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REGISTO PREDIAL
IMÓVEL
PRESUNÇÃO DE TITULARIDADE
CONFLITO
Sumário
I – O registo predial não se encontra vocacionado para dirimir conflitos, assentes na aplicação de direito substantivo, relacionados, designadamente, com o afastamento da presunção de titularidade de imóveis inscritos no registo predial, com a alegada duplicação de descrições prediais ou a eventual substituição de parcelas por outras, ou diminuição da área de uma delas.
II – Estas questões jurídicas conflituantes obrigam, não só à produção de prova adequada, rigorosa, com vista à completa dilucidação dos direitos de propriedade em conflito, como à ponderosa e competente intervenção do órgão jurisdicional, especialmente vocacionado para esse efeito – que não, como facilmente se compreende, a Conservatória do Registo Predial, a qual carece manifestamente de competência para o exercício de funções jurisdicionais.
III - A eventual duplicação de descrições e modificação parcial de outras inscrições, com a afectação gravosa e sensível de direitos de terceiro não constitui um efeito jurídico integrável na previsão pertinente à rectificação do registo consignado nos artigos 120º a 132º-A do Código de Registo Predial.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).
I – RELATÓRIO.
Em 22 de Setembro de 2017, a herança aberta por óbito de JA…, cabeça de casal e herdeiros, requereu à Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, ao abrigo dos artigos 90º e 120º e seguintes do Código de Registo Predial, a rectificação da descrição ….
Alegaram, essencialmente:
- Detectaram que a descrição é omissa à circunstância de o artigo … provir do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo nº …, da Secção …;
- O interesse do pedido justifica-se no facto de ter havido ocupação decorrente da edificação de um bloco de apartamentos da parte dos prédios contíguos descritos sob o nº … e sob o nº …/… da mesma freguesia, inscritos na matriz sob os artigos … e … da secção …, respectivamente;
- A ocupação é comprovável através da informação dos serviços da Câmara Municipal de Cascais, constante do processo de construção nº …/…, de onde se visualiza inequivocamente que esse prédio ocupa parte dos prédios rústicos … e …, o que é igualmente constatável pela consulta da folha cadastral em sobreposição com o ortofotomapa, emitida pela Direcção Geral do Território em 4 de Agosto de 2017;
- O prédio … foi inscrito sob o artigo …, que proveio de parte do artigo ... da Secção …, descrito sob o nº …/… da mesma freguesia da Parede;
- Quando da extracção do suporte em livro para suporte em ficha em papel (em 9 de Junho de 1989) ficou a constar da descrição que se tratava de um terreno para construção urbana, correspondente a parte do artigo ….
- Depois de diversas desanexações, efectuadas já na ficha informatizada, a descrição veio a ser inutilizada, por anexação a outros dois prédios.
- Quando foi aberta a descrição nº …, na descrição … já se encontrava averbado o artigo … urbano.
- É uma ficção que o prédio … confronte a norte coma Rua … e a sul com a Rua … (antes caminho velho), já que o prédio inscrito na matriz sob o artigo … e descrito sob o n.º … confronta a norte com a Rua …;
- Em termos geográficos é uma ficção que parte alguma dos prédios inscritos na matriz sob os artigos … e … se localize na Praça …, já que estes estão separados dessa praça pela Rua …, confrontação sul, uma desconformidade detectável nas plantas apresentadas mas também a olho nú no próprio local.
- Os prédios inscritos na matriz sob os números … e … são atravessados pela Rua … e confrontam a sul com Rua … que os separa da praça ….
- É uma verdade que o prédio … está localizado na Praça … como referem a descrição matricial e nem podia ser de outra forma, pois que o prédio inscrito na matriz sob o artigo … é situação nessa Praça.
- É evidente a contradição existente entre as confrontações do prédio inscrito na matriz sob o artigo … e as do prédio …, a qual resultou das declarações prestadas no pedido de inscrição do prédio na matriz corroboradas na identificação do prédio na escritura de justificação e reiteradas na abertura da descrição.
- O erro supra permitiu o licenciamento do processo de construção n.° …/… quanto ao prédio … e permitiu a legítima ocupação de parte de cada um dos prédios inscritos na matriz sob os artigos … e ….
- Os primeiros titulares e proprietários do prédio … conheciam profundamente o prédio inscrito na matriz sob o artigo … e descrito sob o n.° …, dado que no mesmo dia e nos mesmo cartório, embora em diversas escrituras, venderam ambos os prédios à sociedade “G… – Gestão Imobiliária e Industrial, SA”, o primeiro (…) inscrito na matriz sob o artigo …, que proveio de parte do artigo …, e o segundo (…) inscrito na matriz sob o artigo …, antes de …;
- Nesse mesmo dia e no Cartório foi vendido à sociedade “BF… – Desenvolvimento Imobiliário, SA” um terceiro prédio inscrito na matriz sob artigo …, constatando-se que esta inscrição matricial já não existia há mais de 6 anos por ter dado lugar ao artigo ….
- Nem os primeiros nem os sucessivos proprietários (incluindo a actual Sociedade de Construções A…, Lda.) tomaram a decisão de requerer a rectificação da descrição n.° … quanto à proveniência de parte do artigo …, apesar de estarem disponíveis documentos comprovativos dessa proveniência.
- Não compreendem os recorrentes que a segunda e terceira adquirentes hajam comprado um prédio de elevado valor sem terem apurado a razão da contradição geográfica quanto à localização e confrontações, e sem terem feito depender a aquisição do prédio da sua prévia rectificação;
- A descrição … foi aberta com base em escritura pública de justificação, com invocação de usucapião respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo … e não aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e ….
Concluem pedindo os recorrentes que:
a) seja anulado o despacho proferido pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado. IP o qual indeferiu o recurso hierárquico;
b) Seja anulado o despacho da Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais a qual indeferiu liminarmente o pedido de rectificação da descrição n.' … da freguesia da Parede;
c) Seja proferida decisão que ordene a Senhora Conservadora a proceder à regularização do registo predial relativo à descrição n.' … da freguesia da Parede, nos termos referidos na peça de impugnação e se reconheça que o prédio descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.' … da freguesia da Parede e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Parede provêm de parte do prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.' … da freguesia da Parede e inscrito na matriz no artigo n.' …, secção …, de acordo com o documento certificado pela 2.ª Repartição de Finanças de Cascais (documento 10), completando assim, o registo efectuado e cumprindo o trato sucessivo e a verdade registral.
O pedido de rectificação foi liminarmente indeferido nos seguintes termos: “Em face do pedido efectuado pela ap. 3314/20170922 foi solicitado pedido de rectificação da descrição predial … da freguesia da Parede que é indeferido por não competir ao Conservador dirimir conflitos. Apenas em sede judicial deve ser dada entrada da competente acção judicial para impugnação do registo, essa sim sujeita a registo nos termos do artigo 3º do CRP, assim como a impugnação do Alvará e da Licença de Construção. Os registos apenas podem ser cancelados mediante execução de decisão administrativa ou decisão judicial transitada em julgado, nos termos do artigo 13º e não em processo de rectificação nos termos do artigo 120º e seguintes do Código do Registo Predial” (cfr. fls. 85).
Em 23 de Outubro de 2017 foi interposto recurso hierárquico da decisão de indeferimento liminar.
Não tendo sido reparada a decisão de indeferimento liminar foi notificada a titular inscrita, Sociedade de Construções A…, Lda., para se opor aos termos do recurso, a qual veio deduzir oposição em 14 de Novembro de 2017, alegando, em síntese que:
- O pedido de anulação da decisão de indeferimento liminar é abusivo, ilegítimo e sem qualquer fundamento legal;
- Os recorrentes fazem tábua rasa dos modos de aquisição legal do direito de propriedade no artigo 1316º, do Código Civil;
- Os recorrentes extraíram dos documentos que juntaram conclusões erradas das posses mais ou menos longas, e de modos de aquisição que ao longo dos anos alteraram a realidade física e jurídica dos prédios rústicos e urbanos que por sua conveniência seleccionou com o objectivo de obter um benefício económico ilegítimo através da rectificação da descrição.
- No lugar da localização físico-geográfica deste prédio, e em toda a zona circundante não existem prédios rústicos, nem aqueles que os recorrentes invocam, nem outros.
- Os recorrentes não juntaram qualquer sentença que altere ou inutilize o direito real de propriedade inscrito pela apresentação 984 de 1 de Julho de 2009.
- Os recorrentes não têm legitimidade para pedirem o registo que pretendem dado o exposto, no artigo 36º do Código de Registo Predial (cfr. fls. 179 a 180).
Foi proferido parecer pelo Conselho Consultivo do Instituto de Registos e do Notariado, homologado pelo Presidente do Conselho Directivo que considerou improcedente a impugnação e concluiu que cabe na previsão legal do artigo 127.°, n.° 1 do Código de Registo Predial, de indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido, o pedido de rectificação alicerçada na invocação de que parte da descrição constitui duplicação de partes de outras descrições (cfr. fls. 180 a 189).
Vieram FJ…, AA…, JA…, AC…, LN…, EN…, HN…, FN…, FNF…, MS…, MR…, VM…, cabeça de casal e co-herdeiros da herança aberta por óbito de JAA…, interpor impugnação judicial das decisões proferidas pela Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, a qual indeferiu liminarmente o pedido de rectificação efectuado pelos recorrentes e do Recurso Hierárquico que manteve a decisão nos termos do artigo 131º nºs 1 e 3 do Código de Registo Predial pedindo que:
- seja anulado o despacho proferido pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado. IP o qual indeferiu o recurso hierárquico;
- seja anulado o despacho da Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais a qual indeferiu liminarmente o pedido de rectificação da descrição n.' … da freguesia da Parede;
- seja proferida decisão que ordene a Senhora Conservadora a proceder à regularização do registo predial relativo à descrição n.' … da freguesia da Parede, nos termos referidos na peça de impugnação e se reconheça que o prédio descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.' … da freguesia da Parede e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Parede provêm de parte do prédio rústico descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.' … da freguesia da Parede e inscrito na matriz no artigo n.' …, secção …, de acordo com o documento certificado pela 2.ª Repartição de Finanças de Cascais (documento 10), completando assim, o registo efectuado e cumprindo o trato sucessivo e a verdade registral.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido concordar com o parecer do Conselho Consultivo que decidiu pela improcedência da impugnação judicial (cfr. fls. 237).
Foi proferida decisão que julgou improcedente, no seu todo, o recurso contencioso interposto por FJ…, AA…, JA…, AC…, LN…, EN…, HN…, FN…, FNF…, MS…, MR…, VM…, cabeça de casal e co-herdeiros da herança aberta por óbito de JAA… (cfr. fls 287 a 295).
Apresentaram os requerentes recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 329 a 330).
Juntas as competentes alegações, a fls. 310 a 319, formularam os apelantes as seguintes conclusões:
1ª - Consta da descrição da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais com o n.º …/… da freguesia da Parede, concelho de Cascais, um prédio urbano sito na Praça …, na Parede, composto de terreno para construção urbana com 895,19m2, a confrontar do Norte com a Rua …, do sul com a Rua … e Praça …, do Nascente com Rua … e do poente com zona pública e município de Cascais.
2ª - A referida descrição predial teve origem no pedido de registo de aquisição por usucapião, de prédio alegadamente omisso, a favor de OM… e mulher, ME…; AL… e marido, CM…; ALN… e mulher, DC…; e OG… e mulher; MG…, através da AP. 31/16-03-2004, a qual foi lavrada com carácter «provisório por dúvidas» e veio, entretanto, a caducar.
3ª - Aqueles justificantes vieram a efectuar um novo pedido de registo de aquisição através da AP. 53/06-02-2006, para instrução do qual anexaram a escritura pública de justificação notarial; uma Caderneta Predial emitida em 15/12/2005 pelo Serviço de Finanças de Cascais-1; Certidão Negativa emitida pela 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra em 20/01/2006 e Certidão Negativa emitida pela 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa em 17/01/2006.
4ª - Este registo deu origem à inscrição do direito de propriedade a favor dos mencionados requerentes, pela inscrição G-2.
5ª - Através da inscrição G-3, correspondente à AP. 46/27-06-2007, foi a propriedade do mesmo prédio transmitida a favor de "G… - Gestão Imobiliária e Industrial, S.A.", estando actualmente inscrita a propriedade sobre o mesmo imóvel a favor da "Sociedade de Construções A…, Lda." pela AP. 984/2009/07/01.
6ª - Os ora Recorrentes requereram a rectificação da descrição n.º … com fundamento no facto de se reportar a um prédio inscrito sob o artigo …º urbano, que proveio de parte do artigo …º, Secção …, já descrito sob o n.º …/… da mesma freguesia da Parede, sendo por isso aberta a descrição n.º …, relativamente a um prédio que já figurava sob a descrição n.º ….
7ª - A inscrição G-1 relativamente ao prédio descrito sob o n.º … veio a caducar pelo facto de não terem sido removidas as dúvidas que levaram ao se registo provisório, isto é, a Certidão Predial Negativa emitida, em 21/02/2001, pela 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais e que permitiu aos justificantes outorgar o título de justificação notarial não continha a indicação do artigo matricial de proveniência do prédio, apenas mencionava estar omisso.
8ª - Ora, o pedido de registo referente a prédio omisso, deve ser instruído com "... prova da inscrição na matriz, da declaração para inscrição, quando devida, se o prédio estiver omisso, ou da pendência de pedido de alteração ou retificação." (cfr. n.º 1 do art.º 31º do CRP).
9ª - Ora, da alegação dos então requerentes no pedido de rectificação do registo e pela documentação oferecida, suscitavam-se divergências objectivas entre a realidade registral existente e o título que serviu de base ao registo da aquisição que deu origem à nova descrição n.º ….
10ª - Aliás, da confrontação do teor da Certidão Predial Negativa emitida, em 21/02/2001, pela 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais e da Caderneta Predial emitida em 15/12/2005 pelo Serviço de Finanças de Cascais-1, documentos que serviram de base ao pedido de registo, resulta a probabilidade de se verificar uma duplicação de descrições, o que determina o dever oficioso de rectificação do registo (cfr. art.º 86 do CRP).
11ª - Pelo que se impunha que o registo de aquisição correspondente à inscrição G-2, fosse averbada com carácter provisório por dúvidas, não o tendo sido feito, poderiam os Recorrentes requerer a rectificação do registo, nos termos em que o fizeram, dada a qualidade de interessados por estes invocada e justificada.
12ª - Além disso, "... sendo invocada a usucapião como causa da aquisição, são expressamente alegadas as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, quando não titulada, bem como, em qualquer caso, as que consubstanciam e caraterizam a posse geradora da usucapião." (cfr. art.º 117º-B do CRP).
13ª - Ora, os Justificantes, na escritura da justificação notarial, para efeitos de caracterização do seu direito alegaram como circunstâncias: "... Que o mesmo prédio foi adquirido por compra que dele fizeram em vinte e dois de Setembro de mil novecentos e setenta, sem que no entanto ficassem a dispor de título formal que a eles primeiros outorgantes permita o registo na respectiva Conservatória do Registo Predial ..."
14ª - Contudo, para efeitos de emissão da Certidão Predial Negativa emitida, em 21/02/2001, pela 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, aqueles Justificantes declararam como 1ºs e 2ºs antepossuidores os seus antepassados já falecidos.
15ª - Falseando a declaração das circunstâncias de facto que determinam o início da sua posse relativamente ao prédio justificando.
16ª - Pelo que, diante desta contradição, também não restava ao Conservador do Registo Predial alternativa senão a de proceder ao averbamento do registo de aquisição correspondente à inscrição G-2, como provisório por dúvidas, permitindo aos requerentes a produção de prova ou apresentação de declarações complementares destinadas à remoção das dúvidas resultantes dessa insanável contradição documental.
17ª - E porque assim não sucedeu, assistia aos Recorrentes o direito de requerer a rectificação do registo, nos termos em que o fizeram, dada a qualidade de interessados por estes invocada e justificada.
18ª - Donde resulta inequívoco que os presentes autos deveriam ter sido julgados procedentes, com a consequente revogação do despacho de indeferimento liminar da Senhora Conservadora da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, por forma a possibilitar aos ora Recorrentes a produção de prova destinada à demonstração da duplicação de descrições e das deficiências provenientes do título de registo que, não sendo causa de nulidade, sempre são susceptíveis de inexactidões ao registo.
19ª - E porque assim não decidiu a sentença recorrida, a mesma efectuou uma errada interpretação e aplicação da Lei aplicável. Termos em que, e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser: a) Recebido e julgado procedente e, consequentemente, b) Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que determine a revogação do despacho de indeferimento liminar da Senhora Conservadora da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, por forma a possibilitar aos ora Recorrentes a produção de prova dos fundamentos da rectificação do registo que deu origem à descrição n.º … da freguesia da Parede.
Contra-alegou a requerida pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
I. O recurso interposto pelos recorrentes é intempestivo, pelo que não deve ser admitido por ser extemporâneo, e consequentemente, não deve ser apreciado.
II. As conclusões dos recorrentes são genéricas e meramente conclusivas, não podendo com o seu teor obter qualquer efeito jurídico. Assim:
a) as conclusões 1.ª a 5.ª são mera interpretação que o recorrente faz do teor da descrição predial do prédio urbano com a descrição …;
b) as conclusões 8.ª e 12.ª são mera alegação de matéria de direito; e
c) as conclusões 6.ª, 7.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 13.ª a 19.ª são meramente conclusivas e desprovidas de qualquer fundamento factual, sendo certo que, o seu teor não é apto a inverter o teor das três decisões já proferidas de indeferimento liminar, pois que através delas o recorrente nem sequer tenta convencer o Tribunal Superior de que o meio processual por si utilizado – pedido de rectificação da descrição – é o meio próprio e adequado para obter o efeito que pretende, qual seja eliminar “a probabilidade de se verificar uma duplicação de descrições” (conclusão 10.ª).
III. Os recorrentes “põem a carroça à frente dos bois”, ao pretenderem demonstrar ao Tribunal que existe “a probabilidade de se verificar uma duplicação de descrições”, sem que o conhecimento dessa questão tenha sido previamente admitido. De facto,~
IV-“remando contra a maré” e após três decisões no sentido de indeferimento da admissibilidade do expediente processual por eles deduzido, os recorrentes vieram interpor o presente recurso da decisão judicial proferida, a qual não merece qualquer reparo. De facto,
V- só por abuso de direito, os recorrentes pretendem, agora, ver alterada a descrição predial, quando tiveram conhecimento quer da escritura de justificação notarial, quer das escrituras públicas de compra e venda, mormente a escritura por via da qual a recorrida comprou, e nunca as puseram em crise nos prazos legais, nem mediante os expedientes processuais próprios, antes as aceitando como verdadeiras e autênticas, tanto mais que os recorrentes não dispõem de qualquer título (escritura ou decisão judicial) susceptível de contrariar o direito de propriedade emergente do registo predial lavrado, a favor da aqui recorrida.
II – FACTOS PROVADOS. Foi dado como provado em 1ª instância:
A. Consta da descrição n.° …/… da freguesia da Parede, concelho de Cascais, um prédio urbano sito na Praça …, na Parede, composto de terreno para construção urbana com 895,19m2, a confrontar do Norte com a Rua …, do sul coma Rua … e Praça …, do Nascente com Rua … e do poente com zona pública e município de Cascais.
B. A descrição referida em A) foi aberta na dependência de registo de aquisição, de prédio omisso, por usucapião, a favor de OM… e mulher, ME…; AL… e marido, CM…; ALN… e mulher, DC…; e OG… e mulher; MG….
C. A aquisição foi ulteriormente inscrita a favor de G… – Gestão Imobiliária e Industrial, SA da qual a Sociedade de Construções A…, Lda., actual titular inscrita adquiriu por compra conforme Ap. 984/2009/07/01.
D. Em 22 de Setembro de 2017 a herança aberta por óbito de JAA… e cabeça de casal e herdeiros supra referidos requereram à Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais ao abrigo dos artigos 90º e 120º e seguintes do Código de Registo Predial, a rectificação da descrição … referida em A..
E. A pretensão dos requerentes referida em D. foi liminarmente indeferida.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Recurso de decisão de Conservador do Registo Predial. Indeferimento liminar do pedido de rectificação do registo inscrições prediais. Decisões reservadas para os meios judiciais. Duplicação de inscrições prediais e modificação parciais de inscrições prediais. Passemos à sua análise:
Consta da decisão recorrida: “Pretendem os requerentes a rectificação do registo. Dispõe o artigo 121º, nº 1, do Código de Registo Predial: “1 - Os registos inexatos e os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito. 2 - Os registos indevidamente efetuados que sejam nulos nos termos das alíneas b) e d) do artigo 16.º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo. 3 - A retificação do registo é feita, em regra, por averbamento a lavrar no termo do processo especial para esse efeito previsto neste Código. 4- Os registos nulos por violação do princípio do trato sucessivo são retificados pela feitura do registo em falta quando não esteja registada a ação de declaração de nulidade. 5 - Os registos lançados em ficha distinta daquela em que deviam ter sido lavrados são oficiosamente transcritos na ficha que lhes corresponda, anotando-se ao registo errado a sua inutilização e a indicação da ficha em que foi transcrito. “Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito.” O registo é inexacto quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que teve por base ou quando enferme de deficiências provenientes do título, desde que as deficiências não constituam causa de nulidade do próprio título – cfr. artigo 18º, nº 1, do Código de Registo Predial. Com efeito, a nossa lei consagrou no âmbito do registo predial dois tipos de erro de registo. O erro em sentido próprio ou restrito, que consiste na desconformidade entre o registo lavrado e título de onde consta o acto sujeito a registo e o erro em sentido impróprio ou lato, aquele que consiste na desconformidade do registo com a realidade por via da deficiência do próprio título, que se não mostra conforme com a realidade ¬– cfr. ISABEL PEREIRA MENDES, Código de Registo Predial Anotado e Comentado, 2000, pág. 135 e 136. O pedido de rectificação de registo pode ser alvo de uma apreciação de mérito com produção de prova (artigo 136º, nº 6, do Código de Registo Predial) ou caso, seja manifestamente improcedente, após análise do requerimento inicial e dos documentos apresentados, poder ser indeferido liminarmente logo na fase inicial do processo, nos termos do artigo 127.', n.' 1 do Código de Registo Predial. O artigo 127.', do Código de Registo Predial, dispõe que: “1 - Sempre que o pedido se prefigure como manifestamente improcedente, o conservador indefere liminarmente o requerido, por despacho fundamentado de que notifica o requerente. 2 - A decisão de indeferimento liminar pode ser impugnada nos termos do artigo 131.º 3 - Pode o conservador, face aos fundamentos alegados no recurso interposto, reparar a sua decisão de indeferir liminarmente o pedido, mediante despacho fundamentado que ordene o prosseguimento do processo, do qual é notificado o recorrente. 4 - Não sendo a decisão reparada, são notificados os interessados a que se refere o artigo 129.º para, no prazo de 10 dias, impugnarem os fundamentos do recurso, remetendo-se o processo à entidade competente.” Assim, haverá indeferimento liminar do pedido de rectificação da descrição se, em face, do pedido, respectiva fundamentação e documentos apresentados, se afigurar manifesto que a pretensão se traduz em introduzir na descrição a representação de um prédio diverso por exemplo por via da alteração dos limites para mais ou para menos ou por via da sua completa deslocação no espaço. A mesma situação ocorre quando a duplicação de descrições não é possível de se alterar através do processo de rectificação. Vejamos o caso dos autos. Os requerentes do pedido de rectificação pedem a regularização do registo predial relativo à descrição n.° … da freguesia da Parede, e se reconheça que o prédio descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.° … da freguesia da Parede e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Parede provêm de parte do prédio rústico descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.° … da freguesia da Parede e inscrito na matriz no artigo n.° …, secção …, de acordo com o documento certificado pela 2.' Repartição de Finanças de Cascais, o que implica que atenta a factualidade que fundamenta o pedido uma duplicação de parte de outras descrições prediais e ainda a substituição do prédio descrito por um outro prédio de que se desconhece a área por não ter sido alegada pelos requerentes. Assim, o efeito que os requerentes pretendem não é possível de alcançar através do processo de rectificação registral que visa corrigir os registos inexactos e indevidamente lavrados que padecem de erro. Tendo em conta que nos termos do disposto no art.° 1° do Código do Registo Predial, a publicidade registral tem em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário e que nos termos do disposto nos art.°s 7° do mesmo Código o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, constituindo a realidade material do prédio, configurada através da descrição predial, também objecto do registo, não podem os ora recorrentes ver a sua pretensão atendida sem que antes seja produzida prova testemunhal e /ou pericial que permita demarcar o prédio e esclarecer a realidade física e concluir se coincide ou não com a realidade registral através da acção judicial própria. Por ser assim, andou bem a Senhora Conservadora do Registo Predial ao indeferir liminarmente o pedido de rectificação, ainda que a decisão que proferiu seja vaga e abreviada (conforme refere o parecer do Conselho Consultivo) e merece a concordância deste Tribunal o parecer Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado. IP, pelo que deve improceder o recurso interposto”. Apreciando:
A decisão recorrida não merece o menor reparo, subscrevendo-se por inteiro o entendimento aí perfilhado, proficientemente desenvolvido e solidamente fundamentado aliás, pouco havendo a acrescentar.
Sempre se dirá:
Nos termos do artigo 1º do Código de Registo Predial: “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
Trata-se, como se compreende, de uma mera função declarativa destinada a esclarecer publicamente a titularidade dos imóveis e as suas características essenciais (natureza, áreas e confrontações), introduzindo um importante factor de premente e indispensável segurança e certeza, prevenindo dissídios futuros, mormente aquando da aquisição e transmissão de bens desta natureza, envolvendo os respectivos actos negociais, em regra, valores pecuniários e interesses patrimoniais particularmente avultados.
Ao invés, não se encontra o registo predial vocacionado para dirimir conflitos, assentes na aplicação de direito substantivo, relacionados, designadamente, com o afastamento da presunção de titularidade de imóveis inscritos no registo predial; com a alegada duplicação de descrições prediais ou a eventual substituição de parcelas por outras; ou diminuição da área de uma delas, que afectam, todos eles, de forma gravosa, os direitos e interesses de terceiros.
Estas questões jurídicas conflituantes obrigam, não só à produção de prova adequada, rigorosa, com vista à completa dilucidação dos direitos de propriedade em contraposição, como à ponderosa e competente intervenção do órgão jurisdicional, especialmente vocacionado para esse efeito – que não, como facilmente se compreende, a Conservatória do Registo Predial, a qual carece manifestamente de competência para o exercício de funções jurisdicionais.
Ora, a alteração registral que os requerentes pretendem introduzir não resulta de qualquer mera desconformidade, muito menos evidente, da realidade com os factos inscritos na Conservatória de Registo Predial, explicitada na documentação invocada, conforme se demonstra, desde logo, através da acesa e complexa controvérsia suscitada entre as partes sobre esta temática.
A mesma tem a ver com a alegada duplicação de partes de descrições prediais e ainda a substituição do prédio descrito por outro, cuja área que nem sequer foi devidamente concretiza pelos requerentes.
Assim sendo, a pretensão dos requerentes terá necessariamente que passar pela exposição dos competentes factos em juízo, susceptíveis de contrariar a presunção de que os apelados gozam ao abrigo do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial, seguida da actividade probatória idónea à sua comprovação judicial, bem como do indispensável exercício do contraditório pela parte contrária.
Não se trata de um caso em que os elementos documentais juntos aos autos, interpretados unilateralmente pelos requerentes, surjam como inequívocos, indiscutíveis e suficientes para ultrapassar, modificando, a situação actual em termos de inscrição predial, que acarreterá, na situação sub judice, uma profunda e muito gravosa repercussão nos direitos e interesses dos titulares inscritos.
Tal discussão terá que ser naturalmente travada perante os orgãos jurisdicionais competentes, não sendo passível da mera actuação do Conservador do Registo Predial, o qual não detém competência para se pronunciar sobre esta intrincada controvérsia jurídica.
A eventual duplicação de descrições e modificação parcial de outras inscrições, com afectação sensível de direitos de terceiro, não constitui um efeito jurídico integrável na previsão pertinente à rectificação do registo consignado nos artigos 120º a 132º-A do Código de Registo Predial, como se considerou, e muito bem, na decisão recorrida.
Neste mesmo sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Março de 2018 (relator Madeira Pinto), publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza que: “Havendo repetição de descrição do mesmo prédio do mesmo prédio acompanhada de situações jurídicas-tabulares incompatíveis ou conflituantes, obviamente, a fiabilidade do sistema do registo é posta em causa pois, como é evidente, o verdadeiro problema que existe por detrás da dupla transcrição por publicidade por parte do Registo de uma situação contraditória acerca da propriedade de um imóvel: publicita-se que duas pessoas distintas são proprietários do mesmo imóvel no mesmo momento. No caso de duplicação (total ou parcial) de descrições e consequente incompatibilidade de situações tabulares, a resolução do conflito não pode ser atingida mediante o recurso aos princípios da prioridade do registo e do trato sucessivo, antes apenas pela aplicação dos princípios e regras de direito substantivo, em acção própria”.
Outrossim no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Junho de 2002 (relatado por Maria Regina Rosa), publicitada in www.jusnet.pt, é salientado que o interessado não pode solicitar uma rectificação do registo, com base na existência de um erro na indicação da área da matriz predial, que consubstancia uma causa de nulidade do registo que não pode ser eliminada por intermédio do processo de rectificação, obrigando à instauração da competente acção judicial.
Corroborando esta perspectiva, vide também o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de Julho de 2007 (relator Acácio das Neves), publicitada in www.jusnet.pt, que perfilhou o entendimento de que a inexactidão do registo fundada na inexactidão material do título que lhe serviu de base, no qual se menciona uma área diferente da real, de que resulte manifesta alteração do próprio objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere, não pode ser rectificado através do regime do processo de rectificação regulado no artigo 120º do Código de Registo Predial, impondo o recurso à via judicial comum, através da acção de simples apreciação positiva.
Tal jurisprudência firmada e perfeitamente consolidade não suscita qualquer tipo de dúvida, não existindo razões sérias e justificativas para dela divergir.
Não assiste, assim, razão aos apelantes, improcedendo a presente apelação.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela A. apelante.