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CONSUMIDOR
REGIME
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Sumário
1. O DL 67/2003, de 8 de Abril é aplicável apenas ao consumidor, entendido este, nos termos da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional;
2. Fora desses casos, existindo cumprimento defeituoso, tem o comprador as alternativas decorrentes do Código Civil, as quais obedecem a uma ordem, não podendo ser exercidas em alternativa;
3. Em primeiro lugar, o vendedor está obrigado à eliminação do defeito da coisa; depois, à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. M… – Engenharia e Construção, Lda intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra MS… pedindo que seja declarada, condenando-se o R. a reconhece-la, a resolução do contrato de compra e venda celebrado a 25 de Novembro de 2015, relativo à viatura Mercedes Benz matrícula …-QH-…, e a liquidar à A. o montante de € 24 850,00, pago pela aquisição da viatura, e subsidiariamente, seja reduzido o valor do negócio de aquisição da viatura Mercedes Benz matrícula …-QH-…, no valor de € 10.000,00, e o R. condenado a liquidar tal quantia à A. e ainda a condenação do R. a pagar à A. 6.290,48 €, por esta despendidos em reparações.
Para tanto, alega que após ter visionado anúncio de venda de veículo automóvel, do ano de 2008, com garantia de um ano, publicado pelo R., acordou na sua compra, pelo preço de € 24 850,00, destinando-se esse veículo ao uso pessoal do legal representante da A. e família. Mais alega que o veículo tinha várias anomalias, de que deu conhecimento ao R., tendo despendido € 6 290,48 em reparações, sendo que o veículo é de 2006, sendo o R. assegurado que o mesmo era do ano de 2008, facto essencial para a A. quando decidiu a aquisição.
2. O R. contestou, impugnando os factos alegados pela A. e deduzindo, além do mais, as excepções de caducidade e de abuso de direito.
3. Realizou-se audiência prévia, tendo a A. respondido às excepções deduzidas, apresentado articulado superveniente e ampliado o pedido, pretendendo a A. que “Subsidiariamente aos pedidos formulados em A e B, deve ser declarada e o R. condenado a reconhecer a anulação do contrato de compra e venda do veículo automóvel matrícula …-QH-…, por erro na formação da vontade e vício da vontade, nos termos legais, com a consequente condenação do R. ao pagamento da quantia de € 24.850,00 à A.”.
A ampliação do pedido foi admitida e foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
4. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença em que se julgou improcedente a acção, absolvendo o R. do pedido.
5. Inconformada, a A. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“B. O Recorrente pretende que o Recorrido seja condenado a reconhecer a resolução do veículo automóvel matrícula …-QH-…, nomeadamente por entender que a mesma padece de vícios, anomalias, desconformidades e defeitos que impedem a sua utilização, ou a anulação do negócio ou a redução do preço.
C. Peticiona também o Recorrente o pagamento de despesas com reparação da viatura que suportou, nomeadamente o montante de 6.290,48 €, sendo o presente recurso admissível nos termos do artigo 644.º n.º 1 do CPC, versando sobre a matéria de facto, por considerá-la incorretamente julgada nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 640.º do CPC, e sobre matéria de direito, por entender que foram violadas diversas normas e existiu erro na interpretação e aplicação de outras.
D. O tribunal a quo deu como provados o facto 2., com o que a Recorrente, salvo o devido respeito, não pode concordar, por considerá-lo incorrectamente julgado nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 640.º do CPC, pelo que entende que deve ser parcialmente alterado.
E. A douta sentença a quo considerou como provado que: “Em Novembro de 2015, a Autora decidiu adquiri um automóvel, para uso profissional e pessoal do seu administrador, PA…, e família”, uma vez que dos depoimentos das testemunhas resulta o contrário, nomeadamente do depoimento da testemunha SI… (prestado no dia 21.05.2018, pelas 09h56, gravado no sistema de gravação do tribunal), do minuto 06m39s ao minuto 09m23s e ainda o depoimento da mesma testemunha do minuto 30m00s ao minuto 31m50s.
F. Entende a Recorrente que existem meios probatórios, constantes de gravação realizada no processo, que impunham decisão sobre este ponto da matéria de facto impugnada que impunham decisão diversa da recorrida;
G. Do depoimento da testemunha SA… resulta que a empresa Autora é uma empresa familiar depondo no sentido de que a mesma se destinava à utilização pessoal do legal representante, em passeios de fim de semana, para transportar as filhas à escola, em viagens recreativas e de lazer tendo claramente dito que a viatura em causa não foi adquirida com o objetivo de ser utilizada na persecução do objeto social da Recorrente, nem tão pouco com o objetivo de prosseguir o escopo lucrativo que move a mesma nunca tendo sido utilizada na construção civil, nunca foi levada para obras, nunca lhe foi dado outro uso que não o uso pessoal e familiar.
H. Também o depoimento da testemunha CS… (depoimento prestado no dia 21.05.2018, pelas 10h37m, gravado no sistema de gravação do tribunal) do minuto 03m10s a minuto 03m50s do depoimento da testemunha CB…, que confirma que o carro era utilizado para o uso pessoal do legal representante da Autora.
I. Também o depoimento da Testemunha NM… (depoimento prestado no dia 21.05.2018, pelas 10h27m, gravado no sistema de gravação do tribunal), nomeadamente do minuto 01m51s ao minuto 04m40s do depoimento vai no mesmo sentido.
J. De depoimento das testemunhas ora transcrito é notório o objetivo com que o automóvel foi adquirido foi para utilização pessoal do legal representante da Autora e não para a actividade profissional.
K. Todas afirmaram que a viatura era utilizada em exclusivo pelo legal representante da Autora, e quase sempre em viagens de lazer e com a sua família.
L. Assim, a Recorrente entende que deveria ter sido dado como provado que: “Em Novembro de 2015, a Autora decidiu adquirir um automóvel para uso pessoal do seu administrador, PA…, e família”, devendo ser alterada a matéria de facto neste sentido e consequentemente, deveria, também, ter sido dado como não provado que “A Autora tenha adquirido a viatura para uso profissional.”
M. Tendo em consideração o alegado pela Recorrente a artigos 16.º e 17.º da Petição Inicial e tendo em conta os excertos dos depoimentos já supra indicados nas conclusões E. G. e H., que aqui se alegam e se dão como reproduzidos, deverá ser aditado como facto provado que: “O veículo automóvel destinava-se ao uso pessoal do legal representante da Autora e era utilizado em viagens recreativas e de passeio do legal representante e da sua família, para o uso pessoal deste. Tendo sido adquirida para uso não profissional”.
N. O douto tribunal a quo deu como provados os factos 83. e 84. da matéria de facto dada como provada nomeadamente que “83. É prática comercial no ramo da venda automóvel identificar-se o veículo pela data da 1ª matrícula, e não pelo ano de fabrico. 84. A A. e o R. interpretaram o anúncio vertido em 6., no tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-a ao ano da primeira matrícula.”
O. No ramo da venda automóvel é prática comercial identificar-se o veículo pela data da primeira matrícula, sendo que tal prática apenas é compreensível quando nos encontramos perante uma coincidência entre o ano da matrícula e o ano de fabrico decorrendo das regras da experiência comum, que o ano da primeira matrícula seja idêntico ao ano de fabrico da viatura e que a viatura apenas circule quando é matriculada.
P. Quando um comprador adquire um veículo automóvel e questiona qual o ano, ao ser-lhe dito e ao poder visualizar o ano na chapa de matrícula confia, necessariamente, que aquele é o ano de fabrico da mesma.
Q. Resulta das regras da experiência comum, e corresponde ao necessariamente entendido por qualquer entidade que adquira um automóvel, que o ano da matricula é o ano se não de fabrico, pelo menos de começo da utilização da viatura, sendo que tal regra da experiência comum dir-nos-á, inclusivamente, que se um veículo automóvel apresenta uma matrícula de um ano e se prova que foi fabricado e sujeito a reparações em anos anteriores (factos provados 61. e 62.), alguma espécie de problema com a legalização do automóvel terá acontecido, nomeadamente uma eventual adulteração dos seus componentes, ou da documentação que lhe é associada, que permita vir a registar um carro com data posterior à da circulação.
R. Resulta mesmo das regras da experiência comum, com a análise da demais prova, que o veículo foi matriculado antes de 2008, daí ter circulado e ter sido objeto de reparações.
S. O facto provado 83. apenas pode ser considerado como provado se entendermos que a prática comercial de identificação do veículo pela data da primeira matrícula apenas é normal quando a data da primeira matrícula corresponda ao ano de fabrico da viatura em causa, pois para um declaratário normal é esse o entendimento de tal declaração, correspondendo tal interpretação às regras da experiência comum.
T. Pelo que, deve ser alterado o facto provado n.º 83. Passando a constar que: “É prática comercial no ramo da venda automóvel identificar-se o veículo pela data da 1.ª matrícula e não pelo ano de fabrico, quando tais datas coincidam.”
U. Quanto ao facto 84. Deverá tirar-se a mesma ilação. De facto, se Autor e Réu entenderam o anúncio vertido em 6. No tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-se ao ano da primeira matrícula, fizeram-no convictos que seria o ano de fabrico da viatura.
V. De facto, mal se entende que o entendimento da Autora fosse diferente, ou seja, que a Autora tivesse compreendido tal declaração como se o ano da matrícula fosse diferente do ano de fabrico, o contrário seria inverter as regras da experiência comum.
W. Assim, deverá ser alterado o facto provado 84. Passando a constar: “A A. e o R. interpretaram o anúncio vertido em 6., no tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-o ao ano da primeira matrícula e do fabrico da viatura”. Dos factos dados como não provados.
X. Com relevo para o que por ora nos interessa, a Recorrente não pode concordar com os factos provados constantes de a., b., i. j. k. l. da matéria de facto dada como não provada.
Y. A douta sentença recorrida deu como não provado que: “a. A Autora nunca teria adquirido o automóvel se soubesse que o mesmo tinha matrícula desde 2006, uma vez que tal significaria um muito maior número de quilómetros percorridos, a possibilidade de ter mais proprietários e, naturalmente, um maior desgaste a todos os níveis do mesmo. b. O facto de ter sido anunciado que o veículo era do ano de 2008 foi essencial para a Autora na tomada de decisão de aquisição da viatura.” Considerando que : “os factos a. e b. decorrem da experiência comum, conjugada com os factos 83. e 84.
Z. Da experiência comum não resulta que o facto de existir um engano na celebração de um contrato de compra e venda de um bem automóvel relativo ao ano de matrícula de um carro não configure um sério indício de que quem compra o carro não o teria adquirido caso não tivesse existido o engano.
AA. É notório, consabido e por demais evidente, que um dos principais factores quando se adquire um carro em segunda mão é aquele que é anunciado como sendo o ano de matrícula da viatura. O ano de fabrico corresponde, na ótica com comprador, ao ano da matrícula, ou seja, ao ano que é anunciado pelo vendedor como sendo o ano efetivo do veículo, o ano a partir do qual o mesmo começou a circular.
BB. Do ponto de vista da experiência comum, não há como negar que o ano que é anunciado como sendo o ano da viatura, é extremamente importante para quem compra.
CC. O ano da viatura é a característica primeiramente anunciada pelos vendedores de automóveis em qualquer anúncio de venda, o que, só por si, releva quanto à importância de tal elemento na decisão de compra de uma viatura, como aconteceu no presente caso (ver. Facto provado 6., p. 4 da sentença).
DD. Uma viatura dois anos mais velha apresenta mais quilómetros percorridos, a possibilidade de mais proprietários e um maior desgaste a todos os níveis, motivos pelos quais a Autora não o teria adquirido, o que resulta dos factos provados 61 e 62.
EE. A prova de tais factos resulta, também do depoimento da Testemunha SA… (prestado no dia 21.05.2018, pelas 09h56, gravado no sistema de gravação do tribunal) do minuto 21m49s ao minuto 27m00s do depoimento.
FF. Também resulta do depoimento da testemunha NM… (depoimento da testemunha prestado no dia 21.05.2018, pelas 10h27m, gravado no sistema de gravação do tribunal) do Minuto 5m32s ao minuto 06m17s do depoimento e ainda do minuto 08m10s ao minuto 08h52 do depoimento.
GG. Ambas as testemunhas afirmaram categoricamente que a Autora/Recorrente não teria adquirido o veículo se soubesse que o mesmo não era do ano de 2008, revelando a indignação do legal representante da Autora quando descobriu tal facto.
HH. Pelo que deveria ter sido dado como provados os factos a. e b. da matéria de facto dada como não provada, concluindo-se que deverá ser considerado provado que: “A Autora nunca teria adquirido o automóvel se soubesse que o mesmo tinha matrícula desde 2006, uma vez que tal significaria um muito maior número de quilómetros percorridos, a possibilidade de ter mais proprietários e, naturalmente, um maior desgaste a todos os níveis do mesmo.” E deve ser considerado provado que “O facto de ter sido anunciado que o veículo era do ano de 2008 foi essencial para a Autora na tomada de decisão de aquisição da viatura.”
II. A douta sentença recorrida deu como não provado que: “i. A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu tendo este assumido toda a responsabilidade pela reparação de todo e qualquer defeito que se viesse a verificar na viatura. “j. O Réu comprometeu-se perante a Autora a liquidar todos os montantes por esta despendidos na reparação da viatura.“k. Uma vez reparada a viatura, a Autora comunicou ao Réu que deveria efetuar o pagamento junto da oficina de RM…, como aquele se havia comprometido a fazer.”
JJ. Atendendo aos factos provados 21, 22, 23, 24, 27 a 31, 38 a 47, retira-se o Réu teve conhecimento de todos os problemas verificados na viatura, que aceitou a responsabilidade por tais avarias, tendo, num primeiro momento, feito chegar peças (por si pagas) para instalação na viatura (facto provado 21), procedido por si à reparação de alguns dos defeitos (factos provados 27. a 31.), feito deslocar a viatura a oficinas da sua confiança e por sua iniciativa e responsabilidade, ordenando a reparação (factos provados 30, 41, 42, e 43), sendo que a Autora apenas procedeu ao pagamento dos montantes devidos pelas reparações para poder levantar a viatura das oficinas em que se encontrava (factos 23., 45 e 46).
KK. Também do depoimento da Testemunha RM… que depôs no sentido de conhecer o Recorrido há um longo período de tempo (depoimento da testemunha prestado no dia 21.05.2018, pelas 10h05, gravado no sistema de gravação do tribunal) do Minuto 00m50s ao minuto 05m26s do depoimento.
LL. O recorrido teve conhecimento de todos os problemas existentes na viatura, por lhe terem sido comunicados tendo providenciado pela sua reparação, pelo que deverá ser dado como provado que “a Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu.”
MM. Todas as iniciativas tomadas pelo Réu por forma a resolver as anomalias e desconformidades existentes na viatura são consentâneas com uma assunção de responsabilidade que não pode ser negada.
NN. É evidente, que o Réu se comprometeu a liquidar os montantes devidos na oficina de RM… e que a Autora, uma vez reparada a viatura, tenha exigido do Réu o pagamento da fatura que lhe foi apresentada, pois tal mecânico era conhecido do Réu, e este é que lhe havia encomendado a reparação.
OO. Deve ser dado como provado que: “A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu tendo este assumido toda a responsabilidade pela reparação de todo e qualquer defeito que se viesse a verificar na viatura. “ O Réu comprometeu-se perante a Autora a liquidar todos os montantes por esta despendidos na reparação da viatura “Uma vez reparada a viatura, a Autora comunicou ao Réu que deveria efetuar o pagamento junto da oficina de RM…, como aquele se havia comprometido a fazer.”, alterando-se a matéria de facto em conformidade.
PP. A douta sentença recorrida deu como não provado que: “l. As anomalias de que emergiram as imobilizações e reparações do veículo já existiam na data de compra da viatura pela A.”.
QQ. Na perspetiva da Autora é aplicável, antes de mais, ao presente caso concreto o regime da VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, previsto no dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21/05 pelo que a existência dos defeitos do veículo presume-se existir à data de aquisição do veículo, pelo que tais factos não poderiam ter sido dados como provados, uma vez que o Recorrido não logrou demonstrar ilidir tal presunção.
RR. Ainda que se aplique o regime de venda de coisa defeituosa previsto nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, a douta sentença a quo não considera que, no âmbito do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida foi acordada uma garantia de 1 ano (cfr. facto provado 6), nos termos e para os efeitos do artigo 921.º do Código Civil.
SS. Ora, seguindo a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.04.2012 proferido no âmbito do processo n.º 1386/06.9 TBLRA C1.S1, existe, no caso, uma verdadeira presunção quanto à data dos defeitos, cabendo ao vendedor, Recorrido, inverter tal presunção o que não logrou fazer.
TT. Pelo que deve ser dado como provado que “l. As anomalias de que emergiram as imobilizações e reparações do veículo já existiam na data de compra da viatura pela A.”.
Do recurso da matéria de direito
UU. A Recorrente discorda que ao presente caso não se aplique o regime previsto no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
VV. Nos termos do artigo 1.º A e 1.º B do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, é estabelecido um conceito de consumidor, expressamente determinando que considera consumidor todo aquele a quem são fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso não profissional.
WW. Com tal redação o legislador não faz qualquer referência à particularidade de se considerar apenas consumidor, para aplicação do mencionado diploma, uma pessoa singular, mas antes quem adquira um bem destinado a uso não profissional, o que acontece ao contrário do previsto em outros diplomas legais, e mesmo em diretivas comunitárias.
XX. A intenção do Legislador é tão mais clara quando temos em consideração que, pese embora a controvérsia sobre a aplicação do conceito de consumidor a pessoas coletivas, v.g. sociedades comerciais, se venha manifestando desde a entrada em vigor da versão inicial do diploma legal, a revisão operada em 2008, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 84/2008, de 21 de Maio, não operou qualquer restrição do conceito de consumidor.
YY. Da letra da Lei resulta, assim, que a Recorrente, embora pessoa coletiva, pode, e deve como veremos, ser considerada consumidora nos termos e para os efeitos do disposto no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril,
ZZ. Seguimos, em particular a doutrina de Pedro Manuel Moreira da Silva Santos: que a este propósito refere que “nem mesmo as alterações levadas a cabo pelo legislador em 2008, altura em que a polémica estava já instalada, conduziram a mudanças significativas em tal definição, uma vez que a redação da alínea a) do Art.º 1.º-B é, em tudo, idêntica à constante da LDC. Daí que não nos parece legítimo que se exclua, pelo menos ab inito, as pessoas coletivas do campo de aplicação do regime especial da venda de bens de consumo. O legislador poderia, caso assim o entendesse, ter limitado o âmbito de aplicação do diploma de forma expressa, porém, não o fez.”
AAA. O mesmo autor refere ainda, entre outros, que: “Assim sendo, não nos parece que a exclusão de pessoas coletivas do conceito de consumidor encontre refúgio na letra da lei. Pelo contrário, esta abre mesmo a porta à sua inclusão no conceito. Por outro lado ainda, julgamos que não colhe o argumento defendido na doutrina e na jurisprudência já citada, que determina a exclusão das pessoas jurídicas do conceito de consumidor, trazendo à colação o nº 1 do Art.º 6.º do CSC e o princípio da especialidade do fim ali consagrado, pretendendo demonstrar, assim, que não é possível que uma sociedade comercial atue fora do âmbito da sua atividade profissional. Como bem sublinha PAULO MOTA PINTO não só o “princípio da especialidade do fim” necessita de ser configurado de forma ampla como o mesmo apenas põe em causa a validade dos atos praticados em sua violação, não interferindo em nada com a qualificação de quem os praticou como consumidor. A estes dois argumentos, acrescentaríamos ainda um terceiro: se é verdade que a capacidade das pessoas coletivas está limitada à realização do seu fim, é igualmente verdadeiro que certos atos (liberalidades) pese embora não se destinem de forma imediata, à prossecução desses mesmos fins, não lhes estão vedados, consentindo a lei algumas exceções ou obrigando a um entendimento amplo do princípio em causa.” (in. “ Responsabilidade civil e garantias no âmbito do direito do consumo”, Dissertação de Mestrado em Direito, na área de especialização em Ciências Jurídico-Privatísticas, realizada sob orientação do Exmo. Sr. Professor Jorge Ferreira Sinde Monteiro. p. 13).”
BBB. Tal posição é consentânea com a de diversos Autores nacionais sendo que mesmo o Professor Calvão da Silva, “depois de admitir a complexidade da questão e ponderar que “No mínimo, deve dizer-se que só haverá contrato de consumo se a coisa comprada for principalmente ou predominantemente destinada a uso não profissional”, acaba por concluir que “(….) quem adquire um bem com intenção de o usar na sua profissão e na vida privada não deixa de actuar na veste de um profissional, com a suposta qualificação técnica e aptidão para a negociação contratual inerentes ao status de quem atua no âmbito da sua actividade profissional, qualificação ou competência que não perde pelo facto de destinar a coisa ainda e também a uso não profissional”- Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4.ª ed., Almedina pág. 121.” (citação obtida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.12.2016, proferido no âmbito do processo n.º 1638/11.6 TBACB.C1).
CCC. Também a jurisprudência nacional tem seguido a mesma orientação como foi decidido, entre outros, pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 15.12.2016, em acordão proferido no âmbito do processo n.º 1638/11.6 TBACB.C1 que concluiu que: “I. É ‘consumidor’, mesmo considerando o seu conceito restrito, aquele que destina o bem adquirido predominantemente ao seu “uso pessoal, familiar ou doméstico”, sendo meramente instrumental ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional.”, e ainda o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou no mesmo sentido, considerando no acórdão de 18/6/2013 do TRL, proferido no processo 2154/2.4 TBALM-A.L1-7, acessível em www.dgsi,pt: concluindo que: “3. Casuisticamente, pode-se estender a protecção devida ao consumidor, a determinada entidade que exerça de forma profissional uma certa actividade económica, visando obter benefícios, desde que não sendo idêntica ao outro contraente, nem tendo em vista dar um destino empresarial aos bens ou serviços adquiridos, actue fora do âmbito da sua especialidade, competência própria ou objecto específico da sua actividade, não dispondo, assim, de preparação técnica, por a utilização do bem adquirido se encontrar fora do domínio da sua especialidade, de modo a que se mostre em relação ao bem que adquiriu, tão leiga como um consumidor.”
DDD. Atendendo quer à letra quer ao espirito da Lei não se pode considerar que o conceito de consumidor, e bem assim, o regime previsto no Dec. Lei Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, com as alterações do 84/2008, de 21/05, não se aplique, sem mais a pessoas coletivas, nomeadamente, sociedade comerciais.
EEE. A douta sentença recorrida viola tal regime, ao aplicar e interpretar incorretamente os artigos 1.º A e 1.º B a) do mencionado diploma legal, devendo ter interpretado tais disposições legais no sentido de que uma pessoa coletiva, sociedade comercial, pode ser considerada consumidora para efeitos do regime ali previsto desde que a aquisição do bem em causa não tenha como objetivo o uso profissional.
FFF. A Recorrente adquiriu o veículo automóvel objeto do contrato de compra e venda celebrado com o Réu precisamente para uso pessoal do seu legal representante e da sua família, dando ao automóvel o uso predominantemente pessoal, pelo que tudo conjugado, e provado que está que o fim da aquisição do veículo não era profissional e o destino dado ao mesmo foi, predominantemente, pessoal do legal representante da Autora, não há como não aplicar ao presente caso concreto o regime previsto no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
GGG. Assim, a sentença recorrida incorre em erro nas normas legais aplicáveis ao presente caso, devendo ter aplicado o regime previsto no mencionado diploma legal, e, concluído pela procedência da acção.
HHH. A Recorrente logrou provar as desconformidades, defeitos e anomalias existentes no automóvel que lhe foi vendido pelo Réu (profissional para efeitos do disposto na alínea b do n.º 1 do artigo 1.º B – cfr. facto provado 3), nomeadamente as que foram dadas como provadas – pontos 16 a 59, , bem como a desconformidade entre o ano anunciado pelo Réu – 2008, e o verdadeiro ano da viatura – 2006 (factos provados 6, 60 a 63), bem como a denuncia tempestiva de todos os defeitos verificados na viatura adquirida pela Recorrente (factos provados 20., 21., 27 a 32, 39. A 43. 71. 72), teremos que considerar que, efetivamente, assiste direito a à Autora de ver resolvido o contrato de compra e venda, conforme peticionado, nos termos do artigo 2.º a), b) e c) do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
III. A Lei permite à Recorrente optar por qualquer um dos direitos previstos no artigo 4.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
JJJ. O tribunal a quo deveria ter reconhecido e declarado a resolução do contrato de compra e venda da viatura automóvel matrícula …-QH-… e condenado o réu/Recorrido, a tal reconhecer, bem como a restituir ao Autor a quantia por este liquidada a título de pagamento do preço, ou seja, condenado a liquidar a quantia de 24.500,00 € (vinte e quatro mil e quinhentos euros).
KKK. Ao não o fazer a sentença a quo aplicou erradamente o regime da venda de coisa defeituosa, previso no artigo 913.º e seguintes, e viola os artigos 1.ºA, 1.º B, 2.º 1 e 2, 3.º e 4.º n.1 do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, devendo ser revogada a sentença recorrida e, substituindo-se por outra que aplique aos presentes autos o regime previsto no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, deveria ter reconhecido e declarado a resolução do contrato de compra e venda da viatura automóvel matrícula …-QH-… e condenado o réu/Recorrido, a tal reconhecer, bem como a restituir ao Autor a quantia por este liquidada a título de pagamento do preço, ou seja, condenado a liquidar a quantia de 24.500,00 € (vinte e quatro mil e quinhentos euros).
Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda,
LLL. Analisando os factos dados como provados constata-se que: Facto provado “76. Os defeitos que apresenta a viatura desvalorizam-na na totalidade, por ser economicamente prejudicial a sua reparação.”“77. A reparação orça em cerca de € 20.000,00.”
MMM. É por demais evidente que a reparação da viatura é totalmente impossível, sendo que os defeitos verificados a desvalorizam na totalidade frustrando-se completamente a possibilidade de reparação.
NNN. Pelo que não colhe provimento o argumento utilizado na douta sentença de que no caso não será possível à Recorrente resolver o contrato por a resolução ser o último dos direitos que lhe assistem.
OOO. A Recorrente está dispensada da prova de que os defeitos na viatura já existiam quando a mesma foi adquirida, correndo por conta do Recorrido provar que o defeito ou desconformidade ou anomalia não é da sua responsabilidade, o que não logrou fazer, em virtude da concessão de garantia (facto provado 6).
PPP. Assim, a douta sentença a quo incorre em erro de julgamento ao não conceder provimento ao pedido de resolução do contrato de compra e venda da viatura automóvel adquirida pela Recorrente ao Réu, violando o disposto nos artigos 801.º n.º 1 e 802.º n.º 1, 432.º n.º 1 e 433.º do Código Civil, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgando procedente o pedido de resolução do contrato, o declare (ainda que ao abrigo das normas gerais de Direito) condenando o Recorrido conforme peticionado no pagamento da quantia de 24.500,00 € pagos pela Recorrente pela aquisição da viatura.
Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda
QQQ. Após a alteração que V. Exas. muito certamente levarão a cabo dos factos não provados, considerando provados os factos a. e b. da matéria de facto dada como não provada, sempre será de considerar procedente o pedido de anulação do negócio com base no erro.
RRR. Ao adquirir o automóvel, a Recorrente quando fá-lo na convicção que o mesmo é do ano de 2008, tal como anunciado pelo Recorrido.
SSS. O Réu, enquanto profissional que se dedica à compra e venda de automóveis, está obrigado, e deve, assegurar que nos anúncios dos veículos que transaciona indica correta e concretamente qual o ano dos mesmos.
TTT. Dando-se como provado que a viatura não é do ano de 2008, que a sua matrícula não corresponde ao ano de fabrico, e que a Autora nunca teria adquirido o veículo caso soubesse de tal falta de conformidade, sempre deveria ter sido julgada procedente a acção, e anulando-se o contrato, deveria o Réu ter sido condenado a pagar à Autora o montante por esta despendido na aquisição da viatura (artigo 289.º n.º 1 do C.C.). Pelo que a sentença recorrida violou interpretou de forma inadequada o disposto nos artigos 913.º, 905.º e 247.º do C.C., que deveriam ter sido interpretados no sentido de conceder provimento ao pedido de anulação do contrato devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declarando a anulação do contrato de compra e venda do veículo automóvel, condene o Réu na devolução à Autora do montante por esta pago na aquisição do veículo, 24.500,00 €.
UUU. Ainda que se entenda não ser de proceder o pedido de anulação do contrato, sempre deveria a sentença recorrida ter dado provimento ao pedido de redução do preço, tal como peticionado pela Recorrente, e ainda que ao abrigo do disposto no artigo 911.º, ex. vi artigo 913.º do C.C..
VVV. A redução do preço, no regime da venda de coisas defeituosas decorre do artigo 911.º do C.C..
WWW.O Recorrido garantiu o bom funcionamento do bem (facto provado 6), prestando garantia, com todas as consequências (remetendo-se neste particular para o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.2012 proferido no âmbito do processo n.º 1386/06.9TBLRA C1.S1., já supra citado).
XXX. Assiste à Recorrente o direito de redução do preço, tal como peticionado, pelo que, ainda que não se dê provimento ao supra peticionado, sempre se dirá que a sentença recorrida viola os artigos 921.º, 913.º, 911.º, 342.º e 344.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça e declare a redução do preço do negócio em 10.000,00 € (dez mil euros) e condene o Recorrido a liquidar tal valor.
Em todo o caso,
YYY. Aplicando-se, como estamos em crer de ser aplicado, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, dispõe o n.º 3 do artigo 4.º que: “A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.”
ZZZ. Ora, todas as despesas efetuados pela Recorrente para a reparação do bem deveriam ter sido suportadas pelo Recorrido, que, aliás, concordou com as mesmas ao providenciar a sua reparação, fornecendo peças, contactando mecânicos e procurando junto da Recorrente encontrar uma solução.
AAAA. Pelo que a sentença Recorrida deveria ter aplicado o disposto no n.º 3 do artigo 4.º do Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, condenando o Recorrido a liquidar a quantia de 6.290,48 €.
BBBB. Tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, resulta claro, por um lado, que os defeitos existentes na viatura já existiam à data de celebração do contrato, bem como resulta claro que o Recorrido assumiu quer a necessidade de serem reparados e a própria reparação, sendo que a Recorrente apenas procedeu ao pagamento das reparações que lhe foram sendo apresentadas por forma a poder levantar o veículo das sucessivas oficinas onde o mesmo se encontrava.
CCCC. Reiterando, também, que o Recorrido garantiu o bom funcionamento do bem (facto provado 6), prestando garantia não tendo o Recorrido logrado provar que as anomalias resultaram da utilização que a Recorrente deu ao bem.
DDDD. Assim, assiste o direito à Recorrente de ser indemnizada pelo prejuízo sofrido, isto é, pelos montantes despendidos em reparações do automóvel, pelo que deverá o Recorrido ser condenado a liquidar a quantia de 6.290,48 € (seis mil duzentos e noventa euros e quarenta e oito cêntimos). Solução contrária é violadora dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, devendo ter sido interpretados no sentido de que assiste à Autora o direito de ser ressarcida dos montantes pagos.
EEEE. Pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida e ser substituída por outra que condene o Recorrido no pagamento da quantia de 6.290,48 € (seis mil duzentos e noventa euros e quarenta e dois cêntimos), conforme peticionado”.
6. Em sede de contra-alegações, o R. defendeu a manutenção da sentença recorrida.
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da impugnação da matéria de facto;
- da apreciação jurídica efectuada.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu a matéria de facto nos seguintes termos:
“III.1 Factos provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial por ações que se dedica à atividade de construção civil.
2. Em novembro de 2015, a Autora decidiu adquirir um automóvel, para uso profissional e pessoal do seu administrador, PA…, e família.
3. O Réu é um profissional que se dedica à venda de carros usados, e, para o efeito, explora um estabelecimento comercial sito na Rua …, Lote … A, Bairro …, …-… Pontinha, Lisboa, onde tem em exposição diversos veículos automóveis para venda.
4. Foi emitido escrito constando “MO… Car: Comércio de Viaturas – Contactos (…) Rua … …A Pontinha (…)”, documento 1 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
5. O R. publicita as viaturas em venda através da internet.
6. Em data não determinada, mas entre o dia 15 e 24 de Novembro de 2015, a Autora, na pessoa do seu legal representante, tomou conhecimento, através de consulta do sítio da internet sapoautomóveis.pt, do seguinte anúncio, publicitado pelo R.: “MO… Car: MS… Comércio de Automóveis Mercedes-Benz Classe S S 320 Cdi Longo (235cv) (4p) 29.500 € Caraterísticas gerais: Ano: 2008 Mês 5 Combustível: Diesel Kms 255000 Cor Preto Potência 235 cv Cilindrada 2987 cc Caixa vel. Automático Portas 4 Origem Importado Garantia 1 ano Equipamento: (…)”, documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
7. O legal representante da Autora contactou o Réu com o intuito de ver e experimentar a viatura.
8. Autora e Réu acordaram encontrar-se em Lisboa no dia 25 de Novembro no stand de automóveis que este explora.
9. No dia 26 de Novembro de 2015, a Autora deslocou-se ao stand automóvel explorado pelo Réu.
10. Naquele local, o Réu informou a Autora que o veículo em causa tinha matrícula …-QH-….
11. O Réu mostrou a viatura ao legal representante da Requerente.
12. O Réu informou a Autora que a viatura estava apta a circular.
13. Após negociação, Autora e Réu acordaram no preço de 24.850,00 € (vinte e quatro mil oitocentos e cinquenta euros).
14. Naquele dia 26 de Novembro de 2015, o Autora procedeu ao pagamento integral do preço, de 24.850,00 € (vinte e quatro mil oitocentos e cinquenta euros), e ao levantamento da viatura nas instalações do Réu.
15. MS… emitiu escrito intitulado “Fatura n.º Fac 204”, a favor da A., com descritivo “Mercedes-Benz Classe S 320 Cdi …-QH-… (…) Valor 24.850 Bens em 2ª mão Isento de IVA Artigo 9º do IVA”, documento 3 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
16. No dia 13.12.2015, o legal representante da Autora circulava junto da cidade da Guarda na Autoestrada A 25, tendo o carro ficado imobilizado naquela via de trânsito.
17. O legal representante da Autora contactou a assistência em viagem, que fez deslocar um reboque até ao local em que o carro se encontrava imobilizado.
18. O carro foi transportado para a oficina da CS… – concessionário e oficina autorizada Mercedes – Benz, na Covilhã, onde foi efetuada uma análise à viatura.
19. O concessionário Mercedes da Covilhã orçamentou a reparação no valor de aproximadamente 3.000,00 €, e que incluía todos os trabalhos necessários à reparação da viatura, a saber, bomba de direção e compressor ar condicionador, a substituição de coletor de escape no cabeçote, instalação de tubo de distribuição do ar de sobrealimentação, substituição da válvula de ventilação, instalação de bomba de direção hidráulica, substituição de suporte do motor, substituição de apoio traseiro para suspensão do motor, substituição de discos de freio do eixo, e material e instalação de válvula de ventilação, tubo flexível, terminal esférico, coletor, motor de ajuste, 3 suportes de motor, disco freio, tratamento de resíduos, porca sextavada, junta, vedação, junta, vedação metálica, agrupador de cabos, 3 braçadeiras de mangueira, junta de flange, sensor de desgaste, óleo de direção, 2 agente anticorrosivo, lona do freio, 2 lâmpada incandescente, retentor, parafuso, perne, gás ar condicionado, spray de limpeza e junta.
20. A Autora comunicou ainda nesse dia ao Réu o resultado da análise efetuada pelos mecânicos da oficina Mercedes Benz na Covilhã.
21. O Réu comprometeu-se a fazer chegar à oficina uma bomba de direção e compressor reconstruído para instalação na viatura, o que fez.
22. A reparação dos demais problemas existentes na viatura, e supra descritos, implicaram o custo de 2.125,00 €, tendo sido faturados à Autora todos os trabalhos supra descritos à exceção da bomba de direção e compressor ar condicionado.
23. A 27.01.2016, e para poder proceder ao levantamento da viatura naquela oficina automóvel, a Autora procedeu ao pagamento da quantia de 2.125,00 €
24. A viatura esteve imobilizada de 13.12.2016 a 27.01.2016, num total de 45 dias, período em que a Autora esteve privada da utilização da mesma.
25. Em 27-01-2016, a CS… emitiu em nome da A. escrito intitulado “Fatura 22125832”, relativo à reparação do veículo …-QH-…, recebido a 14-12-2015, no valor de € 2.125,00, documento 4 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
26. A CS… emitiu talão de pagamento datado de 27-01-2017, a favor da A., no valor de € 2.125,00, documento 4-A junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
27. Posteriormente, o legal representante da Autora deslocou-se a Lisboa, com a viatura matrícula QH.
28. Quando circulava na zona do Parque das Nações, rebentou o turbo da viatura.
29. O legal representante da Autora contactou de imediato o Réu para lhe dar conhecimento de tal facto.
30. O Réu deslocou-se junto da viatura, chamou um reboque e fez deslocar a viatura para uma oficina da sua confiança.
31. A viatura esteve imobilizada durante 3 semanas, tendo sido entregue à Requerente, alegadamente com a anomalia resolvida.
32. Durante 21 dias, a Autora esteve privada do uso da viatura em virtude da reparação levada a cabo pelo Réu, cedendo este veículo de substituição.
33. Posteriormente, a 17 de Março de 2016, o legal representante da Autora deslocou-se a Marrocos com a viatura.
34. Ao chegar a Casablanca, a caixa da viatura rebentou, deixando o legal representante da Autora apeado.
35. A Autora teve de contratar os serviços de um reboque, deslocou a viatura para um concessionário em Rabat, onde foi feito o diagnóstico do problema.
36. A Autora liquidou a quantia de 3360,00 dinares marroquinos, equivalente a 300,00 €, no concessionário Mercedes em Rabat para tentativa de diagnóstico do problema, bem como a quantia de 650,00 a título de despesas de reboque.
37. A AN…, representante da Mercedes em Marrocos, emitiu em nome da A. escrito intitulado “Fatura”, datado de 18-03-2016, relativo à reparação do veículo …-QH-…, no valor unitário de 336,00, documento 5 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
38. A viatura ficou imobilizada em Marrocos, teve que ser repatriada para Portugal de reboque.
39. A Autora deu de imediato conhecimento ao Réu da nova avaria na viatura.
40. Seguindo as indicações do Réu, a Autora entregou a viatura em Lisboa ao cuidado deste.
41. O Réu, na posse da viatura, entregou-a para reparação na oficina de RM…, mecânico da sua confiança, sito na Rua …, …, …–… Caneças, para que fosse efetuada a sua reparação.
42. Naquela oficina de RM… foi feito diagnóstico, tendo-se concluído pela necessidade de instalação de uma caixa na viatura, no valor de 2.340,00 € (dois mil trezentos e quarenta euros) a que acrescia o valor da mão-de-obra.
43. O Réu deu instruções junto da oficina de RM… para que a viatura fosse reparada.
44. Foi instalada uma caixa remanufaturada, foi abastecido óleo de caixa ATF DX VI, tendo a reparação importado o custo de 3.215,48 € (três mil duzentos e quinze euros e quarenta e oito cêntimos), sendo 2.340,00 € da caixa, 115,58 € de óleo e 175,00 € de mão-de-obra (cfr. doc. 6 que por ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
45. Na oficina de RM…, o legal representante da Autora foi informado que a viatura seria retida até ser efetuado o pagamento da reparação.
46. A fim de levantar o veículo, a Autora procedeu ao pagamento da reparação, no montante de 3.215,48 €, no dia 04.05.2016 através de cheque (cfr. doc. 6 A que por ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
47. RM… emitiu em nome da A. fatura n.º 24/2016, datada de 04-05-2016, com descritivo “Caixa remanufacturada”, no valor de € 3.215,48, documento 6 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
48. A A. emitiu a favor de RM… cheque datado de 04-05-2016, no valor de valor de € 3.215,48, documento 6-A junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
49. Neste período, a viatura esteve imobilizada desde o dia 17 de Março a 04 de Maio de 2016, num total de 57 dias.
50. Pelo que a Autora esteve privada do uso da viatura num período de 57 dias.
51. Posteriormente, a 1 de junho de 2016, o legal representante da Autora circulava na A23, sentido Guarda – Torres Novas, quando o automóvel voltou a ficar imobilizado na via de circulação.
52. Chamado novamente o reboque, a viatura foi transportada para a Mercedes-Benz da Covilhã, onde foi diagnosticado o rebentamento do turbo.
53. A CS… emitiu em nome da A. escrito intitulado “Orçamento”, datado de 02-06-2016, no valor de € 2.835,57, mencionando: “localizar e eliminar ruídos no motor, instalação de turboalimentador, 1 turbocompressor, vedação, junta, vedação metálica, junta de flange, gaxeta circular e spray de limpeza”, documento 9 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido. 54. A CS… emitiu em nome da A. escrito intitulado “Ordem de reparação”, datado de 02-06-2016, documento 9 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido.
55. No dia 07 de junho de 2017 o legal representante da autora estava a regressar a casa quando mais uma vez a viatura ficou imobilizada na via pública.
56. Tendo o veículo ficado completamente parado junto a Torres Novas, o Legal representante da autora chamou mais uma vez o reboque e assistência em viagem, tendo o veiculo sido encaminhada para a oficina da Mercedes Bens CS… sita na Covilhã.
57. O legal representante da autora solicitou junto dos serviços de mecânica da referida oficina, um diagnóstico e orçamento para a reparação da viatura.
58. A concessionária CS… emitiu a favor da A. orçamento datado de 03-07-2017, no valor de € 23.479,64, declarando que a reparação do veículo implica a substituição do motor, documento de fls. 75 do processo em papel, que se dá por reproduzido.
59. Desde então, o veículo encontra-se imobilizado na referida concessionária.
60. Consta do registo automóvel que a data da primeira matrícula da viatura é 10-05-2008, e que anteriormente teve a matrícula D…B, documento de fls. 104 do processo eletrónico, que se dá por reproduzido.
61. A solicitação da A., a Mercedes Benz Portugal, S.A. declarou, a 19 de maio de 2016, que “o veículo em causa foi produzido em 2006.”, documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial, que se dão por reproduzidos.
62. Mais declarou a Mercedes que, nos anos de 2006 e 2007, a viatura com o chassi … foi intervencionada seis vezes, a primeira das quais em 5/6/2006, data em que o veículo tinha 3506 km, documento de fls. 80, 81 e 85 do processo em papel, que se dá por reproduzido.
63. A 03-08-2015, foi emitida Declaração Aduaneira de Veículo relativamente ao veículo com matrícula D…B, documento 1 junto com a contestação, que se dá por reproduzido.
64. Foi emitido título de circulação do veículo D…B, mencionando como data da primeira matrícula 10-05-2008, e data de homologação 18-08-2006, documento 2 junto com a contestação, que se dá por reproduzido.
65. A 09-06-2015, foi emitido Certificado de matrícula relativamente ao veículo HD GK… e D…B, documento de fls. 58, v.º do processo em papel, que se dá por reproduzido.
66. A 15-07-2015, MQ… e AQ… subscreveram escrito intitulado “Contrato de venda de um automóvel usado”, datado de 15-07-2015, relativo ao veículo com matrícula HD GK…, documento de fls. 113 do processo eletrónico, que se dá por reproduzido.
67. A 15-07-2015, a Dekra emitiu certificado de inspeção obrigatória relativo ao veículo com matrícula HD GK…, documento de fls. 117 do processo eletrónico, que se dá por reproduzido.
68. O veículo …-QH-… foi registado em nome da A. a 25-11-2015, documento 5 junto com a contestação, que se dá por reproduzido.
69. Foi registado em nome do R. a 19-10-2015, documento de fls. 103 do processo em papel, que se dá por reproduzido.
70. Foi registado em nome de AS… a 19-10-2015, documento de fls. 103 do processo eletrónico, que se dá por reproduzido.
71. Por carta registada com aviso de receção – Registada com o n.º RD 5660 3798 5 PT, datada de 08 de Junho de 2016, recebida a 13-06-2013, a Autora comunicou ao Réu que “Pese embora V. Exa. tenha garantido que a viatura em questão era do ano de 2008, após a realização de alguma pesquisa junto da Mercedes Benz, foi-nos comunicado no passado dia 19 de Maio que a viatura tinha sido fabricada no ano de 2006, e que o histórico de reparações incluía reparações de 2006, pelo que a primeira matrícula nunca poderia ter sido de 2008. Desde que o carro se encontra na nossa posse já teve imobilizado por diversas vezes, apresentou sempre muitos defeitos e contrariedades que V. Exa., inclusivamente, reconheceu. De facto, logo na primeira viagem (Lisboa – Manteigas), a viatura deu sinal de problemas na caixa de velocidade automática, que, pura e simplesmente, não funcionava, o que obrigava a que o carro tivesse que ser imobilizado, desligado e colocado de novo em funcionamento para que pudesse circular. Tal operação obrigou, inclusivamente, à imobilização do carro em autoestrada. Tal problema foi-lhe, imediatamente transmitido. Em inícios de Dezembro de 2015, entregámos a viatura num concessionário oficial Mercedes – Benz, na Covilhã, tendo sido detetadas anomalias na viatura ao nível do apoio da caixa de velocidade, e apoios do motor, sendo que, no próprio dia, lhe foi dado conhecimento integral de tais problemas. No dia 13.12.2015, rebentou uma correia do carro o que obrigou à sua imobilização às 3h00 da manhã, na cidade da Guarda. A viatura deixou de andar, teve que ser chamado um reboque, e o carro foi para a oficina Mercedes – Benz da Covilhã. Para efetuar a reparação da viatura, a Mercedes – Benz da Covilhã, orçamentou o valor de aproximadamente 3.000,00 €, sendo que V.Exa. se responsabilizou por arranjar um compressor reconstruído e a M… teve que liquidar o restante valor na oficina A viatura esteve imobilizada na Mercedes – Benz da Covilhã. Entretanto, V. Exa. fez chegar à oficina um compressor usado para instalação na viatura e, pese embora tenha assumido liquidar o valor da reparação, não o fez até à presente data. A reparação foi por nós liquidada o que importou um custo de 2.125,00 €, IVA incluído. Posteriormente, rebentou o turbo da viatura em Lisboa. Contactámos de imediato V. Exa. para lhe dar conhecimento de tal facto. V. Exa. deslocou-se junto da viatura e promoveu o reboque para uma oficina da sua confiança. A viatura foi, novamente, imobilizada durante 3 semanas, tendo-nos sido entregue, alegadamente, com o problema resolvido. Posteriormente, a 17 de Março numa deslocação a Marrocos, rebentou a caixa de velocidade em Casablanca, tivemos de nos deslocar a um concessionário em Rabat onde fizeram o diagnóstico do problema e nos comunicaram. Pagámos 300€ conforme fatura da Mercedes e 650,00 € a título despesas de reboque. A viatura ficou imobilizada em Marrocos, teve que ser repatriada para Portugal de reboque, tendo-lhe sido entregue para reparação. V. Exa. ordenou a reparação da viatura, no entanto, não efetuou o pagamento junto da oficina que havia incumbido para efetuar o conserto. Tivemos de suportar o arranjo da viatura uma vez que não nos permitiam proceder ao seu levantamento enquanto não fosse liquidado o valor em dívida. Uma vez que V. Exa. nunca mais pagava, apesar de se ter comprometido a tal, efetuámos o pagamento, sempre na convicção de que V. Exa. nos reembolsaria. A reparação da viatura importou o pagamento da quantia de 3 215.48 €, conforme é do V. conhecimento. Alarmados por tanto problema, indagámos junto da Mercedes – Benz Portugal sobre o histórico de reparações do automóvel quando, qual não é a surpresa, nos foi relatado que havia registos de reparações de 2006 a 2009, pese embora, alegadamente, o carro estar matriculado de 2008. Inconformados com tal resposta, solicitámos junto da Mercedes – Benz informação mais detalhada sobre a viatura tendo-nos sido transmitido, no passado dia 19 de Maio de 2016, que a viatura era do ano de 2006. Já, no passado dia 01 de Junho, quando o automóvel circulava na A23, sentido Guarda – Torres Novas, a viatura voltou a ficar imobilizada na via de circulação. Chamado, novamente o reboque, foi a mesma deslocada para a Mercedes-Benz da Covilhã, onde foi diagnosticado o rebentamento do turbo que, ainda não há dois meses, havia sido substituído de acordo com as vossas instruções. Desta forma, vimos por este meio expressamente comunicar a V. Exa. que a viatura se encontra, mais uma vez, imobilizada, tendo sido deslocada para a Mercedes – Benz da Covilhã, tendo sido emitido orçamento para reparação no valor de 2.835,37 €. Tendo em conta todo o historial ora relatado, e atendendo aos inúmeros defeitos já surgidos na viatura, nomeadamente, todos os problemas que lhe foram relatados e que são do vosso conhecimento integral, o recente problema do turbo que levou, uma vez mais à imobilização da viatura, a adulteração dos dados e elementos caracterizadores da viatura, nomeadamente, do seu ano de construção e primeira matrícula, não podemos deixar de nos sentir enganados e, mesmo, burlados, com toda a situação descrita. De facto, V. Exa. vendeu a viatura em causa assegurando que a mesma se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, sem qualquer problema, mais garantindo que a mesma era do ano de dois e mil e oito, o que, agora, se vem a verificar não ser verdade. Nunca teríamos adquirido a viatura em questão se desconfiássemos que a mesma não era do ano de 2008 e que, mais grave ainda, teria existido uma deturpação dos elementos referentes à sua legalização, nomeadamente, do ano de construção da mesma, sendo que tal facto tem como consequência imediata a desvalorização do automóvel. Por outro lado, todos os defeitos verificados no automóvel colocam em causa todo o contrato celebrado. Face ao exposto, e numa tentativa de resolução extrajudicial da questão venho pela presente informar V. Exa., para todos os efeitos, a conclusão quer da informação elaborada pela Mercedes- Benz, datada do dia 19 de Maio, e da qual se dará imediato conhecimento a todas as autoridades competentes. Mais informamos V. Exa. que no prazo máximo de 5 dias deve proceder à devolução da quantia de 24 850.00 €, montante pago na compra da viatura, bem como da quantia de 6.290,48 €, valores já por nós liquidados a título de despesas com reparações efetuadas, conforme é do vosso conhecimento, sendo que deverão informar do dia em que o pagamento, for realizado por forma a serem realizados os procedimentos normais para a regularização da situação registral da viatura. Mais informamos que estão a ser calculados todos os restantes prejuízos resultantes da conduta de V. Exa., nomeadamente , referentes a prejuízos decorrentes de aluguer de viaturas, reboques, tempo despendido na resolução da questão, entre outros, que oportunamente lhe serão comunicados. (…). A opção pela não resolução extrajudicial da questão, bem como a falta de resposta no prazo ora concedido, implica o imediato recurso às vias judiciais (…), nomeadamente para apuramento e imputação de responsabilidade a nível civil, penal e contraordenacional (…)” [destaques da nossa autoria].
72. Por missiva, datada de 31 de julho de 2017, recebida pelo réu a 3 de agosto de 2017, a A. comunicou a imobilização do veículo por danos irreparáveis no bloco do motor, declarando reiterar a resolução do contrato de compara e venda, documento de fls. 75 a 79 do processo em papel, que se dá por reproduzido.
73. Em novembro de 2015, o veículo tinha percorrido 255.000 km.
74. Em maio de 2016, 270.194.
75. Em junho, 293.600.
76. Os defeitos que apresenta a viatura desvalorizam-na na totalidade, por ser economicamente prejudicial a sua reparação.
77. A reparação orça em cerca de € 20.000,00.
78. O valor do veículo no estado de novo é de 109.960,00.
79. No momento da venda, apresentava uma desvalorização de 77,4%.
80. A 12-05-2016, o veículo foi submetido a inspeção periódica obrigatória, resultando “Aprovado”, documento de fls. 125, v.º, do processo em papel, que se dá por reproduzido.
81. O veículo encontra-se imobilizado na oficina desde junho de 2017.
82. A sociedade AS… emitiu escrito intitulado “Orçamento n.º 558”, datado de 01-02-2016, relativo ao veículo …-QH-…, no valor global de € 1.502,73, documento 6 junto com a contestação, que se dá por reproduzido.
83. É prática comercial no ramo da venda automóvel identificar-se o veículo pela data da 1ª matrícula, e não pelo ano de fabrico.
84. A A. e o R. interpretaram o anúncio vertido em 6., no tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-a ao ano da primeira matrícula.
III.2 Factos não provados, com interesse para a decisão da causa
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente os que estejam em contradição com os supra descritos, e ainda:
a. A Autora nunca teria adquirido o automóvel se soubesse que o mesmo tinha matrícula desde 2006, uma vez que tal significaria um muito maior número de quilómetros percorridos, a possibilidade de ter mais proprietários e, naturalmente, um maior desgaste a todos os níveis do mesmo.
b. O facto de ter sido anunciado que o veículo era do ano de 2008 foi essencial para a Autora na tomada de decisão de aquisição da viatura.
c. No dia 26/11/2015, no âmbito das negociações, a A. propôs ao Réu prescindir da garantia, ao que este acedeu.
d. Acontece, porém, que logo na viagem de regresso a Manteigas, a Autora constatou que a viatura não se encontrava nas melhores condições.
e. Logo nessa viagem, a viatura deu sinal de problemas na caixa de velocidade automática do carro, que, pura e simplesmente, não funcionava, o que obrigava a que o carro tivesse que ser imobilizado, desligado e colocado de novo em funcionamento para que pudesse circular.
f. Tal operação obrigou, inclusivamente, à imobilização do carro na Autoestrada A23.
g. A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato o problema ao Réu que se disponibilizou a efetuar os procedimentos necessários para corrigir a situação.
h. Não obstante a insistência do legal representante da Requerente, o Réu nada fez, pelo que,
i. A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu tendo este assumido toda a responsabilidade pela reparação de todo e qualquer defeito que se viesse a verificar na viatura.
j. O Réu comprometeu-se perante a Autora a liquidar todos os montantes por esta despendidos na reparação da viatura.
k. Uma vez reparada a viatura, a Autora comunicou ao Réu que deveria efetuar o pagamento junto da oficina de RM…, como aquele se havia comprometido a fazer.
l. As anomalias de que emergiram as imobilizações e reparações do veículo já existiam na data de compra da viatura pela A..
m. O que o R. sabia, e que omitiu e escondeu da A.”.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.
1. Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss..
No caso dos autos, pretende a apelante a alteração de vários pontos dos factos provados e não provados, nos termos que se passam a analisar.
Relativamente à modificação do facto provado nº 2., por forma a que o mesmo passe a ter como redacção “Em Novembro de 2015, a Autora decidiu adquirir um automóvel para uso pessoal do seu administrador, PA…, e família”, e que se dê como não provado que “A Autora tenha adquirido a viatura para uso profissional”, mais se aditando o seguinte facto ao elenco dos factos provados: “O veículo automóvel destinava-se ao uso pessoal do legal representante da Autora e era utilizado em viagens recreativas e de passeio do legal representante e da sua família, para o uso pessoal deste. Tendo sido adquirida para uso não profissional”, alicerça a sua convicção nos depoimentos de SA…, CB… e de NR… e nos arts. 16º e 17º da petição inicial.
Quanto ao facto nº 2 (Em Novembro de 2015, a Autora decidiu adquirir um automóvel, para uso profissional e pessoal do seu administrador, PA…, e família), motivou o tribunal recorrido a sua decisão no acordo das partes expresso nos articulados, ressalvada a expressão “uso profissional”, tendo explicitado que “A expressão “uso profissional”, constante do facto 2, resulta de 1, 25, 26, 37, 47, 48, 53, 54, 58, 59, 69, 74 e 75, conjugados com o depoimento de SA….
Da audição dos depoimentos prestados resulta que o tribunal recorrido fez uma correcta avaliação da prova produzida.
Com efeito, SA…, escriturária da A. desde 2000 e casada com administrador da A., referiu a aquisição do veículo automóvel e contornos do negócio, bem como os problemas verificados no veículo. Mais relatou que o veículo foi comprado para ser usado pela família, tendo sido utilizado também para seu marido se deslocar a reuniões, mas nunca para obras (minutos 06:00-08:20); NR…, amigo do administrador da A., disse que o veículo para uso pessoal deste, que não o utilizava nas obras da empresa. (minutos 03:00-04:40), tendo ainda referido que o mesmo é da administração da empresa, utilizando habitualmente uma carrinha para transporte de materiais (06:50-08:00); CB…, antiga funcionária da A., sabendo o modo como o veículo dos autos foi adquirido, referiu que o carro era para uso pessoal do administrador da A., que o usou em férias e passeios e também para reuniões da firma (minutos 03:18-03:50).
Da conjugação destes três depoimentos decorre não ser possível concluir que o veículo dos autos tenha sido adquirido unicamente para fins pessoais do administrador da A., ou que fosse usado por este unicamente para esses fins, antes resultando dos aludidos depoimentos a utilização do veículo para ambos os fins, nomeadamente face à actividade daquele administrador na empresa, que não é, naturalmente, o da realização de obras, antes tendo de se deslocar a fornecedores e obras. Com efeito, caso o veículo fosse exclusivamente para utilização pessoal, não faria sentido ter sido a A. a adquiri-lo, estando antes registado em nome daquele representante ou de seu cônjuge. Ao invés, a utilização do carro para férias e fins-de-semana e ainda em reuniões e/ou deslocações de trabalho resulta da prova testemunhal ouvida e da sua conjugação com regras de vida social, das quais decorre ser usual um determinado veículo ser usado, indistintamente, para vários fins.
No caso dos autos, de toda a prova não se pode retirar que o aludido veículo não fosse usado dessa forma ou que tenha sido adquirido para uso não profissional, já que todas as testemunhas referiram que o mesmo era usado para visitas de estrada a fornecedores e em reuniões, utilizando o legal representante da A. uma carrinha nas obras.
Donde, entende-se que o facto nº 2 reflecte a prova produzida, nada havendo a alterar.
Pretende também a apelante que os factos provados nºs 83 e 84 sejam alterados para que o nº 83 passe a ser “É prática comercial no ramo da venda automóvel identificar-se o veículo pela data da 1.ª matrícula e não pelo ano de fabrico, quando tais datas coincidam.” e o nº 84 seja “A A. e o R. interpretaram o anúncio vertido em 6., no tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-o ao ano da primeira matrícula e do fabrico da viatura”, entendendo que estas alterações resultam da experiência comum.
Os factos em crise são os seguintes:
“83. É prática comercial no ramo da venda automóvel identificar-se o veículo pela data da 1ª matrícula, e não pelo ano de fabrico.
84. A A. e o R. interpretaram o anúncio vertido em 6., no tocante à expressão “Ano 2008”, reportando-a ao ano da primeira matrícula”.
Fundamentou a decisão recorrida tais factos dizendo que “Os factos 83 e 84 resultam da experiência comum, confirmados em 72. No que ao facto 84 se refere, considerou-se o disposto no artigo 5º, n.º 2, do Código do Processo Civil”.
Para análise da questão em apreço importa salientar que nada nos autos permite concluir pela interpretação da apelante, já que o giro comercial aponta para a maior importância da data da primeira matrícula.
Com efeito, a data da primeira matrícula assume particular relevo para determinados efeitos, dos quais se destacam a inspecção periódica obrigatória (DL 144/2012, de 11 de Julho), estando enraizada na sociedade a necessidade de essa inspecção ser efectuada no prazo decorrente do mês e ano da matrícula dos veículos automóveis.
Por seu turno, no âmbito da venda de veículos automóveis usados é também comum entender-se como sendo o ano publicitado o ano da matrícula, resultando de uma simples pesquisa pela venda de veículos automóveis usados que é sempre referido o mês e ano de registo. Ou seja, tem de se concluir não assistir qualquer razão à apelante na interpretação que faz entre data de fabrico da viatura e data da respectiva matrícula. Acresce que um declaratário normal, como refere o apelante, ao ver que no anúncio de venda de um veículo consta a menção “importado”, questionará sempre se esses dois momentos temporais coincidem, resultando das regras de experiência comum que a data mencionada será a da matrícula, pois é esta que atesta a conformidade do veículo com a lei portuguesa e com as necessárias inspecções obrigatórias.
Por outro lado, há também que salientar que nenhum dos elementos de prova carreados para os autos permite concluir em sentido diverso.
Logo, por se entender que o tribunal recorrido fez uma correcta ponderação da prova no que se refere aos factos descritos em 83. e 84., conclui-se pela improcedência da apelação, nesta parte.
Defende ainda a apelante que os factos constantes de a., b., i. j. k. l. da matéria de facto dada como não provada devem, ao invés, ser dados como provados
Tais factos são os seguintes:
“a. A Autora nunca teria adquirido o automóvel se soubesse que o mesmo tinha matrícula desde 2006, uma vez que tal significaria um muito maior número de quilómetros percorridos, a possibilidade de ter mais proprietários e, naturalmente, um maior desgaste a todos os níveis do mesmo.
b. O facto de ter sido anunciado que o veículo era do ano de 2008 foi essencial para a Autora na tomada de decisão de aquisição da viatura.
i. A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu tendo este assumido toda a responsabilidade pela reparação de todo e qualquer defeito que se viesse a verificar na viatura.
j. O Réu comprometeu-se perante a Autora a liquidar todos os montantes por esta despendidos na reparação da viatura.
k. Uma vez reparada a viatura, a Autora comunicou ao Réu que deveria efetuar o pagamento junto da oficina de RM…, como aquele se havia comprometido a fazer.
l. As anomalias de que emergiram as imobilizações e reparações do veículo já existiam na data de compra da viatura pela A.”.
Quanto aos factos a. e b., sustenta a apelante a sua tese em regras de experiência comum e no depoimento das testemunhas SA… e NR….
Na fundamentação da matéria de facto e concretamente quanto a estes dois factos escreveu-se o seguinte na decisão recorrida:
“Os factos a. e b. decorrem da experiência comum, conjugada com os factos 83 e 84.
Com efeito, e em primeiro lugar, provou-se a não coincidência entre o ano da primeira matrícula e o ano de fabrico declarado pela Mercedes, mas, não, que a primeira matrícula datasse de 2006.
Por outro lado, de acordo com a experiência comum, não é inequívoco que uma diferença de dois anos no historial de um veículo de gama alta, com mais de 5 anos, seja fator decisivo da aquisição. Será, certamente, fator influente do concreto teor do acordo”.
Entroncam estes factos nos já referenciados factos nºs 83. e 84., dando-se aqui reproduzido tudo quanto se expôs quanto às diferenças entre o ano de fabrico e o ano de matrícula, não se mostrando necessário aprofundar, mais uma vez, tal matéria, apenas se salientando que não se apurou que o ano da matricula em Portugal não fosse o de 2008.
No mais, não resultou dos depoimentos das testemunhas inquiridas que o ano de fabrico do veículo tenha sido determinante na aquisição do veículo, sendo a indignação do administrador da A. mais pelas anomalias verificadas, do que pelo ano do fabrico do automóvel e por entenderem que teriam sido enganados. Refira-se que a testemunha SA… referiu que o R. disse ser impossível o veículo ser de 2006 (minutos 24:00-25:00), deixando assim a ideia de que foi sempre entendido por todos os intervenientes no negócio que o carro era de 2008.
Importa também referir que não resulta do depoimento desta testemunha a essencialidade do ano, mas antes o facto de se terem sentido enganados.
No que tange aos factos i., j. e k., são os mesmos os seguintes:
“i. A Requerente, na pessoa do seu legal representante PA…, comunicou de imediato tais problemas ao Réu tendo este assumido toda a responsabilidade pela reparação de todo e qualquer defeito que se viesse a verificar na viatura.
j. O Réu comprometeu-se perante a Autora a liquidar todos os montantes por esta despendidos na reparação da viatura.
k. Uma vez reparada a viatura, a Autora comunicou ao Réu que deveria efetuar o pagamento junto da oficina de RM…, como aquele se havia comprometido a fazer”.
Por seu turno, refere a sentença recorrida que “Os factos d. a i., e k. a m. resultam da ausência total de prova. No que se refere ao facto l., considerou-se ainda o facto 80.
O facto j. é dissonante com a matéria de facto provada, porquanto, nas diversas intervenções ocorridas, o R. diligenciou pela reparação, ou disponibilizou peças, mas não procedeu a qualquer reembolso, ainda que parcial, à A.”.
Entende a apelante que o contrário desses factos resulta dos factos assentes e do depoimento de RB….
Ora, como bem refere a apelante nas suas conclusões, em particular em JJ, o R. teve conhecimento dos problemas verificados na viatura, tendo tido iniciativas na reparação do veículo, como decorre dos factos provados 21 a 31, tendo procedido por si à reparação de alguns dos defeitos, feito deslocar a viatura a oficinas da sua confiança e por sua iniciativa e responsabilidade, ordenando a reparação (factos provados 30, 41, 42, e 43), sendo que a Autora apenas procedeu ao pagamento dos montantes devidos pelas reparações para poder levantar a viatura das oficinas em que se encontrava (factos 23., 45 e 46).
Todavia, esses factos não são contraditórios com os factos não provados e referidos em 1. e j., os quais são mais abrangentes, pois se referem a toda e qualquer reparação.
Por outro lado, a testemunha RB…, mecânico e que presta serviços ao R. com regularidade, descreveu a reparação do veículo, referindo que a fez a pedido do R., que lhe disse que havia autorização do cliente para a reparação, não se tendo falado de quem iria fazer o pagamento (minuto 09:02-09:30), não sendo possível extrair deste depoimento, nem a assunção de responsabilidades por parte do R. de todos e quaisquer problemas, nem que o R. se tenha comprometido a efectuar o pagamento dos montantes despendidos com as reparações, sendo que mais nenhum elemento probatório carreado para os autos permite essa conclusão.
Refira-se ainda que o facto k. também não resulta deste depoimento, sendo certo que do depoimento da aludida testemunha apenas resulta que o pagamento foi efectuado pela A., nada mais sabendo a testemunha sobre tal assunto, referindo que o R. não lhe disse para pedir o pagamento à A. (minuto15:10-15:45 e ainda 18:00-19:00).
No que concerne ao facto provado l., e que o tribunal recorrido entendeu que resulta “da ausência total de prova”, atendendo ainda ao facto 80”, o qual refere “a 12-05-2016, o veículo foi submetido a inspeção periódica obrigatória, resultando “Aprovado”, defende a apelante que tal facto devia ter entendido que o ónus da prova de tal facto competia ao R. e não à A..
Ora, independentemente de tal questão, constata-se que a fundamentação do tribunal recorrido é da ausência de prova, no sentido de que não foi feita qualquer prova nesse sentido, sendo irrelevante, nesta sede, apurar a quem competia o ónus da prova de tais factos.
Da conjugação de todos os elementos de prova trazidos aos autos extrai-se que não foi feita qualquer prova quanto à anterioridade das anomalias verificadas, sendo importante salientar que a A. utilizou o veículo em cerca de 40 000 km, como resulta da conjugação dos factos 73. a 75., pelo que se conclui pela correcta valoração efectuada pelo tribunal recorrido.
Refira-se que a apelante, embora faça referência à al. m., como devendo ser modificado, não coloca essa modificação nas suas conclusões, afastando, assim, a apreciação desse facto.
Improcedem assim todas as conclusões da apelante relativas à impugnação da matéria de facto, devendo manter-se como assentes os factos em crise.
2. Da apreciação jurídica efectuada:
2.1. Da aplicação do regime previsto no DL 67/2003, de 8 de Abril:
Defende a apelante a aplicação aos presentes autos do regime previsto no DL 67/2003, de 8 de Abril, o qual define o regime jurídico da venda de bens de consumo, entendendo que a sentença recorrida deveria ter interpretado os arts. 1º-A e 1º-B daquele diploma “no sentido de que uma pessoa coletiva, sociedade comercial, pode ser considerada consumidora para efeitos do regime ali previsto desde que a aquisição do bem em causa não tenha como objetivo o uso profissional”.
Nos termos do art. 1º-A, nº 1 DL 67/2003, de 8 de Abril, “o presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores”, referindo o art. 1º-B, al. a) que “Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por: a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.
Para o art. 2º, nº 1 da Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”, alargando o nº 2 deste preceito este regime aos “bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas coletivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos”.
Das normas em apreço decorre que o regime jurídico relativo aos contratos de compra e venda de consumo é aplicável apenas às situações em que estejam envolvidos consumidores.
Nos termos do art. 4º da citada lei de defesa do consumidor, os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.
Exige-se, pois, que os bens (ou serviços) não sofram de vício que os desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destinam e/ou que tenham as qualidades asseguradas pelo fornecedor ou necessárias para a realização daquele fim.
No que respeita às expectativas legítimas há-de ter-se em conta as que um consumidor médio, colocado na posição do destinatário real (art. 236º, CC) e agindo de acordo com a boa fé (art. 239º, CC) pode razoavelmente esperar atendendo às circunstâncias.
Por sua vez, o art. 2º, nº 1 do DL 67/2003, de 8 de Abril, estabelece uma obrigação de conformidade com o contrato, a cargo do vendedor.
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3º e 5º, do referido DL são dois os requisitos da responsabilidade do vendedor: a existência de defeito no momento da entrega do bem ao consumidor; e a manifestação desse defeito no prazo de 2 anos a contar da sua entrega, caso se trate de coisa móvel.
Recai, assim, sobre o comprador o ónus da prova da falta de conformidade do bem adquirido com o convencionado; a prova da existência do defeito já na data da entrega do bem; a prova da revelação do defeito dentro de 2 anos após a entrega do bem, se se tratar de coisa móvel.
Por seu turno, o nº 3 deste preceito impõe que a falta de conformidade existente não possa ser oposta pelo comprador se, no momento em que for celebrado o contrato, tiver conhecimento dela ou não puder razoavelmente ignorá-la, indo, naturalmente, tal regra de encontro aos ditames da boa fé.
Em caso de falta de conformidade da coisa, o consumidor pode então exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, cfr. art. 4º do já citado DL 67/2003.
O consumidor tem ainda direito à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos, nos termos do art. 12º, nº1, da Lei 24/96, exigindo-se aqui a culpa do vendedor nos termos do art. 799º do CC, uma vez que a responsabilidade objectiva só existe nos casos expressamente previstos na lei (art. 483º, nº2, CC), especificação que não consta do art. 12º da Lei 24/96. Neste sentido, vide Ac. STJ de 24/1/2008, in www.dgsi.pt.
Para exercer os seus direitos, nos termos do art. 5º, nºs 1, 3 e 4, do DL citado, sob pena de caducidade, deve o comprador, no prazo de 2 anos a contar da entrega da coisa móvel, denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de 2 meses, a contar da data em que a tenha detectado.
Por outro lado, decorridos seis meses sobre a denúncia tempestiva, caducam também os seus direitos, tal como decorre do nº 4 do art. 5º do diploma em análise.
Por forma a aplicar este regime jurídico ao caso dos autos, impor-se-ia que a A., ora apelante, pudesse ser considerada como consumidora nos termos do citado DL 67/2003.
O citado art. 1º-B da Lei 67/2003 define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, sem que esclareça se este conceito pode ser alargado às pessoas colectivas.
Por esse motivo, e considerando a divergência entre este preceito e o texto da Directiva 1999/44/CE, que lhe subjaz, há quem entenda que o regime jurídico em causa é aplicável quer a pessoas singulares, quer, em determinadas situações, a pessoas colectivas. Nesse sentido, vide Paulo Mota Pinto, in “Conformidade e garantias na venda de bens de consumo. A Directiva 1999/44/CE e o direito português”, in Estudos de direito do consumidor, Coimbra, n° 2, 2000, pág. 214; Sara Larcher, in “Contratos celebrados através da Internet: Garantias dos consumidores na compra e venda de bens de consumo” in “Estudos do Instituto de Direito do Consumo”, Vol. II, Lisboa, 2005, pág. 157 e 165; Paulo Duarte, in “O Conceito jurídico de consumidor segundo o art. 2.º/1 da Lei de Defesa do Consumidor”, BFDUC, nº 75, 1999, pág. 664.
Todavia, atendendo ao texto da referida Directiva que refere que consumidor é qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional, entendemos que o conceito de consumidor para a Lei 67/2003 deve restringir-se a esta acepção mais restrita, afastando do mesmo as pessoas colectivas, porquanto apenas pode estar em causa o uso privado dos bens adquiridos.
Como refere o Prof. Calvão da Silva, in “Venda de Bem de Consumo”, 4ª ed., 2010, Almedina, pág. 55 e ss., consumidor é a pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico – de modo a satisfazer necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
Quer isto dizer, que, mesmo entendendo que o DL 67/2003 pode ser extensivo às pessoas colectivas, ter-se-ia, sempre, e, essencialmente, de atender à utilização dada ao bem ou serviço adquirido, protegendo aqueles que adquirem bens para uso privado, no âmbito da sua utilização pessoal ou familiar. Ou seja, fundamental para se aferir da aplicação do regime jurídico decorrente do DL 67/2003 é determinar se o bem ou serviço em causa se destinam a uma utilização alheia à actividade profissional ou comercial do adquirente, já que o objectivo da lei em causa é proteger a parte mais fraca na relação comercial existente. Neste sentido, vide Ac TRL, de 12-10-2017, proc. 6776/15.3T8ALM.L1, em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência e doutrina aí citada.
Como se diz em tal acórdão, “Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar”.
Donde, o DL 67/2003, de 8 de Abril é aplicável apenas ao consumidor, entendido este, nos termos da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional.
No caso vertente, atendendo aos factos constantes de 1. a 15. e 68., particularmente à utilização dada ao veículo, conclui-se, como se fez na sentença recorrida, que o regime decorrente do DL 67/2003, de 8 de Abril, não tem aplicação ao caso dos autos. Neste sentido, vide a ampla jurisprudência citada na sentença recorrida.
Com efeito, estando demonstrado que a utilização dada pela A. ao veículo automóvel dos autos é o uso profissional e pessoal do seu administrador, PA…, e família, cfr. nº 2., não se pode considerar aplicável o regime especial em causa aos presentes autos, o que determina, nesta parte, a improcedência da apelação (conclusões UU) a KKK)). 2.2. Da resolução do contrato:
Entende ainda a apelante que a sentença recorrida deveria ter dado provimento ao pedido de resolução do contrato de compra e venda sub judice, nos termos do arts. 801º, nº1, 802º, nº 2, 432º e 433º, todos do CC.
Não sendo aplicável aos autos o regime decorrente do DL 67/2003, de 8 de Abril, ainda assim pode ocorrer a resolução do contrato de compra e venda dos autos nos termos do regime geral decorrente do CC.
Nos termos do art. 913º, nº 1 do CC, “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 210 e ss, o citado art. 913º “cria um regime especial (…) para as quatro categorias de vício que nele são destacadas:
a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina”.
E mais à frente, “Entre as qualidades da coisa asseguradas pelo vendedor, sujeitas ao regime especial do artigo 913º, cabem não só os atributos relativos à substância da coisa, mas também os atributos que interessem à aptidão da coisa para certo fim, mediante a sua localização por exemplo, ou que influam no seu valor económico”.
Da conjugação das normas gerais aplicáveis à venda de coisa defeituosa, resulta que o comprador, desde que exerça os seus direitos dentro dos prazos previstos nos arts. 916º e 917º, pode peticionar a anulação do contrato, por erro ou dolo, desde que se verifiquem os requisitos constantes do art. 251º (erro sobre o objecto do negócio) e 254º (dolo); a redução do preço, nos termos do art. 911º, “Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior”; indemnização devida em função do prejuízo sofrido com a celebração do contrato e que é cumulável com a anulação do negócio e com a redução do preço, nos termos dos arts. 908º e 909º; e ainda a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição, nos termos do art. 914º.
No que à resolução do contrato diz respeito, defende a apelante que os autos contêm elementos para ser decretada a mesma ao abrigo do disposto nos arts. 801º, nº 1, 802º, nº 1, 432º, nº 3 e 433º, todos do CC.
O tribunal recorrido entendeu não ser possível proceder à resolução do contrato, porquanto esta funciona subsidiariamente, só se podendo pôr termo ao contrato “quando não for viável recorrer à eliminação do defeito ou à substituição da prestação”, insurgindo-se a apelante com esta interpretação.
Dispõe o art. 432º, nº 1 do CC que é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, referindo-se no art. 433º do mesmo diploma que “na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”.
Por outro lado, os pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional mostram-se elencados no art. 798º do CC, o qual estipula que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Nos termos do art. 799º, nº 1 do CC, impende sobre o devedor a presunção de culpa no incumprimento, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Mais estabelece o art. 801º a possibilidade de resolução do contrato, independentemente do direito à indemnização, quando a prestação se torne impossível por causa imputável ao devedor, referindo no art. 802º igual possibilidade no caso de a prestação se tornar parcialmente impossível.
Há ainda que salientar que, em caso de cumprimento defeituoso, são facultadas várias alternativas ao comprador, mas que estas não podem ser exercidas em alternativa, antes estando entre si numa ordem lógica.
Por esse motivo, em primeiro lugar, o vendedor está obrigado à eliminação do defeito da coisa; depois, à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.
Como refere Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, 1994, Coimbra, pág. 440, “no sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato. A regra que impõe este seguimento está patente no art. 1222, nº 1, em relação ao contrato de empreitada, mas, apesar de não haver norma expressa neste sentido no domínio da compra e venda, ela depreende-se dos princípios gerais (arts. 562º, 566º, nº 1, 801º, nº 2 e 808º, nº 1)”.
Quer isto dizer que o tribunal recorrido efectuou uma correcta interpretação jurídica da possibilidade de resolver o contrato dos autos.
Na tese da apelante, a desvalorização da viatura expressa em 76. dos factos assentes, afasta esta conclusão, sendo possível a resolução peticionada.
Tal como decorre das regras gerais aplicáveis à resolução contratual, a mesma apenas ocorre quando a eliminação dos defeitos ou a realização de uma prestação substitutiva não sejam possíveis, pressupondo, pois, “a existência de um incumprimento definitivo”. Vide, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 448.
Ora, no caso dos autos, não se pode concluir pela existência desse incumprimento, já que não se apurou que a viatura não possa ser reparada, mas apenas que o seu custo é economicamente prejudicial, o que não equivale à impossibilidade de cumprimento, pelo que sendo ainda possível esse cumprimento, a resolução do contrato não pode surtir efeitos.
Acresce que, como se referiu, não pode o apelante peticionar, em primeiro lugar, a resolução do contrato, já que esta apenas pode acontecer depois de esgotadas as outras alternativas possíveis, o que determina, nesta parte, a improcedência da apelação, no que às conclusões LLL) a PPP) diz respeito.
2.3. Da anulação do negócio com base no erro:
Alegou ainda a apelante, subsidiariamente, que se deveria considerar procedente o pedido de anulação do negócio com base no erro, nomeadamente face à alteração dos factos não provados.
Quanto a esta questão, e na ausência da peticionada alteração, importa salientar que os factos provados não podem levar à anulação pretendida, já que não está assente que a matrícula do veículo adquirido pela apelante tenha tido uma matrícula anterior a 2008 ou quaisquer dos outros factos alegados para fundamentar uma situação de erro, o que determina igualmente a improcedência deste segmento da apelação. 2.4. Da redução do preço:
No que à redução do preço diz respeito e que a apelante pretende ver reconhecida, refira-se que o tribunal a quo entendeu que não estava provada a “inexecução contratual, para efeitos do disposto no artigo 913º, resultando insatisfeito o ónus a cargo da A.”, o que determinou a improcedência dos pedidos de redução do preço e anulação.
Mais entendeu o tribunal a quo que “não se logrou a prova da contemporaneidade entre as anomalias e a venda, assim resultando inexistente defeito, nos termos exigidos pelo referido artigo 913º. Com efeito, não basta a prova da imobilização do veículo após a entrega; impõe-se a prova de que o vício que impede a circulação existia ao tempo do negócio”.
Vejamos.
Está provada a celebração do contrato e também a verificação de anomalias no veículo em causa nesse contrato.
Todavia, não está assente a existência de uma matrícula anterior a 2008, nem que os defeitos existentes no veículo já existissem à data da venda, sendo importante salientar que estão assentes várias paragens da viatura, em momentos distintos, não estando assente a causa de nenhuma das avarias detectadas, mais tendo a viatura sido aprovada em inspecção obrigatória (cfr. nº 79.). Por esse motivo, e pese embora o valor estimado da reparação, não é possível concluir pela impossibilidade de reparação ou que esta seja necessária em virtude de defeito anterior, o que determina a impossibilidade de proceder à redução do preço nos termos alegados.
Importa também referir que não sendo aplicável aos autos o disposto no DL 67/2003, de 8 de Abril, do qual decorreria a presunção da anterioridade do defeito, incumbia à apelante o ónus da prova relativamente ao defeito. Neste sentido, e por todos, vide Ac. STJ de 13-11-2018, relator Pedro Lima Gonçalves.
Defende a apelante que a sentença recorrida viola ainda o art. 921º do CC, o que também leva à sua revogação e substituição por outra que declare a redução do preço.
Quanto à existência de garantia, vertida em 6. dos factos provados, pelo prazo de um ano, constata-se que tem aplicação o disposto no art. 921º do CC, levando a que se presuma a existência do defeito ao tempo da entrega.
O art. 921º do CC, sob a epígrafe “garantia de bom funcionamento” estipula o seguinte:
“1 - Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.
2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.
3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.
4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada”.
Verifica-se, assim, que este preceito consagra uma garantia de bom funcionamento prestada pelo vendedor final do bem ao comprador, não sendo aplicável nem ao produtor, nem a qualquer intermediário da cadeia de distribuição do bem adquirido e sendo importante realçar que o mesmo tem subjacente a assunção de uma responsabilidade objectiva que impende sobre o vendedor, que garante o bom funcionamento da coisa vendida independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.
Consequentemente, é ao vendedor que incumbe provar que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa, “assim ilidindo a presunção da anterioridade ou contemporaneidade do defeito (em relação à entrega) que caracteriza a garantia convencional do bom estado e bom funcionamento – e imputável ao comprador (v.g. má utilização), a terceiro, ou devida a caso fortuito (João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, 2001, pág. 63).
Por outro lado, e considerando que o vendedor se assume como o elo final na cadeia de distribuição, nesta garantia de bom funcionamento apenas podem estar incluídos defeitos de fabrico e não anomalias que se assumam defeitos nos termos e para os efeitos dos arts. 913º e ss. do CC ou para o DL 67/2003, de 8 de Abril.
No caso vertente, sendo o apelado o vendedor final e o apelante o comprador, tem este preceito plena aplicação. Acresce que, tendo o apelado publicitado a venda com um ano de garantia (cfr. nº 6.), e não sendo necessária qualquer forma especial para a estipulação da cláusula de garantia de bom funcionamento, será este o prazo aplicável para a garantia em apreço.
Dos factos assentes resulta que o R. logrou provar todos os factos relativos à questão das diferenças entre o ano de fabrico e o ano de matrícula, pelo que, com este fundamento, não pode o apelante lançar mão do art. 921º.
No que se refere aos defeitos apurados no prazo de um ano após a venda há que salientar que não resulta que os mesmos sejam defeitos de fabrico, sendo certo que não foi possível determinar a causa das avarias em qualquer uma das cinco paragens do veículo dos autos e dadas como assentes. Veja-se, a propósito, o facto dado como não provado em l. (As anomalias de que emergiram as imobilizações e reparações do veículo já existiam na data de compra da viatura pela A.).
Acresce que, quanto aos factos vertidos em 27. a 32. (e que se desconhece o momento temporal), 33., 34., 51., 52, e 55. a 58., não resulta dos autos se os problemas verificados são decorrência das reparações entretanto efectuadas e descritas na matéria de facto, ou pré-existentes ou ainda se são ou não defeitos de fabrico.
Por outro lado, a aplicação da referida cláusula de bom funcionamento não levaria à redução do preço, mas sim à reparação ou substituição do bem, precisamente porque apenas se destina a defeitos de fabrico e não decorrentes do uso.
Consequentemente, entende-se não estarem reunidos os requisitos para proceder à redução do preço solicitada, assim improcedendo, nesta parte, a apelação. 2.5. Da indemnização pelos danos sofridos:
Termina a apelante as suas conclusões de recurso requerendo que se entenda que lhe assiste o direito de ser ressarcida dos montantes pagos.
Diga-se, antes de mais, que as conclusões YYY) a AAAA) não podem obter provimento, porquanto, como já se expôs, o DL 67/2003, de 8 de Abril, não tem aplicação ao caso vertente, pelo que não pode a indemnização pretendida ser atribuída com base em tal diploma.
No que se refere ao pedido de indemnização com base no regime geral de venda de coisa defeituosa, cumpre referir que, por força da remissão efectuada no art. 913º do CC para o prescrito quanto aos vícios do direito e venda de bens onerados, tem o comprador a possibilidade de pedir uma indemnização pelo interesse contratual negativo no caso de resolução do contrato ou pelo interesse contratual positivo nos demais casos, mas sempre de acordo com os critérios constantes do art. 562º do CC. Neste sentido, vide Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 346 e 347.
Ora, fundando a apelante o seu pedido indemnizatório no cumprimento defeituoso, apenas há lugar a indemnização quando exista um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, ou seja quando os danos existentes sejam consequência directa e necessária do facto lesante.
Na verdade, nem todos os danos resultantes do facto ilícito serão da responsabilidade do agente, mas apenas aqueles que derivam do facto e tenham sido causados por ele. Ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre a lesão e os danos ocorridos, aferido de acordo com o critério da causalidade adequada, subjacente ao art. 563º do CC, e segundo o qual se devem apenas considerar aqueles danos que decorram do facto ilícito culposo praticado pelo agente, como consequência necessária do mesmo. Assim, este facto ilícito e culposo tem de ser não só a condição da lesão, como ainda afigurar-se como idóneo para a produção daquele resultado, segundo a normalidade da vida social.
No caso vertente, não tendo sido dado como provada a anterioridade do defeito, não está verificado o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, pelo que improcede necessariamente este pedido indemnizatório, não se mostrando necessário apurar a verificação dos demais pressupostos referidos, o que determina, como decidido em primeira instância, pela improcedência de tal pedido, sem necessidade de ulteriores considerações.
Concluindo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões do apelante.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 26 de Março de 2019
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro