VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
EXTORSÃO
CONCURSO EFECTIVO
PENA
Sumário


I) Existe concurso efectivo entre os crimes de violência doméstica e de extorsão, uma vez que se trata de dois tipos legais que para além de tutelarem bens jurídicos completamente diferentes, não integram comportamentos dominados por um mesmo desvalor jurídico-social.

II) Na verdade, no ilícito de extorsão não existe uma intenção de prejudicar a saúde ou de domínio sobre a vítima, mas apenas a de obter um enriquecimento ilegítimo por a constranger a uma disposição patrimonial, enquanto o ilícito de violência doméstica pressupõe várias formas de violência.

Texto Integral


Relatora: Maria Isabel Cerqueira
Adjunto : Fernando Chaves

Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:

Relatório

Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo, que correram termos pelo Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 3, da comarca de Braga, foi o arguido S. P., por douto acórdão de 7/11/2018, condenado (fls. 257 a 277) pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º n.ºs 1 alínea d), 4, 5 e 6 do Código Penal (a partir de agora, apenas designado por CP), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, a proibição de contactos com a assistente pelo período de 3 anos, e a frequentar o Programa de Prevenção de Violência Doméstica.

Foi ainda condenado a pagar à assistente M. R. a quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos.

Mais foi o arguido absolvido da prática de dois crimes de extorsão ps. e ps. pelo n.º 1 do art.º 223º do CP, um deles na forma tentada, que lhe eram imputados na acusação, por o tribunal a quo considerar que verificando-se uma relação de especialidade estes crimes estavam consumidos por aquele pelo qual foi condenado. O tribunal a quo declarou ainda cessadas todas as medidas de coacção que tinham sido aplicadas ao recorrido.

Daquela douta sentença interpôs o M.P. o presente recurso (fls. 290 a 296), restrito a matéria de direito por considerar que entre os crimes supra referidos se verifica um concurso real, devendo o recorrido ser condenado pelos 2 crimes de extorsão em penas de prisão não inferior a 1 ano e outra não inferior a 6 meses, e em cúmulo jurídico, com a pena relativa ao crime de violência doméstica, na pena única de 4 anos de prisão, mantendo-se a suspensão da execução da pena.

Mais se insurge o recorrente com a cessação da medida coactiva de TIR, por esta, nos termos da alínea e) do art.º 214º do Código de Processo Penal (a partir de agora apenas referido como CPP), apenas se extinguir com a extinção da pena, pelo que, deve ser mantida.

O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 327, no qual se pronuncia pela total procedência do recurso interposto.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.

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Na decisão recorrida, foram considerados provados os seguintes factos (que se transcrevem integralmente, mas apenas estes, por estar em causa exclusivamente matéria de direito):

a. O arguido S. P. é filho de M. R., residido na mesma habitação, sita na Rua dos …, desde … de … de 2017.
b. M. R., nasceu em .. de … de 1957, sendo invisual, apresentando por tal razão e por força da idade dificuldade em locomover-se e pouca destreza física.
c. O arguido, desde que reside com M. R., passou, em ocasiões não concretamente determinadas, mas que ocorrem pelo menos duas vezes por semana, na residência comum, a dizer, para a sua progenitora M. R., “nunca mais morres sua puta, cega” e “qualquer dia pego fogo à casa e mato-te”, bem como a abanar-lhe a cama com as mãos, quando aquela se encontra na mesma, ao mesmo tempo que lhe diz “nunca mais morres sua puta”.
d. Assim, no dia .. de .. de 2017, por volta das 14h00, na residência comum, o arguido pediu a M. R. €: 5,00, tendo aquela se negado a dar-lhos. Perante a recusa, o arguido revoltou-se, tendo agarrado nos braços de M. R. e abanado várias vezes o seu corpo, dizendo-lhe que lhe partia o focinho se não lhe desse dinheiro.
e. Não lhe tendo M. R., ainda assim, dado dinheiro, o arguido colocou-a fora de casa, vendo-se aquela obrigada a ligar para a GNR, que compareceu no local e voltou a coloca-la no interior da residência.
f. Nas mesmas circunstâncias, o arguido apodou, ainda, M. R. de “puta da merda”, “vaca da merda”, “cega da merda”.
g. No dia .. de … de 2017, a hora concretamente não determinada, na cozinha da habitação, o arguido pediu a M. R. dinheiro para comer. Tendo-lhe M. R. dado €: 10,00, o arguido pegou na nota e rasgou-a.
h. Na mesma ocasião, o arguido também disse a M. R., que era uma velha e que nunca mais morria, tendo-lhe chamado “puta da merda”, “vaca da merda”, “cega da merda”.
i. No dia .. de … de 2017, no início da manhã, estando M. R. deitada na cama, o arguido abeirou-se da mesma e abanou com a cama, após o que lhe desferiu vários murros no corpo.
j. No dia .. de … de 2017, no início da manhã, o arguido pediu dinheiro a M. R., tendo aquela lhe dado €: 5,00. Chateado, por a M. R. apenas lhe ter dado tal quantia, o arguido, quando M. R. ia a sair do seu quarto, deu-lhe com a porta no rosto, acertando-lhe no sobreolho direito.
k. Tendo M. R. começado a gritar com dores, o arguido tapou-lhe a boca com as mãos ao mesmo tempo que lhe disse “cala-te puta”.
l. No dia .. de … de 2018, durante a tarde, em casa, o arguido pediu novamente €: 10,00 a M. R.. Tendo aquela dito que não lhe dava, o arguido disse que se matava e que deitava fogo à casa se não lhe desse dinheiro, tendo M. R., com medo dado o dinheiro ao arguido.
m. Como consequência directa e necessária dos factos acima relatados sofreu, M. R. dores físicas e mal-estar.
n. Todos estes factos foram praticados pelo arguido com o propósito concretizado de deixar M. R. num clima de constrangimento e terror permanentes, impedindo-a de reger livremente a sua vida.
o. E assim, ainda como consequência directa e necessária da sua conduta, deu causa o arguido a que M. R. se sentisse num permanente estado de terror, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar, nomeadamente em relação a si, vivendo, ainda, vexada, pelos nomes com que aquele a apodou.
p. O arguido ao proceder do modo descrito agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, logrado alcançar, de atingir na honra, integridade física e consideração M. R. e de lhe causar medo e inquietação, cerceando-o na sua liberdade, nela causando, por efeito das acções que prosseguiu, mau trato psicológico.
q. Ao praticar os factos descritos o arguido agiu, ainda, com o intuito de obter para si vantagem patrimonial que sabia ser indevida e causar prejuízo a M. R., o que conseguiu no dia .. de … de 2018, criando para o efeito a ideia que atentaria contra a integridade física, vida e bens daquela, caso a mesma não acedesse à sua vontade.
r. Não logrou concretizar tal propósito no dia … de … de 2017, por razões alheias à sua vontade e apesar da violência exercida contra M. R..
s. Não desconhecia o arguido a relação de parentesco que o une a M. R., bem como que esta em razão do facto de ser invisual, da sua idade e das limitações da mesma resultante, não possui destreza e robustez física que lhe permita obstar à sua actuação e, não obstante, não se absteve de agir do modo.
t. Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei.
u. FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DO RELATÓRIO SOCIAL DO ARGUIDO

S. P. é o único filho de um casal de modestos recursos.

A dinâmica familiar apresentava alguns problemas funcionais relacionados com os hábitos etílicos do pai, as limitações de saúde da progenitora, por ser invisual e o comportamento irreverente do arguido, desde a infância. Foi institucionalizado, a pedido dos progenitores, no Colégio de … em Braga, quando contava com cerca de 7 anos de idade, instituição na qual permaneceu até aos 19 anos de idade.

Habitualmente passava os fins-de-semana junto da família de origem, facto que o arguido descreve como pouco gratificante, expressando sentimento de revolta e mágoa por ter sido institucionalizado, responsabilizando sobretudo a mãe por tal decisão.

O pai faleceu quando tinha cerca de 12 anos de idade, referindo-se á figura paterna com distanciamento afetivo.

Ingressou no sistema de ensino idade regulamentar, no meio de origem, revelando adequadas competências intelectuais, mas prejudicado pela instabilidade comportamental e ausência não autorizadas do espaço escolar.

Em meio institucional efetuou um percurso escolar adequado e com relativo sucesso, tendo concluído o curso de Técnico de Design de Equipamentos, equivalente ao 12º ano de escolaridade, aos 19 anos de idade.

Regressou ao agregado da progenitora, nessa altura, revelando dificuldades de adaptação ao contexto familiar, sendo o relacionamento com mãe pautado por divergências frequentes, habitualmente relacionadas com as dificuldades de inserção laboral e manutenção de enquadramento profissional por parte do arguido.

S. P. iniciou o percurso profissional por volta dos 20 anos, na apanha de morangos, a título sazonal. Posteriormente desenvolveu trabalhos ocasionais e indiferenciados, alternando com períodos de inatividade.

Emigrou para os Estados Unidos da América aos 22 anos, para junto dos tios maternos com quem viveu durante três anos. Nesse país desenvolveu atividades indiferenciadas de modo irregular (restauração, construção civil, carpintaria, entre outras), revelando sempre dificuldades em manter o posto de trabalho.

S. P. refere ter sido deportado pelos serviços de imigração dos EUA, em outubro de 2017, após ter estado detido algumas semanas, por se encontrar em situação irregular naquele país, segundo expressa.

Chegado a Portugal, não quis regressar ao meio de origem, tendo sido integrado no … - Centro de Acolhimento e Emergência Social …, em Braga, no entanto revelou dificuldades de adaptação e de cumprimento das regras e abandonou o centro de acolhimento no início de Novembro de 2017, tendo regressou à residência da progenitora.

S. P. refere ter iniciado o consumo de haxixe na adolescência, hábito que tem mantido ao longo do tempo, a título recreativo.

À data dos factos que deram origem ao presente processo, o arguido integrava o agregado da progenitora, residente em habitação própria inserida em meio rural.

O arguido refere uma relação conturbada com a progenitora, mantendo presentes os sentimentos de revolta e de abandono na infância por parte da mãe. Segundo a ofendida e outros familiares, o relacionamento entre ambos é condicionado negativamente pela ausência de hábitos de trabalho do arguido, na medida em que o mesmo perpetua a sua dificuldade em manter o posto de trabalho para além de alguns dias, com consequências ao nível financeiro. Quando confrontado e contrariado, o arguido habitualmente reage intempestivamente.

S. P. evidencia absentismo laboral significativo, apesar de ter facilidade em obter emprego e lhe ser atribuída competência e eficácia nas tarefas que executa, mas abandona por regra os postos de trabalho após poucos dias de trabalho.

Economicamente refere viver dos parcos rendimentos provenientes dos trabalhos ocasionais que vai executando e com algum apoio da progenitora ao nível alimentar.

A mãe é reformada por invalidez, tendo como única fonte de rendimento as pensões de reforma e de sobrevivência por viuvez no montante mensal aproximado de 400€, assegura as despesas da habitação, de saúde e a mensalidade do Centro de Dia que frequenta, num montante global mensal de 275€.

Após os factos que deram origem aos presentes autos o arguido passou a ocupar o primeiro andar da habitação e a mãe o rés-do chão, sendo a interação entre ambos, escassa e sem incidentes nos últimos meses.

O arguido apresenta rotinas centradas na premência na habitação, evidenciando tendência para o isolamento social, à exceção do convívio pontual em alguns cafés.

Mantém hábitos de consumo recreativo de haxixe, desvalorizando eventuais efeitos nefastos e recusando qualquer tipo de intervenção terapêutica.

S. P. manifesta uma postura ambivalente, face ao presente processo, oscilando entre a angústia e a revolta.

Quando abordados factos similares, mas apenas em termos abstratos, o arguido reconhece a sua ilicitude, gravidade e avalia adequadamente os eventuais danos para potenciais ofendidos.

Insere este contacto com o sistema judicial dentro do contexto específico e pontual da relação com a mãe, admitindo o arguido alguma dificuldade de auto controlo.

Em caso de condenação, o arguido manifestou-se resistente para o cumprimento de uma sanção de execução na comunidade.

S. P. cresceu num contexto familiar adverso, tendo sido exposto a situações disfuncionais desde a infância. Efetuou o seu trajeto infanto-juvenil institucionalizado em Lar de infância e juventude, situação sobre a qual revela sentimentos de revolta e abandono, que sobretudo dirige à mãe.

Habilitado com o ensino secundário pela via profissional e dotado de competências profissionais, tem revelado um percurso profissional irregular e indiferenciado, sujeito a grande mobilidade e absentismo.

Encontra-se desempregado e sem perspetivas de reintegração profissional formal, pelos que os seus rendimentos estão dependentes de trabalhos incertos.
Vive votado a um certo isolamento social e sem uma rede de sociabilidade e/ou familiar consistente.

Mantém a proximidade habitacional com a progenitora, cujo relacionamento apesar de mais apaziguado se mostra vulnerável.

Assim, na eventualidade de condenação, consideramos que o arguido apresenta necessidade de intervenção específica direcionadas para a inserção profissional regular, interiorização do desvalor da conduta e sujeição a avaliação médico-psiquiátrico e eventual acompanhamento na especialidade, se clinicamente considerado.

v) Do CRC do arguido nada consta

FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DO PEDIDO CÍVEL

a) A ofendida é pessoa educada, sensível e recatada, respeitadora e respeitada por todos, no seu circulo social;
b) A demandante encontra-se numa situação de grande fragilidade emocional, devido aos seus problemas de saúde e à sua condição de invisual, razão pela qual os comportamentos do arguido lhe provocam um temor acrescido, e atingem gravemente a sua dignidade pessoal e social.

FACTOS RESULTANTES DA INSTRUÇÃO DA CAUSA:

- Na sequência de novos desacatos perpetrados pelo arguido em 18/07/2018, foi instaurado um novo inquérito, que corre termos pela 2ª seção do DIAP de Braga, com o nº 268/18.6GBPVL, no âmbito do qual lhe terá sido aplicada a medida de coacção de proibição de contactos ou de não permanecer na residência onde habita a vítima.
- Entretanto, foi dada notícia aos autos de que, não obstante a medida de coacção aplicada, o arguido continuou a viver na mesma casa da Assistente.
- O arguido foi ouvido nestes autos, em 09 de Agosto de 2018, no âmbito do qual lhe terá sido aplicada a medida de coacção de proibição de contactos com a ofendida, sob pena de não o fazendo, ver agravado o seu estatuto processual.
- Atualmente, o arguido e a ofendida vivem em partes diferentes da casa, mas não voltaram a ter desacatos;
- O arguido recusou a sujeição a qualquer tratamento médico;
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Fundamentação de facto e de direito

A única questão a decidir é se o crime de violência doméstica consome os crimes de extorsão, um deles na forma tentada, que eram imputados ao recorrido e que inequivocamente estão integrados pelas condutas respectivamente descritas em l e d (e ambos também em q), por embora protegendo o segundo o bem jurídico património, se colocar nele “…o acento tónico na tutela da liberdade de disposição patrimonial”, sendo a acção típica o constrangimento da vítima, que pode ser exercido com violência.

Assim, foi decidido em 1ª instância, considerando que se verifica uma relação de especialidade do crime de violência doméstica relativamente ao crime de extorsão simples, solução da qual o M.P. discorda por considerar que sendo o bem jurídico protegido pelo primeiro daqueles crimes a saúde da vítima, “…bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental” (citação na motivação do recurso de Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense), existe concurso efectivo entre este e aquele segundo crime que protegendo o património visa garantir a liberdade de disposição patrimonial.

Ora, e concordando-se que o bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é a saúde, como diz Plácido Conde Fernandes “enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos…” (Revista do CEJ – Número 8 (Especial)), e que o bem jurídico que o crime de extorsão visa proteger é o património, não concordamos que entre este e aquele se verifique um concurso aparente, por se verificar uma relação de especialidade entre os dois tipos legais.

Como diz o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, a fls. 1005 da 2ª Edição, “…esta figura do concurso de crimes, à primeira impressão, unitária, se divide em duas categorias: a do concurso efectivo, puro ou próprio, em que se verifica uma pluralidade de sentidos de ilícito do comportamento global; e a do concurso aparente, impuro ou impróprio, em que, no comportamento global, se verifica uma absoluta dominância ou prevalência de um sentido de ilícito sobre outro ou outros sentidos de ilícitos concorrentes, mas assim, dominados, dependentes ou acessórios.”

Aqueles dois tipos legais para além de protegerem bens jurídicos completamente diferentes, não integram comportamentos dominados por um mesmo desvalor jurídico-social, mas sim comportamentos que revelam “uma pluralidade segura de sentidos de ilicitude jurídico-socialmente relevantes” (mesma obra), pelo que, se encontram numa situação de concurso efectivo, como aliás parece ser o entendimento do nosso STJ que em caso semelhante, confirmou a condenação por aqueles crimes, em concurso real, no Acórdão 5/06/2012 (Conselheiro Oliveira Mendes in www.dgsi.pt).

Pressupondo a violência doméstica vários formas de violência, uma delas o abuso económico (ver neste sentido, E-book do CEJ, Violência doméstica- 2006, pág. 32), este nada tem a ver com o constrangimento da vítima a uma disposição patrimonial, mas sim “a uma forma de controlo através do qual o agressor nega a vítima o acesso a dinheiro ou mesmo a bens de necessidade básica…”, como forma de manter a relação de domínio que caracteriza aquele fenómeno, e que se verifica nos crimes que habitualmente são citados, quer na jurisprudência, quer na Doutrina, como estando em concurso aparente com o de violência doméstica, tais como os de ofensas à integridade física, ameaça, coacção, perseguição, sequestro, coacção sexual, lenocínio, importunação sexual (todos eles na forma simples), como se diz naquele e-book a fls. 102, mas nunca com o crime de extorsão, em que não existe uma intenção de prejudicar a saúde ou de domínio sobre a vítima, mas apenas a de obter um enriquecimento ilegítimo por a constranger a uma disposição patrimonial.
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Estando os crimes em causa, numa relação de concurso efectivo, importa fixar a medida da pena dos crimes de extorsão um deles na forma tentada cometidos pelo arguido.

Àquele crime, na sua forma consumada, corresponde em abstracto, a pena de prisão até 5 anos ou multa, correspondendo ao cometido na forma tentada a pena de prisão até 3 anos e 4 meses de prisão ou multa até 240 dias.

A escolha e a medida da pena têm de fazer-se de harmonia com o disposto nos art.ºs 40º, 70º e 71º do CP, ou seja, em função da culpa do agente, sem nunca a poder ultrapassar, e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração daquele.

Por sua vez, o art.º 70º estabelece o princípio da prevalência das penas não detentivas da liberdade, impondo a opção por estas, desde que realizem “…de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

As finalidades da punição são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e no caso concreto, como se diz no acórdão recorrido, sentença recorrida, são muito intensas as exigências de prevenção geral, tendo em conta o elevado número de crimes desta natureza cometidos no nosso País com as graves consequências que têm e o alarde social que provocam, e as razões de prevenção especial assumem alguma acuidade, designadamente, face ao referido novo “desacato” provocado pelo arguido

Ora, “A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas…” (Comentário ao Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque, anotação ao art.º 70º, e no mesmo sentido, Jurisprudência e Doutrina ali citadas), pelo que, atendendo às razões supra expostas, só a aplicação de uma pena de prisão se mostra adequada e suficiente, no caso sub judice, à realização dos fins das penas.

Na verdade, a pena de prisão, como diz Figueiredo Dias citado na obra referida em anotação ao art.º 40º, visa a prevenção geral positiva, ou de protecção de bens jurídicos, fornecendo “…uma moldura de pena dentro de cujos limites actuam considerações de prevenção especial, constituindo a culpa o limite máximo da moldura e a defesa da ordem jurídica o limite mínimo da moldura.”.

Assim, impõe-se a aplicação de penas de prisão relativamente aos crimes de extorsão consumado e tentado, e atendendo, à intensa culpa do recorrido, que agiu com dolo directo, e exigindo dinheiro com grande violência à mãe que é invisual, entendem-se como adequadas e proporcionadas as penas de 10 meses ano e 5 meses de prisão, relativamente àqueles crimes, e ponderados, de novo, nos termos do n.º 1 do art.º 77º do CP, os factos e a personalidade do arguido no seu conjunto, na pena única de 4 anos de prisão (cumuladas estas com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, que lhe fora aplicada em 1ª instância, pela prática do crime de violência doméstica), que não excede a sua intensa culpa, e cuja suspensão da execução se mantém, e sujeita a regime de prova, por se entender, sobretudo tendo em conta que não tem antecedentes criminais, que a simples censura do facto e ameaça da pena são suficientes para afastar o recorrente de novos crimes.
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No acórdão de 1ª instância certamente por mero lapso foram declaradas cessadas todas as medidas cautelares aplicadas ao arguido, mas o termo de identidade e residência só cessa com a extinção da pena (art.º 214º n.º 1 alínea e) do CPP), pelo que, terá aquele que ser revogado nesta parte
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Decisão

Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar procedente o recurso interposto, e em consequência em:

1 - Condenar o arguido S. P., pela prática, em concurso real, de um crime de violência doméstica, com dois crimes de extorsão, um deles na forma tentada, respectivamente ps. e ps. pelos art.ºs 152º n.ºs 1 alínea d), 4, 5 e 6, e 223º n.º 1 do CP, nas penas parcelares respectivas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (que foi aplicada em 1ª instância) de 10 (dez). e 5 (cinco) meses de prisão , e em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e sujeita a regime de prova.
2 – Revogar a declaração de cessação do TIR prestado nos autos pelo arguido, que se mantém, nos termos do alínea e) do n.º 1 do art.º 214º do CPP, e mantendo no mais a douta decisão recorrida (penas acessórias e indemnização civil).
Sem custas.
Guimarães, 25 de Março de 2019