I - Com a alteração ao n.º 3 do art. 30.º do CP, operada com a Lei 40/2010, de 03-09, em que foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independemente de haver uma ou mais vítimas.
II -Em alguns casos, as condutas de abuso sexual de criança têm sido enquadradas na figura do crime único, ou de crime único de trato sucessivo, entendendo-se haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente. Esta solução, não ventilada pelo recorrente, é de afastar pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado, por estarem em causa bens eminentemente pessoais.
III - Nos casos de reiteração criminosa há que distinguir entre a que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. No caso, a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em satisfazer os seus desejos, que superou até à natural inibição inerente à relação de amizade que o liga à avó materna da menor e num total aproveitamento desse contexto relacional. A jurisprudência aponta maioritariamente para a pluralidade de crimes nas situações em que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior.
IV - A pena única visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. No caso, a moldura do concurso é de 3 anos e 6 meses a 24 ano e 8 meses de prisão, tendo sido fixada a pena única de 7 anos e 10 meses de prisão. É evidente a conexão e estreita ligação entre os 6 crimes de abuso sexual de criança, consubstanciados em prática de actos sexuais e os demais crimes que terão servido de “antecâmara” àqueles, como os actos exibicionistas, a tirada de fotos, a sua gravação e as mensagens trocadas, revelando a assunção de condutas homótropas, com afinidades e pontos de contacto nas 9 situações analisadas.
V - O conjunto de ilícitos traduz-se em condutas violadoras da liberdade de autodeterminação sexual, do direito da menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso. As circunstâncias do caso apresentam um acentuado grau de ilicitude global, manifestado no número, na natureza e gravidade doa crimes praticados, nos bens jurídicos violados na área dos direitos de personalidade da menor abusada. Estando em causa 9 crimes, sendo 8 de abuso sexual de crianças e um crime de pornografia de menores, quando a menor tinha 12 anos de idade, todo com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosa, atenta a ausência de antecedentes criminais do arguido e o facto de se encontrar socialmente inserido, valorando o ilícito global perpetrado, considera-se como adequada e proporcional a fixação da pena única em 7 anos de prisão.
No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 27/14.5JAPTM da Comarca de Faro - Portimão - Instância Central - 2.ª Secção Criminal – J 3, foi submetido a julgamento o arguido
AA, ----, natural de ---, residente na ---.
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Realizado o julgamento, pelo Tribunal Colectivo da Instância Central de .... – 2.ª Secção Criminal, em acórdão de 12 de Fevereiro de 2015, constante de fls. 501 a 529, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 532, foi deliberado:
Condenar o arguido pela prática de:
I - Seis crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um;
II - Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
III - Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
IV - Um crime de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
V - Efectuado o cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.
*****
Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 536 a 546, e em original de fls. 548 a 873, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluídos os realces, tal como constam do texto):
1. In casu o arguido aqui recorrente foi condenado na pena de sete anos e dez meses de prisão pela prática de seis crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 e 2, do código penal, de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, al. a) do código penal, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, al. b), do código penal e um crime de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6 do código penal.
2. A medida da pena em concreto aplicada fundamentou-se essencialmente na circunstância do tribunal “a quo” entender que a frequência de condutas deste tipo, bem como o alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade;
3. O grau de ilicitude dos factos e a culpa, o lapso de tempo e a idade da vítima.
4. Entende o arguido que in casu as razões de prevenção especial aconselham, a aplicação de uma pena inferior, suspendendo-se na sua execução.
5. Tendo em conta que o arguido está socialmente integrado.
6. Tem actividade laboral.
7. É primo delinquente e não se lhe conhecem outros casos ou sequer meras suspeitas de que tivesse praticado factos idênticos.
8. Está inserido familiarmente e que a medida privativa de liberdade irá comprometer.
9. O alarme social seria sempre de afastar uma vez que o arguido, tal como vem referido no douto acórdão, poderia sair de Portugal, dado a sua relação com uma cidadã irlandesa.
10. Sendo que as finalidades da punição, no caso em apreço, apenas serão atingidas se a pena for de cariz não detentivo por forma a que tal pena revista carácter repressivo, preventivo e simultaneamente tenha cariz pedagógico e profiláctico.
11. De facto qualquer pena deve visar a reprovação da conduta delituosa, constituindo elemento dissuasor da prática de futuros crimes; no entanto deve, concomitantemente, promover e contribuir para a reinserção social do agente visado.
12. A aplicação da pena de prisão apenas é aconselhável quando todas as restantes medidas se revelarem inadequadas face às necessidades de reprovação e prevenção.
13. A mera ameaça de cumprimento de pena é, em muitos casos por si só, dissuasor de futuros delitos.
14. O arguido confessou e colaborou com o tribunal, mostrou-se arrependido e consciente do desvalor e reprovação dos seus actos.
15. Todos os circunstancialismos externos ao arguido, sempre teria o mesmo de ser condenado pela autoria de um só crime continuado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal.
16. Ao assim não decidir, e salvo o devido respeito, violou o Tribunal “ a quo “ o disposto nos artigos 30º, nº 2 , 70º, 71º, 53º e 54º, todos do CP, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude muito elevada.
17. In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é muito [e]levado, atendendo à fracção temporal em que os factos foram praticados.
18. Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado.
19. Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.
20. O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstractamente associada ao tipo penal em causa.
21. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.
22. As intensas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena se fixe em medida não superior a 4 anos, suspendendo-se na sua execução.
Termina o recorrente, pedindo seja concedido provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, que o condene em pena de prisão, suspensa na sua execução, “por período que o Tribunal doutamente fixar”.
*****
Por despacho de 15-04-2015, proferido a fls. 567, foi admitido o recurso.
*****
O Ministério Público na Instância Central de Portimão, da Comarca de Faro, apresentou a resposta de fls. 573 a 617 verso, do 3.º volume, concluindo:
I – O douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo, pois fez correcta apreciação da prova e rigorosa determinação dos factos provados e da sua qualificação jurídico-penal, e estabeleceu as penas, parcelares e pena única resultante do cúmulo jurídico, em obediência ao art.º 71.º do Código Penal, em concretas medidas justas e adequadas.
II – Não se provaram, nem em boa verdade o recorrente os indica, quaisquer factores exógenos ao arguido que possam ser reconhecidos como diminuidores da culpa do arguido e justificadores da unificação jurídica dos actos criminosos do arguido num só e mesmo crime continuado.
III – Nada daquilo que se apurou em sede de julgamento, e foi devidamente ponderado pelo Tribunal a quo, nem nada daquilo agora invocado pelo recorrente, justifica que a pena única aplicada seja ainda mais reduzida.
IV – Como nada justifica que mesmo a ser fixada dentro do limite legal admissível, a pena única de prisão fosse suspensa na sua execução, pois que da provada conduta do arguido e da sua persistente auto--desculpabilização não se pode concluir como provável que a mera suspensão da execução da pena garantissem a necessária eficácia preventiva, quer geral quer especial.
V – Pelo que, ressalvada diferente e melhor apreciação por V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao recurso, por infundado, mantendo-se na íntegra o decidido no douto acórdão recorrido.
*****
Por despacho de 24-09-2015, constante de fls. 587, foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora, o que foi repetido em despacho de 09-10-2015, proferido a fls. 591.
Em boa hora, e a tempo de evitar inócua, despropositada e perfeitamente dispensável, a todos os níveis, remessa dos autos a Évora (por razões de inobservância de técnica jurídica, dos ditames legais, de economia processual e de afrontamento de “timing” perfeitamente escusada), pelo despacho de 22-10-2015, proferido a fls. 610, foi ordenada a devida remessa dos autos a este Supremo Tribunal.
*****
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 416.º do CPP, a fls. 613, escreveu: “Visto (nada a acrescentar ao entendimento defendido pelo Ministério Público a fls. 574 e ss).
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Não foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, uma vez que a Exma. Mandatária do arguido/recorrente tomara, em devido tempo, conhecimento dos exactos expressos termos da resposta apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal de Portimão, através da notificação efectuada, documentada a fls. 589 dos autos.
*****
Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
*****
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – , ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
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Questões propostas a
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.
As questões a apreciar são as seguintes:
Questão I – Unificação de todos os crimes na figura do crime continuado – Conclusão 15.ª;
Questão II – Redução da medida da pena – Conclusões 1.ª a 14.ª e 16.ª a 22.ª;
Questão III – Suspensão da execução da pena – Conclusão 22.ª.
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Apreciando. Fundamentação de facto.
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.
Factos Provados
1. A menor BB nasceu no dia --- (tinha 12 anos à data da prática dos factos que de seguida se descrevem).
2. A menor reside com a progenitora, o companheiro desta e um irmão menor de idade em ---.
3. No período de 27 de Janeiro a 22 de Fevereiro de 2014, na sequência de um desentendimento com a progenitora, a menor foi morar para casa da avó materna, CC, sita em ---.
4. Arguido AA mantinha uma relação de amizade com a avó materna da menor, tendo sido na sequência de tal relacionamento que o Arguido conheceu a menor em dia não concretamente apurado, mas situado entre os meses de Outubro/Novembro de 2013.
5. A partir da referida altura, o Arguido e a menor passaram a manter contactos através de telemóvel, do Facebook e Skype.
6. O Arguido revelava-se simpático e atencioso para com a menor e aos poucos foi ganhando a confiança da BB.
7. No período compreendido entre a data que se conheceram e Fevereiro de 2014, o Arguido e a BB trocaram entre si várias mensagens, via Facebook e Skype.
8. Assim, nos dias a seguir indicados, o Arguido e a menor mantiveram a seguinte conversação através do programa Skype:
No dia 12 de Janeiro de 2014:
- pelas 21:15:12: BB Fofa: tas aiiiiiiii :^)??
- pelas 21:18:38: AA: sim
- pelas 21:18: 50: BB Fofa: finalmente gajo
- pelas 21:19:11: AA: eu dou te o gajo
- pelas 21:19:30: BB Fofa: Ahahahaha dás-me??????
- pelas 21:19:37: BB Fofa: (chuckle)
- pelas 21:20:11: AA: sim doute
- pelas 21:20:15: AA: dou te
- pelas 21:20:25: AA: queres????
- pelas 21:20:31 BB Fofa: queroooooooo
- pelas 21:21:30:AA: aonde mo queres .... amor
- pelas 21:21:52:AA: não fiques nervosa
- pelas 21:21:56 BB Fofa: ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha não sei tu é que sabes
- pelas 21:22:05: AA: aonde o queres
- pelas 21:22:08: AA: ???????????????
- pelas 21:22:15BB Fofa: ahahahahahahhahahahah diz tu??
- pelas 21:22:25: AA: já começas
- pelas 21:22:36: AA: queres o aonde
No dia 29 de Janeiro de 2014:
- pelas 17:44:24: BB Fofa: olha se a minha avo chegar eu desligo
- pelas 17:56:07: AA: agora quando te meteste nessa posição e abriste as nalgas,
- pelas 17:56:18: AA: foi demais amor
- pelas 17:56:27: AA: estou a tremer
- pelas 17:56:37: AA: e não de frio eamor
- pelas 17:56:45: AA: e de alegria
- pelas 17:57:04: BB Fofa: Dhahahahahahahahahahahaha (heart) (heart)
- pelas 17:57:50: AA: de te ver desinibida
- pelas 17:58:04: AA: totalmente para mim
- pelas 17:58:14: AA: cada vez te amo mais
9. Também nos dias a seguir indicados, o arguido e a menor mantiveram a seguinte conversação através do Facebook:
No dia 19 de Janeiro de 2014
- AA: tira as unhas da boca quida hehehehehehehe não tens nada para pores na boca
- pelas 0:14: BB : hahahahahahahhahahahaha olha eu já vou p cama não queres vie cmg??
- pelas 0:14 AA: quero e muito
- AA: esta frio porra hehehehee
- pelas 11:49: BB : podes crer
- pelas 11:49 AA: queres me vir aquecer
- pelas 11:50 BB : queroooo
- pelas 11:51 AA: anda bebe
(...)
- pelas 15:10:AA: oooooooooooo agora que estavamos a falar de outro tipo baba e que te vais embora
- pelas 15:56 BB Nogueira: hahahahhahaha já continuamos
- pelas 15:56: AA: sabes aonde e que eu me posso babar na próxima vez !!!!!3
- pelas 16:17: BB : aonde???
- pelas 16:17:simmmmmmmmmmmme hummmmmmmmmmmm
- pelas 16:18: BB: aonde???
- pelas 16:18: AA: sim responde aonde
- pelas 16:18: BB : não diz tu
- pelas 16:19: AA: não amor eu fis te a pergunta quando tu me fazes eu respondo agora
respondes tu aonde !!!!!!!!!!!!
- pelas 16:20: BB: eu não seiii
-pelas 16:20: AA: o que e que não sabes aonde eu me posso vir em ti aonde gostarias!!!
- pelas 16:21: BB: eu não seii
- pelas 16:22: AA: não sabes aonde gostarias escolhe um sítio que tu queiras
- pelas 16:24: BB :: ahahahahahahahahhahahaha be olha eu já volto ta bem??
- pelas 16:25: AA: aonde vais be
- pelas 16:25: BB Nogueira: vou a cozinha lol
- pelas 16:25: AA: escolhe so o sitío aonde
- pelas16:25:BB: olha na cona fuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
- pelas 16:28: AA: na cona,, e depois ai engravidas 0l tem de ser noutro sítio
- pelas 16:35: BB: 101 atao e pra que que servem os preservativos hahahahahahahahaha
- pelas 16:35: AA: queres com preservativo e lol já viste se ele se rompe heheheheheo iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii não estas aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
Ficas tão linda quando eu te ataco te adoro as tuas expressões
- pelas 16:44:BB: há há há a serio???
- pelas 16:44: AA: hehehehehehehehehehe a serio
- pelas 16:44:BB: hahahahahahahahaha
- pelas 16:44: AA: então so me posso vir na tua cana
- pelas 16:44:BB. Só me posso vir???????????
- pelas 16:45: sim lol eu em ti
- pelas 16:45:BB: yha mas o que é isso
- pelas 16:45: AA: me virrrrrrrrrrrrr
- pelas 16:45:BB: yha mas o que é isso?
- pelas 16:45: AA: me esporar caralho so na tua cana estas a me picar soooooooooooo
- pelas 16:47:BB: tip onde tu quiseres hahahahahahahahahah
- pelas 16:47: AA: hammmmmmmmmmmmmmm tip dis aonde
- pelas 16:47:BB: olha onde quisres quiseres
- pelas 16:47: AA: aonde dizzzzzzzzzzzzzzz caralho eu digo
- pelas 16:48:BB: olha na barriga sei lá mais onde
- pelas 16:48: AA: quando tu perguntas barriga posso te perguntar uma coisa
- pelas 16:49:BB: claroo
- pelas 16:49: AA: consideras te minha namorada !!!!!!!!!
- pelas 16:50:BB: sim mas porque ?? diz a verdade
- pelas 16:50: AA: então como teu namora,," e com muito gosto porque eu te e muito fala abertamente comigo amor aonde !!!!!!!!!!
- pelas 16:51:BB: be eu tau a falar contigo abertamente eu já te disse aonde be
- pelas 16:51: AA: na barriga daaaaaaaaaaaaaaaa
- pelas 16:52:BB: então como tua namorada eu pesso-te diz aonde querias ???????
- pelas 16:52: AA: eu te digo quando tu te estares a vir eu quero ter o prazer te estar a lamber essa cona toda e que e linda das me um prazer enorme agora na barriga
- pelas 16:54:BB: era para parares de perguntar
- pelas 16:55: AA: aondeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee so na tua cana e que eu me posso vir
- pelas 16:55:BB: atao aonde é que queres mais ..... ohhhh be vamos mudar de assunto
- AA: esta semana consegues estar comigo !!!!
- pelas 22:58:BB: bem esta semana não seii para amor
- pelas 23:00: AA: esta complicado estar contigo bebe não consegues escapar um bocado
(...)
-- pelas 23:00: AA: eu so quero estar contigo um bocadinho nem 10 minutos consigo a não ser que a tua avó venha atrás e a ---
No dia 21 de Janeiro de 2014:
- pelas 19:06: AA: e para mim amor essa língua
- pelas 19:06:BB: simmmmm
- pelas 19:06: AA: so mereço a língua
- pelas 19:06:BB: hahahahahhahahaha
- pelas 19:07: AA: essa hahahahaha quer dizer que so mereço a língua mesmo esta bem
(....)
- pelas 22:47: AA: esta bem bb queres outra coisa para pores na boca hahahahaha
- pelas 23:20: AA: queres maminha hheheheehe
- pelas 23:20:BB: hahahahahhahahaha
- pelas 23:20: AA: nãooooooooo queressssssss
- pelas 23:21:BB: eu ate queria mas não daaááá ' hahahahahhahahaha
- pelas 23:21: AA:pois eu tenho aqui uma
- pelas 23:22:BB: hahahahahhahahaha
(...)
- pelas 23:24: AA: não te escapa mesmo nada queres msmo tidinhooooo chupa chupa aaaaaaaaaaaaa
No dia 22 de Janeiro de 2014:
- pelas 19:13:BB: diz me tu o que é que me dás? Tavas a mexer agora no que eu queria dizer hahahahahahaha merdaaaaa caralhoooooo eu queria mesmo eraaaa
- pelas 19:20: AA: não escrevas se não e isso que queres bebe
- pelas 19:21:BB: mas é isso que eu querroooooo e muitoooooo e que acaso já fizemos hahahahahahahhahaha
- pelas 19:21:AA: então escreve amor
- pelas 19:22:BB: apetece-me chupar-te esse teu caralho todinho hahahahahahahahahahaha l.l.l.l.
olha já escreviiiiii
- pelas 19:23:AA: sabes o que não me sai da minha cabeça, era quando estávamos la naquela cas e
eu te estava a lamber a tua cona,, essa imagem não me sai da cabeça mas tu não consegues falar assim comigo
- pelas 19:24:BB: ……… eu consigo simmmmmmmm
- pelas 19:24: AA: deu me um prazer enorme
- pelas 19:24:BB: uiiiiii
- pelas 19:24: AA: e e isso que eu quero repetir
- pelas 19:24:BB: eu tb
- pelas 19:24: AA: mas melhor com tudo nas calmas
- pelas 19:25:BB: pois ééééé
- pelas 19:25: AA: quero puder tefazer vir e desfrutares de tudo
- pelas 19:25: AA: eu te deseigo muito
- pelas 19:26:BB: eu tb!
(...)
-pelas 19:37: AA: mete o lápis se quiseres
- pelas 19:38:BB: hahahahahahahaha
-pelas 19:38: AA: es boa e para brincares com o lápis hehehehehehehe
- pelas 19:38:BB: hahahahahahahahahahha pois soun sou
-pelas 19:42: AA: metes tudo na boca
- pelas 19:43:BB: tudoooooooooooo !!!!!!!!!hahahahahhahahaha
-pelas 19:43: AA: não acredito que queiras alguma coisa para chupares tudoooooooo
- pelas 19:43:BB: AIIIIIIIIIIIIlIIII NAOOOOOOOOOOOO??????????
-pelas 19:43: AA: não percebi não é qualquer um quentas experiências já tiveste ????????? a serio quantas ????
-pelas 19:45:BB: 3 sóóóóóó!!!!!!!!!!
-pelas 19:45: AA: e fizeste de tudo ?????????
- pelas 19:46:BB: nãoo
-pelas 19:46: AA: o que e que fizeste????
- pelas 19:46:BB: nada cusco
-pelas 19:46: AA: dissssssssssssss tivestes três casos
- pelas 19:47:BB: simm
-pelas 19:47: AA: o que e que fizeste
- pelas 19:47:BB: contigo faz 3 o mesmo que fiz contigo
-pelas 19:48: AA: tudo mesmo cona cu e brosche dissssssss
- pelas 19:48:BB: há na 'tip o brosche naoooo
-pelas 19:49: AA: cu???
- pelas 19:49:BB: yha
- pelas 19:49: AA: broche?????
- pelas 19:50:BB: nãoo
- pelas 19:50: AA: cona
- pelas 19:50:BB: yha
- pelas 19:51:BB: com o --- o --- e tu
- pelas 19:52: AA: quantas vezes???"
- pelas 19:54:BB: com o --- só duas porque ele depois começou a ficar parvo ... com o ---
foram 4 hahahahahahahahahaha
- pelas 19:56: AA: e comigo não tens tempo??????? Não ééé não eéée
(...)
- pelas 22:55:BB: (...) olha no cu porra eu tb tava a pensar nesse sítio hahahahaaha na boca quero finge que eu sou a senhora doutora finge passo uma receitinha passo não ...façoooooooboo eu fazia isto eu chupava-te esse calho todo tratava-te logo dele caralho enganei-me simmmmmmmmhahahahahahahaha imagina eu simmmmmmmm uiiiiiiiiiiiiiii
No dia 25 de Janeiro de 2014
- pelas 22:29:BB: (....) eu queroo tudoooo de ti vai ser tip self servisse inclui tudooooooooo tudooooooooooo mesmooo simmm tudooooooo mesmoooo podes me chupar as mamas a barriga a minha cona todinhaaa uiiiii OMG só tu p me fazeres escrever istoooo
(...)
La vem a parte que eu mais gosto na bocaaaaaa na conaaaaaa no cuuuuuuu tu ves vídeos porno??? Sim ou não tip antes de conhecer eu tive curiosidade de ver e vii hahahahahaa !!!!!!!!!!! (....) Eu quero que te venhas na minha boca hahahahahahahahah é isso (....) atao eu quero qe mo chupes todinhooo e que enfies esse caralho todinho bem devagarinho uiiiiii fodasse enganei-me a clicar fodasse liga be se quiseres o cu né tavamos a falar disse né fala outra ves (...) na cona nu cu
No dia 26 de Janeiro de 2014
- pelas 0:21: AA: que lindas deixa me tirar uma foto amorrrr mete outra vez ppra eu tirar uma foto amor
No dia 27 de Janeiro de 2014
- pelas 18:40: AA: eu não sei eu estou nu sai agora do banho queres?????? Nem toalha tenho hehehehehe queres?
- pelas 18:41:BB:hehehehehehe quero
No dia 6 de Fevereiro de 2014
- pelas 18:08:BB: mete essa língua na minha cona hahahahohahahahahab: eu tb tou hahaha
- pelas 18:09: AA: com todo o prazer
- pelas 18:08:BB: uiiiiiiiiii cabo
- pelas 18:09: AA: so queres a língua hehehehehehe
- pelas 18:09:BB: hahahahahahahahaa
No dia 9 de Fevereiro de 2014:
- pelas 19:25: AA: estas a me deitar a língua de fora o que e que eu faço com ela
- pelas 19:26:BB: hahahahahahaha o que tu quiseres bb
- pelas 19:26: AA: dis o queeeeeeee bb
- pelas 19:27:BB: o que quiseres
- pelas 19:27: AA: dis me
- pelas 19:27:BB: o que quiseres
- pelas 19:27: AA: o que? heheheheheheh
- pelas 19:28:BB: poe-a a chupar
- pelas 19:28: AA: o que bb
- pelas 19:28:BB: caralho hahahahahaha
- pelas 19:29: AA: de quem??????
- pelas 19:29:BB: o teu
No dia 12 de Fevereiro de 2014
- pelas 17:52: AA: sexta feira eu saio mais cedo e fazemos como da ultima vez bb queres hummmmmmmm
- pelas 17:54:BB: shimmm
- pelas 17:54: AA: da direito a tudo hahahaha já não tens o período
- pelas 17:54:BB: hahahahaha não
- pelas lT55: AA: e eu quero por ai a minha lembela todinha
- pelas 17:55:BB: hahahahaha
- pelas lT55: AA: já tenho saudades e tu
- pelas 17:55:BB: tb eu
(...)
- pelas 17:58: AA: tens saudades do que ????
- pelas 17:59:BB: de chupar esse caralho todinho .l.
10. No âmbito dos contactos acima referidos, mediante a utilização da Internet e com uso de webcam, o Arguido e a menor exibiam-se um ao outro despidos, sendo que, nesta sequência, aquele fotografou e efectuou uma gravação vídeo com a menor despida, mostrando os seios e a vagina.
11. Tais fotografias foram inicialmente guardadas no telemóvel do Arguido e, posteriormente, no computador que possuía na sua residência, sita no ....
12. Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 204, em datas não concretamente apuradas, o Arguido AA manteve com e na menor actos sexuais.
13. Com efeito, em data não concretamente apurada, mas situada no âmbito do período temporal acima indicado, o Arguido e a menor BB, acompanhados da avó da menor e de uma filha do Arguido, foram passear para a zona de ---, no Alentejo, deslocando-se na viatura automóvel daquele.
14. Ali chegados, o Arguido estacionou a viatura automóvel onde se tinha feito transportar e sob pretexto de ir visitar uma casa abandonada fez-se acompanhar única e exclusivamente pela menor BB.
15. Uma vez no interior da referida casa abandonada, o Arguido desapertou as calças e tirou o pénis erecto para fora.
16. Acto contínuo, introduziu o pénis na boca da menor que o lambeu.
17. Em seguida, o Arguido lambeu o órgão genital da menor.
18. Ainda na mesma data e local, o Arguido introduziu o pénis na vagina da Ofendida manteve com ela relações de cópula, tendo ejaculado para fora do corpo da menor.
19. Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, mas situada no âmbito do período temporal indicado em 12., também na sequência de um passeio com a menor e a avó desta, o Arguido aproveitou para convidar BB para ir consigo a um apartamento, sito na ..., em ....
20. Quando se encontravam no interior do apartamento, o Arguido desapertou as calças e tirou o pénis erecto para fora.
21. Acto contínuo, introduziu o pénis na boca da menor que o lambeu.
22. Por seu turno, o Arguido lambeu o órgão genital da menor.
23. Após, o Arguido introduziu o pénis na vagina da menor e manteve com ela relações de cópula, tendo ejaculado para fora do corpo de BB.
24. Igualmente em data não determinada, mas situada no período temporal mediado entre, Janeiro e Fevereiro de 2014, o Arguido combinou um encontro com a menor na zona na ..., nesta cidade de ....
25. Nesse local, no vão de escadas do prédio, o Arguido desapertou as calças e tirou o pénis erecto para fora.
26. Acto contínuo, introduziu o pénis na boca da menor que o lambeu.
27. Em seguida, o Arguido lambeu o órgão genital de BB
28. Após, o Arguido introduziu o pénis na vagina da menor e manteve com ela relações de cópula, tendo ejaculado para fora do corpo da Ofendida.
29. Por três vezes, em dias diferentes, situados no sobredito período temporal, sempre da parte da tarde, a pedido do Arguido, a menor deslocou-se à residência deste, sita na ....
30. Uma vez no local, nessas três ocasiões, o Arguido introduziu o pénis na vagina da menor e manteve com ela relações de cópula, tendo ejaculado para fora do corpo de BB.
31. Nessas três ocasiões, o Arguido lambeu o órgão genital de BB, a qual, por sua também lambeu pénis do Arguido.
32. Num desses dias, para além das condutas descritas, o Arguido introduziu o pénis erecto no ânus da menor friccionando-o, até ejacular para fora do corpo da menor.
33. Ao praticar os factos descritos em 12. a 31. A arguido não usou preservativo.
34. O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente.
35. Tinha perfeito conhecimento da idade da Ofendida.
36. O Arguido quis exibir o seu corpo nu à Ofendida tendo para o efeito utilizado a internet e uma webcam.
37. O Arguido sabia que tinha a gravação vídeo e as fotografias referidas em 10. e 11., conhecia a natureza sexual explícita das mesmas, bem como que retractavam uma menor e, não obstante, quis tê-las à sua disposição.
38. O Arguido sabia que as conversas referidas em 8. e 9. eram adequadas a excitar sexualmente a Ofendida.
39. O Arguido agiu sempre com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, utilizando para tanto uma sua conhecida, menor de idade.
40. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei
Mais se apurou que
41. AA diz vivenciar nos últimos 2 anos uma fase particularmente crítica, subsequente à separação e divórcio da última mulher. Embora esta tenha sido uma relação pouco duradoura (1 ano de vida em comum), o Arguido tende ainda a idealizá-la, não encontrando outros motivos para o fim da mesma que não a infidelidade e o abandono. Mantém-se ainda na mesma casa que vivia com a mulher, apartamento cuja renda de € 400,00 diz ter passado a assegurar sozinho.
42. AA provém de uma família de fracas condições sócio-económicas, agravadas por um mau ambiente afectivo, atribuído à violência conjugal do pai sobre a mãe. Refere que se viu obrigado a uma precoce autonomização e entrada no mundo do trabalho por volta dos 13 anos, sem ter prosseguido a escola mais que o 4º ano. Foi mantendo actividade laboral basicamente ligado à construção civil e empregado de mesa eventual, nos meses de verão. Há vários anos trabalha por conta própria na prestação de obras de remodelação/ manutenção a particulares.
43. Além do trabalho, mostra-se um individuo dado a outras actividades estruturadas, designadamente desportivas, tendo sido praticante federado de karate e futebol. No entanto a única actividade que manteve mais continuadamente foi a caça submarina. Mesmo esta deixou, devido às crises de ansiedade que refere ter começado a sentir nos últimos 2 anos.
44. A vida afectiva-relacional afigura-se marcada por múltiplos casamentos/uniões, relatados com elevada intensidade e curta duração. Fruto de relações diferentes, é pai de 3 filhas, actualmente com 24, 15 e 10 anos. Não ficou com nenhuma delas à sua guarda e os contactos pareceram-nos revestir-se de significativa instabilidade. Nem sempre se falam, o que atribui à contaminação de com as respectivas mães.
45. Há cerca de 2 meses encetou vida em comum com uma cidadã irlandesa, que conhecera no Verão, quando a mesma passava férias em Portugal. É assinalado um elevado envolvimento emocional de parte a parte e promessas de futuro, que poderão passar pela mudança do Arguido para a ---, quando a situação jurídica o vier a permitir.
46. AA manifesta um discurso crítico da situação, na medida em que encara os factos como reprováveis, mas tende a neutralizar a culpa com argumentos alusivos à sua maior fragilidade emocional e atitudes provocatórias da vítima. No presente vitimiza-se, dizendo-se em sofrimento pelo impacto da situação e pelas reacções hostis de familiares.
47. Pelo contrário, revela dificuldade em avaliar o dano na vítima identificada, com uma visão pouco realista da mesma, como se de uma pessoa adulta se tratasse.
48. Mostra-se ciente da dimensão criminal dos factos e apareensivo com possíveis consequências condenatórias, designadamente uma eventual medida privativa de liberdade.
49. Do Certificado de Registo Criminal do Arguido nada consta.
50. Confessou integralmente os factos de que vem acusado e mostrou-se arrependido.
*****
Apreciando. Fundamentação de direito.
Questão I – Unificação de todos os crimes na figura do crime continuado
O recorrente bate-se pela unificação jurídica das várias condutas dadas por provadas, pretendendo a sua integração na figura de continuação criminosa.
Na conclusão 15.ª, defende o recorrente que as plúrimas condutas por si praticadas com e na pessoa da menor BB, então com doze anos de idade, pois que nascida em 3 de Maio de 2001, devem subsumir-se no quadro de um crime continuado, e dentro dessa lógica (única aduzida na óptica recursiva apresentada, onde não cabem outros parâmetros de contestação), pugna por redução da medida da pena, mas de pena a atribuir em caso de confirmação da almejada tese de crime continuado, pretendendo, nesse reactivo conspecto, de cariz restritivo, a aplicação de uma única pena, de uma só pena, mitigada, não impugnando directamente a aplicada e efectiva medida da pena única, que tem por pressuposto a afirmação de uma efectiva relação concursal.
O recorrente pretende englobar num único crime, na forma continuada, os nove crimes por que foi condenado, sendo que estamos perante tipos legais diferentes, de abuso sexual de criança e de pornografia de menores.
Assim e relembrando, o recorrente foi condenado pela prática de:
- Seis crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal;
- Um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b), do Código Penal; e,
- Um crime de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal.
Em causa está a determinação do número de crimes praticados, invocando o recorrente a lesão do mesmo bem jurídico, no mesmo espaço temporal, contra a mesma pessoa e factores exteriores ao próprio arguido, que o levaram a cometer o crime mais do que uma vez.
A questão colocada reconduz-nos à problemática da verificação de concurso real ou efectivo de crimes, ou de crime continuado.
Objecto de análise será a questão de saber se a matéria de facto dada por definitivamente assente comporta a integração das condutas provadas na figura do crime continuado, como pretende o recorrente, ou antes na pluralidade de crimes, em concurso real/efectivo, como considerou o acórdão recorrido.
******
Como referimos nos acórdãos de 13 de Julho de 2011, processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, de 31 de Janeiro de 2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1, de 12 de Setembro de 2012, processo n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 30 de Setembro de 2015, processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1 e no voto de vencido aposto no acórdão de 13 de Julho de 2011, no processo n.º 1659/07.3GTABF.S1, relativo a acidente rodoviário com resultados múltiplos (morte e ofensas corporais), publicado in CJSTJ 2011, tomo 2, págs. 210 a 241, maxime, págs. 224 a 241:
«A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é decisiva na determinação das consequências jurídicas do facto, para efeito de punição do agente, sabido que no caso de concurso de crimes cabe a aplicação do critério especial de determinação da pena constante do artigo 77.º, extensível, nos termos do artigo 78.º, ao caso de superveniência de conhecimento da existência de relação concursal, cabendo ainda em caso de unificação do concurso, como crime continuado, tratado como uma situação ou caso de unidade de infracção, ou seja, como um só crime, um outro critério especial, este de privilegiamento punitivo, do artigo 79.º, sendo o crime punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, podendo em certos casos, considerar-se ainda, num diverso plano, a existência de um único crime, a punir nos termos do critério geral do artigo 71.º, como os demais do Código Penal.
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 1986, proferido no processo n.º 38.292, publicado no BMJ n.º 358, pág. 267, a realização plúrima do mesmo tipo legal pode constituir:
a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
b) Um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração das condutas;
c) Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes; esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas, seja como crime continuado, ou ainda fora dos quadros do artigo 30.º, como único crime (acórdão de 02-04-2008, processo n.º 4197/07-3.ª, configurando em caso específico de tráfico de estupefacientes, actividade contemplada por caso julgado anterior), ou como crime de trato sucessivo, como é ponderado a nível de situações de tráfico de estupefacientes (v. g., acórdão de 17-12-2009, processo n.º 11/02.1PECTB-5.ª), ou de infracções fiscais ou contra a segurança social, que se protraem por períodos mais ou menos longos (neste tipo foi já considerada a figura denominada de “infracções contínuas sucessivas” no acórdão de 18-12-2008, processo n.º 20/07-5.ª), ou mesmo em caso de burla qualificada e falsificação de documento (acórdão de 21-02-2008, processo n.º 2035/07-5.ª), tendo sido assim qualificados alguns casos de abusos sexuais de crianças, como veremos infra, solução que, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, UCE, 2.ª edição, 2010, pág. 162, será de afastar, a partir da Lei n.º 40/2010, de 03-09, por estarem em causa bens eminentemente pessoais, afirmando que no caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo.
A matéria de concurso de crimes não é tratada no artigo 30.º do Código Penal de forma abrangente e esgotante, na medida em que as soluções indicadas no preceito se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes, tratando-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência, caberá em última análise, encontrar soluções adequadas, tendo em vista a multiplicidade de casos e situações que se prefiguram e que ocorrem na vida real (assim acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-01-2006, processo n.º 3671/03-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 159, que aborda a temática da distinção entre crime continuado e crime único, num caso de falsificação de três cheques para aquisição de produtos alimentares em hipermercado).
Aliás, note-se que de acordo com a epígrafe do artigo 30.º, inserto no capítulo relativo a “Formas do crime” – cfr. Capítulo II do Título II – na perspectiva de unidade/pluralidade de infracções, só haveria lugar ao concurso de crimes e ao crime continuado, não albergando o preceito, por exemplo, as hipóteses de crime único, que o Código Penal de 1886 previa no § único do artigo 421.º para o crime de furto.
Relembrando o preceito, após no corpo escalonar as penalidades de acordo com os valores da coisa furtada (mais tarde actualizados pela Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto), dispunha no § único “Considera-se como um só furto o total das diversas parcelas subtraídas pelo mesmo indivíduo à mesma pessoa, embora em épocas distintas”.
Há outras figuras de lesividade múltipla ou repetida de bens jurídicos com tutela jurídico-criminal, que se não contêm na dicotomia prevista no artigo 30.º - “Concurso de crimes e crime continuado”.
Isto é, para além do concurso de crimes, a punir nos termos dos artigos 77.º e 78.º, e do crime continuado, a punir de acordo com o artigo 79.º do Código Penal, há toda uma gama de situações da vida real a demandar uma específica regulamentação.
Estabelecendo um critério, assumidamente distintivo, o artigo 30.º contém a indicação de um princípio geral de solução da problemática do concurso de crimes, sendo também uma base de trabalho, a partir da qual há que olhar outras dimensões de violações de bens jurídicos, que ficam de fora, não estando abrangidos outros casos e situações que ocorrem no dia a dia, apresentando dificuldades de integração por exemplo as hipóteses de crimes culposos emergentes de acidentes de viação, sabido que o critério vale fundamentalmente para os crimes dolosos e mesmo nestes o critério não esgota todas as formas, todos os modos de execução do tipo legal».
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Vejamos se a situação concreta cabe na figura do crime continuado, começando pela sua configuração.
Na versão originária do Código Penal de 1982 (intocada pela reforma de 1995), estabelecia o
Artigo 30.º
(Concurso de crimes e crime continuado)
1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo for preenchido pela conduta do agente.
2 – Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Com a 23.ª alteração do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 170, de 4-09, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 102/2007, de 25-10, publicada no Diário da República, 1.ª série – n.º 210, de 31 de Outubro), foi introduzido o n.º 3, que passou a estabelecer:
3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.
Posto isto, a norma em sua completude passou a reger
Artigo 30.º (Concurso de crimes e crime continuado)
1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 – Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 – O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.
Em anotação ao artigo 30.º, na redacção então em vigor, relata Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 11.ª edição, 1997, pág. 152 (e mesmo lugar na 12.ª edição de 1998), que o preceito teve por fonte principal o artigo 33.º do Projecto de Parte Geral de Código Penal de 1963 e que na sua discussão foi aprovado um último período para o n.º 2, que seria o seguinte: “A continuação não se verifica, porém, quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma pessoa”.
Adianta que a supressão/não aceitação do período “não significa que outra solução deva ser adoptada, mas tão só que o legislador considerou a afirmação desnecessária, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado”.
O que a nova versão de 2007 fez foi recuperar o conteúdo da proposta feita exactamente por Maia Gonçalves, há mais de 43 anos, em 8 de Fevereiro de 1964.
A este propósito, pode ver-se Maria do Carmo Silva Dias, Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 04-09, nos crimes contra a liberdade sexual (Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º trimestre de 2008, n.º 8 (especial), pág. 225), Maria da Conceição Valdágua, As Alterações ao Código Penal de 1995, relativas ao crime continuado, propostas no Anteprojecto de Revisão do Código Penal, em palestra proferida em Maio de 2006, no âmbito de Colóquio sobre a revisão do Código Penal de 1995 (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, N.º 4, Outubro-Dezembro 2006, págs. 531-533) e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, págs. 137/8.
Com a Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que operou a 26.ª alteração ao Código Penal, entrada em vigor em 3 de Outubro de 2010, foi alterada a redacção do n.º 3 que passou a estabelecer:
3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
Com a alteração foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, do que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas.
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Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.
A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.
Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções, Livraria Atlântida, Coimbra, 1945, pág. 338.
O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967 (e 1996), págs. 246 e ss., refere quatro exemplos de situações exteriores, que preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, seriam susceptíveis de diminuir consideravelmente o grau de culpa do agente (reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, II, com a colaboração de Figueiredo Dias, Almedina, 1965, pá. 210, e Reimpressão, Almedina, 1968 – 1971, pág. 210), e que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber:
a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, de acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;
b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;
c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;
d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.
Para o Autor, Direito Criminal, II, pág. 209, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
É a diminuição considerável do grau de culpa do agente que constitui a ideia fundamental que legitima, em última instância, o funcionamento do instituto do crime continuado – Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 210 e ss., e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra, 1976, págs. 122 e ss..
Segundo Cavaleiro Ferreira, Lições, II, pág. 162, o crime continuado é uma excepção ao concurso de crimes “uma forma de concurso de crimes que revela uma muito menor gravidade da culpa”.
Para Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 296, são a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado e justificam subtracção às regras da pena conjunta do concurso.
Para Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137, nota 20 (e 2010, pág. 159), o crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa.
A fls. 139, nota 28, a propósito da diminuição sensível da culpa que supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente, adverte que o abuso sexual de uma mesma criança, dado (por Figueiredo Dias) como exemplo daquela diminuição face a existência de “relação ou acordo entre os sujeitos” não é de aceitar, pois a ciência médica e a experiência da vida mostram que o abuso sexual repetido de uma criança provoca uma tortura psicológica na criança que vive no pavor constante de vir a ser mais uma vez abusada pelo seu abusador.
E acrescenta “A consciência, o aproveitamento e até o gozo do abusador com esta tortura psicológica são incompatíveis com a informação de uma culpa diminuída do agente abusador. Quando for esse o caso, não há diminuição sensível da culpa, ao contrário há uma culpa agravada do agente do crime”.
A diminuição sensível da culpa supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente e só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa – se ele procura de novo a vítima - não há diminuição sensível da culpa. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso. – ibidem, nota 29, pág. 162 em 2010.
Como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-04-1983, processo n.º 36933, verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a sua menor censurabilidade.
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-1993, proferido no processo n.º 45.474, BMJ n.º 431, pág. 255, são pressupostos do crime continuado:
- A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;
- Que haja proximidade temporal das respectivas condutas;
- A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente;
- Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido.
Sobre este ponto podem ver-se os acórdãos do STJ de 05-11-1997, processo n.º 608/97-3.ª e de 04-12-1997, processo n.º 720/97-3.ª, in SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, págs. 154 e 155; de 12-04-2007, processo n.º 814/06 - 5.ª; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07 - 5.ª e de 13-09-2007, processo n.º 2170/07 - 5.ª.
Consta do citado acórdão de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção: “A estruturação do crime continuado encontra o seu fundamento numa diminuição da culpa do agente, decorrente da facilidade criada, por certas circunstâncias externas, para a prática de novos actos da mesma ou idêntica natureza”.
Apresenta como pressupostos, cumulativos, do crime continuado, os seguintes:
“- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma “linha psicológica continuada”;
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- persistência de uma “situação exterior” que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
O crime continuado funciona como excepção à regra da acumulação de infracções; a pluralidade de crimes subsiste no crime continuado e este considera-se ficticiamente unificado para excluir um cúmulo material de penas ou de efeitos gravosos no tratamento daquela continuação – assim, acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4347/06 - 3.ª (in www.stj.pt – Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). – cfr. ainda, v. g., os acórdãos do STJ, de 04-01-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, 157; de 24-01-2007, no processo 4061/06-3ª; de 17-05-2007, no processo 1133/07-5ª; de 13-09-2007, nos processos 2170/07-5ª e 2795/07-5ª; de 24-10-2007, no processo 3193/07-3ª.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª, pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Assim, também o acórdão do STJ de 14-02-2007, no processo n.º 4100/06 - 3.ª refere que “O crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais do que a execução parcial de um só e único facto típico, sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente”.
Ainda nas palavras do mesmo acórdão de 14-02-2007 proferido no processo n.º 4100/06 - 3.ª “Para haver crime continuado é necessário, pois, que se tenha verificado um circunstancialismo exógeno condicionante da conduta do agente, que lhe tenha facilitado (como que tentando-o) a repetição, em termos tais que lhe diminua consideravelmente a culpa. Como expendeu Eduardo Correia, quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. A situação exterior deve ser tal que objectivamente facilite a execução do facto criminoso ou prepare as coisas para a repetição do facto”.
Este Supremo Tribunal tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime, se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar a vítima, como se elucida no acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4347/06-3.ª, onde se afirma:
“A noção de crime continuado contida no art. 30.º, n.º 2, do CP é tributária do pensamento do Prof. Eduardo Correia, expressa em Direito Criminal, II, 1992, pág. 209, e pressupõe a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (logo de resoluções criminosas), homogeneidade na sua forma de execução, uma certa conexão temporal entre os actos individuais, na forma de proximidade temporal entre as sucessivas condutas, lesão do mesmo bem jurídico, uma unidade de dolo continuado (que se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor na mesma situação de facto, na lição de Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, pág. 216) e a persistência, a manutenção de uma situação externa, de uma mesma situação exterior ao agente, que reduza, de forma substancial, a culpa, o juízo de censura do agente, apta “a gerar um repetido sucumbir” e a fundar um menor juízo de censura”.
Num outro registo, o acórdão de 10-12-1997, processo n.º 1192/97-3.ª, SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 204, pronunciava-se no sentido de ser de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por caso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.
Em sentido semelhante, o acórdão de 06-11-1997, processo n.º 1310/96-3.ª, ibidem, pág. 155, ao referir que a figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.
Como se extrai do acórdão 13-12-2007, processo n.º 3749/07-3.ª, não há razões para subsumir o caso a crime continuado “ (…) se, decomposta a actividade do arguido reconhecida na materialidade considerada provada, se verifica que o mesmo utilizou, em termos gerais, o mesmo tipo de artifício fraudulento em relação a ofendidos distintos e em momentos distintos, não tendo a actuação alicerçada nos três vectores distintos qualquer outra ligação que não o facto de ter sido o arguido o seu autor e de ter utilizado o mesmo processo para induzir em erro, e não ocorrendo, pois, a acentuada diminuição de culpa motivada por factor exógeno transversal à actuação ilícita cometida, mas, antes pelo contrário, uma pluralidade de resoluções autónomas entre si com vista à prática de acto ilícito”.
Como se afirma no acórdão deste Supremo de 23-01-2008, no processo n.º 4830/07 - 3.ª, versando caso de abuso sexual de crianças agravado «O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».
Afastando a continuação criminosa e optando pela punição pelo cometimento de pluralidade de crimes, podem ver-se os acórdãos deste Supremo:
de 22-01-2004, processo n.º 4430/03-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179, em caso de furtos qualificados e falsificação de documento (as circunstâncias exteriores invocadas não surgiram por acaso em termos de facilitarem o objectivo tido em vista de modo a arrastarem o arguido para a repetição de condutas, antes foram conscientemente procuradas por ele, o que revela, ao invés, uma inequívoca persistência delituosa, revelando uma manifesta intensidade dolosa que afasta a diminuição da correspondente culpa, reconduzindo-se a actuação do arguido não a um crime continuado, mas antes a um concurso real de crimes);
de 22-04-2004, processo n.º 902/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 165, estando em causa conduta concretizada do arguido com entrada em matas e ateando o fogo, considera-se que a actuação do arguido resultou de uma pluralidade de planos autónomos por si arquitectados, sendo afastado o crime continuado;
de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção – “No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem.
Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, fica, no entanto, o reparo”.
No acórdão de 05-12-2007, processo n.º 3989/07-3.ª, onde se refere: “O elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele. Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, de uma persistência de propósitos de modo a levar a conduta até ao fim, ou que resultam de oportunidades, condições para a prática de vários actos, que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito – porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada” (citado no acórdão de 7-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABF.S1.5.ª, CJSTJ 2010, tomo I, pág. 176, em caso de crime de abuso sexual de criança, tentado, e outro consumado, afastando a continuação criminosa, mas considerando verificar-se um único crime);
de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª, referindo que sempre que se comprove que a reiteração fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa;
de 29-10-2008, processo n.º 1612/08-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 202, versando prática de furtos, burlas qualificadas e falsificação de documentos, como modo de vida e afastando a continuação quando a actuação corresponde a uma escolha deliberada do arguido, a uma sua predisposição interna para a prática dos factos ilícitos, que inscreve no seu quotidiano como forma de ganhar a vida e de obter rendimentos para custear todas as suas necessidades, não se podendo falar num condicionalismo exterior que, de fora, e com persistência levasse o arguido a cometer os factos; a repetição, sendo hábito ou modo de vida, não atenua, mas agrava a culpa do agente e torna-o mais perigoso do ponto de vista jurídico-criminal;
de 05/11/2008, processo n.º 2861/08-3.ª, citando Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, pág. 1226 “A exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa significa que aquela tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou “prepare as coisas para a repetição” do facto, de modo a afastar do âmbito do instituto do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas do agente a conduzir ou a “aconselhar” a repetição do facto”;
de 13-11-2008, processo n.º 451/07-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 224, afastando continuação criminosa em caso de crime de abuso de confiança fiscal e dando por verificada a existência de quatro crimes (em sentido oposto, o acórdão de 04-12-2008, processo n.º 4079/06-3.ª, na mesma CJSTJ, pág. 236);
de 19-03-2009, processo n.º 392/09-3.ª, pronunciando-se em caso de burla, refere-se que se o agente concorre para a existência do quadro ou condicionalismo exterior que lhe facilita a acção está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa, citando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1997 (supra referido), de 07-03-2001 e de 12-06-2002 , in SASTJ, n.ºs 49 e 62;
No acórdão de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª, pode ler-se: “há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado”.
O acórdão de 18-03-2010, processo n.º 175/06.5JELSB-5.ª, afasta a figura do crime continuado, ainda que estejam presentes os requisitos da realização plúrima do mesmo tipo de crime e da sua execução de forma essencialmente homogénea, já que a circunstância que favoreceu a repetição das condutas criminosas foi a grande determinação do recorrente em colocar no território nacional cocaína vinda do Brasil, patenteada na longa e cuidadosa preparação das 2 operações, circunstância essa ligada a ele próprio e não exterior.
Passando a outra forma de unificação - A figura do crime único, de trato sucessivo.
Na Doutrina, a propósito de unificação de conduta, pode ler-se em Hans Heinrich Jescheck, Tratado, Parte General, 4.ª edição, pág. 648: “Deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”.
Em alguns casos, as condutas de abuso sexual de criança têm sido enquadradas na figura do crime único, ou de crime único de trato sucessivo, entendendo-se haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente.
Assim foi entendido nos acórdãos de 02-10-2003, processo n.º 2606/03-5.ª, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 194; de 29-03-2007, processo n.º 1031/07 - 5.ª; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 23-01-2008, processo n.º 4830/07-3.ª (exemplo híbrido, de concurso real de dois crimes, abrangendo várias condutas com a mesma menor, sendo um mais grave, autónomo, e depois, três condutas diferentes daquela são unificadas na figura de trato sucessivo).
O relator deste defende a qualificação como crime de trato sucessivo no voto de vencido aposto no acórdão de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 221, em que fez vencimento, pelas suas “especiais circunstâncias” o enquadramento como crime continuado por cada uma das vítimas, afirmando então “Sem dúvida que há um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal, configura o trato sucessivo”.
No texto do acórdão, após frisar que se tratava de uma situação peculiar, afirma-se que “a maioria dos abusos sexuais de menores são praticados sobre vítimas «indefesas», que são violentadas física ou psicologicamente, pelo que o STJ tem muitas vezes entendido que, em regra, existe um agravamento de culpa por cada um dos crimes cometidos, incompatível com o crime continuado. Por isso, nesses casos, tem-se considerado que há um único crime de trato sucessivo (que a moldura penal permite graduar de forma mais intensa) e não um crime por cada contacto sexual”, acrescentando “Mas não neste caso particular, pelas suas especiais circunstâncias”.
A mesma qualificação está presente no acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1-3.ª.
No acórdão de 20-01-2010, processo n.º 19/04.2JALRA.C2.S1-3.ª, afirma-se que não é de excluir nos crimes sexuais a continuação criminosa, mas sempre que mais do que a um momento exterior ao agente, condicionante da prática do crime, se prove que a reiteração, menos que a tal disposição, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do agente não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica excluída a figura da continuação, sendo o crime único punido com 8 anos de prisão.
Do mesmo modo nos acórdãos de 29-11-2012, processo n.º 862/11.6TDLSB.P1.S1 - 5.ª Secção e de 12-06-2013, processo n.º 1291/10.4JDLSB.S1-5.ª, o qual manteve a qualificação, mas de forma crítica não deixou de anotar que a questão “era passível de gerar controvérsia”, citando Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2010, nota 32, pág. 162 e afirmando: “A Lei n.º 40/2010, de 3-09, ao alterar a redacção do n.º 3 do artigo 30.º do CP que foi introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4-09, ditou a sentença de morte do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
Esta solução, não ventilada pelo recorrente, é de afastar pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado, por estarem em causa bens eminentemente pessoais.
A solução do concurso efectivo de crimes
Este Supremo Tribunal tem optado pela subsunção da pluralidade de condutas, neste plano do abuso sexual de crianças, na figura do concurso efectivo de crimes, em vários acórdãos, afastando a configuração de tais situações nos restantes quadros reguladores possíveis, como no crime continuado, como ocorre algumas vezes, no crime único, ou ainda no crime de trato sucessivo, como vimos, de que se apontam como exemplos os seguintes acórdãos:
de 12-01-1994, processo n.º 45725, in CJSTJ 1994, tomo 1, págs. 190/2 - Em caso de violação, por parte de um homem casado, com cinco filhos a seu cargo, que se aproveita da inocência de uma criança de 7 anos incompletos, que estava confiada aos seus cuidados, considera-se que “se a conduta do agente nos revela que em cada actuação houve um renovar da sua resolução criminosa, estamos perante a prática de vários crimes, excepto se esse renovar do propósito criminoso for devido a uma situação exterior ao agente que facilite a renovação da resolução dentro de uma certa conexão temporal, tudo a revelar diminuição da culpa, caso em que se perfila a figura do crime continuado.
Tendo sido provado que após ter esfregado o seu pénis erecto na vagina da ofendida até ejacular, o arguido voltou, nas mesmas circunstâncias, a esfregar o pénis na vulva da menor, até mais uma vez, ejacular, fica assente uma pluralidade de resoluções criminosas, tendo sido condenado por dois crimes de violação, com 3 anos de prisão por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, sendo então, afastada, ope legis, a possibilidade de suspensão da execução da pena;
de 9-11-1994, processo n.º 47275, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 248 – Em caso em que a primeira instância considerou a presença de crime continuado, diz o acórdão: “Sendo a matéria de facto omissa de qualquer circunstancialismo externo que se possa considerar como redutor de culpa, haveria tantos crimes de atentado ao pudor quantos os actos de impudícia por ele praticados sobre as duas crianças”. Prossegue, afirmando: “Mas não vale a pena prosseguir neste discretear, uma vez que a questão levantada excede o âmbito do recurso no qual a mesma não se contém”.
de 17-10-1996, processo n.º 568/96, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 170 - Afasta a figura do crime continuado em caso de dois episódios de atentado ao pudor à mesma menor, afirmando a existência de concurso real entre o crime de violação e os dois crimes de atentado ao pudor de que foi vítima uma menor, por estarem em causa crimes autónomos, por serem diversos os interesses jurídico-penais neles protegidos, concluindo: “ (…) dos factos provados não resulta que a reiteração criminosa tenha sido fruto mais de uma facilitada situação exterior (circunstâncias exógenas) do que de motivos endógenos, relativos à personalidade do arguido. (Cita os acórdãos de 12-01-1994 e de 9-11-1994, supra referidos e de 09-05-1996, proferido no recurso n.º 40/96).
Aí se pode ler que a continuação criminosa só poderá existir desde que ocorra uma pluralidade de resoluções levadas a cabo por forma essencialmente homogénea, em condições que diminuam consideravelmente a culpa, decorrente de uma situação exterior que facilitou a reiteração.
de 10-12-1997, processo n.º 1192/97 -3.ª, SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 204 - Em caso de crime de homossexualidade com menores, pronunciava-se no sentido de ser de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.
de 19-05-2005, processo n.º 890/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 202 - Afasta a continuação criminosa em caso de crime de coacção sexual agravado, por se verificar, efectivamente, uma pluralidade de crimes, pois o agente teve que renovar de cada uma das vezes o processo de motivação e, em consequência teve que tomar resoluções distintas, presididas por intenções diferenciadas quanto à decisão de, através da violência forçar o menor a ter de suportar os actos de carácter sexual descritos na matéria de facto, justificando: “No caso, a repetição das condutas proibidas pelo recorrente teve a ver apenas com circunstâncias próprias da sua personalidade e, por conseguinte, dignas de maior censura”;
de 15-06-2005, processo n.º 1558/05-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 216 - Considera que tendo o arguido praticado actos de natureza sexual com a menor sua filha, por três vezes, sempre num quadro que não favorece qualquer ideia de diminuição acentuada da culpa, antes renovando a intenção criminosa, não se verifica qualquer situação de crime continuado, mas sim a prática de tantos crimes quantas as vezes que reiterou na violação do tipo legal de ilícito – três crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. p. pelos artigos 172.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
de 17-11-2005, processo n.º 2760/05-5.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 217 – Em causa dois crimes de abuso sexual em que o abusador é pai da ofendida, vítima por duas vezes de abusos sexuais – duas penas de 3 anos de prisão cada, sendo em cúmulo jurídico fixada a pena conjunta de 4 anos de prisão;
de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242 - Em caso de crime de abuso sexual de crianças considera-se não merecer censura o afastamento da figura de crime continuado, corrigindo apenas o número de crimes cometidos, que é reduzido de 11 para 7 crimes (um deles agravado); só há crime continuado quando se verifica uma diminuição considerável da culpa do agente, que deriva de um condicionalismo exterior e como tal não produzido pelo agente, que propicia a repetição das várias acções criminosas, mediante um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade.
de 05-09-2007, processo n.º 2273/07-3.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 189 - Afasta a continuação criminosa e opta pela punição pelo cometimento de 3 crimes de violação agravada, ponderando que a presença constante da menor no âmbito familiar do arguido não constitui qualquer lastro de afirmação de uma menor inibição de comportamentos delituosos com reflexos a nível da culpa e, por isso, é de afastar a continuação criminosa e de optar pela sua punição pelo cometimento de três crimes de violação (em hipótese de consunção com abuso sexual de criança) agravados;
de 16-01-2008, processo n.º 4735/07-3.ª, com o relator do anterior - Afasta a continuação, decidindo por concurso de dois crimes de violação – ponderando-se que não pode considerar-se que o facto de o arguido entrar com frequência na casa da ofendida ou de esta se encontrar isolada consubstancia o lastro de justificação de uma menor inibição de comportamentos com reflexo a nível de culpa. (No caso, com contornos especiais, com um voto de vencido, foi suspensa a execução da pena de 4 anos condicionada a pagamento de montante em que o arguido foi condenado por danos não patrimoniais);
de 3-09-2008, processo n.º 3982/07- 3.ª – Caso de arguido condenado como autor de um crime de violação agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de violação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 2, alíneas b) e c), 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; e de três crimes de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes; e, em cúmulo, na pena única de 8 anos de prisão. Interposto recurso pretendia o arguido a unificação como crime continuado dos dois crimes de violação, não obtendo provimento;
de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª - Em caso de abuso de filhos pelo pai, afirma-se: sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado. (Acórdão seguido no acórdão de 19-03-2009, processo n.º 483/09-3.ª e no de 25-03-2009, proferido pelo mesmo relator do primeiro, no processo n.º 490/09-3.ª);
de 29-10-2008, processo n.º 2874/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 207 – Afasta a existência de situação de continuação criminosa em caso de violação e de abuso sexual de criança;
de 05-11-2008, processo n.º 2812/08-3.ª, do mesmo relator do acórdão de 1-10-2008, no mesmo sentido e afastando o n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, dizendo que o preceito não possui um alcance inovador, que conduziria a um chocante e absurdo resultado de ter de ver-se o agente do crime, sobretudo no caso de as vítimas serem crianças ou mentalmente incapazes, justamente os mais indefesos da sociedade, punido, apenas, por um único crime quando sobre a vítima praticou vários, ofendendo o sentimento jurídico reinante no seio da comunidade, efeito ainda mais visível no caso de crianças vivendo sob o mesmo tecto do abusador, em que, em lugar de manter contenção e respeito sobre o seu instinto sexual, aquele exerce acção infrene e, assim, mais censurável. A ser outra a interpretação, conducente a um efeito perverso, ter-se-ia que, em nome da justiça, da lógica e do mais elementar bom senso, atalhar o alcance de quem fez a lei, lançando-se mão de uma imperiosa interpretação restritiva;
de 19-03-2009, processo n.º 483/09-3ª; versando abuso sexual de crianças, afasta a figura do crime continuado, dizendo que o aditamento do n.º 3 ao artigo 30.º não permite uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito; ou seja, o aditamento não exclui, antes continua a pressupor, a verificação dos requisitos do crime continuado (segue de perto o acórdão de 1-10-2008).
de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 237, ainda do mesmo relator dos dois anteriores - Versando abuso sexual de menores, afirma que sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado. No caso, na primeira instância o arguido fora condenado por sete crimes de abuso sexual de criança na pena de 6 anos cada e em cúmulo em 12 anos; a Relação condenou pela prática de um crime continuado em 9 anos de prisão; o STJ não subscreve tal entendimento e alterando a qualificação, considera repercutirem os factos descritos a prática de sete crimes de abuso sexual de criança, e não um único crime, na forma continuada, com pena de 5 anos por cada e fixando a pena única de oito anos de prisão (segue de perto o acórdão de 1-10-2008 do mesmo relator).
Debita ainda no mesmo sentido do anterior sobre o alcance do n.º 3 do artigo 30.º do C. Penal, aditado pelo art. 1.º da Lei n.º 59/2007, dizendo que a alteração introduzida é pura tautologia, de alcance inovador limitado ou mesmo nulo, desnecessária, em nada prejudicando a jurisprudência sedimentada ao nível deste STJ; o aditamento não permite uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos, enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar uma interpretação sistemática e global do preceito (cita o acórdão de 8.11.2007, processo n.º 3296/07-5.ª);
de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.C1.S1-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 247 (do mesmo Colectivo do acórdão de 29-10-2008, processo n.º 2874/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 207) – Afastando a qualificação de crime continuado, confirma a verificação de concurso real de três crimes de abuso sexual de criança, reduzindo a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão para 8 anos de prisão.
Pode ler-se no sumário: “Haverá um único crime, sempre que exista uma única resolução criminosa que domine uma acção unitária, ainda que seja reconduzível numa pluralidade de factos externamente separáveis, desde que estes se apresentem intimamente ligados no tempo e no espaço e dominados por aquela única resolução volitiva, tal sucedendo quando os actos sexuais adicionados surgirem na sequência da mesma resolução criminosa.
Mas já haverá um concurso de crimes, ainda que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior”;
de 07-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABFE1.S1-5.ª, CJSTJ 2010, tomo 1, pág.176 - Na comarca o arguido fora condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças tentado e um outro na forma consumada, com penas de 2 e 6 anos, e em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão. O Tribunal da Relação de Évora considerou um único crime consumado e condenou em 6 anos e 6 meses de prisão. O STJ afasta a qualificação de crime continuado, entendendo que a conduta do arguido seria punida pela prática de um só crime de abuso sexual de criança consumado e não também, como na 1.ª instância, de um outro na forma tentada, fixando a pena em 6 anos de prisão
Afasta a continuação dizendo: Quando a repetição do mesmo crime e a utilização de procedimento idêntico num quadro temporal circunscrito resulta de uma predisposição do agente, de uma persistência de propósitos de modo a levar a conduta até ao fim, ou de oportunidades, condições para a prática de vários actos, que ele próprio cria, está afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, por que se trata de culpa agravada, não atenuada.
No acórdão de 13-07-2011, processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, por nós relatado, na primeira instância, o Colectivo de Braga entendeu estar perante um concurso real de crimes e assim o arguido fora condenado por sete crimes de abuso sexual de crianças, p. p. pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de oito anos de prisão.
O Tribunal da Relação de Guimarães considerou estar-se perante um único crime de trato sucessivo de abuso sexual de crianças, p. p. pelo mesmo preceito, mas mantendo a pena de oito anos de prisão.
No STJ foi reposta a qualificação da primeira instância, afastando-se a configuração das condutas provadas, quer como crime de trato sucessivo, quer a qualificação como crime continuado, como o fizera a primeira instância e por que pugnara o arguido no recurso.
No acórdão de 12-07-2012, processo n.º 1718/02.9JDLSB.L1.S1, desta Secção (citado no acórdão recorrido, a fls. 779, pelo recorrente na conclusão 77.ª, a fls. 868/9 e pelo Ministério Público de Vila Nova de Gaia na resposta a fls. 906), afastando o crime continuado, afirma-se: “A negação da possibilidade da continuação criminosa em função da existência de uma pluralidade de vítimas resulta da circunstância de cada bem jurídico eminentemente pessoal ter de ser entendido em concreto numa união incindível com o seu portador individual. O bem da vida, tal como o da autodeterminação sexual ou o próprio direito à integridade física, consubstamciam-.se nas pessoas concretas que se vêem diminuídas na sua dignidade ou integridade próprias que é totalmente distinta dos restantes.
No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, por nós relatado, na 1.ª instância o arguido acusado de 13 crimes de abuso sexual de criança, na sequência de alteração efectuada pelo Colectivo, foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal.
Na Relação, concedendo parcial provimento a recursos do Ministério Público e assistentes foi entendido verificar-se concurso real de 13 crimes de abuso sexual de criança, p. p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal.
No STJ foi afastada a figura do crime continuado e de crime de trato sucessivo, rectificando-se para concurso efectivo de 12 (e não 13) crimes de abuso sexual de criança, p. p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal.
No acórdão de 10-10-2012, processo n.º 617/08.5PALGS.E2.S1-3.ª – é afastada a figura do crime continuado por estarem em causa bens eminentemente pessoais, considerando ainda que o crime continuado é de excluir, igualmente, sempre que a reiteração criminosa, menos que a uma disposição exterior, se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso, pois não pode falar-se aí de atenuação de culpa. Confirma a presença de 6 crimes de abuso sexual de criança na pessoa da menor J e de 5 crimes na pessoa da menor D.
O acórdão de 22-01-2013, processo n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1-3.ª - Afastando a figura do crime de trato sucessivo, afirma “Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas, a existência de uma mesma resolução criminosa desde o início assumida pelo agente, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal. No caso, nenhum elemento da materialidade provada permite a redução do processo volitivo do arguido a uma linha uniforme sem qualquer fractura temporal”.
No acórdão de 14-03-2013, processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S1-3.ª, foi confirmada a prática de 3 crimes de abuso sexual de crianças do artigo 171.º, n.º 2, do CP e 3 crimes de recurso à prostituição de menores do artigo 174.º, n.º 2, do CP, podendo ler-se no sumário: “Sempre que se prove que a reiteração do crime é devida a uma tendência da personalidade criminosa, menos que a uma disposição exterior das coisas, não pode falar-se em atenuação da culpa, pelo que fica excluída a continuação criminosa”.
No acórdão de 8-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1-3.ª é afastada a figura do crime continuado, estando em causa a prática ao longo de 4 anos de 5 crimes de violação agravada, 8 crimes de coacção sexual agravada e 2 crimes de coacção gravada. Apesar da redução de penas cominadas relativamente a 4 dos 5 crimes de violação agravada, foi entendido manter intocada a pena conjunta de 13 anos de prisão.
No acórdão de 17-09-2014, processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª, o arguido a quem fora imputada a prática de um só crime de abuso sexual de criança agravado, após comunicação de alteração de qualificação jurídica foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos nos 1 e 2 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º, de 20 crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos nos 1 e 2 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º, do Código Penal e de 20 crimes de abuso sexual com adolescente agravados, p. p. pelo artigo 173.º e alínea b) do n.º 1 do art.º 177.º, na pena única de 9 anos de prisão.
O arguido interpôs recurso pedindo a integração da conduta num crime de trato sucessivo.
O acórdão afastou a figura bem como do crime continuado, confirmando totalmente o decidido. “Inexiste o crime de trato sucessivo quando, embora haja homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que se desencadeia e autonomiza como tal”.
No acórdão de 17-09-2014, processo n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1-3.ª – Convocado acórdão de 12-07-2012, proferido no processo n.º 1718/12.9JDLSB.L1.S1, do mesmo relator, é afastada a existência de unidade resolutiva e consequentemente dum único crime, estando-se perante duas resoluções criminosas autónomas, dois crimes de abuso sexual de criança. Aí se lê: “A experiência e as leis da psicologia referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Deve considerar-se existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência e as leis psicológicas, se deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. Confirmada pena única de 9 anos de prisão
No acórdão de 22-04-2015, processo n.º 45/13.0JASTB.L1.S1-3.ª, em caso em que a Relação, nas situações em que os ofendidos foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes, por ter entendido que a solução do trato sucessivo era a mais ajustada a situações como a presente, afirmou a sua discordância da qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo, aderindo à argumentação do acórdão de 17-09-2014, processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3ª supra referido. Conclui pela presença em concurso real dos crimes especificados no dispositivo da decisão da 1.ª instância, mas atendendo apenas às penas aplicadas no acórdão recorrido, por força da proibição estabelecida no artigo 409.º, n.º 1, do CPP.
No acórdão de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1- 3.ª é versado caso de arguido condenado pela prática de dois crimes de abuso de pessoa incapaz de resistência do artigo 165°, nº 2, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão por cada um dos delitos; de um crime de coacção agravada dos artigos 154°, nº l, e 155°, nº l, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O recorrente pede a subsunção na figura do crime continuado, sendo decidido inexistirem os pressupostos do crime continuado e confirmando o decidido.
No acórdão de 30-09-2015, processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1-3.ª, pugnando o recorrente pela integração em crime único (não em crime continuado), foi confirmado o concurso real de três crimes de abuso sexual de crianças, de outros três crimes de abuso sexual de crianças agravado e de um crime de actos sexuais com adolescentes.
Versando pluralidade de crimes sexuais em concurso real, mas estando em causa apenas a medida da pena única, podem ver-se os acórdãos do STJ de 22-05-2013, processo n.º 93/09.5TAABT.E1.S1-3.ª; de 5-11-2013, processo n.º 400/12.3JAPRT.P1.S1-5.ª; de 20-11-2013, processo n.º 1181/12.6JAPRT.P1.S1-3.ª (arguido com 85 anos de idade condenado por 6 crimes de abuso sexual de criança - pena única de 9 anos de prisão); de 13-02-2014, processo n.º 789/11.1JAPRT.P1.S1-5.ª; de 27-02-2014, processo n.º 1702/12.4TATVD.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 68/08.1GABNV.L1.S1-3.ª; de 30-04 2014, processo n.º 415/12.1T3STC.E1.S1-5.ª; de 23-10-2014, processo n.º 1524/13.5JAPRT.S1-5.ª; de 22-04-2015, processo n.º 45/13.0JASTB.L1.S1-3.ª (estando em causa 46 crimes de abuso sexual de criança e um de pornografia de menores, com 13 ofendidos, defendendo-se o afastamento do trato sucessivo); de 27-05-2015, processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3.ª (estando em causa prática de 18 crimes de abuso sexual de criança praticados por arguido de 75 anos em três netas); de 03-06-2015, processo n.º 293/09.8PALGS.E3.S1-3.ª (em causa 10 crimes de abuso sexual de criança); de 25-06-2015, processo n.º 814/12.9JACBR.S1 - 5.ª Secção (em caso de 4 crimes de violação de neta, um crime de violência doméstica e dois de ameaça grave).
Em registo diverso, de conhecimento superveniente do concurso, pode ver-se o acórdão de 2-12-2013, processo n.º 742/11.5TACTX.E1.S1-3.ª (ilícito global de 234 crimes de violação agravada, 10 crimes de abuso sexual de criança agravado, 3 crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida - desagravada a pena única de 25 para 23 anos de prisão).
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Neste contexto, referir-se-á que foi requerida já uniformização de jurisprudência em sede de qualificação jurídica, tendo sido interposto recurso extraordinário para que se considerasse haver um só crime continuado e não, como foi condenado o recorrente no acórdão recorrido, por tantos crimes de abuso sexual de crianças quantas as suas condutas contra a mesma ofendida, tendo sido decidida no caso concreto a não verificação de oposição de julgados.
Lê-se no acórdão de 3-07-2014, proferido no processo n.º 1431/11.6PEAVR.C1-A.S1, da 5.ª Secção “O silêncio do acórdão fundamento sobre a qualificação jurídica dos factos não significa necessariamente a sua concordância com o decidido em 1.ª instância e mantido na Relação. Questionada apenas medida da pena, a alteração oficiosa para concurso real não teria tradução na medida da pena por respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus por não integrar o objecto de recurso”.
Volvendo ao caso concreto.
Vejamos a situação em equação, tendo presente que em causa estão bens eminentemente pessoais, cabendo indagar se estamos perante crime continuado ou concurso real de crimes.
A opção do acórdão recorrido
O acórdão do Colectivo de --- abordou a questão de saber se estava perante uma pluralidade de crimes ou perante um crime único, mas fê-lo, restringindo a indagação apenas relativamente aos seis crimes de abuso sexual de criança.
Faz a abordagem, citando e transcrevendo trecho do acórdão do STJ de 16-06-2010, de fls. 517 a 521, e do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-05-2014, de fls. 521 a 524, afirmando em jeito de conclusão a fls. 524:
“Desta matéria de facto assente nos autos resultam momentos temporais distintos e contextos situacionais diferentes procurados pelo Arguido, evidenciando, deste modo, a renovação do desígnio criminoso. E, renovados os mecanismos da sua vontade para praticar o crime sexual e repeti-lo, faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um novo crime.
Por outro lado, inexistindo qualquer circunstância externa que possa ter “arrastado” o Arguido à repetição reiterada do cometimento dos factos ilícitos em causa por forma a se poder afirmar que se encontra consideravelmente diminuída a sua culpa, afastada fica a punibilidade da sua conduta através do crime continuado”.
Prosseguindo, após afastar o eventual consentimento da menor, de fls. 524, in fine, a 526, remata de seguida, a fls. 526:
“Assim e não se verificando quaisquer causas que justifiquem a ilicitude do facto ou excluam a culpa do agente, importa concluir que, para além dos crimes de Abuso Sexual de Criança previsto e punível pelo artigo 171º, nº 3, al. a), de Abuso Sexual de Criança previsto e punível pelo artigo 171º, nº 3, al. b) e de Pornografia de Menores previsto e punível pelo artigo 176º, nº 1, al. b) agravado pelo artigo 177º, nº 6, o Arguido cometeu os seis crimes de Abuso Sexual de Menores, previstos e puníveis pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal”.
Decorre do exposto que a opção do acórdão recorrido em restringir a questão aos crimes do artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, é de apoiar, uma vez que os outros dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do mesmo preceito, são diferentes, cometidos em contextos diversos, não consubstanciando actos sexuais de conjunção, sendo muito diverso o tipo no caso da pornografia de menores, tendo o acórdão privilegiado a subsunção no concurso real em relação aos nove crimes presentes no dispositivo.
A fim de melhor evidenciar o enquadramento e sequência dos vários actos praticados pelo arguido, passa-se à sua enunciação esquemática.
Os contactos entre o arguido e a menor foram estabelecidos através de telemóvel (contactos não especificados) e troca de mensagens via Facebook e Skype – Factos Provados (FP) 5 e 7.
Concretizando, os contactos desenvolveram-se aos seguintes níveis:
A – A conversação através de Skype teve lugar nos dias 12 e 29 de Janeiro de 2014 - FP 8.
B – A conversação através do Facebook ocorreu em 19, 21, 22, 25, 26 e 27 de Janeiro e em 6, 9 e 12 de Fevereiro de 2014 - FP 9.
C – Mediante utilização da Internet e com uso de webcam, o arguido e a menor exibiram-se um ao outro despidos, tendo o arguido fotografado e efectuado gravação vídeo com a menor despida, mostrando os seios e a vagina, sendo as fotos guardadas no telemóvel do arguido e posteriormente no computador na sua residência – FP 10 e 11.
D – Prática de actos sexuais, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2014 (FP 12), mas que tem de ser entendido como tendo decorrido enquanto a menor estava a morar em casa da avó, o que aconteceu entre 27 de Janeiro e 22 de Fevereiro de 2014, conforme FP 3.
Tais práticas tiveram lugar em datas não concretamente apuradas compreendidas naquele período temporal e em lugares diferentes, do modo que segue:
1 – Em ---, ---, numa casa abandonada, tendo-se o arguido deslocado em passeio no seu carro com a menor e na companhia da avó desta e de uma filha sua - FP 13, 14, 15, 16, 17 e 18 (prática de sexo oral mútuo e cópula vaginal).
2 – Em apartamento na ---, na sequência de um passeio com a menor e a avó desta - FP 19, 20, 21, 22 e 23 (prática de sexo oral mútuo e cópula vaginal).
3 – No vão de escadas de um prédio sito na zona da ---, na sequência de combinação de encontro com a menor - FP 24, 25, 26, 27 e 28 (prática de sexo oral mútuo e cópula vaginal).
4 – Na residência do arguido, em ---, deslocando-se a menor a casa, a pedido do arguido, sempre da parte da tarde, o que aconteceu por três vezes, em dias diferentes – FP 29, 30, 31 e 32 (prática de sexo oral mútuo e cópula vaginal), sendo que num desses dias acresceu cópula anal – FP 32.
Daqui decorre que os factos na sua globalidade tiveram lugar entre 12 de Janeiro e 22 de Fevereiro de 2014, ao longo de 42 dias, sendo os actos sexuais em período inferior a um mês (cerca de 27 dias).
Nos casos de reiteração criminosa há que distinguir entre a que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente.
Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas relacionadas com a personalidade do agente, que levam à reiteração criminosa, não se reconduzindo no caso a um único desígnio.
No caso presente houve lugar a estreitamento de relação de proximidade com a menor.
A sequência enunciada é bem demonstrativa de que o arguido, começando os contactos com a menor através de conversação, utilizando telemóvel e troca de mensagens via Facebook e Skype, numa segunda fase passou à prática de actos sexuais e neste específico campo, patente é que renovou a resolução, procurou o novo encontro, não constituindo factor inibitório a circunstância de manter uma relação de amizade com a avó materna da menor (FP 4), o facto de na deslocação ao Alentejo, não obstante terem viajado igualmente a avó da menor e uma filha do recorrente, ter conseguido ficar a sós com a menor, indo para uma casa abandonada e na situação ocorrida no apartamento a presença da avó no passeio não dissuadiu o arguido de levar a menor para o local.
Por três vezes, em dias diferentes, sempre da parte da tarde, a menor deslocou-se a casa do arguido, a seu pedido, aí mantendo sexo oral e cópula vaginal.
No caso em apreço, a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em satisfazer os seus desejos, que superou até a natural inibição inerente à relação de amizade que o liga à avó da menor e num total aproveitamento desse contexto relacional.
No caso do abuso sexual de criança concretizado por actos que se sucedem no tempo, não há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, bem pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem; o sucesso da primeira actuação e das seguintes não pode integrar a diminuição da culpa do arguido, agindo este determinado pela vontade de satisfazer os seus instintos libidinosos, para o que se aproveitou das situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente do silêncio da própria vítima.
Como acentua Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, 2010, nota 32, pág. 162: “No caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo. Esta é precisamente a consequência prática da supressão da benesse do crime continuado contra bens eminentemente pessoais. Foi este o resultado prático pretendido pelo legislador. Portanto, é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime “de trato sucessivo”, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções”.
E finaliza assim: “Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador”.
A jurisprudência aponta maioritariamente para a pluralidade de crimes nas situações em que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior.
Nas seis situações de contactos sexuais o arguido sempre buscou o contacto, aproveitando a proximidade com a menor e a relação de amizade com a avó, como já se referiu.
O arguido criava as condições, procurava e fomentava as oportunidades de contacto, renovando o desígnio criminoso. De cada uma daquelas vezes, em cada actuação, o arguido renovou o processo de motivação, o propósito criminoso, estando-se perante resoluções distintas, reformuladas de forma autónoma em relação às anteriores. No caso em apreciação, a repetição teve a ver com circunstâncias próprias da personalidade do arguido.
Nos casos apreciados o arguido não se deixou arrastar por qualquer oportunidade, que diminuísse a sua censurabilidade; ao invés, foi ele quem criou ou fomentou as oportunidades. Não pode aceitar-se que o «êxito» da primeira acção criminosa e de cada uma das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido.
E, como se afirma no supracitado acórdão de 23-01-2008 (processo n.º 4830/07 - 3.ª), “o aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado”.
Sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado.
Concluindo: entende-se estarmos perante um concurso real de seis crimes de abuso sexual de criança, p. p pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea b) e um crime de pornografia de menores, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e 177.º, n.º 6, como os demais do Código Penal, improcedendo o recurso no que toca à pretensão expressa na conclusão 15.ª.
Questão II – Redução da medida da pena
O recorrente deu primazia à questão da medida da pena, o que faz nas conclusões 1.ª a 14.ª e 16.ª a 22.ª, de tal modo que a questão da qualificação jurídica surge “encastoada” no meio de tal discussão, já na conclusão 15.ª.
Desde logo há que anotar que o enfoque é posto na “medida da pena em concreto aplicada”, como na conclusão 2.ª e “medida da pena”, como na conclusão 16.ª, sendo claro que o recorrente não impugna a medida das nove penas parcelares (na lógica do recurso, a obter vencimento a tese do crime continuado, não faria sentido tal impugnação, porque sequentemente viria a ser aplicada uma única pena, mas a verdade é que se não curou de, prevenindo solução adversa, se lançar mão de um plano B, deduzindo pretensão em via subsidiária), visando apenas a pena final.
Antes de avançarmos deixa-se consignado o que, a propósito da medida da pena, disse o acórdão recorrido, a fls. 527, após reportar o artigo 40.º do Código Penal:
“Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, será de considerar o seguinte:
É consabido que a natureza dos crimes praticados pelo Arguido- Abuso Sexual de Menor e o bem jurídico violado nos crimes em questão (a autodeterminação sexual de crianças) – e a frequência de condutas deste tipo, bem como o conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e que constitui um factor de desestabilização social pela insegurança, com reflexos nas famílias, pelos traumas que gera e pelos valores culturais que ofende gravemente, tornam especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme.
Há ainda a considerar o grau de ilicitude dos factos e a culpa, atendendo ao modo de execução dos factos, o lapso de tempo em que os mesmos ocorreram e a idade da vítima.
Sendo certo que inexistem circunstâncias anteriores, ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente, também não podemos olvidar que, apesar da menoridade e da natural incapacidade da menor em se autodeterminar sexualmente de forma plenamente consciente e livre, no caso concreto, a vítima revelava uma aparente maturidade sexual acima do normal.
E, apesar da pluralidade dos crimes cometidos pelo Arguido, é evidente a estreita ligação entre os mesmos.
Por outro lado, o Arguido mostra-se social e profissionalmente inserido, tendo ainda manifestado arrependimento e confessado os factos e não tem antecedentes criminais, o que diminui as exigências de prevenção especial.
Deste modo e ponderando todas as considerações numa visão de conjunto, julga-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas: (…)”. [Segue-se a indicação das penas aplicadas].
Sobre o cúmulo jurídico, o acórdão recorrido a fls. 528, assim debitou:
“Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes pelos quais o Arguido vai condenado encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º do mesmo diploma legal.
Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 24 (vinte e quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão e um limite mínimo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).
Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt.
Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, julga-se adequado condenar o Arguido na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.”
Desde já se dirá que as penas parcelares não merecem reparo situando-se próximo dos limites mínimos.
O recorrente refere na motivação por duas vezes a redução da pena aplicada “a uma pena não superior a cinco anos”, o que acontece a fls. 552 e impondo a medida da culpa do arguido que “a pena não seja superior a 5 anos de prisão”, como diz a fls. 554, mas, a final, na conclusão 22.ª pede que a pena se fixe “em medida não superior a 4 anos”, suspensa na execução, como pede no final da conclusão 22.ª, tendo antes aludido a tal pretensão de medida de substituição, na parte final da conclusão 4.ª.
Vejamos se, mantido o concurso real dos nove crimes por que foi condenado o recorrente, se justifica intervenção correctiva.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e duas modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 2 de Setembro, n.º 40/2010, de 3 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro, n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, n.º 60/2013, de 23 de Agosto, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto, n.º 69/2014, de 29 de Agosto, n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro, Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015, n.º 81/2015, de 3 de Agosto, n.º 83/2015, de 5 de Agosto, n.º 103/2015, de 24 de Agosto e n.º 110/2015, de 26 de Agosto):
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
No caso presente a moldura do concurso é de 3 anos e 6 meses a 24 anos e 8 meses de prisão, tendo sido fixada a pena conjunta de 7 anos e 10 meses de prisão.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.
Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.
Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.
E como referiu o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, a medida da pena única não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração. No mesmo sentido os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª, de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª.
No mesmo sentido, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado (§ 421 págs. 291/2).
No caso presente é evidente a conexão e estreita ligação entre os seis crimes de abuso sexual de criança, consubstanciados em prática de actos sexuais e os demais crimes que terão servido de “antecâmara” àqueles, como os actos exibicionistas, a tirada de fotos, a sua gravação e as mensagens trocadas, revelando a assunção de condutas homótropas, com afinidades e pontos de contacto nas nove situações analisadas.
O conjunto de ilícitos traduz-se em condutas violadoras da liberdade de autodeterminação sexual, do direito da menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso.
As circunstâncias do caso em apreciação apresentam um acentuado grau de ilicitude global, manifestado no número, na natureza e gravidade dos crimes praticados, nos bens jurídicos violados na área dos direitos de personalidade da menor abusada.
Há que ter em conta o elevado alarme social que este tipo de actuações criminosas suscita na comunidade, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral.
No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido carece fortemente de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito, tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes.
A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e interconexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos que no caso a pluralidade emerge de mera ocasionalidade.
No caso presente estamos perante um quadro de nove crimes, sendo oito de abuso sexual de criança e um crime de pornografia de menores, quando a menor tinha 12 anos de idade, todos com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosas.
Na verdade, a facticidade dada por provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a reiteração de condutas, ocorridas num período compreendido entre 12 de Janeiro e 22 de Fevereiro de 2014, restando a expressão de ocasionalidades procuradas pelo arguido.
Há a considerar a ausência de antecedentes criminais, com algum relevo, atenta a idade, o facto de ter confessado integralmente os factos e ter mostrado arrependimento, conforme FP 49 e 50.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 3 anos e 6 meses a 24 anos e 8 meses de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, com similitude do modo de execução de conduta, período temporal da actuação, é de concluir por um elevado grau de demérito da conduta do recorrente, sendo no caso de justificar-se intervenção correctiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça, conferindo uma pena proporcional em relação ao ilícito global.
Ponderados todos os elementos disponíveis, considerando a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, não se estando perante uma situação que espelhe uma “carreira criminosa”, a sequência da prática dos crimes, pondera-se como adequada e proporcional a fixação da pena conjunta em 7 (sete) anos de prisão.
Atenta a medida da pena única ora fixada, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena, por ultrapassado o limiar previsto no artigo 50.º do Código Penal.
Decisão
Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, no que respeita à integração das condutas dadas por provadas na figura de continuação criminosa, mantendo-se o concurso real de nove crimes, e parcialmente procedente no que toca à medida da pena, fixando-se a pena única em sete anos de prisão.
Sem custas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 25 de Novembro de 2015
Raul Borges (Relator)