestação de serviços contratada como se de uma contratação de jurista se tratasse, pois os juristas emitem pareceres e é esse o resultado da sua actividad, o mesmo não sucedendo na prestação de serviços contratada que consiste em tarefas avulsas e em actividade intelectual que não necessita de emissão de pareceres técnicos.
46. As referidas testemunhas frisaram que na área financeira elas próprias não assinam documentos.
47. A única diferença que existe entre as tarefas das testemunhas e a prestação de serviços contratada consiste no facto de aquelas procederem a manuseamento do sistema informático com senha própria de funcionários públicos , o que está vedado a contratados mediante prestação de serviços.
48. A valoração da prova efectuada pelo acórdão recorrido é ilógica, arbitrária – porque não tem arrimo, ainda que mediatamente, a qualquer tipo de prova, nem por inferência de qualquer facto provado – e notoriamente violadora das regras da experiência comum - alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.
49. As testemunhas indicadas pela acusação não fizeram depoimentos isentos e com conhecimento directo dosa factos , pelo que têm que ser objecto de desvalor.
50. A contratação obedeceu ao estatuído na legislação da contratação pública.
51. De acordo com o n.º 2 do artigo 112.º do CCP, o ajuste direto é o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade, à sua escolha, a apresentar proposta, tendo como um dos critérios para sua adopção o do valor (artigos 17º a 22º CCP).
52. Para aquisição de serviços os arguidos apenas poderiam recorrer a ajuste directo para celebração de contratos de valor inferior a 75 000€, (artigo 20.º n.º 1 al. a) do CCP.
53. A fundamentação da decisão de contratar está expressa no despacho datado de 6.11.2009 subscrito pelo Recorrente.
54. O acórdão recorrido não interpretou correcta e legalmente este despacho e o dever de fundamentação dos actos administrativos.
55. Na decisão de contratar está expresso o prazo do contrato ,que é de 12 meses, e a verdade é que o limite temporal do contrato nunca poderia exceder os três anos de vigência do contrato, - incluindo prorrogações – cfr no artigo nº1, do artigo 440º do CCP, aplicável ex vi do artigo 451º do mesmo compêndio normativo.
56. A Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto ( Incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos) determina no seu artº 8.º os impedimentos aplicáveis a sociedades, que ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas públicas, o que não é o caso dos autos, onde o contrato não tem esse objecto.
57. O arguido foi já, julgado na jurisdição administrativa, pelos mesmos factos que constam da pronúncia, através de acção administrativa especial , que o Mº Pº instaurou sob o nº 593/15.8BEBRG pelo TAF de Braga.
58. Essa acção foi instaurada pelo Mº Pº contra o aqui arguido Recorrente pelos mesmos factos que lhe foram imputados na pronúncia , ao abrigo do artº 9º da Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto (Lei da Tutela Administrativa) e na qual era peticionada a sanção de perda de mandato do Recorrente e foi julgada improcedente por acórdão proferido pelo TCA Norte datado de 6.11.2015, pelo facto de ter sido instaurada depois de decorrido o prazo de cinco anos contados desde a prática da factualidade imputada ao aqui Recorrente nos termos do artº 11º nº 4 dessa Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto.
59. No presente processo criminal consta certidão desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que transitou em julgado a fls 442 do 2º volume dos presentes autos está junta certidão do TCA Norte, contendo: certidão da sentença de 1ª instância do TAF de Braga a fls 443 e certidão de Acórdão do TCA Norte a fls 443.
60. O Recorrente não deve ser condenado em perda de mandato por via do instituto do caso julgado, e em obediência ao artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República, em imediata obediência por força do disposto no art. 18°, n.º l da Constituição da República Portuguesa.
61. A excepção de caso julgado materializando o citado art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) é uma causa de extinção da acção penal, constituindo um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).
62. O efeito do caso julgado material daquela decisão da jurisdição administrativa manifesta-se no processo penal, e para o futuro, impedindo a existência de um ulterior julgamento sobre os mesmos factos, a aplicação da mesma sanção, ainda que numa outra jurisdição.
63. A proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz com que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva.
64. O Recorrente não pode ser julgado sendo sujeito à aplicação da mesma sanção pela imputação dos duas vezes pelos mesmos factos, por duas vezes: a perda de mandato, pelo que o acórdão recorrido violou o princípio ne bis in idem..
65. A interpretação e aplicação que o acórdão recorrido sentença recorrido fez do artº 29º - f) da Lei nº 34/87 de 16 de Julho é inconstitucional, violando o artº 30º nº 4 Constituição.
66. O artº 30º nº 4 CRP proíbe que à condenação em certas penas se acrescente de forma automática, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei, a perda de direitos civis profissionais ou políticos.
67. In casu, o Recorrente havia sido demandado pelo Mº Pº para a sua condenação em perda de mandato na aludida acção administrativa.
68. E, a decisão judicial nessa acção administrativa foi a de não aplicar essa sanção em virtude de caducidade de acção.
69. Deste modo, o Tribunal a quo não poderia ter aplicado a sanção de perda de mandato, neste processo criminal, como simples automatismo decorrente da condenação do Recorrente em pena de prisão pela prática do crime de prevaricação.
70. O facto de o Tribunal a quo ter condenado o Recorrente na sanção de perda de mandato, sabendo que essa sanção já havia sido julgada e decidida, pela prática da mesma factualidade, na referenciada acção administrativa, tendo aí sido decidido que ocorrera a caducidade do direito de acção, significa que a condenação do Recorrente nessa sanção ocorreu de forma automática.
71. Assim, o Tribunal a quo interpretou a norma do artº 29º alínea f) da Lei nº 34/87 de forma automática e em violação do artº 30º nº 4 e 5 CRP.
72. A qualificação jurídica dos factos em sede de acusação não se circunscreve à indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes que aqueles preenchem, pois a alínea c) do n.º 3 do artigo 283º CPP , ao impor a indicação das disposições legais aplicáveis, está a imporá indicação de todas as disposições legais aplicáveis.
73. Deste modo, para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes, terão de ser indicadas na acusação as normas que estabelecem a respectiva punição, ou seja, a espécie e a medida de todas as sanções aplicáveis, o que não aconteceu no presente processo.
74. Sendo a perda de mandato uma pena acessória , está sujeita ao princípio da não automaticidade da respectiva aplicação (vertido no artº 65º, nº 1 do C. Penal e com consagração constitucional idêntica no artº 30º, nº 4 da CRP), o que implica que a sua aplicação depende da alegação e prova de pressupostos autónomos da pena principal, relacionados com a prática do crime, da valoração dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa estando vedado ao tribunal o acrescento de forma automática, mecanicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei (ope legis), uma outra ”pena” daquela natureza.
75. Assim, o tribunal a quo, ao condenar o Recorrente na perda de mandato, sem que os respectivos factos e enquadramento normativo estivessem vertidos na acusação e pronúncia, incorreu em vício processual traduzido na nulidade insanável prevista no artº 379º, nº 1, alínea b) do CPP, de conhecimento oficioso (cfr. respectivo nº 2), afectando tal nulidade apenas a parte do acórdão que aplicou a pena acessória de expulsão.
76. Não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a sanção acessória de perda de mandato ao Recorrente.
77. A perda de mandato não é uma pena criminal, mas sim uma sanção de carácter administrativo , consistente na perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
78. Esta sanção de perda de mandato tem previsão legal nos artsº 7º e 8º nº 2 da Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto (Lei de Tutela Administrativa).
79. Se a sanção acessória não pôde ter sido aplicada pela jurisdição administrativa em face da ocorrência da caducidade do respectivo direito de acção, tal significa que ocorreu a extinção do procedimento criminal quanto á aplicação dessa sanção, desta feita, enquanto pena acessória no processo criminal.
80. Não há duas sanções de perda de mandato: uma de carácter administrativo e outra de carácter criminal, pois a sanção é a mesma: é a que encontra previsão legal nos artsº 7º e 8º nº 2 da Lei n.º 27/96.
81. E os efeitos da aplicação dessa sanção de perda de mandato são os mesmos: os que se encontram descritos nos artºs 12º e 13º dessa mesma Lei.
82. O artº 11º desta Lei nº 27/96 impõe que as acções de perda de mandato só podem ser interpostas no prazo de cinco anos após a ocorrência dos factos que as fundamentam.
83. Concluindo, se a pena de perda de mandato não pôde ter sido aplicada em sede de jurisdição administrativa, por caducidade do direito de acção, a mesma pena não poderá ser aplicada em sede de processo criminal, por decurso do mesmo prazo de caducidade.
84. O acórdão recorrido incorreu em vício da inconstitucionalidade, ao aplicar o artigo 29º da Lei nº 34/87, que é incompatível com o mandamento do artigo 30º nº 4, da Lei Fundamental, da forma como foi aplicado neste processo.
85. A condenação do arguido determinou, no critério definido pelo tribunal a quo, a perda do mandato daquele como Presidente da Câmara Municipal X.
86. O tribunal a quo decidiu-se pela suspensão por três anos da execução da pena de prisão aplicada (três anos 21 meses) , mas não estendeu tal suspensão ao efeito da perda do mandato que decretou.
87. Esta decisão do acórdão recorrido é estruturalmente incompatível com a suspensão da pena principal, pois que a suspensão da execução de uma pena não pode ser cindida, devendo antes abranger a pena em toda a sua globalidade.
88. As penas acessórias não podem deixar de acompanhar a sorte e o destino das penas principais.
89. Tendo sido aplicada ao Recorrente uma pena (principal) que ficou suspensa na sua execução, é imperativo que tal suspensão se estenda ao efeito penal acessório resultante dessa aplicação.
90. O acórdão recorrido ao evocar o facto de o artº 117º nº 3 da Constituição da República Portuguesa remeter para a lei a determinação dos efeitos resultantes da condenação em crime de responsabilidade, se apresenta como norma especial relativamente à regra geral constante do artigo 30.º, n.º 4 da mesma Lei Fundamental não é o mais consentâneo com essas normas.
91. Pois o artigo 117º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, determina que , respondendo os titulares de cargos políticos política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções “[a] lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato”.
92. Trata-se de uma previsão programática ao legislador ordinário, que não constitui qualquer norma especial.
93. Por este motivo, a interpretação que o acórdão recorrido faz das normas conjugadas dos artºs 30º nº 4 e 117º nº 3 da CRP , pela qual ocorre a expressa aceitação da sanção de perda de mandato como efeito automático da condenação , viola o artº 30º nº 4 da CRP.
94. Analisando a matéria factual que se pretende que seja dada como provada, constata-se que nenhum destes elementos do tipo (artigo 11.º Lei n.º 34/87, de 16 de Julho ) se verificam.
95. O acórdão recorrido violou as seguintes normas:
- artºs 17º a 22º 440º nº 1 ( ex vi 451º) do Código dos Contratos Públicos,
- artº 35.º da LVCR (Lei nº 12-A/2008 de 17.02)
- artº 65º nº 1 , artigo 410º nº 2 – c), artº 283º al. c) artº 379º, nº 1, alínea b) do Cod. Proc. Penal,
- artº 8º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto ,
- artº 7º e 8º nº 2, 9º e 11º nº 4 , 12º e 13º da Lei n.º 27/96, de 01 de Agosto ,
- artigo 18º nº 1 e artº 29º, n.º 5 , artº 30º nº 4 CRP (Aplicação do artº 29º alínea f) da Lei nº 34/87 de forma automática e em violação do artº 30º nº 4 e 5 CRP), artº 65º nº 1 e artº 117ºnº 3 da Constituição da República,
- artº 29º - f) da Lei nº 34/87 de 16 de Julho por vício de inconstitucionalidade e violação do artº 30º nº 4 Constituição.

Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve o presente recurso mercer provimento e ser revogado o douto acórdão recorrido e o Recorrente absolvido .

Conclusões apresentadas pelo arguido I. C. (transcrição):

I. O acórdão do Juízo Central Criminal de Guimarães, com a referência 159080817, que condenou o Recorrente I. C. como autor de um crime de prevaricação de titular de cargo político na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena acessória da perda de mandato mostra-se viciado por erros de julgamento oque impõem a sua revogação.
II. Resulta do teor do próprio acórdão recorrido que o tribunal desconsiderou, pela circunstância única da existência de proximidade funcional aos arguidos, o depoimento de um vereador, de quatro funcionários autárquicos com funções de direção e chefia, e de um advogado, em clara violação das regras de experiência e da livre convicção, consagradas no artigo 127º do CPP, permitindo-se (i) aceitar o valor das declarações das testemunhas, quanto aos factos que não colidem directamente com a tese da acusação, e, (ii) não aceitar o valor das declarações das mesmas testemunhas, sem que identifique razão ou aponte vício que sustente tal distinção, quanto aos factos que punham em crise a tese da acusação.
III. Alcança-se do próprio teor do acórdão enfermar este da nulidade prevista no artigo 374º, nº 2 do CPP, identificando-se ainda vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto como de conhecimento oficioso no artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP.
IV. Na justa ponderação dos depoimentos, e em especial das concretas passagens identificadas, transcritas e sublinhadas na motivação de recurso, das testemunhas (1) A. P. [acta de 28.02.2018, depoimento registado das 15:54 às 16:19], (2) P. M. [acta de 28.02.2018, depoimento registado das 16:19 às 16:51], (3) J. G. [acta de 22.03.2018, depoimento registado das 10h15 às 10h35], (4) G. L. [acta de 03.05.2018, depoimento registado das 15:39 às 16:01], (5) J. A. [acta de 03.05.2018, depoimento registado das 16:03 às 16:19], (6) C. P., [acta de 03.05.2018, depoimento registado das 14:33 às 14:54], bem como nas declarações do próprio Recorrente (7) I. C. [acta de 28.02.2018, depoimento registado das 12:05 às 12:35], interpretadas à luz das regras de experiência, e cotejadas com a prova documental, deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada pela instância.
V. Mostram-se incorrectamente julgados os factos provados números 6, 7, 9, 11, 12, 16, 30, 33, 34, 35, 39, 40, 42 a 55 (estes por repetitivos e conclusivos), os quais devem ser levados à matéria de facto não provada.
VI. Mostram-se incorrectamente julgados não provados os factos da contestação do co-arguido J. M., assinalados em caixas, e relativos (i) à não participação na discussão e decisão de contratar, (ii) ao conhecimento da decisão tomada em reunião conjunta dos vereadores C. P. e Recorrente I. C., (iii) às tarefas desempenhadas por A. T., os quais devem ser levados à matéria de facto provada.
VII. Mostram-se incorrectamente julgados não provados os factos alegados pelo Recorrente I. C., articulados sob os números 9, 13, 16 a 19, 26 a 28 da contestação apresentada, os quais devem ser levados à matéria de facto provada.
VIII. Independentemente da alteração da matéria de facto provada, sempre e em qualquer caso, ao concluir pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de prevaricação de titular de cargo político (i) sem que ocorra violação de norma ou de procedimento, (ii) sem que se identifique propósito de benefício ilegítimo de alguém, e (iii) sem que ocorra lesão do interesse público, o tribunal recorrido violou o regime dos artigos (1) 20º, nº 1, 27º, nº 1, al. b), 440, nº 1 ex vi art. 451º todos do Código dos Contratos Públicos, (2) 8º da Lei 64/93, e (3) 11º, com referência ao artigo 3º, nº 1, ambos da Lei 34/87 de 16 de Julho.
IX. Normas que deveria ter interpretado e aplicado considerando lícita a contratação - por realizada de acordo com a regras aplicáveis do Código de Contratos Públicos e na prossecução do identificado interesse da autarquia – e inverificada a prática do crime de prevaricação por titular de cargo político.
X. Ao determinar a perda de mandato do Recorrente respectivo ao quadriénio de 2017 a 2021, como efeito da condenação criminal por factos praticados no mandato do quadriénio de 2009 a 2013, o acórdão recorrido criou direito contra lei expressa, violando o regime da Lei 34/87, procedendo à aplicação do seu artigo 29º numa dimensão normativa inconstitucional, por violação dos princípios consagrados nos artigos 2º, 3º, nºs 1 e 3, 29º, nº 3, e 30º, nº 4, todos da Constituição da República.

Termos em que deve ser integralmente revogado o acórdão recorrido absolvendo-se o Recorrente I. C. da acusação de autoria de crime de prevaricação de titular de cargo político.
Sem prescindir,

Mais deve, em qualquer caso, ser revogada a decisão da alínea d) do dispositivo que decretou a perda de mandato do Recorrente I. C., como efeito da condenação, por aplicação de dimensão inconstitucional da norma do artigo 29º da Lei 34/87.
Como é de DIREITO e JUSTIÇA !

No seu recurso o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1- A decisão proferida, em relação à matéria de facto provada e não provada, bem como em relação à qualificação jurídica e ainda à escolha da pena, suspensão desta e perda de mandato não é merecedora de reparo.
2- No entanto, discorda-se do segmento da decisão na parte em que não condenou os arguidos na declaração de perda de vantagem a favor do Estado, pelos motivos que se alinham de seguida.
3- Com efeito, como se colhe de fls. 471, o Ministério Público, ao abrigo do disposto no art. 111.º, n. 2 e n.º 4 do Cód. Penal, requereu a declaração da perda da vantagem obtida com a prática dos factos descritos no despacho acusatório e levados à pronúncia, promovendo que sejam os arguidos condenados a pagar solidariamente ao Estado a quantia de 56.847,50€.
4- Porém, entendeu o tribunal que os arguidos não podem ser condenados em tal pagamento, pois não são beneficiários da vantagem obtida com o crime pelo qual saíram condenados, antes tal pedido devia ter sido requerido contra o terceiro que dela beneficiou.
5- Quando se fala em vantagens do facto ilícito típico fala-se em benefício ou incremento patrimonial.
6- Por outro lado, o vector axiológico intuitivo, expresso no brocardo que afirma que “o crime nunca é título legítimo de aquisição” não se esgota numa mera semântica metafísica.
7- Tal significa tão só que o agente do crime (ou um terceiro) não adquire qualquer direito sobre os bens ou direitos obtidos com a prática do crime e que constituam o seu benefício, pois esse incremento patrimonial jamais lhes pertencerá.
8- O confisco pelo Estado representa o único destino legal e legítimo para as vantagens do crime. Até esse momento ideal, as vantagens do crime, directas, indirectas, pelo valor, sucedâneo, e respectivos juros, lucros e demais acréscimos, sempre que apurados, são apenas e só isso mesmo: um património ilícito.
9- O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
10- O confisco das vantagens do crime cede apenas perante necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela protecção dos “terceiros” de “boa-fé” tal como enunciada no regime previsto para a efectivação das medidas ablativas.
11- Como diz a nossa lei «se a recompensa, os direitos, as coias ou as vantagens ... não puderem ser apropriadas em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor» (art. 110.º, n.º 4, do CP).
12- O ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade de terceiro, o que apenas é refreado pela salvaguarda dos direitos dos terceiros que não se encontrem em qualquer das condições elencadas no artigo 111.º do Código Penal.
13- Face à factualidade considerada provada na decisão, dúvidas inexistem de que o supra referido A. T. retirou benefício da conduta delituosa dos arguidos e pela qual saíram condenados, devendo, por via disso, ser confiscada a vantagem, como foi oportunamente requerido pelo Ministério Público
14- O nosso ordenamento jurídico-processual penal, salvo melhor entendimento, não nos fornece a indicação sobre contra quem deve ser dirigido o requerimento para a perda da vantagem – se o arguido ou terceiro dela beneficiário.
15- Defendemos, no entanto, que o deverá ser contra os arguidos, como foi defendido na acusação, não apenas pelos motivos inerentes à criação do instituto do confisco – o de retirar ao arguido ou a terceiro o benefício económico do crime, como explanado supra – e também porque é o arguido que dá causa à obtenção do benefício, seja para si ou para terceiro e daí ser legítima a censura também no que respeita ao pagamento do valor da correspondente vantagem, como foi requerido.
16- Ao decidir por forma diversa, o tribunal violou o disposto no art. 111.º, n. 2 e n.º 4 do Cód. Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10

Nesta conformidade, alterando-se a decisão recorrida no sentido propugnado, será feita: JUSTIÇA!

*

Os recursos foram admitidos e, ainda na primeira instância, ao do Ministério Público responderam ambos os arguidos, pugnando pela respetiva improcedência; aos dos arguidos respondeu o Ministério Público defendendo que os mesmos devem improceder, com exceção da decisão quanto à perda do mandato.
*
Remetidos os autos a este Tribunal veio o Exmo PGA a emitir parecer no sentido de serem julgados improcedentes os recursos dos arguido e procedente o recurso do Ministério Público.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Após os vistos, prosseguiram os autos para conferência.

II.
Cumpre agora apreciar e decidir tendo em conta que o objeto dos recursos se afere pelas conclusões dos recorrentes (artigo 412º do CPP), sem prejuízo das nulidades ou vícios de conhecimento oficioso.
*
As questões que são trazidas à apreciação deste Tribunal por parte dos recorrentes são:

A)- No recurso do arguido J. M. saber se:

- Foram incorretamente julgados não provados pontos assim identificados no acórdão recorrido, devendo antes ser julgados provados a partir dos depoimentos das testemunhas que identifica e da análise dos documentos que igualmente indica;
- Foram incorretamente julgados provados os pontos 6 a 17, 30, 33, 34, 36, 38 a 55, devendo ser julgados não provados pela valoração dos depoimentos das testemunhas que indica;
- O acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2 alínea c) do CPP);
- O acórdão recorrido não interpretou correta e legalmente o despacho datado de 06/11/2009, subscrito pelo recorrente e o dever de fundamentação dos atos recorridos e, bem assim, a lei 64/93 de 26/08;
- A decisão proferida na jurisdição administrativa “pelos factos que constam da pronúncia” - ação administrativa especial instaurada pelo Ministério Público, sob o nº 593/15.8BEBRG pelo TAF de Braga que veio a ser julgada improcedente - impede o recorrente de ser condenado na perda de mandato, por via do instituto do caso julgado e em obediência aos artigos 29º, nº 5 e 18º, nº 1 da CRP.
- É inconstitucional a interpretação feita pelo acórdão recorrido do artigo 29 f) da Lei 34/07 de 16/07 e se viola o artigo 30º, nºs 4 e 5 da CRP;
- Padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1 alínea b) do CPP o acórdão na parte em que determina a pena acessória que não constava na acusação ou na pronúncia;
- A perda de mandato não é uma pena criminal, mas uma sanção de caráter administrativo, prevista nos artigos 7º e 8º, nº 2 da lei 27/96 de 1.8 e se, ao não ter sido aplicada na jurisdição administrativa, tal implicou a “extinção do procedimento criminal quanto à aplicação dessa sanção”;
- A suspensão da pena principal deveria ter sido estendida à pena acessória por não poderem estas deixar de acompanhar a sorte e o destino das penas principais.
- A interpretação do artigo 117º, nº 3 do CPP viola o artigo 30º, nº 4 da CRP; e
- Se não estão preenchidos os elementos típicos do crime por que foi o arguido condenado.

B)- No recurso do arguido I. C. saber se o acórdão recorrido:

- Violou as regras da experiência e da livre convicção consagradas no artigo 127º do CPP na avaliação que fez da prova testemunhal;
- Padece da nulidade prevista no artigo 374º, nº 2 do CPP e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artigo 410º, nº 2 alínea b) do CPP);
- Errou ao julgar provados os factos constantes dos pontos 6, 7, 9, 12, 16, 30, 33, 34, 35, 39, 40, 42 a 55;
- Errou ao julgar não provados factos da contestação do coarguido J. M. relativos à não participação da discussão e decisão de contratar, ao conhecimento da decisão tomada em reunião conjunta dos Vereadores C. P. e recorrente e às tarefas desempenhadas por A. T., que no seu entender, deveriam ser julgados provados, o mesmo ocorrendo com os pontos 9, 13, 16 a 19, 26 a 28 da contestação apresentada pelo recorrente;
- Violou o regime dos artigos 20º, nº 1, 27º, nº 1, alínea b), 440º, nº 1 ex vi artigo 451º todos do Código dos Contratos Públicos e 8º da Lei 64/93 e 11º com referência ao artigo 3º, nº 1, ambos da Lei 34/87 de 16.7, por não verificação dos elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime de prevaricação de titular de cargo político, dado, alegadamente, inexistir violação de norma ou procedimento, propósito de benefício ilegítimo de alguém, lesão do interesse público e ilicitude da contratação;
-Criou direito contra lei expressa violando o regime da lei 34/87 ao proceder à aplicação do seu artigo 29º numa dimensão normativa inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 3º, nºs 1 e 3, 29º, nº 3 e 30º, nº 4 da CRP, ao determinar a perda de mandato do recorrente respeitante ao quadriénio 2017 a 2021, como efeito da condenação criminal por factos praticados no mandato do quadriénio de 2009 a 2013.

C)- No recurso do Ministério Público a de saber se o Tribunal a quo errou ao indeferir o pedido de declaração da perda de vantagem a favor do Estado, absolvendo os arguidos do pagamento solidário ao Estado da quantia de 56.847,50 euros, que havia sido peticionada pelo Ministério Público, nos termos dos nºs 2 e 4 do artigo 111º do Código Penal.
*

É a seguinte a matéria de facto provada e não provada em primeira instância e respetiva fundamentação (transcrição):

1. O arguido J. M. exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal X no quadriénio 2009 a 2013;
2. No quadriénio anterior, entre 2006 e 2009 o ora arguido J. M. exerceu as funções de Vereador com pelouro atribuído na área da cultura e desporto, sendo Presidente da Câmara o seu progenitor A. T.;
3. O arguido I. C. exerceu durante o mesmo quadriénio de 2009 a 2013 as funções de Vice-Presidente da Câmara X;
4. Entre as demais funções que legalmente estão confiadas aos arguidos, na qualidade de Presidente e Vice-presidente da Câmara, competia ao arguido J. M., e por delegação igualmente ao arguido I. C., decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afetos aos serviços municipais, e ainda proceder à aquisição de bens e serviços e outorgar contratos em representação do Município X;
5. Os arguidos mantinham entre si e com o anterior Presidente da Câmara A. T. relações de proximidade pessoal, mercê não só dos vínculos familiares que os uniam como de afinidades pessoais, profissionais e político-partidárias;
6. Com vista a atribuir-lhe benefícios económicos os arguidos acordaram contratar A. T. para exercer funções de consultor nas áreas das finanças, economia e gestão na Câmara Municipal X mediante o pagamento de remuneração que por este seria decidida;
7. A. T. é professor primário aposentado e não lhe é conhecida formação académica ou técnica nas áreas de economia, finanças, gestão ou contabilidade, publicas ou privadas;
8. Na Câmara Municipal X existia já um núcleo ou departamento com funções na área financeira e de contabilidade do Município organizado nos serviços de gestão e finanças com funcionários que se dedicavam ao acompanhamento destas matérias;
9. Não obstante a existência deste departamento, o arguido J. M., no exercício das suas funções de Presidente da Câmara X, em execução do referido plano, proferiu um despacho em 06 de Novembro de 2009 em que determinou a “abertura de um procedimento de ajuste directo, previsto no art.º 112° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec. Lei 18/2008 de 29 de Janeiro, que tem por objecto principal a “Prestação de Serviços em regime de avença de consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento, prestação e relatório de contas, bem como que articule a execução do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais”, pelo prazo de 12 meses, nos termos do Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro e demais legislação aplicável”;
10. Nesse mesmo despacho de 06 de Novembro o arguido J. M. determinou igualmente que para aquele serviço se deve efectuar o pedido de proposta unicamente à empresa “Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda.” com sede em lugar …, X, NIF ...;
11. Nesse despacho de abertura de um procedimento de ajuste directo, onde o arguido considerou a complexidade das regras de contabilidade e finanças do Município como motivo da contratação, não indicou o arguido J. M. as razões pelas quais a proposta deveria ser apresentada exclusivamente à empresa “Casa do P. Lda.”;
12. No dia 09 de Novembro de 2009, dia útil seguinte após ter sido proferido o citado despacho de abertura de procedimento, os arguidos elaboraram ou mandaram elaborar o ofício “Ajuste directo” dirigido à empresa “Casa do P. Lda.”, que nesse mesmo dia foi assinado pelo arguido J. M., na qualidade de presidente da Câmara, onde convidava a empresa Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda. a apresentar proposta para adjudicação do seguinte serviço: “Prestação de Serviços em regime de avença de consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviço de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento, prestação e relatório de contas, bem como que articule a execução do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais”;
13. No referido convite à contratação apresentado à empresa Casa do P. – Agrofloresta, turismo e serviços. Lda. pelo Município X não foi indicado o preço base nem foi efectuada qualquer estimativa de despesa;
14. Pelo contrário, estabeleceu-se que a entidade convidada deverá indicar na proposta as condições em que se dispõe a contratar, indicando o preço e as condições de pagamento, bem como o prazo para execução do serviço;
15. Estabeleceu-se ainda que o prazo para apresentação da proposta de contratação terminaria no dia seguinte, consignando-se que: “as propostas deverão ser entregues até às 17:00 horas do dia dez de Novembro de 2009.”;
16. Os arguidos, ou alguém a mando destes, entregaram em mão a A. T., representante legal da empresa “Casa do P. Lda.” e pai do arguido J. M., o convite para apresentar proposta de adjudicação do dito serviço;
17. No dia 10 de Novembro de 2009, dia seguinte àquele em que foi elaborado o ofício de ajuste directo, a empresa “Casa do P. Lda.”, representada por A. T. apresentou, na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo arguido J. M. na qualidade de Presidente da Câmara, a proposta de prestação de serviços de “Assessor financeiro” onde constavam as seguintes condições:

- A empresa obriga-se a executar os serviços de assessoria de acordo com os termos do referido convite;
- O preço do serviço será de 1.750 (mil setecentos e cinquenta euros) acrescidos de IVA;
- “As condições de pagamento são: em 12 prestações devendo o pagamento ser efectuado no 20.º dia do mês correspondente à prestação do serviço”
- “Prazo de entrega/execução: imediato/horário de funcionamento dos serviços”.
18. No dia 11.11.2009, dia seguinte à apresentação da referida proposta, o arguido I. C., na qualidade de Vice-Presidente da Câmara Municipal, decidiu por despacho por si assinado que: “Recebida e analisada a proposta apresentada pela empresa “Casa do P.-Agrofloresta, turismo e serviços, Lda.” para a prestação de Serviços em regime de avença de consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais, e verificando-se que essa proposta cumpre com as exigências constantes do caderno de encargos, determino que se adjudique o referido serviço, pelos valores constantes da proposta, por 12 meses, com efeitos imediatos”;
19. A informação jurídica (que consta a fls. 16 do apenso I) relativa àquela proposta de prestação de serviços de “Assessor financeiro” foi proferida depois da decisão, no dia 12.11.2009, onde o jurista da autarquia apresentou parecer no sentido que “Deverá, tendo por base o despacho do Sr. Presidente, que se anexa, promover os passos seguintes par a formalização da contratação, nomeadamente a emissão da requisição, e publicitação no www.base.gov.pt podendo arquivar a presente entrada”.
20. A cabimentação da despesa respeitante à execução deste contrato foi efetuada em 16.11.2009, cinco dias após a contratação do serviço, considerando-se a dotação anual disponível de 24.484,01€;
21. O arguido I. C. assinou, em representação do Município X, o contrato de prestação de serviços em 15.01.2010, com efeitos retroativos à data do despacho de adjudicação, tendo sido fixado o preço anual de 21.000,00€ (vinte e um mil euros) acrescido de IVA (cfr. documento de fls. 8 do apenso I);
22. Na proposta apresentada pela empresa “Casa do P., Lda”, em consequência do convite onde se indicava que o concorrente deve indicar o preço total e condições de pagamento foi indicado por este o preço de 1.750€ (mil setecentos e cinquenta euros);
23. O arguido I. C. determinou a adjudicação pelos valores constantes da proposta e sem qualquer alteração, ratificação ou referência ao preço constante da proposta, celebrou em representação do Município o contrato com a sociedade Casa do P. Lda. pelo valor de 21.000€;
24. A sociedade “Casa do P. – Agrofloresta, Turismo e Serviços Lda.”, com a qual o Município através dos arguidos contratou a prestação de serviços de coadjuvação do Presidente da Câmara e dos serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento pertence ao progenitor do Presidente da Câmara J. M.;
25. Esta sociedade “Casa do P. – Agrofloresta, Turismo e Serviços Lda.” foi constituída no dia 05.11.2009, – dia anterior ao despacho do arguido J. M. em que este estabelece que apenas esta sociedade deverá ser convidada a contratar os ditos serviços;
26. Esta empresa “Casa do P. Lda.” na data da sua constituição e na data do referido convite, bem como na sobredita data de adjudicação, tinha como únicos sócios A. T. e J. H., progenitores do arguido J. M., Presidente da Câmara X.
27. Não tinha esta sociedade outros funcionários, sócios ou gentes com competências nas áreas da economia, gestão e finanças ou contabilidade;
28. O objeto social da empresa “Casa do P. Lda.” era a viticultura, silvicultura, turismo no espaço rural e consultoria para os negócios e a gestão;
29. Não foi apurado qualquer outro serviço prestado por esta empresa na área da consultadoria para além daquele contratado com a Câmara Municipal X.
30. Não foi igualmente possível apurar a existência de qualquer serviço efectiva e especificamente prestado pelo progenitor do arguido J. M. durante a vigência do contrato de prestação de serviços, nomeadamente quais os assuntos em que efetivamente interveio, ou quais os pareceres, informações ou relatórios que tenha elaborado no exercício do serviço de consultoria para que foi contratado;
31. O dito contrato, entre esta empresa e o Município X vigorou até ao dia 01 de Fevereiro de 2012, data em que foi celebrado o respetivo acordo de rescisão;
32. Durante o respetivo período de vigência o Município assumiu com o contrato celebrado com a empresa “Casa do P. Lda.” e o seu representante A. T. a despesa total de 56.847,50€ (cinquenta e seis mil oitocentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), relativos ao valor anual de 21.000€ entregues a esta sociedade acrescidos das demais despesas e impostos (conforme mapa de fls. 20);
33. Com a contratação da sociedade “Casa do P. Lda.” os arguidos tinham como objetivo exclusivo garantir a contratação pessoal de A. T., progenitor do arguido J. M., mediante o pagamento dos referidos valores, o que lograram alcançar;
34. Foi o arguido J. M. quem assinou o ato decisório que deu início ao procedimento, e foi igualmente este arguido que determinou a escolha do procedimento – ajuste direto – e a escolha da sociedade que pertencia aos seus progenitores como a única entidade a contratar;
35. Por outro lado o arguido I. C. estava também legalmente impedido de determinar, como determinou, a adjudicação do serviço de consultadoria à sociedade de que era sócio gerente o pai do arguido J. M.;
36. O arguido J. M. passou igualmente a exercer ele próprio a qualidade de sócio da sociedade “Casa do P. Lda.” em 04 de Novembro de 2013, por doação da sua progenitora de uma quota no valor nominal de trezentos e setenta e cinco euros;
37. O contrato de prestação de serviços entre o Município X e a empresa “Casa do P., Lda.” foi celebrado pelo prazo de 12 meses, considerando-se “prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo salvo se 15 dias antes do seu termo ou de qualquer das suas prorrogações for denunciado por qualquer das partes” sem que se encontre definido qualquer limite temporal para a sua vigência;
38. Os arguidos não fixaram qualquer limite máximo de vigência no contrato celebrado;
39. Os arguidos, em especial o arguido J. M., na qualidade de decisor do tipo de procedimento a adotar, estava impedido por essa razão, de adotar o procedimento de ajuste direto para a contratação almejada;
40. Os arguidos estavam impedidos de proceder à contratação desta empresa nos termos em que o fizeram, sem fundamentar a sua decisão quanto ao convite a uma única entidade, nomeadamente porquanto:

- não resultava da matéria objeto de contrato qualquer especificidade, especial complexidade ou exigência conexa com as matérias e serviços em causa que autorizassem concluir que a sociedade convidada fosse a única no mercado apta a prestá-los.
- não resultava, por outro lado, qualquer especial aptidão desta sociedade ou de algum dos seus funcionários ou gerentes (o que não foi sequer ponderado nos elementos do concurso) relativamente a matérias de economia gestão finanças e contabilidade.
- inexistiam quaisquer motivos impeditivos de que o serviço em causa pudesse vir a ser prestado por outros profissionais especialistas na matéria a operar no mercado.
41. Em consequência da conduta dos arguidos, e tal como pelos mesmos almejado, foram abonadas a A. T. através da sociedade “Casa do P. Lda.” as quantias pecuniárias referidas que, em condições de observância legal das regras dos impedimentos dos titulares de cargos públicos e do respeito pelas normas da contratação pública, designadamente da livre concorrência, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não auferiria;
42. De modo a alcançar o desiderato entre ambos fixado de contratar o progenitor do arguido J. M., e no âmbito da respectiva esfera de competência, os arguidos conferiram uma aparência de legalidade ao procedimento adjudicatório, indicando o nome de uma sociedade constituída no dia anterior ao início dos procedimentos, e concluindo o concurso realizado no prazo de três dias uteis, mediante a subversão do referido regime legal, norteando a sua conduta pelo escopo último de beneficiar A. T., progenitor do arguido J. M. e pessoa do círculo de relações pessoais, profissionais e político-partidárias do arguido I. C.;
43. Bem sabiam os arguidos que estavam impedidos de intervir em procedimento de contratação do progenitor do arguido J. M.;
44. Os arguidos actuaram no contexto do acordo entre ambos celebrado e com base, apenas, nas relações de proximidade existencial e político-partidária acima referidas.
45. Pelo que os arguidos não fundamentaram, em qualquer momento do procedimento contratual, de facto e de direito, as razões que motivavam a adjudicação directa determinada, como obrigatoriamente se impunha face aos normativos legais vigentes em matéria de contratação pública;
46. O que, atenta a natureza dos serviços visados não sucedia no caso concreto, nada obstando à definição de especificações do contrato, nomeadamente padrões qualitativos das potenciais propostas, designadamente logo ao nível da própria aptidão técnica do prestador do serviço definida por parâmetros curriculares.
47. Os arguidos omitiram nos seus despachos supra referidos tal fundamentação, por não existir, em concreto, qualquer razão atendível para uma inviabilização do recurso a uma modalidade concorrencial de contratação;
48. A que acresce que não existia qualquer razão fundada em critérios de qualidade ou de preço para que fosse contratada a sociedade pertencente aos progenitores do arguido J. M., sendo tal contratação motivada exclusivamente pelas razões de proximidade pessoal supra mencionadas;
49. Os arguidos contrataram a empresa pertencente ao progenitor do arguido J. M. com consciência que nas suas descritas condutas actuavam na qualidade de Presidente e Vice-Presidente da Camara Municipal X bem sabendo que assumiam funções públicas e politicas e ainda que com os comportamentos que assumiram se desviavam dos seus deveres funcionais em violação das normas vigentes no ordenamento jurídico a que estavam vinculados;
50. Não tendo os arguidos J. M. e I. C. observado a prossecução do interesse público e da optimização das necessidades coletivas que norteia a execução de contratos de aquisição de bens e de serviços por parte das autarquias locais atuando por outro lado com o propósito comum de proporcionar a A. T., através da contratação de uma sociedade comercial que lhe pertencia, um tratamento favorável aos seus interesses particulares de natureza patrimonial, igualmente ao nível da execução do contrato, como descrito;
51. Ao adotarem as condutas supra descritas, os arguidos atuaram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e na sequência de um acordo entre estes firmado, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e aos impedimentos nesta matéria em razão dos vínculos familiares, as quais deliberadamente decidiram não acatar no procedimento de adjudicação do contrato acima referido;
52. Visando, com a respetiva conduta, favorecer patrimonialmente A. T., com base em relações de proximidade familiar e pessoal, em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios que norteiam a contratação pública;
53. Os arguidos atuaram bem sabendo que a respetiva conduta era adequada a abonar o progenitor do arguido J. M. de quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da livre concorrência, legalidade, transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir;
54. Mais atuaram sabendo que a referida conduta era lesiva dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estarem incumbidos de defender no âmbito das adjudicações e contratos em que intervieram;
55. Os arguidos atuaram em todas as situações supra descritas de forma livre voluntária e consciente, sabendo proibida e punida por lei a respetiva conduta.
56. O arguido J. M. exercia as funções de Presidente da Câmara Municipal pela primeira vez, o que também acontecia com um dos dois vereadores a tempo inteiro.
57. Na sequência dos resultados das referidas eleições autárquicas e nos dias anteriores à data da instalação – 30.10.2009 – foram realizadas várias reuniões, com vista a preparar o exercício do novo mandato e organizar a nova estrutura da Câmara Municipal, nomeadamente, distribuir pelouros e responsabilidades entre os eleitos.
58. Numa dessas reuniões, em que estiveram presentes os arguidos e o Prof. C. P., foi discutida pelos intervenientes, entre outros assuntos, a estrutura a criar para gerir a parte financeira da autarquia. Foi feita uma avaliação da estrutura existente na área financeira da Câmara, analisados os desafios que se avizinhavam;
59. A secção financeira da autarquia era chefiada pela chefe de secção Srª Dª G. L., e composta por mais 3 funcionárias administrativas. Nenhum desses funcionários tinha formação académica superior em finanças, economia, gestão ou contabilidade. A Sr.ª Dª G. L. tinha o antigo 5º ano do liceu, e anunciara já a sua aposentação, que veio a requerer em 24/03/2010, sendo que até 2009, era o anterior Presidente da Câmara que geria, orientava e dirigia a área financeira da autarquia, o que sucedeu durante cerca de 20 anos;
60. À data, era necessário que a autarquia elaborasse e fizesse aprovar pela Direção Geral das Autarquias Locais e pelo Tribunal de Contas um Plano de Saneamento Financeiro, para equilíbrio das contas da autarquia, nos termos da Lei das Finanças Locais, recorrendo para tanto a um empréstimo bancário;
61. Na hipótese de contratação de uma empresa para o efeito, era necessário que funcionários da autarquia com experiência e conhecimentos no funcionamento dos serviços, dos investimentos, na elaboração dos orçamentos, na execução dos planos financeiros, trabalhassem com essa empresa durante meses, lhes fornecessem os elementos, dados, discutissem as opções a tomar, para que o plano pudesse ser aprovado pelo Tribunal de Contas.
62. E, após a aprovação desse plano de saneamento financeiro era necessário, ainda, que o mesmo fosse executado e implementado na autarquia, o que requeria que, durante os primeiros 12 e, mesmo, 24 meses após a sua aprovação, o mesmo não tivesse problemas de execução.
63. A aprovação de tal plano pelo Tribunal de Contas requeria que o mesmo fosse elaborado com muito rigor.
64. Na referida reunião, foi sugerido que se recorresse aos serviços do Dr. A. S., que dominava todas as questões financeiras associadas ao município, na medida em que, durante os cinco mandatos que exercera funções de presidente da Câmara, assumira diretamente a responsabilidade do pelouro das finanças, tendo por isso um conhecimento único da realidade do município, e em particular dos “dossiers” financeiros da Câmara Municipal.
65. Comunicada a decisão aos referidos Serviços, foi tramitado o processo administrativo, tendo por base os formulários e procedimentos elaborados normalmente para esse efeito.
66. Desde que celebrou o contrato e até à respetiva cessação, o Dr. A. S. compareceu diariamente na Câmara, tendo-lhe sido atribuído um gabinete.
67. O quadro de pessoal do um núcleo ou departamento com funções na área financeira e de contabilidade era de reduzida dimensão e o serviço era chefiado pela funcionária G. L., apenas com formação liceal, que anunciara já o propósito de se aposentar. Essa mesma funcionária, por razões de saúde, gozou nos anos de 2009 e 2010 de períodos de baixa;
68. O Município encontrava-se endividado e à data da instalação da Câmara, equacionava-se a preparação e apresentação de um plano de saneamento financeiro, que tinha de ser articulada com a elaboração e execução do Plano Plurianual de Investimentos;
69. O plano de saneamento financeiro foi aprovado em Assembleia Municipal de 03.06.2010, dele resultando a contratação do Empréstimo de Saneamento Financeiro no valor de 11.400.000,00€;
70. O Plano de Saneamento Financeiro foi implementado ao longo dos anos, com rigor e sucesso;
71.Os arguidos não têm antecedentes criminais;
72.Dos relatórios sociais juntos ao processo consta: (transcrição)
- quanto ao arguido J. M.,

I - Dados relevantes do processo de socialização

O arguido cresceu junto do agregado familiar de origem e é o mais novo de uma fratria de três, sendo as responsabilidades educativas partilhadas entre ambos os progenitores. O pai trabalhava como professor no ensino básico, sendo posteriormente eleito presidente da Câmara Municipal X, função que desempenhou mais de 20 anos. A mãe era doméstica e acautelava as rotinas diárias da família. O seu processo de desenvolvimento decorreu num agregado familiar de condição socioeconómica avaliada como acima da média para a época. É descrito um ambiente familiar organizado, com explanação de regras sociais e valores morais ajustados.

Ingressou na escola com 5 anos, com registo de boa integração. Concluiu licenciatura em Gestão de Empresas em 1995, com 24 anos de idade. Nessa altura iniciou um estágio profissional na Mota e Companhia, empresa onde se manteve cerca de 2 anos, passando posteriormente para a Caixa …, por vaga entretanto surgida à qual concorreu.

Em 1996 é eleito vereador da Câmara Municipal X, assumindo em 1999 e a tempo inteiro a responsabilidade por pelouros – Educação, Cultura, Ação Social, outros –, deixando assim as funções que exercia na Caixa ….
Com 36 anos e após 2 anos de namoro estável e gratificante, casou e constituiu família, passando a residir em habitação própria, com recurso a hipoteca bancária.

II - Condições sociais e pessoais

Em Novembro de 2009, data dos factos pelos quais se encontra acusado, J. M. havia sido eleito Presidente da Câmara Municipal X recentemente, residia com o cônjuge e o mais velho dos filhos do casal, na atual morada.

Presentemente, o arguido mantém-se integrado no núcleo familiar que constituiu, composto pelo próprio, pelo seu cônjuge, psicóloga, diretora técnica de uma IPSS concelhia, e pelos três filhos do casal de 8, 7 e 2 anos de idade, sendo que a filha do meio apresenta necessidades educativas especiais exigindo mais atenção educativa dos progenitores.

O arguido mantém-se como Presidente de Câmara Municipal X, auferindo de salário cerca de 2500€ e o cônjuge de cerca de 1200€. Despende com habitação cerca de 400€ e em despesas fixas cerca de 350€. O arguido especifica outras despesas fixas de saúde, de cerca de 400€ mensais. De forma global o agregado apresenta uma situação económica satisfatória e acima da média da população residente no meio onde se encontra inserido.

A ocupação do seu dia-a-dia é gerida, em torno do cumprimento de rotinas laborais na Câmara Municipal que preside e no assegurar de rotinas familiares, prestando cuidados aos filhos de forma partilhada com o cônjuge. No tempo livre convive maioritariamente em família. O relacionamento familiar é descrito por ambos os elementos do casal como harmonioso, ajustado e coeso.

Em relação à vida social, o arguido assume-a de forma pública e muito exposta. Nos tempos livres, o arguido refere que privilegiava o convívio intrafamiliar, tanto em contextos familiares nucleares como alargados de ambos os elementos do casal, com quem estabelece boa relação.

Na área de residência e de vivência laboral do arguido a presente situação judicial foi mediatizada, sendo bem conhecida. O mesmo mantém-se bem aceite, sendo positivamente referenciado. A sua imagem é associada à da família, também ela com anteriores cargos públicos assumidos por longo período, pessoas referenciadas como ajustadas, normativas e idóneas.

III – Impacto da situação jurídico-penal

O arguido refere ser o seu primeiro confronto com o sistema de administração de justiça penal, expressando implicações no seu bem-estar geral, centrando-se em eventuais perdas pessoais e sociais, para si e seus familiares, designadamente decorrentes da preocupação com a contingente exposição pública e inerente dano eventualmente causado. Aborda as consequências da presente situação jurídico-penal essencialmente numa perspetiva autocentrada, ou seja do ponto vista dos danos causados a si próprio, seus familiares e eventualmente ao seu bom nome.

Em abstrato e em relação a factos de natureza idêntica aos subjacentes ao presente processo, verbaliza reconhecer a sua ilicitude, bem como a existência de eventuais vítimas e de danos.

O arguido refere que a natureza dos factos subjacentes ao presente processo, nos quais não se reconhece, ao serem do conhecimento público na localidade onde reside, trabalha e tem estruturadas todas as suas vivências nos diferentes domínios, crê que prejudicam a imagem positiva que acredita que projeta socialmente.

Verbaliza adesão ao sistema de justiça penal numa eventual condenação, pese embora se afirme convicto da sua absolvição.

IV – Conclusão

O processo de socialização de J. M. decorreu junto do seu agregado familiar de origem, num ambiente descrito como organizado.

Frequentou o ensino até concluir a licenciatura em gestão de empresas e iniciou atividade laboral por conta de outrem numa empresa de construção civil e, posteriormente, numa instituição bancária até vir a ser eleito vereador da Câmara Municipal X, apresentando hábitos regulares de trabalho, que mantém até à atualidade como Presidente.

Reside com o cônjuge e três filhos, beneficiando de um ambiente familiar descrito por ambos os elementos do casal como estável, harmonioso e gratificante.

Apresenta, assim, um quotidiano organizado, com boa inserção aos níveis familiar, social e profissional/pública.

Na comunidade, o presente confronto judicial foi mediatizado e é conhecido, mantendo o arguido uma boa aceitação social no meio de inserção.

Face ao exposto, em caso de condenação e por via das funções que exerce, se a pena concretamente aplicada o permitir, consideramos que o arguido reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, face à qual manifesta adesão, sem a intervenção da DGRSP.”

- quanto ao arguido I. C.,

“I - Dados relevantes do processo de socialização

O arguido cresceu em X, numa zona rural associada à atividade empresarial nos setores agrícola, vitivinícola e pecuário. Residia com os pais e uma irmã mais nova. Os progenitores eram proprietários de uma quinta – Quinta R – cujas terras de extensa dimensão, exploravam para fins agropecuários, com o apoio de caseiros. A mãe, além da gestão da quinta, acautelava as rotinas diárias da família. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num contexto socioeconómico avaliado como acima da média, para a época. É descrito um ambiente familiar organizado, com explanação de regras sociais e valores morais ajustados.

Ingressou na escola com 6 anos, com registo de boa integração, inicialmente num seminário e posteriormente no Instituto Industrial, onde frequentou o curso de engenharia eletrotécnica, que interrompeu para integrar o serviço militar, durante 3 anos, até 1974. Nesse período, e com 23 anos, casou-se com uma professora do ensino básico, e ambos foram para Luanda.

De regresso a Portugal, o casal fixou residência, em habitação própria, integrada na Quinta de R, tendo o arguido concluído o curso do ensino superior, e passado a trabalhar como professor de ciências e matemática. Dedicou-se ainda à empresa familiar que criou, de produção e engarrafamento de vinhos, conjuntamente com o cônjuge, a Adega da Quinta de R.

Durante a vida adulta o arguido sempre foi uma pessoa muito participativa na comunidade de onde é natural, interessado pela vida pública, tendo sido presidente da Junta de Freguesia de ... – CBT , durante um mandato e, posteriormente, elemento do executivo da Câmara Municipal X, desempenhando funções que alternavam entre a de vereador e a de vice-presidente durante os últimos 27 anos.

Assim, consequentemente, é habitual o arguido assumir e expor publicamente a sua vida social, gozando de uma boa imagem. Nos tempos livres, refere que privilegiava o convívio intrafamiliar nuclear.

II - Condições sociais e pessoais

Em Novembro de 2009, data dos factos pelos quais se encontra acusado, I. C. era Vice-presidente na Câmara Municipal X e havia sido reeleito recentemente.

Residia na Quinta de R, com o cônjuge e a filha, que o casal adotara após o regresso de Angola.

A filha veio a falecer em 2011, acontecimento que o arguido afirma como gerador de elevado sofrimento. O mesmo aproximou-se afetivamente do namorado da filha, C. M., que passou a ser considerado como um elemento da família. Posteriormente, este e a sua nova companheira passaram a integrar o agregado familiar do arguido.

Atualmente, o agregado familiar é composto pelo arguido, pelo seu cônjuge, por C. M., guarda na GNR, pelo cônjuge deste, que trabalha na Adega da família, e pelo filho deste casal, de 18 meses.

O arguido, anterior vice-presidente, é atualmente vereador na Câmara Municipal X, auferindo cerca de 2000€ mensais e, a título de reforma, uma pensão de cerca de 2000€. A sua cônjuge recebe uma pensão de reforma de cerca de 2000€ mensais. O casal usufrui também dos rendimentos provenientes da exploração da empresa/adega, de que é proprietário, em valores que não especificou.

Quanto a despesas regulares, o arguido refere a prestação relativa a um empréstimo bancário para obras na habitação, no valor mensal de cerca de 400€, acrescido de despesas fixas de água, luz e gás de cerca de 250€. É referida ainda a despesa com medicamentos, decorrente da saúde frágil do cônjuge, de cerca de 100€ mensais.

A ocupação do seu dia-a-dia é gerida, em torno do cumprimento de rotinas laborais, quer na adega da Quinta, quer na Câmara Municipal e no assegurar de rotinas familiares, prestando apoio ao cônjuge e ao filho do casal que com ele coabita. O relacionamento intrafamiliar é descrito como positivo.

Na área de residência e de vivência laboral do arguido a presente situação judicial foi mediatizada, sendo bem conhecida, pese embora maioritariamente associada ao coarguido. I. C. continua, todavia, a ser positivamente referenciado, sendo a sua imagem associada à da família de origem, pessoas referenciadas como integras e normativas.

III – Impacto da situação jurídico-penal

O arguido mantém o seu normal estilo de vida independentemente da situação jurídico-penal inerente ao presente processo, pese embora manifeste constrangimento e apreensão por nele se encontrar envolvido, centrando-se em eventuais perdas pessoais e sociais, designadamente decorrentes de eventual dano causado ao seu bom nome.

Verbalizou reconhecer a ilicitude dos factos e aceitar a sua tutela jurídica, bem como a existência de vítimas e de danos. Contudo, não se revê nos factos de que se encontra acusado, acreditando que será absolvido.

Apresenta uma atitude tradutora de colaboração para com o sistema de justiça, numa eventual condenação e no cumprimento de uma medida na comunidade, pese embora esteja convicto de desfecho favorável para si, contando com o apoio do seu agregado familiar.

A sua imagem no meio onde reside, é positiva e mantém-se consonante com a anterior, mesmo com a mediatização do presente processo. O arguido mantém uma imagem pública referenciada positivamente, sendo a sua conduta descrita como pró-social e a atitude como respeitadora e cordial.

IV – Conclusão

O processo de socialização de I. C. decorreu junto do seu agregado familiar de origem, num ambiente descrito como organizado e socioeconomicamente favorecido, associado a um local emblemático na zona com tradição em atividades empresariais, contexto que determina o seu trajeto de vida sobretudo do ponto de vista político e profissional.

Do percurso profissional sobressaem atividades públicas e privadas, relevando os 29 anos de desempenho de cargos autárquicos, sendo que é na Câmara Municipal X onde regista a maior permanência, e que lhe confere estabilidade a nível profissional, familiar e social.

Do ponto de vista familiar, regista uma perda emocional e integração no seu agregado de um outro núcleo familiar, disfrutando de um enquadramento familiar harmonioso e gratificante.

Na comunidade o presente confronto judicial foi mediatizado e é conhecido mantendo, todavia, o arguido uma boa aceitação social no seu meio de inserção.

Verbaliza reconhecer o bem jurídico em causa, aceita a sua tutela jurídica e a ilicitude de factos de idêntica natureza, bem como a existência de vítimas e de danos. No entanto não se revendo nos factos subjacentes ao presente processo e de que é acusado, acredita que sairá absolvido.

Face ao exposto, em caso de condenação e se a pena concretamente aplicada o permitir, consideramos que o arguido reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, face à qual manifesta adesão, não se afigurando necessária a intervenção da DGRSP.”.
*
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram outros factos, em contradição com estes ou para além deles, designadamente, que:

- Os arguidos concluíram que seria impossível a satisfação das necessidades do serviço de finanças do município somente com a colaboração dos funcionários da autarquia, sendo fundamental recorrer a apoio externo para assessorar essa área.
- O Departamento Financeiro da autarquia, face ao escasso número de funcionários e a ausência de técnicos superiores qualificados não tinha possibilidade de proceder à elaboração do plano de saneamento financeiro, tendo sido equacionada a necessidade de contratar uma empresa que elaborasse esse plano;
- Atendendo à relação familiar que tinha com A. S., o arguido J. M. comunicou que não iria participar na discussão e na decisão de contratar, deixando o assunto entregue aos referidos eleitos e empossados Vereadores;
- O arguido J. M. não teve mais intervenção nesse assunto e só veio a saber mais tarde e já depois do ato de investidura, através de conversa com o co arguido, que este, em conjunto com o Prof. C. P., haviam decidido contratar o Dr. A. S., pois entendiam ser uma inquestionável mais-valia para o Município, quer pelo conhecimento técnico que o mesmo detinha relativamente aos assuntos financeiros da Câmara, quer pela experiência adquirida durante o exercício de funções de Presidente da Câmara.
- O arguido J. M. assinou os documentos nos pontos 12 e 15 da acusação, sem saber que respeitavam à contratação de seu pai;
- Só dias mais tarde, após a investidura, é que o arguido J. M. soube, através de conversa com o Vice-Presidente da Câmara, que tinha sido decidida, na tal reunião conjunta dos Vereadores, a contratação dos serviços do seu pai;
- O arguido J. M. desconhece por que motivo e quando foi constituída a referida sociedade, bem como as razões que determinaram ter sido esta a adjudicatária para a prestação de serviços;
- O arguido J. M. desconhecia a existência da sociedade comercial denominada “Casa do P.”, que essa sociedade era participada pelo seu pai e que o seu pai constituíra essa sociedade escassos dias antes do início do procedimento;
- O arguido desconhecia que a contratação de seu pai (o próprio e não a sociedade, cuja existência desconhecia) lhe pudesse vir a ser submetida a despacho, trazida por funcionário para assinar, tendo em conta o seu já descrito propositado alheamento dessa eventual contratação.
- A denominação “Casa do P.” não corresponde a qualquer denominação de família do arguido, pelo que esse nome não lhe era familiar;
- O Dr. A. S., na execução do contrato de prestação de serviços, desempenhou as tarefas seguintes: teve reuniões diversas com os serviços de contabilidade para construção de cenários da receita previsível para ano seguinte reuniões com as chefias dos departamentos e divisões para recolha de informação das obras em curso e recursos financeiros para a sua execução no ano seguinte, reuniões com os membros do executivo para o elencar das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, reuniões com os serviços municipais para recolha de informação dos valores e prazo de execução das obras a incluir no Plano e Orçamento, procedeu à análise da evolução da execução do orçamento e do cumprimento do equilíbrio orçamental, teve reuniões com os serviços e membros do executivo Deu apoio na preparação e elaboração de mapas e informações que constam da Prestação de Contas e na preparação e elaboração do Relatório e Contas, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, fez análise e acompanhamento do nível de endividamento do município, teve reuniões com os serviços e membros do executivo, deu apoio na preparação da informação a remeter à empresa A. F., responsável pela elaboração do Plano de Saneamento Financeiro, teve reuniões com os serviços, membros do executivo e colaborados A. F. e fez acompanhamento da execução dos pagamentos previstos com o Plano de Saneamento Financeiro (cerca de 11.400.000,00€) e acompanhamento da implementação dos objetivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro e deu apoio na elaboração dos Relatórios Semestrais de Saneamento Financeiro e acompanhamento da implementação dos objetivos previstos no Plano de Saneamento Financeiro;
- No decurso da execução do contrato foram executadas pelo Dr. A. S., designadamente, as seguintes tarefas e serviços: apoio na elaboração do orçamento e PPI (Plano Plurianual de Investimentos); Apoio no controle da execução do orçamento e PPI; Articulação dos diversos serviços do Município, no sentido de um melhor cumprimento do orçamento e PPI; Apoio na elaboração de alterações ao orçamento e PPI; Apoio no controle do equilíbrio orçamental; Apoio na elaboração do relatório de contas e prestação de contas; Análise e controle das dívidas a fornecedores; Apoio na preparação do plano de pagamento a fornecedores; Apoio na inventariação do património do Município; Apoio no controle das existências em armazém; Apoio na preparação de informação para a elaboração do Plano de Saneamento Financeiro; Apoio no controle dos pedidos de pagamento aos Fundos Comunitários;
- A contribuição do Dr. A. S. para elaboração do saneamento financeiro possibilitou que o plano tivesse sido aprovado e obtido o visto pelo Tribunal de Contas.
- O quadro de pessoal da divisão de finanças da Câmara era insuficiente para o processamento do expediente corrente do Município;
- O serviço de finanças não estava dotado de meios materiais e humanos que viabilizassem a preparação do plano de saneamento financeiro;
- A preparação do plano de saneamento financeiro, como a preparação do plano plurianual de investimentos, exigiam conhecimentos e qualificações específicos, não disponíveis no mercado;
- A contratação de técnicos especializados, mas desconhecedores da realidade municipal, implicaria um gasto de tempo, e um dispêndio de verbas muito superior à despesa contratada;
- A celebração do contrato de prestação de serviços permitiu, por um valor muito inferior ao de mercado, e com adequada celeridade, dotar a autarquia com os serviços de um quadro qualificado pelo conhecimento e pela experiência, o que tornou viável a preparação do plano de saneamento financeiro com grande celeridade;
- Foi graças aos serviços contratados que o plano de saneamento financeiro foi aprovado e implementado ao longo dos anos, com rigor e sucesso.
- Os serviços contratados foram prestados à vista de toda a gente, diariamente durante o período de vigência do contrato e em total articulação com os serviços municipais, tendo a utilidade da contratação dos serviços sido identificada pelo arguido I. C. e decidida em articulação de vontades com o Vereador C. P.;
- Ao decidir pela celebração do contrato de prestação de serviços o arguido I. C. teve, exclusivamente, em vista servir os interesses públicos da autarquia;
*
MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal resultou da apreciação do conjunto da prova produzida em audiência, analisada criticamente, de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade.

Concretamente, o Tribunal teve em consideração as declarações dos arguidos.

Confirmaram os factos vertidos nos pontos 1º a 4º e 8º da acusação.

No que se reporta ao art.º 9º, esclareceram que no decurso de uma reunião que mantiveram com a testemunha C. P. ainda antes da tomada de posse, para preparação do novo mandato, concluíram que seria necessário reforçar o sector financeiro da autarquia, ante a iminência de saída da chefe de divisão financeira, D. G. L., uma funcionária com o 5º ano de escolaridade que tinha dirigido a área financeira nos últimos anos, e a existência de um quadro “curto” naquele departamento (mais 2 ou 3 funcionários e uma técnica).

Acresce que pretendiam implementar um plano de saneamento financeiro, o que se perspetivava ter uma duração de muitos meses.

Nesse contexto, o arguido I. C. falou no nome de A. S., pai do arguido J. M., que considerou que não deveria emitir qualquer opinião, atenta a relação existente entre ambos, embora tivesse dito que aceitaria a decisão que viesse a ser tomada.

Confirmaram os pontos 10º (acrescentando que A. S. é licenciado em filosofia e que, não tendo embora formação académica nas áreas referidas, terá experiência nesse domínio), 11º, 12º (revelando o arguido J. M. que só em 2014 tomou conhecimento que tinha assinado tais documentos, quando confrontado pela IGF com esse facto).

O arguido J. M. referiu ainda que o despacho e ofício são normalmente assinados em conjunto e que assinou tais documentos sem perceber o que estava a assinar, tanto mais que não conhecia a designação “Casa do P.”, nada havendo nos documentos que lhe chamasse a atenção.

De resto, acrescentou que poderia não ter reparado no documento, mesmo que contivesse o nome do seu pai, o que explicou com a circunstância de o dia 9 de novembro, dia da assinatura, ser o 6º dia do mandato e o seu dia de aniversário, tendo sido muito solicitado durante o dia.

Caso contrário, teria dito que o procedimento não lhe poderia passar pelas mãos, ciente da incompatibilidade da sua intervenção numa matéria daquela natureza.

Não questionaram a veracidade do teor dos pontos 13º a 18º, de resto demonstrados por documentos, acrescentando – ainda que sem conseguir apontar outros exemplos – que há outras situações de contratação igualmente céleres. Reconhecem, no entanto, que não é uma prática corrente conceder-se apenas um dia para resposta ao convite, mas que tal já terá acontecido noutras circunstâncias.

Dizem não ter conhecimento da matéria consignada no ponto 19º da acusação, afirmando o arguido J. M., em relação ao ponto 20º, que não tomou conhecimento da proposta, que terá sido efectuada através dos serviços administrativos.

Durante todo este processo – ainda antes da data da assinatura dos ofícios – o arguido I. C. sempre disse que ia proceder à contratação de A. S..

Não questionam a veracidade dos pontos 20º a 22º, esclarecendo o arguido J. M. que só tomou conhecimento dos termos da proposta em 2014 e que não tem presente a data do parecer do jurista da autarquia. Refere que, por regra, a informação deve andar a par do processo de decisão não conseguindo justificar a razão pela qual a informação foi prestada depois.

Já no que se reporta ao ponto 23º, mesmo não tendo presente a data da cabimentação, afirmaram que naquela época – diversamente do que ocorre depois da entrada em vigor da denominada lei dos compromissos, a cabimentação ocorria depois da assunção do compromisso.

Referem, relativamente ao ponto 24º, que apenas foi comunicado ao arguido J. M. que o seu pai iria prestar serviços, desconhecendo este os termos e a data em que o contrato foi celebrado, apesar de ter visto serem processadas as ordens de pagamento do preço.

Apenas 2 ou 3 meses depois é que este arguido tomou conhecimento da designação “Casa do P., já que o seu pai nunca lhe tinha mencionado a criação da empresa. Referiu-lhe, isso sim, que quando deixasse a câmara iria dedicar-se a uma atividade agrícola.

Confirmou que a sociedade não tinha outros sócios, para além dos seus pais e que não tinha outros funcionários com formação na área da economia, gestão, finanças ou contabilidade e que prestou efetivo apoio ao saneamento financeiro e à implementação do respetivo plano.

Revelaram, por outro lado, que na área financeira, não é prática corrente assinar relatórios ou documentos e que o plano de saneamento financeiro foi apresentado por uma empresa (A. F.), para cuja preparação foi necessário o fornecimento de elementos por parte da Câmara Municipal.

Referiram finalmente, que a execução do plano – a envolver valores da ordem dos 11 milhões de euros, resultantes de um empréstimo – era feita em equipa, sem documentação de reuniões, inexistindo relatórios, pareceres ou outros documentos que sustentem intervenção da “Casa do P.”, o que dizem ser normal na área financeira.

Os arguidos confirmaram ainda a matéria incluída no ponto 34º – tendo o arguido J. M. dito que lhe foi transmitido pelo co-arguido que os objetivos estavam a ser alcançados, pretendendo o seu pai dar por terminada a prestação de serviços – não pondo ainda em causa o ponto 35º da acusação.

O arguido J. M. referiu-se ainda ao ponto 42º, que disse corresponder à verdade. Referiu que os pais pretendiam contrair um empréstimo em nome da empresa, para o que pediram aos filhos para assumirem responsabilidades enquanto avalistas. Para o efeito, os filhos teriam de ter uma participação na sociedade, não tendo todavia ficado com a noção de que ficou a ser sócio da empresa.

O arguido I. C. confirmou, no essencial as declarações prestadas pelo coarguido.

Afirmou que o anterior presidente da câmara se confundia com a secção de finanças da câmara, tendo vasto conhecimento da matéria, pelo que nem colocou a possibilidade de chamar outra pessoa para tratar do equilíbrio financeiro da autarquia, apesar da dificuldade que teve em convencê-lo a aceitar a proposta.

Referiu ao jurista da câmara a intenção de o contratar, tendo-lhe este avisado que a contratação teria de ser feita através de uma empresa, facto de que deu conhecimento a A. S., que logo lhe manifestou que não haveria qualquer problema uma vez que até já tinha pensado em criar uma empresa.

Deixou ao cuidado de jurista da câmara a forma como o contrato iria ser celebrado e reconhece que os ofícios deviam ter sido assinados por si, o que só não aconteceu por descuido.

Referiu-se às funções de A. S., dizendo que tinha intervenção direta na preparação dos pagamentos e na recabimentação de despesas. Elaborou planos de pagamento, de acompanhamento de obras, pagamentos a bancos, recebimento dos fundos europeus e preparou e deu formação a outros técnicos. Descreveu-o como uma pessoa insubstituível, pelo que, não tendo interesse em contratar qualquer outra pessoa, o procedimento com vista à sua contratação era uma mera formalidade, posto que todas as condições do contrato – aqui se incluindo o preço – estavam previamente acertadas.

O Tribunal teve também em consideração o depoimento das testemunhas:

- P. J.

Inspetor da Inspeção Geral de Finanças, conhece os arguidos por razões profissionais, tendo participado numa inspecção à Câmara Municipal X, de natureza sectorial, ordinária, abrangendo a contratação pública.

Analisou diversas situações, aleatoriamente, tendo uma delas – de que teve conhecimento com base em notícias de jornal – causado alguma estranheza.
Referiu que, no decurso da inspecção não deu conta de situações semelhante de contratação tão expedita como a que vem descrita no despacho de pronúncia.

Revelou ainda que não encontrou documentos em que estivesse materializada a intervenção de A. S., em execução do contrato e reportou-se às irregularidades procedimentais que encontrou na contratação.

- M. M.

Chefe de equipa da Inspeção Geral de Finanças, conhece os arguidos do exercício de funções.
Referiu que a ação inspectiva estava prevista no plano de atividades, com base na análise de risco da contratação pública, para o que também têm em consideração, quanto à escolha das entidades a auditar, as notícias saídas na imprensa.

- C. A.

Inspetor da PJ, conhece os arguidos do exercício de funções.
Interveio em algumas diligências com a finalidade de perceber se a designação “Casa do P.” estava ou não associada ao arguido J. M..
Dos contactos que manteve no local, apurou que a “Casa do P.” correspondia a uma propriedade já antiga, onde ainda residiam tios do arguido J. M. e onde teria também residido o seu pai.
Subscreveu o auto de diligência externa de fls. 276 e ss., onde ficaram documentadas as ditas diligências.

- A. P.

Conhece os arguidos, já que foi funcionário da Câmara Municipal X durante cerca de 15 anos, até aproximadamente 2015, tendo desempenhado as funções de chefe de gabinete até às eleições de 2009 e, posteriormente, de técnico superior jurista.

Defendeu que o contrato em causa poderia ser feito por ajuste direito, já que o valor máximo do contrato – tendo em consideração as prorrogações possíveis, por um período máximo de 3 anos – não era superior a 75.000€, referindo ainda que o procedimento adotado, nesta circunstância, era semelhante ao adotado em outras, baseado em minutas.

Falou com a comissão de compras para poder avançar com o contrato, admitindo como possível que o convite tenha sido entregue em mão. Admite igualmente como possível que tenha sido pedida alguma celeridade, posto que se tratou de um período de mudança do executivo e havia essa necessidade.

Foi por sua sugestão que o contrato foi celebrado com uma pessoa coletiva, como imposto pela legislação em vigor (Lei 12-A/2008, de 27.02).

Havia sido abordado pelo arguido I. C., que lhe deu conta da sua pretensão e lhe pediu para avançar o mais depressa que conseguisse, tendo-o alertado para a necessidade de contratar uma pessoa coletiva.

Via A. S. a trabalhar diariamente, tendo interagido com ele, profissionalmente, em reuniões, ainda que sem formalização dessa interação, descrevendo a disponibilidade de A. S., na fase de saneamento financeiro, como permanente.

Referiu outras situações de contratações feitas com celeridade, para a prestação de serviços nos ramos da eletricidade e do ambiente, não conseguindo todavia identificar empresas com quem tais contratos foram celebrados.

- P. M.

Conhece os arguidos em virtude do exercício de funções, já que trabalha no Município X desde 2004, inicialmente como Técnica Superior de Economia – sobretudo no ramo da inventariação do património da Câmara – e, actualmente, desde 2010/2011, a partir do momento em que a funcionária G. L. manifestou intenção de se aposentar, na parte da contabilidade.

Nas suas funções, tinha apoio do então presidente da Câmara (A. S.), que tinha o pelouro da parte financeira.

A partir de 2009, A. S. passou a ter uma avença com a Câmara, tendo-lhe prestado apoio durante cerca de 2 anos. Coordenava os serviços de análise de contas, de endividamento, execução orçamental, preparação da prestação de contas, saneamento financeiro, e execução do PPI e estava diariamente na Câmara, onde mantinha um gabinete.

Com a saída de A. S., em 2011, foi contratada uma Técnica Superior e, mais tarde, uma funcionária de gestão da empresa.

firmou que não conhecia a designação “Casa do P.” antes de começar a prestar serviços para Câmara e disse que o plano de saneamento tinha inerente a contratação de um empréstimo e supunha visto do Tribunal de Contas, que ainda demorou alguns meses a obter, num trabalho que classificou como sendo complexo, não tendo alguns municípios conseguido aprovação doo Tribunal de Contas.

Referiu que A. S. não assinava quaisquer informações que prestava, o mesmo sucedendo com as análises entregues pela depoente.

Disse que o auxílio por ele prestado foi fundamental, naquela fase, já que tinha muito mais experiência e conhecimento na área do que o arguido J. M., não havendo na autarquia outra pessoa que pudesse exercer aquelas funções.

- J. C.

Conhece o arguido J. M. pessoalmente, há cerca de 30 anos, por serem da mesma terra, apenas conhecendo o arguido I. C. como pertencendo à Câmara Municipal.
Conhece igualmente A. S. – pai do arguido J. M. – por ter sido professor na freguesia, sabendo ter nascido em Codeçoso. Afirma que viveu naquele local durante muito tempo, em solteiro, na casa dos pais, designada por “Casa do P.”, designação que nunca deixou de existir e é utilizada pela pessoas residentes naquela zona.
Associa, portanto, a designação “Casa do P.” a uma propriedade pertencente a A. S. e à respetiva família, embora desconheça a quem, nos dias de hoje, pertence a propriedade.

- J. G.

Conhece os arguidos há mais de 20 anos, em particular o arguido I. C., já que é advogado da Câmara Municipal X há cerca de 30 anos.
Referiu que o arguido J. M., antes de assumir a presidência da Câmara, foi vereador durante um ou dois mandatos. Tem dele uma boa opinião, descrevendo-o como preocupado com o interesse público e com a defesa das populações, nunca se tendo apercebido de qualquer ilegalidade por si praticada.
Há cerca de 4 anos, foi confrontado com a situação que deu origem aos presentes autos, tendo-lhe o arguido J. M. manifestado surpresa por estar a decorrer uma ação de perda de mandato por ter assinado um convite para promover procedimento para a área financeira.
Teve acesso ao relatório da Inspeção Geral de Finanças e estava surpreendido porque não se lembrava e nem se tinha apercebido que tinha assinado o convite, o que considera normal, já que a atividade autárquica tinha parado, por causa das eleições, sendo apenas praticados atos de gestão corrente, razão por que havia muitos ofícios e decisões parados.
Quando se deslocava à Câmara, via lá A. S., “afogado em papéis”, para preparar o plano de saneamento, no que tinha de ser muito minucioso.
Não se recorda que alguma vez tivesse trocado impressões com ele sobre isto, afirmando que outros municípios recorreram ao mesmo expediente, umas vezes com sucesso, obtendo visto do Tribunal de Contas, outras vezes sem.
Referiu que no exercício da sua atividade, assina os pareceres que elabora, o mesmo não acontecendo na parte financeira, em que não são assinados relatórios, mas apenas elaboradas informações.

- C. P.

Conhece ambos os arguidos por razões de ordem profissional – já que é vereador da Câmara Municipal X – há cerca de 9 anos.
Conversou várias vezes com os arguidos sobre o assunto que deu origem aos presentes autos, sobretudo com o arguido I. C..
A primeira dessas conversas ocorreu depois das eleições – em Setembro de 2009 – tendo reunido os três para preparação do mandato.
Nessa reunião, a preocupação geral residia na alteração à legislação na área financeira, que poderia determinar, por parte da Câmara, a inibição da obtenção de crédito.
Tiveram convicção de que a única pessoa que os poderia ajudar naquela matéria seria o anterior presidente da Câmara, A. S., já que tinha conhecimento sobre todos os dossiers e a Câmara não tinha serviços com as pessoas necessárias.
Em conjunto com o arguido I. C., em meados de outubro de 2009, decidiu então contratar A. S., não tendo tomado parte dessa decisão o arguido J. M., por estar impedido de o fazer. Manifestou-se, de resto, contra a contratação, tendo todavia dito que aceitaria a decisão que viesse a ser tomada, pedindo apenas que lhe fosse comunicada, o que foi feito pelo arguido I. C..
Nada sabe quanto à tramitação do processo de contratação.
Confirmou que no dia do seu aniversário (9 de novembro), o arguido J. M. recebeu inúmeros telefonemas, tendo ainda uma “pilha” de documentos para assinar. Por essa altura, terá também havido um problema grave com a gravidez da esposa do arguido.

Referiu que na câmara municipal, à data, não existia um núcleo destinado às matérias financeiras, que passavam exclusivamente pelo anterior presidente da câmara. Posteriormente, a autarquia dotou-se de outros funcionários (uma técnica superior, licenciada), duas técnicas superiores, sendo hoje o departamento financeiro composto por, pelo menos, 3 pessoas.

- A. S.

Pai do arguido J. M., foi presidente da Câmara Municipal X durante 20 anos.

Em 2009, apesar de ter decidido não se recandidatar, para se dedicar a um projeto particular, o arguido I. C. contactou-o e convidou-o para assessorar a parte financeira, área que desde o início sempre dominou.
Depois de muita insistência – isto por altura da tomada de posse – acabou por aceitar, tendo manifestado essa sua posição ao arguido I. C., que lhe disse que iria entrar em contacto com o Dr. A. P. para dar andamento ao processo de contratação, um processo meramente formal, já que todas as condições estavam previamente determinadas, designadamente, o valor do contrato, inferior ao pago em outras assessorias.
O contrato não foi celebrado em seu nome – mas em nome de uma sociedade – porque lhe foi dito por parte do Dr. A. P. que a lei assim o impunha, o que não foi obstáculo, já que tinha dado início, em 27 de outubro daquele ano, ao processo de criação de uma empresa, denominada Casa do P..
A designação “Casa do P.” não era conhecida ou associada à sua família, sendo totalmente nova.
Referiu que o convite formal para exercer as funções de assessor foi feito no dia 09.11 e que começou a trabalhar em meados de novembro, já que o PPI tinha de ser aprovado até 31.12.2009.
Referiu que naquela altura não conversou com o arguido J. M., seu filho, sobre este assunto. O filho vivia em Lousada e a vida não proporcionou essa conversa. Falou com ele, isso, posteriormente, já em exercício de funções.
Referiu que a autarquia, em 2010, deu seguimento à aprovação e, posteriormente à execução do plano de saneamento financeiro, plano que envolvia a gestão de meios na ordem dos 11 milhões de euros, na qual teve intervenção.
Teve várias reuniões com os vários departamentos da câmara para preparar e calendarizar a execução deste plano.
Não existem, todavia, documentos que demonstrem essa sua intervenção, havendo meros rascunhos de trabalho. Ainda assim, muniu-se de um documento contendo o seu nome, que ficou junto ao processo, a fls. 1587 e ss..
No que se refere à designação “Casa do P.”, referiu que formulou um pedido de admissibilidade em 27 ou 28 de outubro de 2009, rejeitado, vindo a formular novo pedido, desta feita com a referida designação, no dia 29 de outubro, tendo a câmara sido instalada em 31 de outubro.
A designação “Casa do P.” fora escolhida por si, tendo recebido a confirmação da aceitação da firma no dia 03.11.2009, constituído a sociedade no dia 5 e dado início à atividade no dia 9.
Pretendia dedicar-se à floresta, agricultura e turismo, tendo todavia acabado por desistir dessa intenção.
Confirma que o convite para o exercício das funções de assessor lhe foi entregue em mão e que o leu, embora não na totalidade, tendo-lhe dado resposta.
No exercício dessas funções – e uma vez que a parte financeira é transversal a toda a atividade da câmara – contactava com muita gente, deslocando-se todos os dias à câmara, onde tinha gabinete.
Refere que também foi contratada uma empresa, com quem teve duas ou três reuniões, para elaborar o documento a submeter ao Tribunal de Contas, documento que foi elaborado com os dados facultados pela câmara.

- G. L.

Conhece os arguidos por razões profissionais, já que trabalhou na Câmara Municipal X, entre 1972 e dezembro de 2010.
Era chefe de divisão e gestão de finanças, responsável máxima pelo Departamento Financeiro da autarquia – onde trabalhavam também os funcionários M. J. e A. M. – exercendo funções nas áreas de contabilidade (receitas, despesas, facturação) recursos humanos, aprovisionamento e tesouraria.
Contavam ainda com o apoio de A. S., necessário para o apuramento das receitas e despesas que fosse necessário fazer.
Sabe que em 2009 foi celebrado com A. S. um contrato de prestação de serviços, tendo sido o Dr. A. P. a tratar da celebração do contrato.
Ficou satisfeita com esse facto, já que sabia que iria sentir dificuldades no seu trabalho no departamento que chefiava a partir do momento em que A. S. se aposentasse.
Referiu igualmente que já em 2009 tinha anunciado a intenção de se aposentar (ainda no mandato de A. S.), vindo a formular o respectivo pedido junto da Caixa Geral de Aposentações em 2010.
Esclareceu que nenhum dos funcionários do departamento tinha formação académica na área das finanças ou contabilidade, o mesmo sucedendo com A. S.. Disse ainda que qualquer economista teria dificuldade em entrar nas finanças da autarquia.

No que se refere às funções de A. S., embora desconheça quando foi celebrado o contrato bem como o respectivo teor, diz que começou a exercê-las em novembro de 2009.
Disse ser natural de X, não conhecendo a designação “Casa do P.”.
Durante a execução do contrato de prestação de serviço, tudo se processava como na vigência dos mandatos de A. S., com a diferença de que as decisões eram postas à consideração do presidente da câmara.
A. S. apenas tinha acesso aos computadores da autarquia para consulta, mas não para introduzir quaisquer modificações, ao invés do que sucedia com a depoente, que também assinava documentos no exercício das suas funções, ficando ainda registada a sua atividade – como acontecia com outros funcionários – a partir do momento em que fizesse login.
Referiu que A. S. estava diariamente na câmara e, não se recordando embora de que forma tomou conhecimento que lá iria continuar a trabalhar, afirmou que caso não fosse contratado A. S., teria de ser proposta a contratação de outra pessoa.

- J. A.

É diretor do departamento de planeamento, ordenamento do território, fundos comunitários, ação social e cultural da CM X, funções que exerce há cerca de 30 anos, mantendo por via disso contacto direto com o Presidente da Câmara.
No que se refere à contratação de A. S., referiu que o arguido I. C., antes da tomada de posse dos órgãos autárquicos, em 2009, o consultou sobre essa possibilidade, demonstrando preocupação com a mudança na Câmara e também com a circunstância de os serviços da área de contabilidade não terem um quadro capaz – face à aposentação da testemunha G. L. – e com a necessidade de implementação do plano de saneamento financeiro.
A. S. tinha tido uma grande participação nesta área, afigurando-se ao arguido I. C. como a pessoa indicada para este efeito, ainda que com reservas quanto à possibilidade de aceitação do convite.
Mais tarde tomou conhecimento da contratação, tendo A. S. iniciado funções logo após o início do mandato, ocupando um gabinete situado ao lado daquele que estava atribuído ao Presidente da Câmara.
Reunia com grande frequência com A. S., face à necessidade de aprovação do PPI (Plano Plurianual de Investimento), e ao grande investimento (cerca de 20 milhões de euros) que se antevia ser preciso efetuar. Como áreas de atuação durante o período de execução do contrato, destacou a elaboração de planos de atividade e orçamento, prestação de relatório e contas, alterações ao orçamento e plano de saneamento financeiro e inventariação de património.
Referiu não conhecer a designação Casa do P., de que apenas soube depois de este assunto se ter tornado público. Até então, julgava que a contratação tinha sido feita “em nome” de A. S..
Referiu igualmente que no tempo em que trabalhava no departamento de finanças da câmara a testemunha G. L., os documentos que sustentavam alterações ao orçamento também não eram assinados por ela.

- A. F.

Conhece os arguidos há mais de 30 anos, o arguido J. M., desde infância.

Exerce funções, como pároco, em duas paróquias de X.
Faz uma apreciação positiva do caráter do arguido J. M., que tem como pessoa de confiança, séria, responsável, credível, com preocupações sociais, que procurava fazer o bem aos outros.

O Tribunal assentou ainda a sua convicção nos seguintes elementos de prova:

- Documentos constantes do Apenso I que constituem o processo de “Contrato Prestação de Serviços “Avença” Assessor Financeiro” elaborado pela Câmara Municipal X de fls. 1 a 26.
- Relatório de Inspeção da IGF de fls. 4 e sgts. e respectivos anexos, designadamente de fls. 11 a 35, onde constam:
- Proposta de Cabimento de fls. 17.
- Tabela de despesas realizadas pela Câmara Municipal com o contrato celebrado com a sociedade “Casa do P. Lda” de fls. 20.
- Ordens de pagamento de facturas de fls. 20 verso a 33.
- Certidão de nascimento de fls. 222,
- Prints de imprensa escrita de fls. 266 e sgts.
- Auto de diligência externa de fls. 276 e respectivo relatório fotográfico.
- Certidão comercial permanente de fls. 288 e sgts,
- Escritura de divisão e doação de quotas de fls. 300 e sgts.
- Documentação remetida pela Câmara Municipal X constante de fls. 318 e sgts.
- Relato de diligência externa de fls. 337 e sgts.
Tendo sido esta a prova produzida, importa fazer a sua análise crítica.

Há aspetos sobre os quais a prova produzida – assente nos documentos juntos ao processo e nas declarações dos arguidos – não suscita debate. Referimo-nos, concretamente, aos aspectos procedimentais que conduziram à contratação da sociedade “Casa do P.”, à celebração do contrato e aos termos em que este foi celebrado, ao pagamento do preço ou às funções exercidas pelos arguidos. Em suma, baseando-se o Tribunal nos documentos juntos aos autos e nas declarações dos arguidos, considera-se demonstrada, sem necessidade de uma apreciação crítica mais exaustiva, os pontos 1º a 5º, 10º a 18º, 20º a 32º, 34º e 35º, 42º e 47º da acusação.

Outros aspetos há que merecem apreciação mais cuidada. São aqueles que se prendem com a intervenção do arguido J. M. na contratação da “Casa do P.” e, fundamentalmente, a consciência dessa intervenção, as razões que determinaram essa contratação, e os serviços efetivamente prestados por essa sociedade e por A. S. no período de vigência do contrato.

Está assente a intervenção do arguido J. M. no procedimento que conduziu à contratação da “Casa do P.”. Alegam os arguidos que tal intervenção resultou de um descuido, associado à turbulência inerente ao período de início de funções e à circunstância de a data em que os documentos referidos nos pontos 12º e 15º da acusação coincidir com o dia de aniversário do arguido J. M., dia particularmente preenchido com contactos de pessoas que queriam felicitá-lo, não só pelo seu aniversário, como também pela eleição, ainda recente.

Esta alegação permite-nos, desde logo, concluir que os arguidos tinham consciência – e isso, cremos que também não põem em causa – que a existência de um vínculo familiar entre o arguido J. M. e A. S., sócio da “Casa do P.” colocava questões de impedimento na celebração de um eventual contrato. Isso mesmo resulta também claro das declarações dos arguidos, quando referem que na primeira reunião em que a possibilidade de contratação de A. S. foi abordada, o arguido J. M. disse pretender manter-se alheio a essa contratação.

Resta apurar se procede o argumento da falta de consciência de participação no procedimento.

Cremos que não.

Admitindo-se embora que a data da assinatura dos documentos acima referidos possa ter coincidido com um dia mais atarefado do arguido J. M., o certo é que não colhe o argumento de que os “assinou de cruz”.

Não é razoável admitir que quem exerce funções com a responsabilidade de um presidente de câmara assine um documento sem o ler, ao menos nos aspectos essenciais (o tipo de ato, o respectivo objeto, o destinatário,…). Admitindo-se que possa não o ler na íntegra, já não se aceita, como justificação, de que nem sequer olhou para o que estava a assinar, não tendo uma consciência mínima do ato que estava a praticar. Neste contexto, se podemos aceitar que o arguido J. M. não tenha dado conta que o ofício de fls. 12-v e ss. – concretamente a fls. 13 – contivesse a referência a “Ajuste direto que tem por objeto principal a Prestação de Serviços de dois assistentes operacionais – que garantam o funcionamento dos serviços Espaço internet /Leitura presencial / Empréstimo domiciliário disponibilizados no Pólo da Biblioteca Municipal (…)”, menção que nada tem a ver com o demais objeto do documento mas que se assume como secundária já que está relacionada com aspectos meramente formais da apresentação da proposta, já não temos por razoável aceitar que o arguido J. M. não tenha dado conta do destinatário “Casa do P.” e do propósito do oficio “Prestação de Serviços em regime de avença (…)”, que para mais surge destacado do restante texto, valendo o mesmo raciocínio para o despacho junto a fls. 11 e ss..

Como se assinala no despacho de pronúncia, além do “assinar de cruz”, sem analisar a documentação, não poder apresentar-se como justificação plausível para quem assume funções de tal responsabilidade (seria então justificação para tudo), certo é ainda que há vários outros elementos neste procedimento que parecem indiciar que se tratou de um procedimento com uma tramitação inusitada e do conhecimento das várias partes: desde logo, são os próprios arguidos que referem que, em reunião informal prévia, foi analisada, pelos novos eleitos, a necessidade de assessoria financeira para o município, dada a sua situação difícil, e que a pessoa indicada para prestar essas funções seria o ex-Presidente da Câmara, pai do arguido – pelo que o arguido sabia perfeitamente que o seu pai estaria na iminência de ser contratado para tais funções (mesmo que alegue ter pretendido manter-se formalmente de fora desse processo).

De resto, temos também dificuldade em aceitar o alegado alheamento do arguido J. M. da situação da sociedade “Casa do P.”. Não nos convence minimamente a versão de que ignorava ter ficado com uma participação da sociedade (cfr. o ponto 42º da acusação), o que não sendo determinante no contexto da matéria que lhe é imputada, posto que em 04.11.2013, data da transmissão da quota, já o contrato de prestação de serviços tinha sido rescindido (cfr. o ponto 34º da acusação), é pelo menos revelador da consistência das suas declarações.

No que respeita à designação “Casa do P.”, os arguidos disseram desconhecê-la, não a associando a qualquer propriedade da família do arguido J. M..

Viram as suas declarações confirmadas pelo depoimento da generalidade das testemunhas inquiridas – exceção feita às testemunhas C. A. e J. C..

Quanto a este aspeto, destacamos o facto de as testemunhas que corroboraram a versão dos arguidos serem pessoas que lhes são próximas. Têm com eles uma afinidade que resulta de trabalharem ou terem trabalhado em conjunto na câmara, devendo o seu depoimento ser, por essa razão, apreciado com particular cautela.

Destaca-se ainda o auto de diligência externa junto a fls. 276, de onde resulta, efetivamente, que a designação “Casa do P.”, para além de não ser nova, estava efetivamente associada à família do arguido J. M. e de A. S., o que era por certo do conhecimento do primeiro.

A tal não obsta o documento junto a fls. 1053 a 1056, de onde resulta, apenas, que a designação “Casa do P.” não terá sido a primeira escolha de A. S. para a sociedade que constituiu em 05.11.2009, sem que daí se possa inferir que era uma designação desconhecida do arguido J. M..

Também por esta razão não colhe, portanto, o argumento de que o arguido J. M. não tinha condições para compreender o alcance dos documentos por si assinados em ordem à contratação da Casa do P..

Do mesmo modo, também não nos convence o argumento de que o arguido J. M. não conversou com o seu pai, por aqueles dias, sobre o assunto. Vejamos.

Tinha um relacionamento próximo com o pai, estava a iniciar funções como Presidente da Câmara X – as mesmas que o seu pai tinha exercido nos 20 anos anteriores –, sabia que tinha sido abordada a possibilidade contratação do pai para exercer funções de assessor financeiro da autarquia. E não tocou nesse assunto com ele? Não é verosímil.

Abordemos agora a questão da contratação da sociedade “Casa do P.” e não de A. S..

Efetivamente, a sociedade foi constituída no dia 05.11.2009, data anterior à que consta do despacho de fls. 11-v e ss., proferido pelo arguido J. M., a revelar uma coincidência temporal invulgar, circunstância que, a par da também invulgar celeridade com que decorreu todo o procedimento de contratação, legitima a conclusão de que a sociedade foi constituída com este propósito.

De facto, não obstante os arguidos tenham afirmado que um procedimento expedito de contratação não era inédito – vendo essas suas declarações confirmadas pelo depoimento da testemunha A. P. – o certo é que não conseguiram apontar um outro exemplo em que tal tenha sucedido.

Analisemos agora a questão da necessidade de contratação de A. S., através da “Casa do P.” para o exercício das funções de assessor financeiro.

Das declarações dos arguidos e dos depoimentos das testemunhas que lhes são próximas resulta que a contratação estava plenamente justificada pela circunstância de A. S. ser a pessoa que melhor conhecia “as finanças” da autarquia, encontrando-se por isso em condições ideais de auxiliar os funcionários do departamento na preparação do PPI (Plano Plurianual de Investimento) e do Plano de Saneamento Financeiro imposto à câmara.

Não questionamos que A. S. pudesse ter um conhecimento privilegiado sobre tais matérias, decorrente das funções que durante duas décadas exerceu. Já pomos em causa que fosse a única pessoa com capacidade para prestar aquele serviço, para mais quando, como é sabido, não tem formação académica na área e a autarquia contava com um departamento financeiro, que até à data tinha sido suficiente para a satisfação das necessidades que nessa área vinham sendo colocadas e que certamente teria um conhecimento, pelo menos, tão aprofundado como aquele que, diz-se, tinha A. S.

A não ser que se admita que a autarquia de X era A. S., e que a Câmara Municipal X não funcionaria sem A. S., o que não nos parece razoável.

De resto – e com isto, não queremos formular qualquer juízo de censura sobre a gestão da autarquia levada a cabo por A. S. durante os mandatos em que esteve à frente da câmara, para o que não temos conhecimento nem competência – interessa não esquecer que se a autarquia estava em situação de rotura financeira, a demandar a aprovação de um plano de saneamento, A. S. não seria seguramente alheio a essa necessidade.

Temos por isso dificuldade em compreender a alegação de que A. S. seria a única pessoa capaz de prestar assessoria financeira à autarquia.

No que respeita às funções concretamente exercidas por A. S., os arguidos – uma vez mais secundados pelas testemunhas que lhes são mais próximas – referiram que a sua intervenção foi fundamental para a aprovação do plano de saneamento financeiro, tendo trabalhado diariamente na autarquia durante o período de vigência do contrato.

Quanto a este aspeto sempre se diga que pese embora a generalidade das testemunhas inquiridas tenham referido que A. S. se deslocava diariamente às instalações da autarquia, onde tinha inclusive gabinete próprio, prestou serviços, com a elaboração de mapas, colaborou na elaboração do orçamento municipal e plurianual, com análise e controlo da execução e do equilíbrio orçamental, na elaboração do relatório e prestação de contas, apoio na elaboração do plano de saneamento financeiro, e pese embora os documentos apresentados pelo próprio A. S. em sede de instrução (cfr. fls. 1063 a 1236) e de audiência, certo é que não existem pareceres, informações ou relatórios que A. S. tenha elaborado no exercício de consultadoria para que foi contratado.

Não foi igualmente possível apurar a existência de qualquer serviço efetiva e especificamente prestado pelo progenitor do arguido J. M. durante a vigência do contrato de prestação de serviços, nomeadamente quais os assuntos em que efetivamente interveio, ou quais os pareceres, informações ou relatórios que tenha elaborado no exercício do serviço de consultoria para que foi contratado.

A prestação de consultadoria consiste no aconselhamento especializado por quem é pago para dar pareceres sobre matérias em que é especialista. Tal pressupunha, desde logo, que o contratado devesse deter especiais qualificações para as áreas para que foi requisitado – finanças, economia e gestão – (e não tinha: é professor primário, sem formação académica nas áreas de economia, finanças ou contabilidade, pública ou privada). E pressupunha, igualmente, que se tivesse demonstrado que prestou serviços reais e concretos, sendo que, nesta parte, quer a prova documental junta por A. S. quer os depoimentos prestados, foram inconsequentes para a demostração daquilo que os arguidos pretendiam demonstrar. Com efeito, a prova documental junta por A. S. em sede de instrução e audiência veio a revelar-se completamente inócua para a demostração daquilo que fez consignar, resultando inequivocamente da prova produzida que não existem quaisquer pareceres, informações ou relatórios assinados e que tenha elaborado no exercício de consultadoria para o qual foi contratado.

E estranha-se que assim seja: estando em causa a elaboração de um plano a envolver a gestão de recursos da ordem dos 11.000.000€, compreende-se mal que uma atividade como a que se alega ter sido prestada por A. S. não tenha ficado minimamente documentada, sendo contrária às regras da experiência comum e aos critérios de normalidade e razoabilidade que norteiam a apreciação da prova a alegação de que assim sucede na área financeira.

No que concerne às reuniões referidas pelo arguido J. M. no seu art.º 113.º da contestação, diga-se que não existe qualquer acta da presença do contratado nessas reuniões (não há, pois, qualquer documentação da presença do contratado nas reuniões).

O que a prova produzida evidencia é que os arguidos procuraram, efetivamente, atribuir a um benefício a A. S.. Num processo eivado de irregularidades – indesmentíveis – quiseram que continuasse a auferir remuneração ao serviço da autarquia, não obstante tivesse lá deixado de exercer funções.

Os elementos de prova conjugados e apreciados de forma criteriosa são inequívocos no sentido de permitir fundamentar que é manifesto que o contexto da relação próxima de parentesco entre o autarca e os sócios e gerentes da adjudicatária (seus pais), e os interesses envolvidos colocaram em causa, de forma grave, a isenção e imparcialidade que deveriam nortear nas suas decisões de contratar e escolher a entidade a convidar, no sentido da melhor prossecução do interesse público por via daquela prestação de serviços.

Quanto à existência do dolo, na sua forma de dolo direto, dos factos objetivos se antevê que os arguidos ao adotarem as condutas supra descritas, atuaram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e na sequência de um acordo entre estes firmado, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e aos impedimentos nesta matéria em razão dos vínculos familiares, as quais deliberadamente decidiram não acatar no procedimento de adjudicação do contrato acima referido.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos e à sua condição sócio-económica, baseou-se o tribunal nos crc juntos ao processo, nos depoimentos das testemunhas por eles indicadas e nos relatórios sociais.

Apreciando

Como se percebe da análise dos recursos dos arguidos - e é por estes que, pela lógica das questões trazidas à apreciação temos de começar-, há pontos de convergência que justificam uma apreciação unitária, v. g. no que respeita à discordância quanto à matéria de facto fixada pelo tribunal a quo e à perda de mandato imposta a ambos os recorrentes. Mas antes de chegarmos às concretas questões, há que, desde logo, apreciar se o crime por que foram condenados os arguidos, efetivamente se mostra praticado porque, em caso negativo, questões há que ficarão prejudicadas.

Mas ainda antes há que perceber do que se fala quando se fala da prática de um crime de prevaricação de titular de cargo político, análise que subjaz e precede a apreciação de cada um dos recursos interpostos.

Dispõe o artigo 117º da Constituição da República Portuguesa com a epígrafe “Estatuto dos titulares de cargos políticos” que:

1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações ou omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos, as consequências do respetivo incumprimento, bem como sobre os respetivos direitos, regalias e imunidades.
3. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respetivos efeitos, que podem incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato.

Nada dizendo a Constituição sobre o que deve entender-se por titular do cargo político ou sobre quais as condutas que merecem a tutela penal, há-se ser à lei ordinária que terá de ir buscar-se a definição e concretização que a norma constitucional reclama. (E diga-se que nem sempre é coincidente a noção de titular de cargo político nas diversas leis que regem a sua atuação quando o enfoque radica ou no estatuto remuneratório (Lei 4/85 de 9/4), ou no regime de incompatibilidades e impedimentos (Lei 64/93 de 26/08), ou no controlo de riqueza dos titulares de cargos públicos (Lei 4/83 de 2 de abril), por exemplo.

Os crimes - e respetivas sanções - de responsabilidade de titulares de cargos públicos (e dentro destes dos cargos políticos) estão regulados na lei 34/87 de 16/07, alterada pelas Leis 108/2001 de 28.11, 30/2008 de 10.07, 41/2010 de 03.03, 4/2011 de 16.02, 4/2013 de 14.01 e 30/2015 de 22.04.

Dispõe esta lei no seu artigo 1º :

A presente lei determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhe são aplicáveis e os respetivos efeitos.

Acrescenta o artigo nº 2 que:

Consideram-se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso de funções ou com grave violação dos inerentes deveres.

E é ao artigo 3º que vai buscar-se a noção típica de quais são os cargos políticos para efeitos da lei em apreciação, encontrando-se na alínea i) do nº 1 o cargo de “membro de órgão representativo de autarquia local”.

O conceito de autarquia local tem assento constitucional no nº 2 do artigo 235º, com o qual se inicia o título VIII dedicado ao poder local, sendo a Câmara Municipal o órgão executivo colegial do município (artigo 252º da CRP).

É ainda na já referida lei ordinária que se encontram tipificados os crimes de responsabilidade de titular de cargo político (artigo 7º a 27º).

Entre eles, no artigo 11º, encontramos o crime pelo qual os arguidos nestes autos foram julgados e condenados, o crime de prevaricação.

Comete o crime de prevaricação o titular de cargo político que, conscientemente, conduzir ou decidir contra direito num processo em que intervenha no exercício das suas funções, com intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém.

Em causa neste tipo de ilícito está a proteção da realização das funções que competem ao Estado, no interesse de todos, de forma a não prejudicar ou beneficiar interesses particulares. É o bem comum, supra individual, que a lei entende proteger ao sancionar as atuações “contra direito”.

Densificar o conceito de atuação contra direito não é sempre fácil. Várias teorias se perfilam.

Sob o ponto de vista da teoria subjetiva, atua contra direito quem procede convicto da desconformidade entre a atuação e a conduta juridicamente correta; sob o prisma da teoria objetiva, a atuação contra direito é aquela que colide com a que o direito objetivamente impõe. E se aquela deixa de fora o comportamento objetivamente típico, mas adotado por quem esteja convencido da lisura do seu comportamento, esta não consegue fazer face às múltiplas interpretações que as normas jurídicas, não raro, permitem.

Pode, ainda encontrar-se uma terceira tendência interpretativa da atuação contra direito, identificando-a com a violação dos deveres da função (Rudolph ZStW 1970, 610 e ss, citado por Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense, III, 614).

Medina de Seiça in Comentário Conimbricense, Tomo III, 615 e ss resume e assume a sua posição partindo da teoria objetiva (agir contra direito significa essencialmente a contradição da decisão com o prescrito pelas normas jurídicas) mas indo além dela, ao considerar que uma atuação contra direito é aquela que, tendo, ou não, sustentação no plano abstrato-normativo, tem fundamento em motivos contrários à ordem jurídica, designadamente com o intuito de favorecer ou prejudicar alguém.

Ao nível do elemento subjetivo do tipo de crime a expressão conscientemente aponta para a exigência de dolo direto ou necessário, no que respeita à vontade de prejudicar ou beneficiar alguém.

Eis, pois, resumidamente exposto, o quadro em que nos temos de mover para aferir da justeza, ou não, da condenação dos arguidos pela prática do crime de prevaricação.

É daqui que partimos, pois, para a análise de cada um dos recursos, não sem que antes se reconheça que no crime de prevaricação estão em causa, frequentemente, comportamentos de deteção não fácil e de investigação também difícil, por tantas vezes não poder o tribunal valer-se de prova direta, exigindo a concatenação de indícios, isto é, o recurso à chamada prova indiciária. Mas, neste caso, a livre apreciação da prova (artigo 127º CPP) que leva à formação do convencimento sobre determinado facto, tem de alicerçar-se em meios de prova que venham a permitir uma segura valoração da prova indiciária. De facto, como se diz no sumário do Ac STJ de 11/07/2007 (in www.dgsi.pt) (...)IV. A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios. V. Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.VI. A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.VII. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.(...)

Aqui chegados estamos, então, em condições de avaliar a justeza ou não da apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, porque assim o requereram ambos os arguidos, optando-se por fazer uma apreciação global da prova, uma vez que as considerações a tecer se aplicam a ambos os recursos.

A liberdade na apreciação da prova prevista no artigo 127º do CPP é, como se sabe, uma liberdade de acordo com um dever – o de perseguir a verdade material. É certo que “a verdade absoluta não pertence ao mundo das coisas humanas”, não é alcançável devido às limitações próprias do ser humano, mas também não deve impedir o tribunal de tentar chegar mais perto possível da verdade (cfr. Ac. TRL de 13/02/2013 in www.dgsi.pt).

Quando o julgador aprecia a prova, desde logo adquire a convicção para si próprio e depois terá de demonstrar a todos quantos venham a ter conhecimento da decisão que a convicção que adquiriu foi a correta.

E ao demonstrá-lo tem de o fazer de forma clara, objetivada para que se possa perceber se o raciocínio desenvolvido foi lógico ou não.

E a convicção obviamente não se adquire apenas a partir dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A prova documental, por exemplo, por vezes fala de forma muito mais clara, isenta e inequívoca do que qualquer testemunha.

O tribunal a quo depois de resumidamente expor o que disse cada testemunha, fez uma análise conjugada e crítica dos respetivos depoimentos sobretudo por confronto com os documentos juntos aos autos. E a forma como o fez, está percetível: percebe-se, por um lado, por que razão no entender do tribunal a quo resulta questionável a conduta dos arguidos na contratação da “Casa do P.” (atente-se no comportamento do arguido J. M. ao invocar uma “assinatura de cruz”, ao invocar desconhecimento da designação “Casa do P.”, ao invocar distanciamento em relação ao pai…) e, por outro, esclarece o tribunal a quo por que razão considera duvidosa a necessidade de contratação de A. S. para gerir as finanças de autarquia, quando a situação financeira, deixada pelo próprio evidenciava rotura, a demandar a aprovação de um plano de saneamento.

Tudo isto o tribunal explicou. Fê-lo apelando sempre e sobretudo à prova documental e à interpretação que dela fez. Idêntica explicação é obtida no que respeita às considerações sobre as funções concretamente exercidas, ou não, por A. S. quando confrontadas com a falta de relatórios e pareceres que para o Tribunal a quo se configuravam essenciais. Portanto, olhando o texto da decisão, é forçoso concluir que o Tribunal a quo não violou a sua livre convicção (artigo 127º do CPP), nem incorreu na invocada nulidade por falta de fundamentação prevista no nº 2 do artigo 374º do CPP. De facto, o acórdão recorrido enumerou os factos provados e não provados e as razões pelas quais fixou a matéria provada nos termos em que o fez. Pode-se ou não concordar, mas o que não se pode é imputar falta de fundamentação, olhando para o texto do acórdão.

O julgador na ponderação a fazer, deve pautar-se por regras lógicas e de racionalidade, de modo tal que quando confrontados terceiros com o decidido, possam estes aderir ou afastar-se, também racionalmente, da valoração feita. (Cfr. Jornadas de Direito Processual Penal, Direitos Fundamentais, 2004, p.251). E assim é porque, o poder que o juiz possui na avaliação da prova está muito longe de ser arbitrário e incontrolável é antes, já o dissemos, um dever - que de forma justificada e motivada se imponha aos outros - de perseguir a verdade material.

A convicção do julgador é, pois, adquirida com base na experiência, na prudência e a ela não chega o juiz achando o “máximo denominador comum” entre os diversos depoimentos, não lhe cabendo aceitar ou recusar globalmente os depoimentos – porque não é um mero recetor de depoimentos – antes perceber o que neles converge ou não para a verdade, porque parafaseando Bacon “os testemunhos não se contam, pesam-se”.

Além disso as testemunhas podem estar convencidas da sua verdade, podem ter aderido, mesmo involuntariamente, a uma das versões, podem ter falsas perceções da realidade vivida, podem saber expor melhor ou pior a sua posição… tudo isto tem o tribunal de avaliar, sem ter, necessariamente, de concluir que a testemunha faltou deliberadamente à verdade ou à isenção que se lhe exigia.

Acresce que quando além de factos e documentos, há ainda emoções (um pai que vê um filho a ser julgado; um adversário político que, naturalmente, preferia que tivesse sido outro o resultado das eleições; colaboradores e amigos que trabalharam durante muitos anos com alguém que, com pena, viram afastar-se) a apreciação da prova obriga a um especial cuidado quer em 1ª instância quer agora, por este tribunal ad quem, na sua reapreciação.

E assim, impugnada que foi a fixação da matéria de facto, impôs-se a este tribunal ad quem ouvir toda a prova para perceber se a invocada desvalorização dos depoimentos prestados pela generalidade das testemunhas -colaboradores da Câmara Municipal ao tempo - ocorreu e foi, ou não, correta, e se se impunha outra decisão da matéria de facto, conforme requerido pelos arguidos.

Efetivamente, requereram ambos os arguidos que sejam julgados provados, factos que, no acórdão recorrido, foram julgados não provados.

O arguido J. M. divide-os em 5 grupos e convoca em abono do seu entendimento os depoimentos de C. P. e A. S. para o primeiro grupo de factos que diz respeito à contratação dos serviços de A. S., pai do recorrente; o segundo grupo de factos diz respeito ao desconhecimento do arguido J. M. da contratação dos serviços de seu pai e da sociedade Casa do P., através da qual foi formalizada a prestação de serviços. Invoca para a reclamada alteração da matéria de facto, de novo, o depoimento de A. S., da testemunha A. P. e do arguido J. M. e ainda o teor dos documentos de fls 1246 a 1248 e 1053 a 1058-IV volume, respeitantes aos certificados de admissibilidade da firma da sociedade “Casa do P.” e ainda o ofício convite datado de 09/11/2009; os documentos constantes do apenso I (que constituem o Processo de Contrato de Prestação de Serviços, Avença, Assessor Financeiro); o relatório do IGF, a proposta de Cabimento (fls 17), a tabela de despesas realizadas pela Câmara Municipal com o contrato celebrado com a Casa do P., Lda, fls 20, a certidão de fls 288, fls 318 e ss e documentos juntos pela testemunha A. S. no julgamento; o terceiro conjunto de factos diz respeito aos serviços prestados pelo Dr. A. S., sustentando o recorrente a sua posição nos depoimentos das testemunhas A. P., P. M., C. F., de novo no depoimento do próprio A. S., de G. L. e de J. A.; o quarto grupo de factos diz respeito à insuficiência de pessoal na vertente dos conhecimentos necessários na Divisão de Finanças para fazer face ao trabalho a realizar, v.g. a preparação do plano de saneamento financeiro que, no dizer do recorrente, foi conseguido com maior celeridade e menos custos com a celebração do contrato de prestação de serviços em causa nos autos. As testemunhas cujo depoimento é invocado como adequado a levar à consideração como provados de tais factos são P. M., G. L., de novo o depoimento de A. T.; o quinto conjunto de factos é respeitante ao rigor e sucesso da aprovação do plano de saneamento financeiro que, no entender do recorrente, se ficou a dever à contratação efetuada. Para tanto, invoca o recorrente os depoimentos de P. M., G. L., J. A..

A sexta e última questão abordada na primeira parte do recurso respeita à Casa do P. e o recorrente serve-se do depoimento de C. A. e J. C. que entende deveriam ter sido desvalorizados.

Ainda na impugnação da matéria de facto entende este recorrente que os pontos 6 a 17, 30, 33, 34, 36, 38 a 55 que foram julgados provados deveriam ter sido julgados não provados por força dos depoimentos prestados por A. P., P. M., C. P., A. S. e G. L..

Conclui este recorrente dizendo que o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova feita, incorrendo assim no vício a que alude a alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.

Antes de mais, diga-se que o invocado vício de erro notório na apreciação da prova não se confunde com a convicção de que a prova foi apreciada erradamente. São coisas diferentes.

O erro notório é o erro da decisão, que se “vê logo”, que ressalta imediatamente do texto da decisão recorrida por si, ou conjugada com as regras da experiência da vida. Este erro, desde já se adianta, não existe na decisão recorrida. Pode o recorrente não concordar com ela, considerar que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, mas tal não significa que, do texto da decisão, resulte evidente, notório, um qualquer erro. A alegação de erro notório supõe que ele é detetável por qualquer pessoa de mediano entendimento e, portanto, sem recurso à prova documentada.

O erro a que o recorrente se refere é, então, o que resulta do facto de o tribunal a quo não ter valorado o depoimento das testemunhas da forma como o deveria ter feito, de acordo com o sentir do recorrente. Estamos, pois, perante a chamada impugnação ampla da matéria de facto, que obriga à sua reapreciação e não perante o vício previsto no art. 410 nº 2 c) do CPP.

Pelo seu lado, ainda na impugnação da matéria de facto o recorrente I. C. para além de referir quais os factos que deveriam ser julgados não provados e os que deveriam merecer juízo contrário, censura, além do mais, o facto de o tribunal a quo ter omitido a hostilidade da testemunha da acusação J. C., ter considerado de forma explicita ou implicitamente a parcialidade das testemunhas que considerou próximas dos arguidos, desconsiderando-as quando punham em crise a acusação, para concluir que a contratação feita pelo recorrente foi determinada pelos interesses e necessidades do bom funcionamento da autarquia e não por interesses particulares.

Entende o recorrente, em resumo, que ao decidir como o fez, o tribunal a quo violou as regras do artigo 127 CPP e incorreu, como já se referiu, na nulidade prevista no artigo 374º, nº 2 do mesmo código e, bem assim, no vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artigo 410º, nº 2, alínea b) do CPP)

Sobre a liberdade de apreciação da prova à luz do art. 127º do CPP e sobre a invocada falta de fundamentação, já atrás nos pronunciámos, não se impondo agora repetir considerações, mas relativamente ao invocado vício a que alude a alínea b) do art. 410 nº 2 do CPP, forçoso é também concluir que não há contradição entre a fundamentação e a decisão. Este vício manifesta-se quando a matéria de facto provada colide inconciliavelmente com a matéria de facto não provada, ou quando ocorre idêntica colisão entre a matéria de facto e a respetiva fundamentação.

O acórdão recorrido não padece deste vício. Não se vislumbra nele a invocada contradição. E também não é, em tese, necessariamente contraditório aceitar apenas parcialmente o depoimento de uma mesma testemunha, ou aceitá-lo quando confirmado documentalmente e não o aceitar quando se revele contrário a dados objetivados documentalmente, ou ao que se entende serem as regras da experiência e da vida em sociedade.

Como já atrás se deixou claro, o juiz não é um mero recetor de depoimentos. A apreciação da prova faz-se no conjunto das provas, analisando-as sob os diversos pontos de vista e o tribunal a quo explicou o seu ponto de vista.

O que se impõe, agora, é aferir se o ponto de vista do tribunal a quo é o único que resulta de toda a prova produzida, ou o mais defensável.

Vejamos mais detalhadamente.

A prova que respeita ao processo que levou à contratação da sociedade “Casa do P.”, nas suas variáveis, contrato celebrado e pagamento de preço é matéria incontroversa. A controvérsia centra-se na intervenção dos arguidos, maxime do arguido J. M., na consciência e propósito da sua atuação e na necessidade da contratação do Dr. A. S..

Ora, concordando com o acórdão recorrido, diga-se que a alegação do recorrente J. M. é pouco, muito pouco, plausível. Não é razoável a afirmação de que o recorrente se alheou da contratação de seu pai. Aliás, estando a iniciar funções e a assinar documentos pela primeira vez na qualidade de Presidente da Câmara, era mais uma razão para estar atento, não o fazer de cruz, para não correr o risco de praticar qualquer ato que pudesse vir a ser considerado ilícito. Pode até dizer-se que todo o processo é revelador de que o comportamento do recorrente J. M. não foi resultado de um descuido, de uma atitude negligente, ou de um afastamento propositado: o bom relacionamento com o pai (que este confirmou em julgamento) que tinha sido durante 20 anos Presidente da Câmara; a vontade de todos, também dos demais colaboradores, de que aquele continuasse a estar ligado à autarquia; a designação familiar ou, pelo menos, não completamente desconhecida no local “Casa do P.”; a celeridade da contratação, tudo a apontar para uma atuação pensada, deliberada tendo em vista efetivar a contratação do pai do arguido J. M., como, aliás, confessou o arguido I. C.. E, diga-se, numa análise racional, que os argumentos trazidos à apreciação deste tribunal pelo arguido J. M. revelam uma ingenuidade de procedimento não compatível com quem há vários anos tem ligações com a vida autárquica, quer enquanto vereador, quer por força da própria eleição para a Presidência.

Diferente questão é saber se tal contratação visava beneficiar o contratado ilicitamente, ou antes, correspondia a um anseio de todos quantos com ele trabalharam durante 20 anos e continuavam a achar que, naquele momento da vida autárquica, a sua colaboração continuava a ser necessária.

Para o Tribunal a quo, dos dados objetivos e incontroversos documentalmente plasmados resultou claro que a decisão foi tomada para ilicitamente contratar o Dr. A. S., uma vez que a proposta só poderia ser apresentada à empresa do Dr. A. S., constituída imediatamente antes da data desse despacho, empresa essa que nada tinha a ver com a área para a qual foi contratada e, portanto, resultou com clareza para o tribunal a quo que tal contratação visou, tão só, satisfazer o interesse particular do contratado e foi, por ambos os arguidos assumida, preparada e concretizada.

Só que, de toda a prova, com exceção do depoimento do arguido filho do contratado -porque este negou qualquer envolvimento na contratação-, resultou evidente que a contratação foi assumida, pretendida e aprovada por todos os demais colaboradores. O arguido I. C. admitiu até que o processo de contratação foi uma mera formalidade necessária, já que a contratação de facto não foi com a empresa “Casa do P.”, foi com A. S., a quem convenceu com dificuldade para aceitar, mas que ele considerava imprescindível porque o contratado era quem conhecia os diversos setores, estava dentro dos assuntos e por isso não se estava a ver a trabalhar sem ele, porque só ele conhecia os fornecedores, os contratos, as candidaturas a fundos europeus, tudo”; mais ninguém tinha este domínio das finanças; conhecia o património do município, como ninguém… Considerava-o, portanto insubstituível. No seu depoimento esclareceu ainda por que razão o valor foi proposto pelo contratado e aceite.

Idênticos depoimentos lhe sucederam: o da testemunha A. P. jurista, atualmente na Câmara do Porto, mas à data dos factos colaborador da Câmara de X, que, claramente, disse ter sido abordado pelo Engenheiro I. C. para a contratação, tendo-o advertido da necessidade (decorrente da lei 12-A/2008 de 27.08) de a contratação ter de ser formalizada com uma empresa – como veio a ser – e que afirmou a presença do contratado diariamente na Câmara, nas reuniões, dele todos recebendo auxílio, aconselhamento e ajuda na resolução das questões; o da testemunha P. M. que explicou por que razão entendeu ter sido fundamental a colaboração de A. S. e também por que razão não existem documentos assinados pelo contratado (como também não existiam pela testemunha), repisando que não havia mais ninguém que conhecesse a totalidade das empreitadas, nem havia mais ninguém com o conjunto de informação que ele tinha; a testemunha J. G., advogado que sempre que ia à Câmara, ia cumprimentar o Dr. A. S. que estava afogado em papeis”; a testemunha C. P. que assumiu ter decidido com o arguido I. C. a contratação pela convicção de que a única pessoa que podia ajudar era o Dr. A. S. de quem chegou a assistir a lições de economia, não obstante não ser essa a área de formação do contratado, explicando que talvez por ter sido, no passado diretor de um Agrupamento de Escolas, a parte financeira era o Dr. A. S. e mais ninguém; G. L., da secção financeira, que por ter apenas o antigo 5º ano e 2 colaboradores com o 12º ano, contava com o apoio do Dr. A. S. e que quando soube que ele era contratado ficou muito contente já que era muito complicada a contabilidade das autarquias locais e que também explicou por que razão ele não assinava documentos, reconhecendo que ele era o primeiro a chegar e o último a sair; a testemunha J. A. que sempre pensou que a contratação tivesse sido diretamente com o Dr A. S. (e não com a Casa do P.) a quem reconhecia um conhecimento ímpar da vida da autarquia, com mais ninguém no município.

Estes depoimentos não foram, contrariados por ninguém. Nem pelas testemunhas J. C. e C. A. que depuseram apenas sobre a designação “Casa do P.” para a identificar com a família do contratado, nem dos inspetores P. J. e M. M. cujos depoimentos incidiram sobre as irregularidades da contratação, v.g. a celeridade não encontrada noutras situações, a cabimentação após a contratação- ao tempo não necessariamente irregular-, a falta de elementos documentais ( relatórios) inerentes à intervenção da pessoa contratada e o facto de a situação financeira de endividamento (de causa desconhecida v.g. para a testemunha M. M.) aconselhar, no seu próprio entendimento, a não contratação de A. S..

Isto é, do apontamento da prova que se deixa feito, resultou claro que todos - quantos trabalhavam na Câmara e foram ouvidos em julgamento e, no que para estes autos interessa, também os arguidos,- quiseram, conscientemente, contratar A. S..

E não há dúvida que o relacionamento familiar entre o arguido J. M. e o contratado A. S. colidia com o impedimento decorrente do artigo 8º da lei 64/93 de 26/08.

Dispõe este preceito, com a epígrafe “Impedimentos aplicáveis a sociedades” que:

1- As empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um titular do órgão de soberania ou titular do cargo político, ou por alto cargo público, ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de atividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas.

2- Ficam sujeitas ao mesmo regime:

a) As empresas de cujo capital, em igual percentagem, seja titular o seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau (...)

E não é pelo facto de se estar perante um ajuste direto e não perante um concurso, nem é pelo facto de não se estar perante um exercício de atividade de comércio ou indústria, mas antes uma prestação de serviço de consultadoria de natureza intelectual, que não opera o impedimento do artigo 8º da Lei 64/93 de 26.08.

É que se a lei proíbe concursos, muito mais estará proibido o ajuste direto e se proíbe atividades de comércio e indústria, não se vê a razão pelo qual possam ficar de fora quaisquer prestações de serviços. O objetivo da lei é a transparência. E se ela deve existir em concursos, muito mais em ajustes diretos; e se deve existir na contratação de atividades de comércio ou indústria, de igual modo em prestações de serviços.

Isto é, não se diga, como o faz o recorrente I. C., que pelo facto de o ajuste direto ter formalmente respeitado os critérios legais decorrentes do artigo 112º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL 18/2008 de 29.01; pelo facto de ter sido formalmente fundamentada a decisão do contratar, o prazo do contrato e de não ter havido um concurso público em que tenha participado a empresa do pai do recorrente, está afastada a ilegalidade da contratação. A questão de fundo vai para além dos aspetos formais, presos à literalidade das normas. É evidente que se a lei impede determinadas pessoas de participar em concursos de fornecimentos de bens ou serviços, muito maior impedimento, repete-se, existe nos ajustes diretos e se tal impedimento respeita às atividades de comércio e indústria, obviamente se tem de entender alargado a atividades de natureza intelectual, como as que estão em causa nos autos.

Como ensina Manuel de Andrade in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis – Arménio Amador Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, 30(…) as palavras da lei podem comportar e, em regra, comportam diversos pensamentos. Mas nem todos têm, sob este ponto de vista, a mesma legitimidade.

Um deles representará a significação natural, imediata, espontânea dos dizeres legais; outra numa significação artificiosa, arrevezada. Um deles encontrará no teor verbal da lei uma expressão perfeitamente adequada; outro uma noção vaga, tosca, infeliz. Um deles sente-se como que à sua vontade dentro do texto legal; outro só lá se aguenta com certo mal estar. Ora isto há-de ser um motivo de preferência a favor do primeiro pensamento, que deverá reputar-se o verdadeiro sentido da lei, salvo se os demais factores de interpretação muito resolutamente aconselham ou impuseram outra solução”.

Este ensinamento, apesar dos 55 anos que nos separam do tempo em que foi escrito, continua perfeitamente atual.

Se a lei impede que determinadas pessoas participem em concursos públicos de fornecimento de bens e serviços e percebe-se bem porquê, como não interpretar que idêntico, se não mais acentuado, impedimento existe no caso de ajuste direto? E se é certo que entre o recorrente I. C. e o contratado não existem os impeditivos laços familiares, não há dúvida de que agindo em coautoria, não podia deixar de lhe ser imputada a existência das incompatibilidades que decorriam para o seu coarguido quer da lei já referida, quer do Estatuto dos Eleitos Locais (artigo 4º alínea iv da Lei 29/87 de 30.06) e bem assim do art. 44, nº 1, alínea b) do CPA (anterior ao DL 4/2015 de 7.1).

A interpretação feita pelos recorrentes no que concerne a este concreto ponto, não é, pois, aceitável, sendo alcançável a conclusão que, pelo menos objetivamente, os arguidos agiram contra direito.

Aqui chegados podemos, então, afirmar já, por referência aos elementos objetivos do ilícito típico em apreço- prevaricação- que estamos perante titulares de cargos políticos, que conscientemente, conduziram ou decidiram contra direito num processo em que intervieram no exercício das suas funções.

Impõe-se, agora, averiguar se o fizeram, deliberadamente, para prejudicar ou beneficiar alguém, porque só assim se estará perante a prática do crime de prevaricação que lhes foi imputado

E é aqui que surge para este tribunal ad quem a divergência com a conclusão a que chegou o tribunal a quo. É que ouvida a prova, conjugando-a com a documentação e com a experiência da vida, não podemos fazer a afirmação de que a contratação de A. S. ocorreu apenas para o beneficiar. Ou, dizendo de outro modo, não podemos, com honestidade intelectual, fazer a afirmação de que foram apenas interesses privados e não os interesses do município, que motivaram a celebração do contrato de prestação de serviços em apreço.

Vejamos porquê.

O contratado foi Presidente da Câmara X durante vinte anos. As sucessivas reeleições indiciam que o trabalho realizado foi do agrado dos munícipes, o que permite inferir ser pessoa com competência para o exercício do cargo. Assim, quando as testemunhas colaboradores da Câmara, depuseram em tribunal sobre o facto de entenderem -todos-que era a pessoa que melhor se encontrava posicionada para fazer face às necessidades decorrentes da apresentação de um plano de saneamento financeiro, não se afigura que estivessem todos a faltar à verdade. É certo que, como bem nota o acórdão recorrido, parece incompreensível que a pessoa que foi responsável pela situação que levou à necessidade de obter o saneamento financeiro, seja a escolhida para preparar o inerente plano. Mas tal afirmação olvida, por um lado, a realidade pública e notória da situação financeira da quase totalidade das Câmaras do país antes da crise que se começou a instalar em 2008, e não cuidou de indagar as causas do endividamento, nomeadamente se tal correspondeu, por exemplo, a obras realizadas no serviço às populações, pelo que, sem qualquer outro dado seguro, se configura algo precipitada e pouco fundamentada aquela conclusão.

Acresce que todos quantos trabalhavam na Câmara atestaram que o contratado ali estava diariamente (facto que o tribunal a quo deu como provado), tinha gabinete próprio, era visto por todos, reunia com diversos departamentos sempre que necessário, ajudou a preparar o plano de saneamento financeiro que veio a obter o visto do Tribunal de Contas e foi implementado com rigor e sucesso (facto 70). Isto é, a contratação não foi escondida, camuflada, (o facto de ter sido contratada uma empresa que ninguém conhecia, foi cabalmente explicado, por exemplo, pela testemunha A. P., como sendo decorrente da obrigatoriedade legal, já atrás referida) e, portanto, não se pode em consciência concluir que se tratou de uma contratação de fachada, sem substância.

A este propósito diz o tribunal a quo que a inexistência de pareceres, informações ou relatórios elaborados por A. S. é bastante para que seja posta em causa a colaboração que todos – e o próprio contratado – dizem que prestou.

Também aqui nos parece haver alguma precipitação nesta conclusão. Desde logo porque quer a documentação junta na instrução (fls 1063 a 1236), quer a documentação junta em julgamento, por ninguém posta em causa, permite afirmar que foi realizado trabalho, que foram analisados e trabalhados dados, análises e trabalhos estes, que foram afirmados por todas as testemunhas, quer da área financeira, quer de outras áreas. Depois, porque a colaboração não deixa de existir se não ficar objetivada em relatórios ou pareceres. Aliás, parece-nos até que – e é apelando à experiência da vida fora dos tribunais que o afirmamos – a elaboração de relatórios e pareceres, muitas vezes decorre mais da necessidade de mostrar trabalho, do que da realização efetiva desse mesmo trabalho. Na prática quotidiana das empresas, por exemplo, quem trabalha verdadeiramente não tem habitualmente tempo para fazer, por escrito, relatórios ou pareceres se não lhe forem pedidos….De igual modo também não é necessário serem feitas atas das reuniões que são levadas a cabo no âmbito do desenvolvimento de trabalho quotidiano, pelo que tal omissão não tem, no nosso modesto entender, a relevância que lhe foi atribuída pelo tribunal a quo. Percebeu-se que o tribunal a quo adotou como referência comparativa o trabalho que é desenvolvidos nos tribunais. Não nos parece que o possa ser, isto é, que a comparação esteja correta. A tramitação processual nos tribunais exige uma materialização constante do trabalho realizado, porque quod non est in actis non est in mundo, mas tal não ocorre forçosamente, em outras áreas de atividade.

O entendimento que acabamos de expor e a documentação junta pelo contratado não permite, portanto, a conclusão de que não desenvolveu trabalho ou que o trabalho desenvolvido não teve qualquer relevo.

É certo que, como diz o tribunal a quo a prestação de consultadoria consiste no aconselhamento especializado por quem é pago para dar pareceres sobre matérias em que é especialista e que tal pressupõe especiais qualificações para as áreas para que foi requisitado – finanças, economia e gestão -, o que não ocorria com o contratado que era professor primário, sem formação académica naquelas áreas.

Ora, se é verdade que o contratado começou por ser, na vida profissional e como resultou do julgamento, professor primário, depois obteve licenciatura em filosofia e foi ainda diretor de agrupamento escolar, também é certo que não foi por nenhum destes cargos que foi contratado. Foi por ter sido durante vinte anos Presidente da Câmara. Foi nesta concreta experiência profissional que foi encontrada a motivação, a razão para a contratação. Não é difícil aceitar que vinte anos a lidar com as questões, designadamente, financeiras da autarquia, garantam competência para continuar a dar o seu contributo, como todos reconheceram em julgamento. É certo que, com frequência, nos tempos que correm, se desbarata o conhecimento obtido na prática da vida por pessoas mais velhas e tantas vezes mais experientes, para responder a uma ânsia de renovação e de mudança, mas também é inegável que quando tal ocorre, nem sempre os resultados são positivos. Os exemplos, sobretudo ao nível empresarial, são muitos e falam por si.

E, portanto, afigura-se que a visão do tribunal a quo foi redutora, na medida em que perante a prova testemunhal produzida, deveria ter procedido à análise da globalidade da prova também por outras perspetivas, porque não só o permitia o artigo 127º do Código de Processo Penal, como o impunha a prova testemunhal efetivamente produzida no julgamento. Acresce que, sem mais, sem outras evidências, não pode o tribunal ficar na convicção de que todos quantos desempenhavam funções na Câmara Municipal e tiveram conhecimento da contratação, foram a julgamento ou mentir deliberadamente, de forma concertada e homogénea, ou apenas depor para favorecer os arguidos, tanto mais quanto não se percebe que tivessem algum interesse pessoal no desfecho do processo. É certo que, como se disse, foi manifesta a irregularidade da contratação, mas daí não pode concluir-se, necessária e automaticamente, pela prática do crime em causa nos autos.

Em face do exposto, o segmento do recurso dos arguidos atinente à reapreciação da prova testemunhal produzida no julgamento, procederá parcialmente e, em consequência, proceder-se-à à alteração de matéria de facto.

III.
Assim, ao abrigo dos poderes que nos são conferidos pelo artigo 431º do Código de Processo Penal passa a proceder-se à alteração da matéria de facto fixada em 1ª instância nos seguintes termos:

- O ponto 6 da matéria de facto provada passa a ter o seguinte teor:
Os arguidos acordaram contratar A. T. para exercer funções de consultadoria nas áreas de finanças, economia e gestão na Câmara Municipal X mediante o pagamento de remuneração que por este seria decidida;
- O ponto 30 da matéria de facto provada passa a ser do seguinte teor:
Durante a vigência do contrato de prestação de serviços por parte do progenitor de J. M. não foram elaborados pareceres ou relatórios;
- O ponto 33 da matéria de facto provada passa a ser do seguinte teor:
Com a contratação da sociedade “Casa do P., Lda” os arguidos tinham como objetivo garantir a contratação pessoal de A. T., pai do arguido J. M., mediante o pagamento dos referidos valores, o que lograram alcançar.
-O ponto 40 da matéria de facto provada passa a ser não provado.
- O ponto 41 da matéria de facto provada passa a ser do seguinte teor:
Em consequência da conduta dos arguidos foram abonadas a A. S. através da sociedade “Casa do P. Lda” as quantias pecuniárias referidas que, em condição de observância legal das regras dos impedimentos dos titulares de cargos públicos, o mesmo não auferiria;
-O ponto 42 da matéria de facto passa a ser do seguinte teor:
Os arguidos indicaram o nome de uma sociedade constituída pouco antes ao início dos procedimentos e concluíram o concurso realizado no prazo de três dias úteis tendo sido contratado A. S. pai do arguido J. M. e pessoa do círculo de relações pessoais, profissionais e político-partidárias do arguido I. C.;
-O ponto 43 da matéria de facto passa a ser do seguinte teor:
Sabiam os arguidos que estavam impedidos de intervir em procedimento de contratação do pai do arguido J. M.;
-O ponto 44 passa a ser do seguinte teor:
Os arguidos atuaram no contexto de acordo entre ambos celebrado;
-O ponto 45 passa a ser do seguinte teor:
Os arguidos não fundamentaram as razões que motivavam a adjudicação direta determinada.
-Os pontos 46, 47 e 48 da matéria de facto provada passam a ser não provados.
-O ponto 49 da matéria de facto passa ser do seguinte teor:
Os arguidos contrataram a empresa pertencente ao pai do arguido J. M. com consciência que na sua conduta atuavam na qualidade de Presidente e Vice – Presidente da Câmara X bem sabendo que assumiam funções públicas e políticas e ainda que com o comportamento que assumiam se desviavam dos deveres funcionais em violação de normas atinentes ao regime das incompatibilidades;
-Os pontos 50 e 52 passam a ser não provados;
-O ponto 53 passa a ser do seguinte teor:
-Os arguidos atuaram bem sabendo que a respetiva conduta era adequada a abonar o pai do arguido J. M. de quantias pecuniárias;
-O ponto 54 passa a ser não provado;
-O ponto 55 passa a ser do seguinte teor:
Os arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente sabendo ser proibida pela legislação que regula os impedimentos dos titulares dos cargos políticos a respetiva conduta.

Dos factos alegados nas contestações dos arguidos passam a integrar matéria de facto provada os seguintes:

-Os arguidos concluíram que seria difícil a satisfação das necessidades do serviço de finanças do município somente com a colaboração dos funcionários da autarquia, sendo fundamental recorrer a apoio externo para assessorar nesta área;
-O Departamento Financeiro da autarquia, face ao escasso número de funcionários e às exigências do momento tinha dificuldade de proceder à elaboração de plano de saneamento financeiro, tendo sido equacionada a necessidade de contratar uma empresa que elaborasse esse plano;
-O arguido I. C. e o Professor C. P. entendiam ser uma inquestionável mais-valia para o Município a contratação de A. S., quer pelo conhecimento técnico que o mesmo detinha relativamente aos assuntos financeiros da Câmara, quer pela experiência adquirida durante o exercício da função de Presidente da Câmara;
-O Dr A. S. na execução do contrato de prestação de serviços desempenhou, pelo menos, as seguintes tarefas:
-teve reuniões diversas com os serviços de contabilidade, com chefias de departamento e divisões para recolha de informação das obras em curso e recursos financeiros para a sua execução, reuniões com serviços e membros do executivo; deu apoio na preparação e elaboração de mapas, fez análise e acompanhou o nível de endividamento do município, deu apoio na preparação de informação a remeter à empresa A. F., responsável pela elaboração do Plano de Saneamento Financeiro cuja implementação acompanhou; apoiou a elaboração do orçamento e PPI em articulação com os diversos serviços do município, apoiou a elaboração do relatório e prestação de contas; analisou dívidas a fornecedores e apoiou plano de pagamento a fornecedores; apoiou no controlo dos pedidos de pagamentos a fundos comunitários;
-A contribuição do Dr A. S. ajudou na elaboração do saneamento financeiro e contribuiu para aprovação e obtenção do visto pelo Tribunal de Contas;
-O serviço de finanças não estava dotado de meios materiais e humanos que, sem dificuldade, viabilizassem a preparação do plano de saneamento financeiro;
-A contratação de terceiros especializados mas desconhecedores da realidade municipal implicaria gastos de tempo;
-Os serviços contratados contribuíram para a aprovação e implementação do plano financeiro com rigor e sucesso;
-Os serviços contratados foram prestados à vista de toda a gente diariamente durante o período de vigência do contrato e em total articulação com os serviços municipais, tendo a utilidade da contratação dos serviços sido identificada pelo arguido I. C. e decidida em articulação de vontades com o Vereador C. P.;
-Ao decidir pela celebração do contrato de prestação de serviços o arguido I. C. teve em vista servir os interesses públicos da autarquia.

Em função do agora decidido, a restante matéria alegada pelos arguidos mantém-se não provada, como não provada passa a ser a matéria dos segmentos eliminados nos pontos de facto provados agora alterados.

Aqui chegados estamos, pois, em condições de concluir que para que se pudesse afirmar a prática por parte dos arguidos de um crime de prevaricação teria de se ter alcançado, para além da certeza da atuação consciente e contra direito, a certeza de que tal atuação visava tão só beneficiar o contratado, isto é, de que não teve o interesse público a justificá-la. Esta certeza, em face da prova produzida, e acima referida, não foi alcançada. E, não o sendo, não obstante a ilegalidade do procedimento por violação, designadamente, do disposto no art. 8º da Lei 64/93 de 26.08, art. 4º al. iv da Lei 29/87 de 30.06 e 44 nº 1 b) do CPA ( anterior ao DL 4/2015 de 7.01) não se pode afirmar terem sido os arguidos autores do crime por que foram condenados, pelo que dele terão de ser absolvidos.

IV.
A conclusão a que se chegou não prejudica necessária e liminarmente o conhecimento de outras questões trazidas à apreciação deste tribunal, designadamente as concernentes à decretada perda de mandato. E assim o entendemos, porque a perda de mandato não decorre apenas da prática do crime de prevaricação, mas está também prevista como consequência da violação de outras normas, designadamente, da Lei da Tutela Administrativa ( Lei 27/96 de 01.08 ) nos seus art. 7º e 8º.

Acresce que, contrariamente ao alegado pelos arguidos, na acusação contra eles deduzida- que a decisão instrutória reproduziu- além de ficar a constar a imputação da prática em coautoria do crime de prevaricação, ficou ainda plasmado o seguinte: “O crime de prevaricação de titular de cargo político é ainda punido nos termos do art. 29 f) da Lei 34/87 de 16.07”. Esta referência à disposição legal aplicável – apesar de não se encontrar traduzida em linguagem não jurídica, por forma a ser imediatamente apreensível para os arguidos, - é bastante para que se possa afirmar que, desde a acusação, os arguidos foram confrontados com a possibilidade da perda de mandato e dela poderiam defender-se. A decisão de perda de mandato decretada pelo tribunal a quo não foi, portanto, contrariamente ao alegado pelos arguidos, uma decisão-surpresa. É evidente que com fulcro na invocada norma ela não poderá manter-se, na medida em que tem subjacente a prática do crime de prevaricação, p.p. art.11 da Lei 34/87 de 16.07 que, já o vimos, não se verifica.

Mas constatada que foi uma prática violadora de normas jurídicas e dispondo este tribunal da possibilidade que lhe é conferida pelo nº 3 do art. 424º do CPP, caso fosse necessário dela lançar mão, por respeito ao princípio da suficiência do processo penal ínsito no art. 7º nº 1 do CPP ( o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa ) entende-se conhecer, ainda que brevemente, das eventuais consequências quanto à perda de mandato decorrente da violação pelos arguidos do disposto no art. 8º da Lei 64/93 de 26.08, no art. 4º alínea iv da lei 29/87 de 30 06 e no art. 44 nº 1 b) do CPA ( na redação anterior ao DL. 4/2015 de 7.01) em conjugação com os art. 7 e 8 da Lei da Tutela Administrativa. Aqui se diz que a prática, por ação ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ou no da gestão de entidades equiparadas pode determinar, nos termos previstos na referida lei, a perda do respetivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem resultado de ação ou omissão deste ( art. 7º ). Acrescenta o art. 8º nº 2 que incorrem igualmente em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervierem em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

Ainda nos termos da mesma lei a ação deve ser interposta no tribunal administrativo e nunca depois de decorridos 5 anos sobre os factos. ( art. 11).

Assim sendo, mesmo que se entendesse equacionável nestes autos a aplicação das consequências previstas na Lei da Tutela Administrativa quanto à perda de mandato, não poderia ser aqui imposta tal sanção, não só porque não estão preenchidos os legais pressupostos ( visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem), como, de acordo com a referida lei, não é este o lugar, nem o tempo próprios.

Esta conclusão prejudica o conhecimento das demais questões trazidas à apreciação deste tribunal por parte dos recorrentes, mormente a invocação de caso julgado, a possibilidade de suspensão de pena acessória ou a inconstitucionalidade da aplicação automática, por parte, respetivamente, dos arguidos J. M. e I. C..

Uma última e breve palavra sobre o recurso do Ministério Público.

O Ministério Público ao abrigo do disposto no artigo 111º, nºs 2 e 4 do Código Penal ( redação em vigor à data da dedução da acusação) requereu a perda de vantagem obtida com a prática do crime, requerendo que fossem os arguidos condenados a pagar, solidariamente, ao Estado a quantia de 56.847,50€.

O tribunal a quo indeferiu tal pretensão, com o entendimento de que a condenação dos arguidos no pagamento da quantia indicada, apenas poderia ter lugar em sede de pedido de indemnização civil, deduzido pelo Município X, invocando prejuízos que lhe tivessem sido causados, decorrentes da prática do crime e que, no âmbito do mecanismo previsto no artigo 111º do CP, a declaração de perda haveria de ser deduzida contra o terceiro beneficiado.

Apesar de não se poder afirmar a prática de crime, tendo ocorrido na contratação a violação de disposições legais por parte dos arguidos, poder-se-à equacionar a perda de quantia equivalente à auferida pelo contratado, designadamente à luz dos art. 22 e 271 da Lei Fundamental e da Lei 67/2007 de 31 12?

É incontroverso que o objetivo do legislador ao decretar a perda de vantagens decorrentes da prática de um crime, é dizer à comunidade e ao concreto indivíduo visado que “o crime não compensa”. Não compensa porque acarreta uma punição e não compensa, porque são perdidas as vantagens com o crime adquiridas. Esta dupla afirmação exige, portanto, coerência. E exige coerência, porque é incoerente punir alguém pela prática de um crime e permitir-lhe ficar com as vantagens adquiridas com a prática desse crime. E também é incoerente o Estado sofrer uma perda patrimonial e não procurar reconstituir a situação patrimonial que existia antes da prática do crime.

Também é hoje incontroverso que a lei não deixa que a perda de vantagens de um crime, fique à mercê de interpretações ou de juízos de oportunidade. A lei impõe hoje necessariamente a perda ( art. 110 nº 1 b) do CP), sem dar a possibilidade ao julgador de equacionar a sua aplicação ou não aplicação, perda esta que se não em espécie, terá de ser em valor.

Existem, é certo, limites a respeitar, no que diz respeito à salvaguarda dos direitos de terceiro, mas também para estes já contém atualmente o processo penal mecanismos de tramitação adequados ( art. 347- A do CPP na redação introduzida pela lei 30/2017 de 30.05).

Ao tempo da prática dos factos em apreciação, dispunha o nº 2 do artigo 111 do CP que são também perdidas a favor do Estado (…) as coisas, os direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido diretamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.

Interessa-nos o conceito de vantagem. Define-o F. Dias (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 632): “todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado”.

A declaração de perda das vantagens de um crime, concretizada através do valor correspondente, decorre diretamente do artigo 4º, nº 1 da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, que impõe aos Estados Membros a adoção de regras mínimas em matéria de confisco e a adequação do direito interno às exigências europeias.

É que o Estado não pode pactuar com a situação antijurídica criada, limitando-se a aplicar uma pena e desinteressando-se das consequências patrimoniais da prática do crime, no caso de não ter sido deduzido pedido de indemnização civil. Está longe o tempo em que a questão patrimonial se limitava à reparação dos prejuízos sofridos por lesados. A política criminal mudou significativamente nos últimos anos. - (Veja-se por exemplo a lei 5/2002 de 11.01) – e mais do que na aplicação da pena é na privação dos benefícios patrimoniais obtidos com a prática de crimes, que o legislador vem respondendo às renovadas exigências de prevenção criminal. Daí que em caso de condenação, a perda das vantagens obtidas com a prática do crime decorra diretamente da lei.

Mas de acordo com o que fica dito, para que seja decretada a perda de vantagem obtida, temos que poder afirmar que, mais do que uma ilegalidade, um crime foi praticado. É certo que os titulares dos cargos políticos, independentemente de qualquer responsabilidade criminal têm sempre o dever de “prestar contas”, -usando a expressão utilizada pelo Ac.TC 460/2011-. Efetivamente tal dever decorre quer da Lei Fundamental ( art. 22 e 271) quer da lei ordinária ( Lei 67/2007 de 31.12), mas tal prestação de contas não se confunde com a perda de vantagem prevista no atual art. 110 e anterior art. 111º do CP e que pressupõe a prática de um crime, que no caso não se verifica.

Tanto basta para que a pretensão recursiva do Ministério Público não possa obter provimento.

V.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães conceder parcial provimento ao recurso dos arguidos procedendo à alteração da matéria de facto nos termos fixados em III supra - alteração que por brevidade, se dá aqui por reproduzida- e em consequência:
-Revogam o acórdão proferido pelo tribunal a quo, na parte em que condena os arguidos J. M. e I. C. pela prática do crime de prevaricação p.p art. 11 da Lei 34/87 de 16.07, dele os absolvendo e, bem assim, da perda de mandato que igualmente havia sido sentenciada.
-Julgam prejudicada a apreciação das demais questões pelos recorrentes/arguidos invocadas.
- Negam provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público mantendo, embora com diferentes fundamentos, a decisão de indeferimento da declaração de perda de vantagem a favor do Estado.

Sem custas.

Notifique.
Guimarães, 25 de março de 2019

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho