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DEPOIMENTO DE PARTE
LEGITIMIDADE PASSIVA
DELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário
1- Não se deve afastar o depoimento de parte com base em mera probabilidade de falta de conhecimento directo da factualidade, para mais sem ser sustentada por qualquer circunstância concreta que transforme a mera eventualidade numa convicção legalmente aceitável.
2- O Presidente de Delegação da CV tem legitimidade passiva se na relação jurídica controvertida são-lhe imputadas pelo autor e assim consideradas ilícitas pelo mesmo condutas tanto a título de poderes delegados de direcção e autoridade da entidade patronal como de cariz e motivação somente pessoal.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães
F. C. intentou acção com processo comum contra CV, Delegação de R. da CV e J. A..
Pediu:
“1. Ser declarado que os Réus praticaram assédio moral contra a Autora; e, em virtude disso, devem os Réus serem condenados: a) a tratar a Autora de forma igual e não discriminatória relativamente aos seus colegas de trabalho; b) a respeitar o horário de trabalho da Autora, não procedendo a alterações unilaterais e arbitrárias; c) a respeitar o âmbito funcional da categoria profissional da Autora, atribuindo-lhe exactamente as mesmas funções dos colegas de trabalho em idêntica situação; d) pagar, solidariamente, a quantia de 40.000,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais causados pela prática de assédio moral no local de trabalho; e) pagar ao A. a quantia de 553,22 Euros a título de danos patrimoniais já liquidados, a que acrescerão aqueles que se vencerão no decurso da presente acção; 2. Serem a 1.ª e 2.ª Rés condenadas a pagar à Autora a quantia de 385,35 Euros a título de crédito de horas de formação profissional devida e não prestada; 3. Serem a l.ª e 2.ª Rés condenadas a pagar à Autora os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor, sobre cada uma das rubricas em dívida, até efectivo e integral pagamento.”.
Alegou, para tanto: ser trabalhadora da 1ª R desde 02.05.2001; desde há dez anos, altura em que o 3º R passou a ser presidente da 2ª R, tem sido vítima de assédio moral pelos RR, nomeadamente através daquele; tem direito a ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais, computando estes em 40.00,00€ e aqueles em 553,22€; e, não lhe foi assegurada formação profissional pelo que é credora de 385,33€.
Requereu no final da petição inicial, além do mais:
Foi deduzida contestação pela 1ª e 3º RR pela qual se alegou, em síntese: a 2ª R não tinha personalidade jurídica e judiciária; o R é parte ilegítima porque actua na qualidade de presidente dessa R, não tendo qualquer interesse directo em contradizer; e no sentido da impugnação da factualidade imputada.
Elaborado saneador, decidiu-se:
“(…) Da invocada falta de personalidade judiciária da Delegação de R. da CV: efectivamente, refere o artigo 6º do DL 281/2007 que a CV exerce a sua actividade em todo o território nacional como a única sociedade nacional da CV e, fora do território nacional, no quadro de acção do Movimento Internacional da CV e em qualquer local onde a sua participação seja relevante (n.º 1).
Estabelecendo o nº 2 daquele artigo que a CV assenta a organização territorial em serviços centrais e autónomos, delegações locais e extensões de delegações locais.
De acordo com o disposto 13º do Código de Processo Civil, as delegações podem ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado.
Caso a administração principal tiver sede em país estrangeiro, as delegações estabelecidas em Portugal podem ser demandadas, ainda que a acção derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tiver sido contraída por um português ou um estrangeiro domiciliado em Portugal.
Assim, se a administração principal tem sede em Portugal - como é o caso - as suas delegações só terão personalidade jurídica, activa ou passiva, quando a acção proceda de facto por ela praticado.
Ora, tal como a própria autora configura a acção, a sua entidade patronal é a CV, com quem celebrou o contrato junto à petição inicial sob o n.º 4, alegando a autora várias atitudes da sua entidade patronal que configuram a prática de assédio.
Não havendo dúvidas quanto ao facto de a entidade patronal da autora ser a CV e não a Delegação de R. da CV, conclui-se assistir razão às rés na invocada falta de personalidade daquela Delegação, uma vez que a acção não procede de facto pela Delegação praticado.
Consequentemente, absolvo da instância a ré Delegação de R. da CV (artigo 278º, nº 1, c) do CPC). Custas, nesta parte, pela autora.
Da invocada ilegitimidade do réu J. A.: o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, o qual se mede pelo prejuízo que dessa procedência lhe advenha, sendo ainda que, no silêncio da lei, são considerados como titulares relevantes para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como a acção é prefigurada pelo autor - artigo 30º do actual CPC,
Assim, e na medida em que legitimidade é determinada em função da titularidade da relação material controvertida, esta deverá ser atendida com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial, consagrando deste modo o nosso legislador a tese que era defendida pelo Professor Barbosa de Magalhães.
“A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art. 288º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civi) - que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse directo do autor em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer (art. 26º, nº 1, do mesmo diploma).
Sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art. 26º).
Assim, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram esta"- Acórdão do STJ de 14/10/2004, disponível em www.dgsi.pt.”.
Como acima se referiu, a própria autora configura a acção como sendo emergente da actuação da sua entidade patronal - CV, com quem celebrou o contrato junto à petição inicial sob o n.º 4 - que praticou actos que configuram, no seu entender, assédio.
Quanto ao réu J. A., a autora alega apenas que este é o Presidente da Delegação de R. da CV e que praticou os ditos actos.
Ora, o facto de ser Presidente da Delegação não tem qualquer relevância, desde logo porque a própria Delegação não tem personalidade jurídica. Por outro lado, o facto de ter sido a pessoa que, no entendimento da autora, praticou os factos também não lhe confere no caso legitimidade já que esta apenas pode atribuída à entidade patronal da autora. Assim, julgo o réu J. A. parte ilegítima e, consequentemente, absolvo-o da instância (artigo 278º, nº 1, d) do CPC). Custas, nesta parte, pela autora. (…) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 453.º, n.º 3 e 454.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pode ser requerido o depoimento da parte contrária, quanto a factos pessoais ou de que ela deva ter conhecimento. Por não ser crível que o Sr. Presidente da ré tenha conhecimento directo da factualidade alegada pela autora, indefere-se o requerido.” (…).”
A A recorreu e concluiu:
“1. O despacho de fls., debalde douto, deve ser revogado. 2. Quando ao objecto do presente Recurso, vem este sindicar o despacho proferido pelo Tribunal a quo que i) indeferiu o pedido de depoimento de parte do Sr. Presidente da Ré e que ii) julgou procedente a exceptio de ilegitimidade do Réu J. A..
Concretizando,
3. o Tribunal a quo pronunciou-se pela inadmissibilidade do depoimento de parte do Sr. Presidente da Ré, CV, invocando "não ser crível que o Sr. Presidente da Ré tenha conhecimento directo da factualidade alegada pela autora". 4. No mesmo segmento decisório, absolveu o Réu J. A. da instância por considerar que "o facto de ser Presidente da Delegação não tem qualquer relevância, desde logo porque a própria Delegação não tem personalidade jurídica".
Nesta senda,
5. o Tribunal consignou que "o facto de ter sido a pessoa que, no entendimento da autora, praticou os factos também não lhe confere no caso legitimidade já que esta apenas pode atribuída à entidade patronal da autora".
Isto dito,
6. a Recorrente, sem quebra do respeito sempre devido por douta opinião em contrário, entende que essa decisão é desajustada dos normativos legais positivos aplicáveis in casu.
Ora veja-se:
A- QUANTO AO DEPOIMENTO DE PARTE:
7. Refere o n.º 3 artigo 453.º do Código de Processo Civil que "cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes. " 8. A disposição do artigo 454.º do Código de Processo Civil acrescenta quais os factos sobre que este depoimento pode recair: "1 - O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. 9. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Março de 2010 (13 Processo n.º 180/09.0TVLSB-A.Ll-6, disponível em http://www.dgsipt), sumariou que: "1. Destinando-se o depoimento de parte à obtenção de confissão, tem necessariamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente, sob pena de se transformar o depoimento de parte em testemunho de parte, à revelia das opções do legislador. (…) 3. Facto de que a parte deva ter conhecimento é aquele que é de presumir que ela tenha conhecido, pois o deve do artigo tem o sentido de juízo de probabilidade psicológica e não de conduta ética."
Ora,
10. de acordo com o artigo 13.º dos Estatutos da CV relativo às competências do Presidente Nacional da Ré, cabe ao Sr. Presidente:
"1. O presidente nacional é o responsável máximo da CV, cabendo-lhe assegurar o prestígio, a manutenção, a sustentabilidade, o desenvolvimento e o progresso da instituição, a qual funciona sob a sua orientação e na sua dependência. 2. Sem prejuízo do que esteja ou venha a ser confiado, são competências, obrigações e direitos específicos do presidente nacional: a. Representar, com carácter geral, a CV junto do Governo e de outras entidades públicas e privadas e nas relações com as instituições e os organismos do Movimento Internacional da CV; b. Presidir à direcção nacional e ao conselho supremo; c. Usar do voto de qualidade, em qualquer deliberação em que participe, nos diversos órgãos sociais nacionais; d. Presidir, sempre que os interesses da CV o determinem, às reuniões e sessões dos diversos órgãos locais da instituição em que participe; e. Intervir, no momento em que o tiver por pertinente, em qualquer reunião ordinária ou extraordinária de qualquer órgão social que integre ou em cujas reuniões e sessões participe; f. Supervisionar a execução das deliberações da assembleia geral e, de modo geral, dirigir, impulsionar e coordenar a actividade dos órgãos sociais da instituição; g, Promover e supervisionar a execução das deliberações da direcção nacional; h. Nomear e exonerar os membros da direcção nacional, ouvido o conselho supremo; i. Nomear e exonerar comissões administrativas de delegações locais, enquanto os órgãos sociais das mesmas não sejam designados; j. Nomear e exonerar delegados especiais da CV; l. Delegar, no âmbito das suas competências, os poderes necessários para a execução das actividades da instituição; m. Adoptar, ainda que em prejuízo das competências dos demais órgãos, medidas e disposições de carácter excepcional, na defesa dos interesses, objectivos e princípios da CV; n. Requerer a convocação da assembleia geral e do conselho supremo; o. Representar a CV em juízo ou perante quaisquer instâncias judiciais e comprometer a CV em arbitragens."
In casu,
11. o depoimento do Sr. Presidente da Ré é essencial, principalmente quando incide sobre questões - que visam a confissão por parte da Ré e - que se prendem com o incumprimento pela Ré, de garantias legais dos trabalhadores, designadamente: informação, formação, horário, resposta a queixas e, discriminação e humilhação intencional- como referenciado nos artigos 97.º a 102.º; 155.º; 44.º a 54.º; 107.º a 108.º e; 14.º a 15.º, 19.º a 26.º, 28.º a 33.º, 41.º,105.º a 106.º da Petição Inicial, respectivamente.
Concretamente,
12. tal essencialidade releva, fundamentalmente, quando o depoimento de parte indeferido pelo Tribunal está umbilicalmente ligado ao representante da Ré que, como oportunamente se demonstrou, tem a incumbência de coordenar e zelar pela "orientação e desenvolvimento" da Ré, na qualidade de "responsável máximo", qualidade esta que se torna mais significativa quando confrontada com a efectiva comunicação feita à sua sede, pela intermediação do Departamento de Recursos Humanos, como correctamente enquadra o documento n.º 29 da Petição Inicial, anexo ao artigo 107. º da Petição Inicial. 13. Assim sendo, não será, uma vez mais, desadequado relembrar que a petição inicial enuncia um conjunto de factos ilícitos atentatórios da saúde, segurança e dignidade pessoal e profissional da Autora, perpetradas por, e não exclusivamente, uma "pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa", na vertente de, espante-se, "instituição humanitária não governamental", como asserta o artigo 3.º dos Estatutos da Ré.
Adiante,
14. é jurisprudência assente que o indeferimento do Tribunal no tocante ao depoimento do responsável máximo da Ré será inadmissível quando baseado numa mera pressuposição ou crença do Tribunal, sem justificação aparente.
Face ao antedito,
15. não é a mera crença ou pressuposição, à luz dos argumentos documentais e de competência apresentados, suficientemente densa para que, no momento atual, possa consubstanciar real “juízo de probabilidade psicológica”. A decisão proferida é destituída de sentido, principalmente num sistema Processual Civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fácticos trazidos a juízo, fazendo tábua rasa da última reforma do Código de Processo Civil. 16. Dúvidas não existem para a Recorrente de que a decisão recorrida, ao não admitir o depoimento de parte viola o direito de defesa e do contraditório, na modalidade do direito à prova, que resulta dos artigos 3.º e 4.º do Código de Processo Civil. 17. Em jeito sinóptico, a decisão proferida bem como interpretação normativa nele contida, é claramente violadora do direito (fundamental) à prova, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º e no artigo 202.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, restringindo-o desproporcionadamente, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. 18. No momento processual em que os autos se encontram, é impossível ao Tribunal pugnar e decidir pela impertinência do depoimento de parte e se pronunciar sobre o pretenso conhecimento, pelo que muito mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Neste conspecto,
19. por toda a matéria acima aflorada, deve o douto despacho ser revogado, admitindo, por conseguinte, o peticionado depoimento de parte.
B- QUANTO À LEGITIMIDADE DO SR. J. A.
20. Dispõe o artigo 44.º dos Estatutos da Ré, no que concerne à responsabilidade dos membros da direção das Delegações locais, a qual o Sr. J. A. preside:
“1. Os membros da direcção da delegação local são responsáveis, solidariamente, pelos actos de gerência praticados, excepto quando hajam votado contra a deliberação. 2. A direcção da delegação local pode apenas praticar actos que impliquem a assumpção de obrigações, desde que ao abrigo dos mandatos, genéricos e específicos, conferidos pelo presidente nacional ou pela direcção nacional, sob pena de os seus titulares responderem, pessoal e solidariamente, pelos danos causados à CV e perante terceiros com quem contratarem.”. 21. Ora, os variados atos integrantes do comportamento de assédio moral praticados pelo Sr. J. A., onde se enquadram, nomeadamente, o planeamento da formação profissional da Delegação, alterações no horário, categoria profissional e atuações discriminatórias e de arbitrária humilhação da Autora - referenciado nos artigos 155.º; 44.º a 54.º; 14.º a 15.º; 19.º a 26.º,28.º a 33.º,35.º a 41.º, 97.º a 102.º e, 105.º a 108.º da PI, respectivamente, integram-se no conceito de actos de gerência.
Na verdade, 22. tendo presente que o Sr. J. A., na posição de superior hierárquico da Autora, em virtude da relação de emprego que existe entre o Sr. J. A. e a Ré, ser-lhe-ia lícito, em abstracto, praticar os referidos atos de gerência.
Contudo:
23. prescreve o artigo 15.º do Código do Trabalho no que toca à integridade física e moral, que: "O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral." 24. O artigo 128.º do Código do Trabalho acompanha o estatuído, consagrando como deveres do trabalhador:
"1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; (...) h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos." 25. Estatui o artigo 29.º do Código do Trabalho, relativamente ao assédio:
"1 - É proibida a prática de assédio. 2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior. 4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.
Com efeito,
26. ignorou o Tribunal a quo que, enquanto classificação dogmática, no que se refere aos sujeitos que levam a cabo o mobbing, este poderá ser vertical, quando exercido através da cadeia hierárquica; ou ser definido como horizontal, se os executores são colegas de trabalho; ou definir-se, ainda. como combinado, se o ataque revestir, as duas modalidades enunciadas. 27. Constata-se, pela análise das prerrogativas legais e posições doutrinais citadas e que tais actos serão, em concreto, ilícitos porque atentatórios da saúde e dignidade da Autora, configurando assédio moral.
Como tal,
28. praticou o Sr. J. A. assédio moral, na vertente de assédio vertical, para com a Autora, assédio que é, em acréscimo, discriminatório, uma vez que é motivado pela relação familiar da Autora com o anterior titular do agora cargo do Sr. J. A.. 29. Os actos ilustrativos do assédio moral que a Autora foi alvo pelo Sr. Presidente da Delegação, são imputáveis a título pessoal, tendo o mesmo sido autor dos referidos comportamentos, responsabilidade e actuação essa que, além, de pessoal, visou, como bem se identificou em sede de PI, provocar e criar nos restantes colegas de trabalho da Autora idênticos comportamentos e sentimentos de desprezo e inimizade pela mesma, tentando com os mesmos perpetuar um mais largo e constante ciclo de comportamentos humilhantes, vexatórios e discriminatórias da Autora. Está-se, portante, perante uma responsabilidade não só legal, mas igualmente pessoal do Exmo. Sr. J. A.. 30. Conclui-se, assim, de forma inequívoca, pela legitimidade do Réu. Aferida a autoria do comportamento ilícito, cabe aferir qual a sua consequência na legitimidade processual: A talha de foice, 31. segundo dispõe o art. 30º n.º 1 do Código de Processo Civil, o Réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se tal interesse pelo prejuízo que lhe pode advir da precedência da acção (cfr. n.º 2 do mesmo artigo). Sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor - cfr. n.º 3 do normativo em referência.
Sobre esta problemática,
32. veja-se, o douto entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2012 (14 Processo n.º 2755/10.5TTLSB.L1-4, disponível em http://www.dgsi.pt). "Verifica-se a legitimidade passiva dos superiores hierárquicos e dos colegas de uma trabalhadora que, numa acção igualmente intentada contra a sua entidade empregadora, vem invocar uma situação de assédio moral, consubstanciada numa prolongada perseguição profissional, de que terão sido mentores os seus superiores hierárquicos e executantes seus colegas de trabalho, formulando contra eles um pedido indemnizatório com fundamento em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade. (….) O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial, para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer. Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito. (….) dúvidas não há do interesse em contradizer destes - foi formulado contra eles um pedido indemnizatório com fundamento em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade da Autora, bem como o pedido de condenação a respeitarem, no futuro, os direitos de personalidade da Autora, com a consequente abstenção de actos que os ponham em causa, tendo esses superiores e colegas todo o interesse em contrariar essa posição e essa pretensão da Autora. Daí que não possamos acompanhar a decisão sob recurso, dada a manifesta legitimidade passiva dos referidos Réus." 33. Está por demais demonstrado, tendo em conta os comportamentos de que foi sujeito activo e por os quais é responsável por força dos Estatutos da Ré e das disposições legais que tutelam os direitos de personalidade da Autora já abordados, todos eles devidamente caraterizados na PI, o interesse directo em contradizer do Sr. J. A.. 34. Não obstante, face à versão dos factos apresentada pela A. e à forma como é configurada a acção, o Réu tem, objectivamente, interesse em contradizer, sob pena de poderem vir a arcar com o prejuízo decorrente da procedência da acção, com o que teria, naturaliter, que improceder a dita exceptio de ilegitimidade.
Ad cautelam, mesmo que assim não fosse,
35. sempre se diga que em consonância com o artigo 33.º do Código de Processo Civil, existe uma situação de litisconsórcio necessário, por imposição do próprio regime do Assédio moral, constante do artigo 29.º do Código do Trabalho, anteriormente referenciado.
Mais,
36. a não verificação da reparação integral do dano pelos responsáveis pelo comportamento ilícito, ataca, ainda, gravemente o efeito útil pretendido pela Autora com a propositura da ação aqui em causa - atenta a natureza da relação contratual aqui trazida à colação - uma vez que se houver confirmação do despacho de que se recorre, a juízo final não irá, designadamente, a condenação do Sr. J. A. à abstenção da prática dos atos que configuraram o assédio, não regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Como corolário do exposto,
37. entende a Recorrente que o douto Tribunal de que se recorre, não fez dos segmentos decisórios alvos da presente Apelação, o melhor entendimento de Direito aplicado, violando, entre outros, os artigos 3.º, 4.º, 30,º 33.º, 453.º e 454.º do Código do Processo Civil, os artigos 341.º, 342.º, 346.º e 483.º do Código Civil, artigos 15.º, 28.º, 29.º, 128.º do Código do Trabalho, bem como os artigos 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa, termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado a o despacho proferido.”.
Termina pretendendo o provimento do recurso.
Não se contra-alegou.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer para que não seja conhecido o recurso dada a sua extemporaneidade.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Indagar-se-á da tempestividade do recurso, da admissibilidade do depoimento de parte do “legalmente representante” da 1ª R., se for caso disso das inconstitucionalidades interpretativas, e da legitimidade do 3º R.
Os factos a considerar são os que objectivamente resultam deste relatório.
No seu parecer o Exmº Procurador-Geral Adjunto é conclui pela intempestividade do recurso.
Sem razão.
Os despachos recorridos foram notificados electronicamente em 20.06.2018 e, entretanto, por despacho de 27.06.2018 foi deferida às partes a suspensão da instância pelo período de 30 dias, nos termos do artº 272º, nº 1 do CPC.
Com a suspensão da instância os prazos judiciais não correm atento ao disposto no artº 275º, nº 2 do CPC.
Visto a natureza do processo e dos despachos impugnados o prazo do recurso era de 10 dias (artºs 79º-A nº 2, alªs d) e i), 80º, nº 2 do CPT e 691º, nº 2, alª i) do anterior CPC).
O recurso foi interposto em 05.09.2018.
Assim, ainda, nos termos conjugados dos artºs 132º, nº 1, 137º, nºs 1 e 2, 138º, nºs 1 e 2 e 248º do CPC e 23º e 24º do CPT o recurso foi interposto manifestamente em prazo.
Requerido o depoimento de parte de representante legal da 1ª R, o tribunal a quo, assumindo que seria o Presidente da sua Direcção, o que não foi desmerecido no recurso, indeferiu-o apenas por “não ser crível que o Sr. Presidente da ré tenha conhecimento directo da factualidade alegada pela autora …”.
Não está agora em causa, pois, saber se o depoimento pode ser exigido, ou não, de tal interveniente face à necessária capacidade e poder para dispor dos direitos respeitantes a qualquer facto que possa ser confessado pelo mesmo (artº 353º nº 1 do CC - A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira; e artº 453º, nºs 1 e 2 do CPC - O depoimento de parte pode ser exigido de pessoas que tenham capacidade judiciária; Pode requerer-se o depoimento de maiores acompanhados, de acompanhantes e de representantes de menores, pessoas coletivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que aqueles possam obrigar-se e estes possam obrigar os seus representados).
De qualquer modo, atente-se ao disposto nos artºs 11º, 13º, 17º e 22º do Estatuto dessa R, aprovado pelo DL 281/2007 de 07.08, nomeadamente sobre a capacidade deliberativa e executiva directa acerca dos destinos da mesma do Presidente da Direcção.
Segundo o primeiro normativo “A CV tem, a nível nacional, os seguintes órgãos sociais:
a. O presidente nacional; b. A direcção nacional; c. A assembleia geral; d. O conselho supremo; e. O conselho fiscal.”; reza o segundo que “1. O presidente nacional é o responsável máximo da CV, cabendo-lhe assegurar o prestígio, a manutenção, a sustentabilidade, o desenvolvimento e o progresso da instituição, a qual funciona sob a sua orientação e na sua dependência. 2. Sem prejuízo do que esteja ou venha a ser confiado, são competências, obrigações e direitos específicos do presidente nacional: a. Representar, com carácter geral, a CV junto do Governo e de outras entidades públicas e privadas e nas relações com as instituições e os organismos do Movimento Internacional da CV; b. Presidir à direcção nacional e ao conselho supremo; c. Usar do voto de qualidade, em qualquer deliberação em que participe, nos diversos órgãos sociais nacionais; d. Presidir, sempre que os interesses da CV o determinem, às reuniões e sessões dos diversos órgãos locais da instituição em que participe; e. Intervir, no momento em que o tiver por pertinente, em qualquer reunião ordinária ou extraordinária de qualquer órgão social que integre ou em cujas reuniões e sessões participe; f. Supervisionar a execução das deliberações da assembleia geral e, de modo geral, dirigir, impulsionar e coordenar a actividade dos órgãos sociais da instituição; g. Promover e supervisionar a execução das deliberações da direcção nacional; h. Nomear e exonerar os membros da direcção nacional, ouvido o conselho supremo; i. Nomear e exonerar comissões administrativas de delegações locais, enquanto os órgãos sociais das mesmas não sejam designados; j. Nomear e exonerar delegados especiais da CV; l. Delegar, no âmbito das suas competências, os poderes necessários para a execução das actividades da instituição; m. Adoptar, ainda que em prejuízo das competências dos demais órgãos, medidas e disposições de carácter excepcional, na defesa dos interesses, objectivos e princípios da CV; n. Requerer a convocação da assembleia geral e do conselho supremo; o. Representar a CV em juízo ou perante quaisquer instâncias judiciais e comprometer a CV em arbitragens.; regula o terceiro “1. Compete à direcção nacional da CV a orientação da actividade da instituição e, em especial: a. Administrar e dirigir os assuntos respeitantes à vida e actividade da instituição; (…) c. Aprovar os regulamentos internos; (…) e. Executar e fazer executar as deliberações da assembleia geral; (…) i. Nomear os presidentes das delegações locais, mediante proposta dos conselhos locais de curadores das mesmas delegações ou ponderadas as alternativas de nomeação em presença, no caso de ausência de consenso, naquele órgão, quanto ao nome a propor; j. Nomear e exonerar os delegados regionais; l. Nomear e exonerar os membros das comissões executivas das delegações locais, mediante proposta da direcção da delegação local; m. Exonerar os presidentes das delegações locais, mediante proposta dos delegados regionais, dos respectivos conselhos de curadores ou ouvidos os mesmos; (…) t. Requerer a convocação da assembleia geral e do conselho supremo; u. Deliberar sobre qualquer questão submetida à sua consideração pelo presidente nacional ou por qualquer dos seus membros; v. Praticar os demais actos, cuja prática não lhe esteja cometida pelos estatutos e demais normas aplicáveis à CV e não estejam atribuídos a outros órgãos sociais.”; o último “1. A CV obriga-se perante terceiros: a. Pela assinatura do presidente nacional; b. Pela assinatura de membros da direcção nacional, quando no uso dos poderes que lhe estejam delegados em acta de reunião daquela direcção; c. Pela assinatura de procuradores, nos termos e prazos do mandato outorgado. 2. Os membros da direcção nacional respondem solidariamente pelos actos de gerência praticados, excepto quando hajam votado contra a deliberação.”
Para já não vem igualmente ao caso a matéria para a qual foi indicado o depoimento requerido, ou seja, mais propriamente, no sentido de saber se é apropriada ou não como objecto de inquirição do eventual depoente (artº 452º do CPC - “1 - O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa. 2 - Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair.”; artº 454º do CPC – “1 - O depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. 2 - Não é, porém, admissível o depoimento sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida.”.
Ora neste conspecto não se vislumbra como se pode afastar o depoimento com base numa mera probabilidade, para mais sem ser sustentada em qualquer circunstância concreta que transforme a mera eventualidade numa convicção legalmente aceitável.
Ao menos, cautelarmente, poder-se-ia salvaguardar o exercício do poder/dever de o julgador, em qualquer estado do processo, determinar a comparência das partes, para prestar qualquer esclarecimento ou informação, sobre factos que interessem à decisão da causa conforme determina o citado artº 452º nº 1.
E, se o fim do depoimento de parte é a confissão, pelo que deve incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente, que sejam pessoais, ou de que o depoente deva ter conhecimento (artº 454º, nº l do CPC) definitivamente se alcança que o despacho em causa numa interpretação errada da lei processual posterga direitos processuais de uma das partes essenciais à descoberta da verdade material para a prevenção ou a reparação de direitos substantivos ou para a sua realização coerciva (artº 2º, nº 1 do CPC).
Certo é, por outro lado, que neste caso a revogação do despacho impõem-se sem necessidade de qualquer indagação ao nível da tutela constitucional.
Daí que a final será igualmente ordenada a admissão do depoimento de parte do Presidente da Direcção da 1ª R. sem prejuízo, face ao que foi requerido pela recorrente, do tribunal a quo decidir a matéria a que o mesmo deve ser inquirido.
Vejamos agora a questão da legitimidade do 3º R.
Tudo indica ser Presidente de Delegação da 1ª R, conforme a relação jurídica controvertida configurada pela recorrente.
É apenas um órgão local e regional da 1ª R e tem competências “que, nos termos do mandato que lhes for outorgado, representa(m) a direcção nacional da CV, na respectiva área de jurisdição, a qual é definida no despacho de nomeação” (artº 6º nº 2 do diploma que aprovou os aludidos estatutos e artº 35º destes).
Essa delegação, 2ª R, foi absolvida da instância por despacho não recorrido que considerou faltar-lhe personalidade judiciária para estar em juízo.
Como presidente da Direcção da Delegação ao 3º R competia “a gestão, a nível local, da actividade da instituição”, nomeadamente “dirigir a execução das tarefas próprias da CV, na respectiva área, tendo em conta as orientações dos órgãos nacionais e locais” e “desempenhar as funções que lhe forem expressamente delegadas ou determinadas pela direcção nacional”.(artº 41º dos Estatutos).
Segundo a relação controvertida a recorrente é trabalhadora da 1ª R executando funções no âmbito territorial de tal Delegação. Para além do que se pode extrair dos preceitos estatutários, são imputadas ao 3º R condutas a título de poderes delegados de direcção e autoridade da entidade patronal.
Mas, no alegado, pese embora o contexto organizacional da 1ª R, inclusivamente encontram-se também actos protagonizados pelo 3º R com cariz e motivação somente pessoal com prejuízos de ordem pessoal e profissional, ou seja, com rebate ou sequelas a nível subjectivo e material.
Independentemente deste quadro fáctico ser susceptível de apreciação como violação pela entidade patronal através do 3º R e por este de deveres laborais, de direitos da mesma natureza e de personalidade (artºs 28º, 29º, 15º, 127º do CT e 70º do CC), na verdade são ainda caracterizados tais actos como ilícitos, atribui-se responsabilidade igualmente pessoal ao 3º R e, em consonância, são formulados pedidos contra ele a par dos demais RR, nomeadamente segundo a responsabilidade civil (artº 483º do CC).
Estamos, é certo, perante uma acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho.
Mas nem por isso falece competência aos juízos de trabalho para dirimir questões como a presente ainda que os factos fossem apenas imputáveis ao próprio 3º R enquanto mero trabalhador (artº 126º - “1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (…) h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal; (…) n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente; o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;”).
Como se constata, não é como se refere no despacho recorrido que “quanto ao réu J. A., a autora alega apenas que este é o Presidente da Delegação de R. da CV e que praticou os ditos actos.
Ora, o facto de ser Presidente da Delegação não tem qualquer relevância, desde logo porque a própria Delegação não tem personalidade jurídica. Por outro lado, o facto de ter sido a pessoa que, no entendimento da autora, praticou os factos também não lhe confere no caso legitimidade já que esta apenas pode atribuída à entidade patronal da autora”.
O artº 30º, nº 3 do CPC define quem é o titular do interesse relevante para o efeito de legitimidade: os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurado pelo autor.
Nestes termos não podemos deixar de acompanhar a jurisprudência do acórdão do TRL de 21.03.2012 (procº 2755/10.5TTLSB.L1-4; ww.dgsi.pt), citado pela recorrente:
“É que não restam dúvidas dessa legitimidade.
O réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, que se afere pelo prejuízo que dessa procedência advenha (artº 26º, nºs 1 e 2 do CPC); na falta de indicação de lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como configurada pelo autor (nº 3 do artº 26º do CPC).
É sabido que o legislador da revisão processual do DL 329-A/95 optou pela já conhecida tese de Barbosa de Magalhães mesmo em relação à chamada legitimidade plural. Na tese de Barbosa de Magalhães o objecto do processo não incide sobre direitos ou relações efectivamente existentes, mas sobre um litígio acerca de uma concreta relação jurídica, afirmada pelo autor e negada pelo réu.
Assim, as partes são legítimas se tiverem interesse directo em demandar e interesse directo em contradizer, expressando-se o interesse em demandar na utilidade da procedência da acção e o interesse em contradizer no prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que, na falta da indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. Sendo a legitimidade uma relação entre os sujeitos e o objecto do processo, a natureza puramente hipotética da relação litigiosa não poderá deixar de se reflectir na concepção da legitimidade - cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, 2004, pag. 59.
O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial, para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer.
Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito.
Na hipótese dos autos, a Autora vem invocar uma situação de assédio moral, consubstanciada numa prolongada perseguição profissional, de que terão sido mentores os seus superiores hierárquicos - os Réus CC e DD - e executantes os Réus EE, FF, GG, HH e II, seus colegas de trabalho.
Independentemente de se considerar ou não qualquer conexão entre a relação laboral existente com a Ré BB e a relação material controvertida, em termos de posição relativa da Autora e dos seus superiores hierárquicos e do seus colegas de trabalho, dúvidas não há do interesse em contradizer destes - foi formulado contra eles um pedido indemnizatório com fundamento em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade da Autora, bem como o pedido de condenação a respeitarem, no futuro, os direitos de personalidade da Autora, com a consequente abstenção de actos que os ponham em causa, tendo esses superiores e colegas todo o interesse em contrariar essa posição e essa pretensão da Autora.
Daí que não possamos acompanhar a decisão sob recurso, dada a manifesta legitimidade passiva dos referidos Réus.
(…) Os tribunais do trabalho têm competência em matéria cível para conhecer, para além do mais, “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado…” (artº 85º, al. b), da Lei 3/99, de 13 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), bem como “Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente” (artº 85º, alínea o), da LOFTJ). No Ac. no Ac. do STJ de 15/02/2005 (www.dgsi.pt, proc. 04S3037) refere-se, com toda a clareza e rigor, que: “diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão.
A tal respeito escreveu aquele autor:
«A alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm – trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc.
Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir:
a) da unidade da causa de pedir; b) da relacionação dos diversos pedidos.
Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir – Cod. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 – pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos.
Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade de acções conexas.
Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa. (…)
A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho.
Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais do trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (…) De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos».
Essa conexão, continua aquele autor, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal”.
No caso que nos ocupa, sempre haveria que reconhecer a conexão, com os contornos supra descritos: estamos perante a alegação de uma situação de perseguição profissional, que, segundo a Autora, terá sido levada a cabo por acção conjunta de diversos agentes- empregador, superiores hierárquicos e colegas de trabalho -, verificando-se uma clara unidade não só da causa de causa de pedir como do próprio pedido.
Assim, desde logo por esta alínea estaria reconhecida a competência material, no caso que nos ocupa.
Isto se não se concluísse, como parece imperioso que se faça, que a situação cabe, sem margem para dúvidas, na al. h) do artº 85º da LOFTJ, segundo a qual o tribunal do trabalho é competente para tratar “Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de actos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal”).
E a violação dos direitos de personalidade não pode deixar de ser considerada como um acto ilícito.
Mas mais: salvo melhor opinião, a situação dos autos encontra pleno cabimento nas hipóteses previstas nos artºs 186º-D a 186-F do Código de Processo do Trabalho, regulando estes os termos do processo especial destinado à “Tutela da personalidade do trabalhador”, assim dando seguimento processual ao que, a este respeito, se prevê no Código do Trabalho.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de Lisboa de 6/10/2010 (em que o aqui relator interveio como adjunto), disponível em www.dgsi.pt, a previsão, pelo Código do Trabalho, de alguns preceitos que respeitam aos direitos de personalidade, tanto do empregador, como do trabalhador (artºs 15º a 21º do CT de 2003 e 14º a 22º do CT de 2009), reforçam a noção de que a pessoa é simultaneamente cidadão e trabalhador subordinado ou empregador. “Com efeito, o trabalhador mantém intactos os seus direitos como cidadão a que não renuncia pelo contrato de trabalho, ou seja, “a cidadania não fica à porta da empresa” nas expressivas palavra de Juan Escribano Gutierrez, citado pelo Professor Júlio Gomes, no seu “Manuel de Direito do Trabalho” Vol. I, no capítulo sobre os direitos de personalidade, págs. 265 a 384, páginas que, concentrando inúmeras referências ao direito comparado, nos serviram de reflexão, ver ainda, de Guilherme Machado Dray, “Direitos de Personalidade”, com especial relevo na parte relativa ao Código do Trabalho, Almedina 2006, pág. 61 e sgts”.
Sendo indiscutível que, nestas hipóteses, se verifica a competência material do tribunal do trabalho.
O referido processo especial deverá ser seguido nos casos previstos no artº 186º-D:
“O pedido de providências destinadas a evitar a consumação de qualquer violação dos direitos de personalidade do trabalhador ou atenuar os efeitos da ofensa já praticada é formulado contra o autor da ameaça ou ofensa e, igualmente, contra o empregador.“
Prevê-se, assim, uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre empregador e o autor ou autores da ameaça ou da ofensa da personalidade do trabalhador, entre os últimos se incluindo, naturalmente, os co-trabalhadores e os superiores hierárquicos.
E, contrariamente ao defendido pela Autora- apelante, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que os pedidos formulados na presente acção têm pleno cabimento naquela previsão legal do citado artigo: o pedido de indemnização não deixa de ser uma forma de atenuação dos efeitos da ofensa já praticada, e a Autora também formulou o pedido de que os apontados responsáveis se abstenham de praticar, para futuro, actos violadores dos seus direitos de personalidade.
Deveria, assim e em nossa modesta opinião, ter sido adoptada a forma do processo especial prevista nos artºs 186º-D a 186-F do CPT, e não a forma de processo comum. Todavia, tal questão não é objecto de recurso, cabendo à 1ª instância, se assim o considerar, apreciá-la em momento oportuno.
Mesmo que se entendesse em sentido contrário, ou seja, de que aos pedidos formulados corresponde não essa acção especial mas a forma de processo comum, ainda assim não se alteraria a conclusão de competência a que chegámos: para além do que já se disse a propósito da competência por conexão e do que resulta da al. h) do artº 85º da LOFTJ , não faria sentido, por claro desrespeito pela unidade do sistema jurídico, que o tribunal do trabalho fosse competente para apreciação dessa acção especial e não o fosse em relação a qualquer acção com processo comum em que se formulasse, contra a entidade empregadora e eventuais outros autores da violação do direitos de personalidade do trabalhador, pedidos de idêntica natureza aos formulados na presente acção.”.
Pelo predito, então, deve ser revogado o despacho que considerou o R J. A. parte ilegítima por o mesmo ter legitimidade passiva face à relação material controvertida dos autos.
Sumário, da única responsabilidade do relator
1- Não se deve afastar o depoimento de parte com base em mera probabilidade de falta de conhecimento directo da factualidade, para mais sem ser sustentada por qualquer circunstância concreta que transforme a mera eventualidade numa convicção legalmente aceitável.
2- O Presidente de Delegação da CV tem legitimidade passiva se na relação jurídica controvertida são-lhe imputadas pelo autor e assim consideradas ilícitas pelo mesmo condutas tanto a título de poderes delegados de direcção e autoridade da entidade patronal como de cariz e motivação somente pessoal.
Decisão
Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente o recurso pelo que:
revogam a decisão que indeferiu o depoimento de parte do Presidente da Direcção da 1ª R, nestes termos ordenando-se a sua admissão, sem prejuízo do tribunal a quo decidir a matéria a que deve ser inquirido face ao que foi requerido pela recorrente;
revogam o despacho que considerou o R J. A. parte ilegítima já que o mesmo tem legitimidade passiva na presente lide.
Custas pela parte vencida a final.
*****
O acórdão compõe-se de 20 folhas, com os versos não impressos.