EXECUÇÃO DE ENTREGA DE IMÓVEL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
Sumário


Sumário (da relatora):

I. No âmbito dos arts. 861º, n-º 6 e 863º, n.º 3, ambos do C.P.C., são requisitos para a suspensão da execução de entrega de imóvel: (i) tratar-se da casa de habitação principal do executado; (ii) apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução; iii) e indicar o dito atestado médico que a realização da diligência coloca em risco de vida, por doença aguda, a pessoa que se encontra no local.

II. Doença aguda significa doença súbita e inesperada, isto é, que tem um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte num curto espaço de tempo, em regra inferior a três meses; e distingue-se de episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições, que não põem em risco, num prazo curto, a vida o doente, não consubstanciando por isso emergência médica.

III. O diferimento de desocupação de imóvel previsto no art. 864º do C.P.C. constitui um meio de tutela excepcional, por consubstanciar uma restrição ao direito de propriedade, estando reservado aos casos nele previstos (ou seja, de execução para entrega de casa de habitação arrendada), e se verificados os pressupostos nele exigidos; e, por isso, não pode ser aplicado à entrega de imóvel adquirido em processo executivo, por não permitir aplicação analógica, nem se estar perante lacuna da lei, que justificasse a sua aplicação extensiva.

IV. A promoção e defesa do direito à habitação, consagrado no art. 65º, n.º 1 da C.R.P., como direito social que é, compete ao Estado, e não aos particulares; não sendo um direito absoluto, não se sobrepõe a todo e qualquer direito, nomeadamente ao de propriedade (conforme art. 824º, n.º 2 do C.P.C.); e não se confundindo com o direito a ter casa própria, compreende-se que o legislador ordinário não tenha estabelecido a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas consagrado algumas salvaguardas da mesma (conforme art. 751.º, n.º 3, als. a) e b), do C.P.C.).

V. A situação de carência económica do executado, que veja vendida em acção executiva a sua casa de morada de família, tem de ser resolvida através de mecanismos da área da assistência social, accionados nos termos do art. 861º, n.º 6, in fine, do C.P.C.; e sem que, porém, o adquirente daquele imóvel possa ser onerado com a inércia ou a incapacidade das ditas entidades assistenciais, no realojamento do executado, nomeadamente por ser forçado a aguardar este para obter a entrega a que tem direito.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Lino (…) (aqui Recorrente) e Maria (..), residentes no Largo (..), em Vila Real, requereram nos autos principais (acção executiva para pagamento de quantia certa, movida por Maximino (…), residente na Rua (…), …, em Vila Real, contra Dulce (…), residente na Rua D. (…), …, em Vila Real, e contra Maria (..), residente no Largo da (…) …, em Vila Real), que

· a entrega de um imóvel (que melhor identificaram) aguardasse que lhes fosse assegurada, pelas entidades competentes, uma habitação social digna; ou (subsidiariamente) que a dita entrega fosse diferida, por um prazo razoável, não inferior a seis meses.

Alegaram para o efeito, e em síntese, constituir o dito imóvel a sua casa de morada de família, onde residem com uma filha menor e estudante; e não terem condições económicas para custearem uma nova habitação, já que ambos se encontram desempregados, e só o Requerente (Lino (…)) aufere a esse título um subsídio mensal, de € 858,00, único rendimento do agregado.

Mais alegaram que a parte remanescente desse montante (isto é, não penhorada nos autos principais), de € 558,00, é integralmente consumida na satisfação das suas outras necessidades de sobrevivência, que discriminaram, onde se incluem diversas e relevantes despesas de saúde.

1.1.2. (..) Banco, S.A. (aqui Recorrida), com sede na (…), em Lisboa, credora e adquirente do imóvel em causa (na acção executiva que constitui os autos principais), pediu que se indeferisse o incidente deduzido (de diferimento de desocupação), e se ordenasse a entrega imediata das chaves do dito imóvel.

Alegou para o efeito, em síntese, que sendo credora reclamante nos autos principais (por falta de pagamento, desde 2009, pelos Requerentes, das prestações do crédito à habitação contraído por eles junto de si), que deram entrada em juízo em 2009, foi desde logo penhorado o dito imóvel, indicado em Maio de 2016 o valor base para a sua venda, e adjudicado o mesmo em 09 de Fevereiro de 2018.

Mais alegou não lhe ser exigível que continue por mais tempo sem a respectiva posse, sem que, entretanto tenha ocorrido qualquer pagamento do seu crédito, e possuindo os Requerentes outros imóveis (igualmente penhorados nos autos principais), não cabendo ainda ao Agente de Execução andar à procura de casa para eles, junto da Câmara Municipal ou da Segurança Social (mormente, face à anterior e continuada inércia dos próprios interessados).

1.1.3. Foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o pedido de diferimento de desocupação, por falta de fundamento legal, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o pedido de diferimento da desocupação, determina-se, no entanto, que nos termos do disposto no artigo 861º, nº 6 do CPC, o SAE comunique à Câmara Municipal, à Segurança Social e às demais entidades competentes a necessidade de realojamento dos executados.
Custas do incidente no mínimo legal, sendo ½ a cargo dos executados, e ½ a cargo do exequente, atento o decaimento de ambos.
Notifique, ainda ao SAE, e registe.
(…)»

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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Requerente (Lino (…)) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por outro que determinasse que a entrega aguardasse que fosse assegurada uma habitação social digna, a ele próprio e à co-Executada (Maria (…)).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - O Tribunal “a quo” indeferiu o incidente de deferimento da desocupação, mas determinou que o SAE comunique à Câmara Municipal, à Segurança Social e às demais entidades competentes a necessidade de realojamento dos Executados.

2 - O que fundamentou nos termos do disposto no artigo 861.º n.º 6 do CPC e, bem assim, no bom senso e na prudência «havendo que ter consciência que está em causa a casa de morada de família dos executados, que são seres humanos, com família, com filhos menores».

3 - O Tribunal “a quo” não foi explícito, nem determinou expressamente que a entrega deve aguardar que seja assegurada uma habitação social digna para os Executados pelas entidades competentes, o que foi requerido pelos Executados, e se impunha.

4 - No caso em que se suscitam sérias dificuldades no realojamento dos Executados, o que o Tribunal “a quo” entendeu verificar, a lei determina que “o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” – Artigo 861.º n.º 6 do CPC.

5 - A antecipação refere-se à data em que esteja designada a diligência de execução da entrega do imóvel.

6 - Tal comunicação destina-se a garantir que, na data designada, a diligência se executará, porque, entretanto, é suposto que as entidades notificadas tiveram tempo de analisar e providenciar pela solução do problema do alojamento dos Recorrentes.

7 - É pressuposto da diligência que se encontre assegurada uma habitação social aos Recorrentes, porquanto, a rácio do referido preceito legal reside na dignidade da pessoa humana.

8 - É a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República), tal como no processo executivo sob os artigos 736º e ss., pela impenhorabilidade de determinados rendimentos, como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e a da sua família.

9 - Outra fosse a interpretação estaríamos a violar de forma grosseira o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, o que constituiria uma inconstitucionalidade.
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1.2.2. Contra-alegações

A Credora Adquirente ((…), S.A.) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C.P.C.).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· QUESTÃO ÚNICA - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente porque a mesma impunha que se suspendesse a entrega do imóvel que é casa de morada de família (à Credora Adquirente do mesmo) nos termos do art. 863º, n.ºs 3 a 5 do C.P.C. (aplicável ex. vi do art. 861º, n.º 6 do mesmo diploma), sob pena de violação do art. 65º, n.º 1 da C.R.P.?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Por acordo das partes (isto é, por falta de impugnação da Credora Adquirente), e por documentos (nomeadamente, os que integram estes autos, os principais e os demais apensos), encontram-se assentes os seguintes factos:

1 - Maximino (…), residente na Rua (…) em Vila Real, propôs em 2009 uma acção executiva para pagamento de quantia certa, contra Dulce (..), residente na Rua (…), …, em Vila Real, e contra Maria (…), residente no Largo (…), …, em Vila Real.
(autos principais - documento autêntico)

2 - Na acção executiva referida no facto anterior, foi penhorado em 2009 o prédio urbano constituído por uma casa de loja, com um andar e logradouro, sito no lugar de (…), freguesia de (…) concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob a descrição (…) da dita freguesia de (..), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…) inscrito em nome de Lino (…) e de Maria (…).
(autos principais - documento autêntico)

3- (…) S.A., com sede na Avenida (…), em Lisboa, reclamou em 2014, por apenso à acção executiva referida nos factos anteriores, o crédito resultante do não pagamento, desde 2009, pelo Requerente (Lino (…)) e pela co-Executada (Maria (…)), das prestações mensais de amortização de um empréstimo para aquisição da respectiva habitação, que lhes concedera, sendo o mesmo reconhecido e graduado como crédito hipotecário.
(apenso de reclamação de créditos - documento autêntico)

4 - O prédio urbano referido nos factos anteriores foi objecto de venda na acção executiva em que foi penhorado, por meio de leilão electrónico, tendo (…), S.A. apresentado a maior proposta de aquisição, de € 72.937,50, e por isso lhe sendo alienado, sendo o pertinente título de transmissão emitido em 09 de Fevereiro de 2018, e o respectivo registo a seu favor feito na competente Conservatória do Registo Predial em 14 de Fevereiro de 2018.
(autos principais - documento autêntico)

5 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) foram notificados, em 26 de Fevereiro de 2018, pelo Agente de Execução, a fim de promoverem a entrega efectiva do imóvel referido nos factos anteriores à respectiva Adquirente, no prazo de 20 dias, livre de pessoas e bens (conforme referências citius n.º 1550452 e n.º 1550453).
(autos principais - documento autêntico)

6 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) não entregaram voluntariamente o imóvel referido nos factos anteriores, continuando a detê-lo e ocupá-lo até hoje.
(autos principais - documento autêntico)

7 - Mercê do referido nos factos anteriores, o Agente de Execução, em 02 de Maio de 2018, requereu autorização judicial para intervenção de força pública de segurança no intuito de proceder à entrega coerciva do imóvel (conforme referência citius n.º1617764).
(autos principais - documento autêntico)

8 - O imóvel referido nos factos anteriores constitui a casa de morada de família do Requerente (Lino (…)) e da co-Executada (Maria (…)), que nele residem com a filha de ambos, nascida em … de … de 2003.
(autos principais - acordo das partes)

9 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) encontram-se desempregados, sendo o subsídio de desemprego auferido por aquele, de € 858,00 (oitocentos e cinquenta e oito euros, e zero cêntimos) mensais o único rendimento que auferem.
(autos principais - acordo das partes)

10 - Parte do subsídio de desemprego referido no facto anterior foi objecto de penhora nos autos principais, pelo que o Requerente (Lino (…)) apenas dispõe de um remanescente líquido de € 558,00 (quinhentos e cinquenta e oito euros, e zero cêntimos).
(autos principais - documento autêntico e acordo das partes)

11 - A filha do Requerente (Lino (…)) e da co-Executada (Maria (…)) frequenta o 9º ano de escolaridade.
(autos principais - acordo das partes)

12 - O agregado familiar do Requerente (Lino (…)) e da co-Executada (Maria …), tem despesas mensais de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros, e zero cêntimos) com a satisfação das necessidades básicas inerentes à sua subsistência, conforme:

a) energia eléctrica, uma média de € 80,00;
b) alimentação, € 250,00;
c) transportes com a filha (que estuda a oito quilómetros de distância de casa, sem que haja transporte escolar), € 50,00;
d) cantina escolar, € 30,00;
e) medicamentos da co-Executada (Maria (…)) - que sofre de diabete e hipertensão -, € 20,00;
f) medicamentos do Requerente (Lino (…)) - que sofre de hipertensão, tem triglicéridos e colesterol -, € 30,00;
g) calçado, roupa e higiene, pelo menos € 100,00;
h) internet (para estudos da Menor) e telefone, € 56,00;
i) e outras despesas (v.g. seguros, consertos de casa), uma média de € 50,00.
(autos principais - acordo das partes)

13 - O Requerente (Lino (…)) vai, a curto prazo, ser submetido a uma cirurgia para tratamento de uma hérnia discal, de forma a minimizar as fortes dores de que padece, e que lhe dificulta os movimentos e capacidade de trabalho na sua categoria profissional, de operário de construção civil.
(autos principais - acordo das partes)

14 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) têm animais de companhia, nomeadamente dois cães e dois gatos, preocupando-os o seu futuro alojamento.
(autos principais - acordo das partes)

15 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) não têm possibilidades de pagar ume renda, que, em termos de mercado imobiliário em Vila Real, não é inferior a € 300,00 (trezentos euros, e zero cêntimos) por mês.
(autos principais - acordo das partes)

16 - O Requerente (Lino (…)) e a co-Executada (Maria (…)) não pagam desde 2009 qualquer uma das prestações do crédito à habitação que contraíram junto do agora (…), S.A..
(autos principais - acordo das partes)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Suspensão de entrega de imóvel

4.1.1.1. Suspensão da execução (art. 861º, n.º 6 do C.P.C.)

Lê-se no art. 828º do C.P.C. que o «adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados».

Mais se lê, no art. 861º do C.P.C., que: tratando-se «de imóveis, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente» (n.º 3); mas, tratando-se «da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes» (n.º 6).

Por fim, lê-se no art. 863º do C.P.C., que: tratando-se «de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda» (n.º 3); o agende de execução lavra então «certidão das ocorrências, junta os documentos exibidos e adverte o detentor, ou pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante» (n.º 4); e, no «prazo de cinco dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos» (n.º 5).

São, assim, requisitos legais desta suspensão da execução (de entrega de coisa imóvel): 1) tratar-se da casa de habitação principal do executado; 2) ser apresentado atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução; 3) o fundamento referido no dito atestado médico ser doença aguda de que sofra a pessoa que se encontra no local e a coloque em risco de vida com a realização da diligência (neste sentido, Ac. da RE, de 21.02.2013, António M. Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2055/06.5TBFAR.E1, e Ac. da RC, de 12.07.2017, Fernando Monteiro, Processo n.º 422/13.7TBLMG-C, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).

Logo, não basta para se obter a suspensão da entrega, ao respectivo adquirente, de imóvel objecto de venda em sede de acção executiva, um estado de doença crónica, mesmo que seja grave, exigindo-se antes que se trate de doença aguda (neste sentido, Ac. da RP, de 12.02.2008, C.J., Ano XXXIII, Tomo I, p 190, Ac. da RL, de 12.06.2008, Granja da Fonseca, Processo n.º 4457/2008-6, ou Ac. da RL, de 14.10.2008, Rui Vouga, Processo n.º 3870/2008-1); e doença aguda que põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, e não apenas a sua saúde em geral.

Contudo, e para este efeito, «é relevante tanto a doença do arrendatário, como a do cônjuge, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e habitação e de outras pessoas que, igualmente, residam consigo, em economia comum» (Ac. da RC, de 20.06.2017, António Carvalho Martins, Processo n.º 2939/14.7T8CBR-F.C1).

Precisando, doença aguda significa doença súbita e inesperada, isto é, que tem um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte num curto espaço de tempo, em regra inferior a três meses; e distingue-se de episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições, que não põem em risco num prazo curto a vida o doente, não consubstanciando por isso emergência médica.
(Neste sentido, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1061 e 1148 e seguintes, com anotação de jurisprudência; e https://pt.wikipedia.org/wiki/Doen%C3%A7a_aguda e https://pt.wikipedia.org/wiki/Doen%C3%A7a_cr%C3%B4nica.)

Precisa-se ainda, agora a propósito da antecipada comunicação, pelo agente de execução, à câmara municipal e entidades assistenciais competentes, no caso de se suscitarem sérias dificuldades no realojamento do executado (art. 861º, n.º 6, in fine, do C.P.C.), que esta «antecipação refere-se à data em que esteja designada a diligência de execução da entrega do imóvel. Logo, tal comunicação destina-se a garantir que, na data designada, a diligência se executará, porque, entretanto, é suposto que as entidades notificadas tiveram tempo de analisar e providenciar pela solução do problema do alojamento do executado» (Ac. da RL, de 22.01.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 161/06.5TCSNT.L1-6, com bold apócrifo).

Contudo, e ainda que as mesmas não o tenham feito (isto é, que não hajam diligenciado pela solução do problema de alojamento do executado, ou não o tenham conseguido), a execução da entrega de imóvel não se suspende, uma vez que a lei não o afirma, ao contrário do caso previsto no n.º 3 do art. 863º do C.P.C. (doença aguda que põe em risco de vida o executado).

O legislador terá ponderado nesse sentido que não seria justo onerar o adquirente do imóvel com a inércia ou a incapacidade dos organismos oficiais, cometendo-lhe uma tutela de facto que legalmente não lhe caberia, com a inerente e injustificada compressão dos seus direitos, e sem que lhe fosse atribuída qualquer compensação económica (ou outra) para o efeito.
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4.1.1.2. Diferimento da desocupação (art. 864º do C.P.C.)

Lê-se ainda, no art. 864º do C.P.C., que: no «caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três» (n.º 1); o «diferimento de desocupação do locado para habitação é decidida de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em considerações as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, e o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendos ser concedido desde que», «tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se» dever «a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou do rendimento social de inserção», ou ser o arrendatário «portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%» (n.º 2); e, no caso de diferimento decidido com base na falta de pagamento de rendas, «cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste» (n.º 3).

Logo, o instituto do diferimento da desocupação está previsto apenas para diligências de execução que visem a entrega de um imóvel arrendado, e não também para um imóvel que haja sido objecto de prévias penhora e venda, no âmbito de uma acção executiva para pagamento de quantia certa.

Ponderou-se, a propósito, que, «dada a boa-fé, a legítima confiança na produção dos efeitos desse direito anterior por parte do arrendatário», alicerçada «no seu direito contratual de gozo», «designadamente quanto à expectativa de ocupação e habitação no imóvel a entregar, o legislador protege» esse anterior titular «relativamente a uma perda súbita do seu direito, em determinadas circunstâncias»: faculta-lhe mais algum tempo para que possa «suprir a perda do direito à habitação no prédio que legitimamente e de boa-fé» ocupava; mas «já não protege esses mesmos interesses, autonomamente, relativamente a quem não tiver sido titular desses direitos, pois em relação a tais terceiros já não se identifica qualquer direito no qual se possa sediar, de per si, a ultra-vigência desses efeitos, a continuidade da tutela desses interesses» (Ac. da RP, de 13.05.2014, Rui Moreira, Processo n.º 6371/07.0TBMTS-J.P1, com bold apócrifo).

Está-se, assim, perante normas excepcionais (as que permitem o diferimento do cumprimento de obrigação de entrega de uma coisa ao seu dono), porque restritivas do direito de propriedade, designadamente em favor de quem não tem já qualquer título para manter o bem; e, por isso, não permitem a aplicação analógica (art. 11º do C.C.), sendo que só permitiriam a respectiva aplicação extensiva se se estivesse face a uma comprovada lacuna da lei, que no caso não existe.

Com efeito, em «face do disposto no artigo 930.º-A do CPC [hoje, art. 864º do actual C.P.C.], verifica-se que o legislador fez uma distinção quanto ao uso de imóveis a entregar em execução, a saber: imóveis arrendados e imóveis não arrendados (tendo reservado para os primeiros as disposições constantes dos artigos 930.º-B a 930.º-E do referido Código - ou seja, os casos em que se prevê a suspensão da execução e o diferimento da desocupação do imóvel - e para os segundos apenas os casos de suspensão da execução - art. 930.º, n.º 6, do CPC e, por remissão, art. 930.º-B, n.os 3 a 6, do mesmo Código).

Tendo o legislador pensado nas duas situações descritas em I e tendo estabelecido um regime diferente para cada uma delas, não há qualquer lacuna na lei que permita uma interpretação analógica no sentido de o regime pensado para os imóveis arrendados se aplicar também aos não arrendados.

Em consequência, no caso de arrematação, em processo executivo, de um bem imóvel habitado pelo executado, seu proprietário, não tem aplicação o diferimento da desocupação previsto no art. 930.º-C do CPC» (Ac. do STJ, 17.03.2016, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 217/09.2TBMBR-B.P1.S1. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 15.10.2015, Ezagüy Martins, Processo n.º 2179/14.5T8FNC.L1-2, Ac. da RC, de 17.01.2017, Maria Domingas Simões, Processo n.º 59/14.3TBSCD-F.C1, Ac. da RP, de 11.09.2017, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 3481/10.0TBVNG-A.P1, Ac. da RG, de 08.02.2018, José Cravo, Processo nº 164/13.3TBCBT-E.G1, e Ac. da RL, de 12.07.2018, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 719/17.7T8OER-A.L1-7).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.1.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo (…), S.A., na qualidade de credora hipotecária reclamante, adquirido, em leilão electrónico, um imóvel nos autos principais, casa de morada de família da aí co-executada Maria (…), requereu que o mesmo lhe fosse entregue judicialmente, já que o não foi voluntariamente.

Mais se verifica que co-Executada (Maria (..)) e o seu marido (Lino (…)) vieram então requerer que se suspendesse a entrega do imóvel (antes de sua propriedade), alegando para o efeito a falta de condições económicas próprias para arrendarem outra habitação, e os problemas de saúde que os afectariam, nomeadamente diabete e hipertensão, no caso da co-Executada (Maria (…)), e hipertensão, triglicéridos, colesterol e hérnia discal, no caso do Requerente (Lino (…)).

Contudo, e tal como correctamente ajuizou o Tribunal a quo, o alegado é insuficiente para preencher a previsão do art. 863º, n.º 3 do C.P.C. (aplicável ex vi do atr. 861º, n.º 6, do mesmo diploma), uma vez que: não foi invocado que a diligência de entrega pusesse em risco de vida quem quer que fosse do agregado familiar dos Requerentes, mercê de doença aguda; e não foi junto atestado médico que o documentasse, com indicação ainda do prazo durante o qual se deveria suspender a execução da entrega.

Dir-se-á ainda que, tendo o Tribunal a quo, face à comprovada insuficiência económica dos Requerentes, considerado que se suscitavam sérias dificuldades no seu realojamento, e por isso ordenado a comunicação desse facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, não ficou, porém, obrigado a aguardar que o dito realojamento se concretizasse, antes de prosseguir com a entrega do imóvel.

Isso mesmo veio esclarecer, quando afirmou acertadamente nos autos que o «legislador não fez impender sobre o comprador (e já proprietário do imóvel vendido) o ónus de se manter privado do imóvel que adquiriu enquanto as entidades assistenciais diligenciam pelo realojamento definitivo dos executados».

Pelas razões detalhadamente expostas supra, subscreve-se na íntegra este seu juízo.
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4.1.2.2. Concretizando novamente, e não obstante os Requerentes hajam igualmente pedido que a entrega do imóvel seja «de[i]ferida por um prazo razoável, não inferior a 6 (seis) meses», inexiste fundamento legal para o efeito, nomeadamente por não ser aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 864º do C.P.C.

Com efeito, e conforme explicitado supra, sendo o diferimento da desocupação de imóvel aí previsto limitado aos imóveis antes arrendados, possuindo a norma natureza excepcional, não se estando perante qualquer lacuna da lei (que permitisse a sua interpretação extensiva), e sendo o imóvel detido pelos Requerentes antes de sua propriedade, não podem os mesmos beneficiar do diferimento da respectiva entrega, baseado na sua carência de meios económicos.
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4.2. Juízo de conformidade com a C.R.P.

4.2.1. Direito à habitação (art. 65º, nº 1 da C.R.P.)

Lê-se no art. 65º da C.R.P. que: todos «têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar» (n.º 1); para «assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado», «em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais», promover e executar uma série de actividades, nomeadamente uma «política de habitação», «a construção de habitações económicas e sociais», estimular «a construção privada», ou incentivar «e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais» (n.º 2); o «Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria» (nº 3); e o «Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística» (n.º 4).

Sendo inegável que o direito à habitação deve ser visto como uma projecção da dignidade humana (Ac. do TC n.º 507/94, de 14.07.1994, Ribeiro Mendes, Processo n.º 129/93, in www.tribunalconstitucional.pt, como todos os demais deste Tribunal Constitucional citados sem indicação de origem), não é menos certo que a sua colocação sistemática - no Título pertinente aos «direitos sociais», e não no Título pertinente aos «direitos, liberdades e garantias» -, denota bem que não se está perante o primeiro dos direitos fundamentais; e nem mesmo perante o primeiro dos direitos sociais, já que o precedem o direito à segurança social e solidariedade (art. 63º da C.R.P.) e o direito à saúde (art. 64º da C.R.P.).

Considera-se ainda que, como direito social que é, e conforme desde logo denunciado de forma expressa pelos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 65º citado, o «direito à habitação tem (…) o Estado - e, igualmente, as regiões autónomas e os municípios -como único sujeito passivo e nunca, ao menos em princípio, os proprietários de habitações ou os senhorios» (Ac. do TC n.º 581/2014, de 17.09.2014, José Cunha Barbosa, Processo n.º 650/12, com bold apócrifo).

Dir-se-á igualmente que, não se confundindo o direito à habitação do cidadão e da família com o direito a ter casa própria, compreende-se que o legislador ordinário não tenha estabelecido a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas consagrado algumas salvaguardas, nomeadamente, as previstas nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 751º do C.P.C. (conforme Ac. da RE, de 10.05.2018, Francisco Xavier, Processo n.º 989/15.5T8STB-B.E1, com bold apócrifo).

As recentes intervenções do legislador, reforçando, em certas circunstâncias a protecção dos devedores que, por via de incumprimento de créditos hipotecários e de dívidas fiscais, estão em risco de vir a perder os seus imóveis - conforme Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, nomeadamente nos contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria e nos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel) e Lei n.º 13/2016, de 23/05/2016 (que protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal) - não chegam a impedir em absoluto a realização da penhora dos ditos imóveis.

Por outras palavras, é «certo, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada“, Volume I, pag. 835 que “ O direito à habitação é não apenas um direito individual mas também um direito das famílias (…). Quanto ao seu objecto, como direito de defesa, o direito à habitação justifica medidas de protecção contra a privação da habitação (limites à penhora da morada de família, limites mais ou menos extensos aos despejos). Como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação (…). “.

No entanto, não é menos certo que tal protecção do direito à habitação do cidadão e da família esgota-se nesse apoio, sendo que o legislador ordinário não obstante estar ciente da importância desse direito não consagrou como referimos, a sua impenhorabilidade. Não se pode confundir direito à habitação com direito a ter casa própria.

Bem clara nesse sentido é a posição expressa por Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “ Constituição Portuguesa Anotada “, Volume I, pags. 665 a 666: “O direito à habitação não se confunde com direito de propriedade, mesmo na sua dimensão positiva enquanto direito à aquisição de propriedade. O direito à habitação, por si só, “não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão“. Daí que uma norma que admite a penhora de um imóvel onde se situe a casa de habitação do executado e seu agregado familiar não viole o direito que todos têm de haver, para si e para a sua família, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, pois a habitação em causa, desligada da titularidade do direito real de propriedade sobre o imóvel onde essa habitação se situa, não é afectada, já que pela penhora o executado e a sua família não são privados da respectiva habitação, podendo, pois, manter-se no imóvel.“.

Neste mesmo sentido, referem Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, in “Curso de Direito da Família“, Volume I, pags. 390 a 391: “No direito português actual - ao contrário do que se passava nos anos vinte e trinta, em que as leis estabeleciam a impenhorabilidade do “casal de família“ - a casa de morada de família não está protegida contra uma penhora.“.

Como se salienta muito a propósito no Ac. da Relação de Guimarães proferido em 4-12-14 no processo nº 1647/11.5TBVRL-B.G1 “também não constitui obstáculo á penhora o facto de os executados habitarem os imóveis. Não consta do elenco de bens impenhoráveis o imóvel “de habitação“ do executado.

A lei estabeleceu é certo algumas defesas em relação à habitação – vd. Artigo 834º nº 2 redacção da L. 60/2012 (actual 751º, nºs 3, als. a) e b)), estabelecendo só ser possível a penhora de imóvel, caso este seja a habitação permanente do executado, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de doze meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância, e de dezoito meses excedendo a dívida metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância. Mas a questão colocada no recurso não se prende com qualquer desaplicação deste normativo. No sentido da protecção da habitação vejam-se ainda e entre outros os artigos 839º, 1, a) e 930º, 6 do CPC, e no actual os artigos 704º, 4; 733º, 5; 861º, 6.

Por último a admissibilidade da penhora não atenta contra o direito constitucional à habitação. “O direito à habitação não se confunde com o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão, como porque a penhora, só por si, não priva de habitação quem na casa de morada de família possa habitar” – Vd. Ac. RG de 7/5/2003, www.dgsi.pt, processo nº 1267/06-1 e da mesma relação o de 25/3/2010, www.dgsi.pt, processo nº 1880/08.7TBFLG-B.G1. Vd. Ainda TC no processo nº 155/99.”

Acresce que o direito à habitação não é um direito absoluto que se sobreponha a qualquer outro, nomeadamente o direito de propriedade. O artº 824º, nº 2 do C. Civil é peremptório no sentido de que os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo» (Ac. do STJ, de 05.03.2015, João Trindade, Processo n.º3762/12.9TBCSC-B. L1.S1, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se afirme que o «que se afiguraria como desproporcionado era que, no balanceamento do direito do credor a ver satisfeitas coercivamente - como no caso acontece - as obrigações assumidas pelo devedor (direito esse, repete-se, ancorado no nº 1 do artigo 62º da Constituição), e de um eventual «direito» deste último a conservar a titularidade do direito de propriedade de um imóvel onde se situa a sua habitação, o primeiro fosse postergado em nome do segundo» (Ac. do TC n.º 649/99, de 24.11.1999, Bravo Serra, Processo n.º 155/99).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, sendo o direito à habitação um direito social, a sua promoção e defesa cabe ao Estado, e não aos particulares.

Com efeito, e conforme «resulta dos nºs 2, 3 e 4 do» art. 65º da C.R.P., «é ao Estado, e não aos particulares, que cabe assegurar o direito à habitação, pelo que a opção legislativa» de limitar, «o regime excecional do diferimento da desocupação do imóvel ao arrendatário habitacional (…) não viola o mencionado princípio constitucional ou qualquer outro constante daquela Lei Fundamental» (Ac. da RL, de 12.07.2018, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 719/17.7T8OER-A.L1-7. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 11.09.2017, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 3481/10.0TBVNG-A.P1).

Igualmente não viola qualquer disposição ou princípio constitucional a prevalência da obrigação de entrega de imóvel adquirido em sede de processo executivo, ainda que constitua casa de morada de família de quem nele é executado, quando a execução da diligência de entrega não ponha em risco de vida, mercê de doença aguda, quem nele se encontre.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelo Recorrente (Lino (…)).
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Requerente (Lino (…)), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
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Guimarães, 21 de Março de 2019.

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.