RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
DIREITO
ESTREMAS
Sumário

I–O artº 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.

II–Visando efectivar esse direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos.

III–O direito a demarcar prédios, nos termos do artº 1354º nº 2 do Código Civil depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si, seno que tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio Tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado preceito.

IV–O direito de demarcação pode ser invocado desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada no terreno, seja porque a sua localização é objecto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização.

V–Se a divisão da área conflituante não puder ser resolvida pelos títulos de cada um, será sucessivamente resolvida pela posse ou outros meios de prova. No limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I–Relatório:


1–  DS… e MA… intentaram a presente acção declarativa, com a forma de processo comum (acção de demarcação), contra MAS… e marido JR…, pedindo :
-Que seja reconhecido que os A.A. são donos e legítimos proprietários do prédio …º … da freguesia de Santo Isidoro.
-Que nesse prédio seja implantado o lote de terreno para construção, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., com a área total de 4.545,70 m2, a confrontar do Norte e Sul com DS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia, inscrito na matriz sob o artigo …º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... com a descrição ….
-Que seja cancelada a descrição na Conservatória do Registo Predial do prédio nº … de Santo I..., no que tange às confrontações e assim, o lote de terreno passar a constar com a seguinte confrontação :  Norte e Sul com DS…, a Nascente AV… e outros e a Poente com Serventia.
-Que as extremas do referido lote, no que tange ao artigo …º …, sejam as constantes do mapa que se junta a fls. 70.
Para fundamentar tais pretensões alegam, em síntese, que são donos do prédio que identificam e que adquiriram por partilha e por compra.  Nessa mesma partilha, foi adjudicado aos R.R., o terreno que igualmente se mostra identificado. Esse terreno nunca foi objecto de loteamento, planta de implantação ou outra forma de definir os seus limites.  De tal forma que, tal lote de terreno, há-de ter a implantação resultante da área identificada nos títulos e confrontações indicadas na escritura que o constitui e que se mantiveram na Conservatória do Registo Predial e no inventário.  Tal lote de terreno tem a área de 4.545, 70 m2 (por lhe ter sido retirada, por Sentença que reconheceu a aquisição de propriedade por usucapião, por parte dos A.A. a área de 1.086,30 m2.  Os R.R. licitaram naqueles autos de inventário e foi-lhes adjudicado tal lote de terreno, o qual registaram na Conservatória do Registo Predial.  Assim, tal lote de terreno deve ser implantado dentro do prédio adjudicado aos A.A., dado que foi constituído sobre este e porque, agora, um e outro pertencem a diferentes proprietários.  E isto sem se considerarem as confrontações que os R.R. foram dar ao lote, na matriz e no registo, o que fizeram logo a seguir a lhes ter sido entregue o levantamento topográfico efectuado a pedido dos A.A., este, com base nos títulos existentes que delimitavam o lote.

2– Regularmente citados, vieram os R.R. apresentar contestação, defendendo-se por excepção (nulidade do processo por ineptidão da petição inicial e ilegitimidade passiva) e por impugnação.
As excepções deduzidas foram alvo de decisão em sede de despacho saneador, tendo sido indeferidas.
Em sede de impugnação, os R.R. referiram, em resumo, que o lote de terreno aludido pelos A.A. foi constituído em escritura de partilha do ano de 1992, o que deu origem ao artigo … da matriz, então, adjudicado ao pai do A. e da R., JS….  Na altura em que esse prédio foi criado (em 1992) o aludido JS… abriu uma serventia para determinar a extrema poente desse lote, assinalada a vermelho no documento junto com a contestação, a fls. 142.  Só que A.A. e R.R. vieram a fazer aterros para construção de casas, o que tapou essa serventia, mantendo, contudo, a configuração e implantação do lote em apreço. Até às licitações no processo de inventário de 2009, os A.A. nunca colocaram em causa a configuração deste lote de terreno, o que só fizeram depois da adjudicação de tal lote.  Após a adjudicação do lote de terreno, os R.R. foram actualizar as confrontações, dado que, após o óbito do pai JS…, os seus filhos e noras (com inclusão dos A.A.) abriram um caminho em toda a extrema norte do terreno para construção, de forma que tal lote de terreno, a norte, passou a confrontar com caminho particular, sendo que, a poente, tal lote passou a confrontar com D… e ML… (por força da partilha de 2012).  Quanto, a ter sido objecto de loteamento, planta de implantação ou outra forma de definir os seus limites, afirmam que tal lote, foi alvo da planta de síntese junta aos autos a fls. 142<, que descreveu a configuração criada na escritura de 18/3/1992, que coincide com as confrontações constantes dessa escritura, com a particularidade de que, nessa data, ainda não existia o tal caminho que veio a ser aberto a norte.  Defendem os R.R. que o lote de terreno em causa foi implantado aquando da sua constituição em 1992.

3–  Os A.A. apresentaram articulado de resposta.

4–  Foi admitida a intervenção principal provocada de ML….

5– Após os articulados foi proferido despacho saneador que enunciou o objecto do litígio e indicou os temas de prova.

6– Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.

7– Posteriormente, foi elaborada Sentença a julgar a acção procedente, constando da sua parcela decisória :
“Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal, julgar a presente acção procedente e, em consequência:
a)- Reconhece-se que os Autores são proprietários do prédio …º … da freguesia de Santo I...;
b)- determina-se que, nesse prédio, seja implantado o lote de terreno para construção, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., com a área total de 4.545,70 m2, a confrontar do Norte e Sul com DS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia, inscrito na matriz sob o artigo ….º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... com a descrição …; devendo, as extremas do referido lote no que tange com o art. …º …, ser as constantes da “Planta de Implantação” constante de fls. 70 dos autos; mais se determinando que
c)- seja cancelada a descrição na Conservatória do Registo Predial, do prédio nº … de Santo I... – no que tange às confrontações, devendo, o lote de terreno passar a constar com a seguinte confrontação: Norte e Sul com DS…, a Nascente AV… e outros e a Poente com Serventia.
Custas pelos Réus – art. 527º, nº 1 e nº 2, do citado C.P.Civil.
Registe e notifique”.

8–  Desta decisão interpuseram os R.R. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as extensas conclusões que se seguem (a propósito da extensão das alegações, há que salientar que, por exemplo, nas mais altas instâncias europeias, as peças processuais não devem exceder as 30 páginas – cf. §§ 12 e 15 das “Instruções Práticas às Partes Relativas aos Processos Apresentados no Tribunal de Justiça” (JO L31, 31JAN2014, pg. 5) e § 12 da “Written Pleadings Practice Direction” anexa às “Rules of Court” do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (www.echr.coe.int/Documents/Rules_Court_ENG.pdf), o que evita uma, por vezes, desnecessária extensão das peças processuais) :
“A– Quanto à decisão da matéria de facto.

I– Os R.R. não se conformam com a decisão que considerou provado que:
a)- O lote constituído na escritura de 18/3/1992 nunca tenha sido objecto de outra forma de definir os seus limites, nunca tendo sido implantado no terreno.
b)- A poente o lote confronta com serventia que é a serventia que atravessa o prédio no sentido Norte/Sul é a única que existe no artigo … – …, porquanto tal serventia apenas existe entre a ponte de pedra e a entrada do prédio (serve a parcela da S…/B…/D… e a parcela do V…/M L…) e dentro da parcela do JS… não existe serventia porque o prédio não serve ninguém.
c)- Os A.A. enviaram aos R.R. (através das suas mandatárias) a planta de implantação do sobredito lote.
d)- A planta – doc. nº 8, fls. 70, constitui a implantação do lote já que tal planta não está assinada, nem oficializada, foi feita a pedido dos A.A. com base na escritura de partilha, na caderneta e na certidão da Conservatória, porquanto, do Relatório Pericial consta que com base nas confrontações constantes em tais documentos, tecnicamente não é possível fazer a medição de 5632m2.
e)- O lote tem a implantação do doc. nº 8, fls. 70 e confronta a Nascente com AV… e outros, por haver obscuridade e contradição nessa decisão; em 1992 ficou a constar na escritura de criação do lote que o mesmo a nascente confronta com AV… e outros; em 2009/2010 foram retiradas as casas do D… na extrema nascente (1089,30 m2); em 2012 o lote é licitado e adjudicado com a mesma confrontação a nascente – AV… e outros – ora a confrontação a nascente não se pode manter depois da desanexação das casas do D… na extrema nascente (Relatório Pericial e planta – doc. nº 4 da Contestação).
f)- Não havia outra forma de implantar o lote, de lhe dar outra orientação ou configuração, uma vez que a testemunha Topógrafo AP…, não justificou tecnicamente tal afirmação.
g)- Que todas as partes aceitaram no local só existir divergência na confrontação a poente já que, os R.R. estavam a falar relativamente à escritura de partilha de 1992 e os A.A. estavam a falar da partilha por inventário onde o lote foi adjudicado em 2012 e o Senhor Perito do Tribunal não diferenciou essa situação.
h)- O que consta no ponto 17 da factualidade já que, o prédio rústico de onde tinha sido desanexado o lote criado em 1992, mantinha-se na compropriedade de JS…, ML… e B… e só em 2012 é que B… vendeu ao A. D….

II– Os R.R. não se conformam com a decisão que considerou não provado que:
a)- A configuração do lote de terreno em causa, foi criada pelo JS…, ainda antes de 1992.
b)- O JS… abriu um caminho por trás da casita dos porcos antes dos aterros e antes da escritura de 1992, para determinar a extrema poente do lote e separar a parte rústica da parte urbana.
c)- JS… criou o lote para em construção, conjuntamente com os cunhados e sobrinho e estes sabiam que o lote ficava dentro da parcela individualizada do J… e dava acesso à parcela do V…/ML… (pela praceta).
d)- Era vontade de JS… que suas filhas fizessem casas no terreno junto à praceta, para ficarem perto dos irmãos D… e A….
e)- A Inquilina CP…, recebeu ordens de JS… para passar a pagar a renda à MV… e marido C….
f)- O R. J… negociou com ML… uma parcela de terreno pela qual pagou 80.000$00 (400,00 €), alterando fisicamente a extrema Sul do lote.
g)- O A. D…, aquando dos desaterros para construir as casas dos seus filhos, pediu aos R.R. é a irmã MV… para despejar terras no lote – planta de fls. 142 – e terraplanar o terreno para construção, pois as terras depositadas, foram espalhadas de forma a tornar o terreno direito.
h)- Os aterros taparam o caminho aberto por JS… atrás da casita dos porcos, por onde passaram vários anos CP… e JC… e o JS… para ir à horta.
i)- Antes e depois de fazer a escritura de 1992, JS… e seus 4 filhos usaram a propriedade como se os 5.632 m2 estivessem à volta da praceta.
j)- Após o óbito de JS…, o A. D… quis fazer a divisão jurídica da sua parcela e os irmãos quiseram fazer a divisão jurídica das parcelas que lhes foram destinadas pelo Pai.
k)- Até às licitações no processo de Inventário nº …/…, os A.A. nunca puseram em causa a configuração do prédio … de Santo I....
l)- As confrontações da escritura de 18/3/1992, correspondem à planta de síntese junto como doc. nº 4 da Contestação, fls. 142.
m)- Em 18/3/1992, não existia ainda o caminho a Norte.
n)- Acreditando que o lote para construção tinha a configuração da planta junta como doc. nº 4 da Contestação, para os R.R. a extrema Sul do mesmo ficou definida com ML…, após as negociações de cedência do bico com esta.
o)- Para os R.R. o lote foi ficando factualmente demarcado com a sua utilização, consolidação dos aterros, com a criação do caminho a Norte, da praceta e a negociação da parcela de terreno com a ML….

III–No respeitador entender dos R.R., deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a)- Que o lote criado na escritura de 18/03/1992 foi constituído e implantado no terreno com vários aterros que criaram uma zona plana endireitando o terreno que era muito inclinada, com uma praceta no outro.
b)- Que os A.A. usaram o desenho da planta junta como Doc nº 4 da Contestação para retirar do lote de Construção os 1.086,30 m2 das suas casas, criando a convicção nos RR. que o lote de terreno criado em 1992 tinha a configuração daquela planta.
c)- Que a poente o lote confronta com D… na parte onde terminam os aterros e onde pelo menos desde 1981-1982 existia um caminho por trás da casita dos porcos, aberto pelo JS…, para separar o prédio urbano do rústico.
d)- A funcionária da mandatária dos A.A. entregou à funcionária da Mandatária dos R.R. a carta datada de 08/05/12 com a planta de implantação do sobredito lote, pois nem a Advogada dos R.R., nem a sua funcionária, estavam mandatadas para tratar do assunto de implantação do lote, uma vez que a procuração forense era para o Inventário.
e)- Os A.A. não apresentaram qualquer planta do prédio rústico …-…, sem o lote de terreno urbano e era essa planta que deveriam ter efectuado com o apoio técnico do Instituto de Geografia e Cadastro.
f)- A praceta e as casas do D… (1.086,30 m2) fazem parte do lote criado na escritura de 92, com 5.632 m2.
g)- Os aterros foram feitos em duas fases:
– aquando da construção das casas do D… e A… (1960-1970).
– aquando da construção das casas dos filhos do D… (1989-1991).
h)- O Artº …-… sofreu várias transformações físicas desde as partilhas “por boca” por óbito de AS… e DV… iniciadas em 1964 (Doc. junto pelos A.A. em 18/11/2016), até à interposição da presente acção:
– individualização em 4 parcelas;
– criação de serventia na parcela do M…;
– junção das parcelas do J… e do M…;
– eliminação da serventia na parcela vendida pelo M…;
– abertura de um carril – caminho a pé – desde o poço até à casa do A… e posterior tapagem;
– abertura de um caminho por trás da casita dos porcos e posterior tapagem;
– constituição de praceta;
– realização de terraplanagens com vários aterros feitos nos anos 70 e nos anos 89-91.
i)- Quando o lote foi criado em 1992, já o J… tinha adquirido a parcela do M… e a serventia que existia dentro do prédio deste já tinha desaparecido pelo não uso e por falta de consolidação da regueira.
Assim como também já estava tapado o caminho aberto pelo J… atrás da casita dos porcos.
j)- A planta junta como Doc nº 8, fls. 70 não reflecte a realidade de facto existente em 1992, nem em 2012 porquanto:
–A poente só existiu serventia na parcela do M…, serventia essa que deixou de existir quando o J… comprou a parcela do M… em 89/90.
–No sentido Norte/Sul passou a existir desde 89/90 apenas a entrada/serventia desde a parcela da L…/V… (junto à ponte de pedra), até ao caminho da Pedra Amassada.
–A nascente, a planta não incluiu as casas do D… que em 1992 ainda estavam dentro do lote com 5.632 m2.
–A sul em 1992, o J… ainda não tinha adquirido “o bico” à L… e por isso, a planta não pode ocupar o bico do terreno da L… (que só posteriormente foi comprado de boca pelo R. J…).
k)-Que na planta junta como Doc nº 8, fls 70 consta uma serventia com uma extensão que não existia nem em 1992, nem em 2012 antes das licitações e adjudicação no processo de partilhas por óbito de JS….
l)-Não foi demonstrado nem provado qualquer fundamento ou critério técnico ou jurídico que justifique a orientação/inclinação do lote, nem tão pouco a sua largura.
m)-Deveria ter sido dado como provado que as confrontações do lote de construção com 5.632 m2 constantes na escritura de partilha de 1992 são diferentes das confrontações constantes no processo de inventário por óbito do J…;
n)-Os A.A. no artigo 9 da P.I. dizem que o lote há-de ter a implantação resultante da área e das confrontações da escritura que o constituiu e no artigo 14º da P.I. invoca as confrontações da partilha (que não estão actualizadas).
o)-Ora, se para os A.A. o lote nunca foi implantado, não podem fazer uso de confrontação diferentes daquelas que constam no título de criação do lote.
p)-As confrontações só podem ter sido alteradas pelos herdeiros que já consideravam o lote implantado e até 2012 a única planta que existia era a do Doc nº 4 da Contestação feita em 2001 e assim, a alteração das confrontações é relativa a tal planta.
q)-Os A.A. dizem que o lote nunca foi implantado e em 2012 fazem uma nova planta que, no entender dos RR. tem que considerar os elementos técnicos da escritura de criação do lote e não as confrontações alteradas na sequência da planta de 2001 – Doc 4 da Contestação.
r)-Deve ser dado como provado que as confrontações do lote e suas alterações posteriores não estão todas em consonância com as diferentes realidades de facto que foram ocorrendo no artigo …-… Santo I..., assim como também não estão conforme a realidade jurídica de compropriedade do artigo …-….
s)-Devia ter sido dado como provada a negociação entre o R. J… e a ML… onde esta cedeu “por boca” uma parcela de terreno na extrema sul, mediante o pagamento de 80.000$00 (400,00€) efectuado pelo R. J….
t)-À planta apresentada pelos A.A. – doc. nº 8, fls. 70, deve ser dada a mesma validade jurídica que à planta apresentada pelos R.R. – doc. nº 4 da Contestação – apesar da planta dos A.A. não estar assinada.
u)-Do relatório pericial consta que não há possibilidade de proceder à medição do lote, por as suas extremas não estarem definidas ou seja, os peritos não viram viabilidade técnica para determinar as extremas do lote, com base nas confrontações dos documentos ou seja, para os peritos as confrontações dos documentos não são suficientes para determinar as extremas, ficando assim em crise a credibilidade das planta dos A.A. e dos R.R..
v)-Que a extensão da confrontação a poente na planta dos A.A. – doc. nº 8, fls. 70 – fica por determinar uma vez que a serventia invocada pelos A.A. (e não aceite pelos R.R.) e muito extensa em comprimento.
w)-O Inventário judicial nº …/… deu entrada no Tribunal no ano de 2009 e a verba nº 10 correspondente ao lote tinha confrontações desactualizadas.
x)-Para implantar de novo o lote, devem ser tidas em consideração as confrontações da escritura de 1992 de criação do lote.
y)-Que os R.R. consideram que a serventia a Poente, era o caminho criado pelo JS…, atrás da casita dos porcos.
z)-Que os filhos de JS… fizeram usos diferentes do lote.
aa)-A planta de implantação dos A.A. – doc. nº 8, fls. 70 – não respeita a integração total das casas do D… dentro do lote de construção com 5.632 m2, não respeita a área corrigida do lote de 4,545,70 m2, não respeita as confrontações constantes na partilha de 1992, nem respeita o fim a que o terreno se destina – construção.
bb)-Que em 2001, os herdeiros de JS…, com conhecimento e autorização dos A.A., solicitaram no Gabinete de Engenharia L…, um estudo de loteamento, cuja planta de síntese se mostrou junto aos autos – fls. 142.

B–Quanto à matéria de Direito.
a)-As confrontações dos títulos não dão segurança jurídica, por si, para delimitar os terrenos das partes, nos termos do artigo 1354.º do C.C..
b)-As confrontações do prédio dos AA. e do prédio dos RR. foram criadas no mesmo momento, pelas mesmas pessoas, no mesmo acto de escritura de partilha, em 1992 (vide doc. 4 da P.I.). e tiveram origem em partes da verba 3, correspondente ao antigo artigo …-….
c)-A verba 3, antes de ser parcelada em duas em 1992, confrontava a Norte com JS…, a Sul com VS…, a Este com FR… e a Oeste com JSG… (vide doc. 1 da P.I.), conforme diagrama explicativo abaixo:
d)-Quanto à parcela a) constituída em 1992, a partir da verba 3, hoje da titularidade dos RR., ficou a confrontar a Norte e a Sul com JS… e herdeiros de VS…, a Este com AV… e outros e a Oeste com Serventia (vide doc. 4 da P.I.).
e)-Quanto à parcela b) constituída em 1992 a partir da verba 3, hoje da titularidade dos AA., ficou a confrontar a Norte com JS…, a Sul com herdeiros de VS… e outros, a Este com FR… e a Oeste com JSG… (vide doc. 4 da P.I.).
f)-Desde logo é notória a irregularidade das confrontações fixadas porque nenhuma das confrontações do prédio dos AA. confina com o prédio dos RR., facto este que parece bizarro, uma vez que em litígio está justamente em causa a delimitação entre estes dois terrenos.
g)-Acresce que também é duvidoso que a parcela b) mantenha exactamente as mesmas confrontações que tinha o terreno de onde teve origem, a verba 3.
h)-De notar ainda que se a confrontação Poente da parcela a) fosse Serventia, conforme foi fixado em 1992, o que os RR. discordam, então a confrontação Nascente da parcela b) também teria de ser Serventia, uma vez que as duas parcelas são confinantes.
i)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela a) deveria ter ficado a confrontar a Este, com serventia ou praceta.
j)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela a) deveria ter ficado a confrontar a Oeste com MC… (ou esposo J…), MS… (ou S…) e ML…, os 3 contitulares do terreno a Oeste, ou então só MS…, como única possuidora, além de contitular, do terreno a Oeste. Em alternativa, era de admitir que ficasse a confrontar com regueira ou linha de água, ou ainda, caso fosse verdade a versão dos factos apresentada pelos AA., que os RR. não aceitam, poderia confrontar a Oeste com caminho, mas nunca, em qualquer hipótese, com serventia.
k)-Atento o pedido dos RR., em 1992, a parcela a) deveria ter ficado a confrontar a Este com serventia ou praceta.
l)-Atento o pedido dos RR., em 1992, a parcela a) deveria ter ficado a confrontar a Este com MC… (ou esposo J…), MS… (ou S…) e ML…, os 3 contitulares do terreno a Oeste, ou então só JS…, como único possuidor, além de contitular, do terreno a Oeste. Em alternativa, era de admitir que ficasse a confrontar com caminho, conforme defendem os RR., mas nunca, em qualquer hipótese, com serventia.
m)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Norte com JS… e JS… ou MC….
n)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Sul com herdeiros de VS… e JS… ou MC….
o)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Este com FR… e JS… ou MC…, ou em alternativa a estes segundos, também era de aceitar que esta confrontação fosse com linha de água ou regueira, ou ainda, caso fosse verdade a versão dos factos apresentada pelos AA., que os RR. não aceitam, poderia confrontar com caminho.
p)-Atento o pedido dos AA., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Oeste com JSG… e serventia ou praceta.
q)-Atento o pedido dos RR., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Sul com herdeiros de VSV…, Serventia e JS… ou MC….
r)-Atento o pedido dos RR., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Este com FR… e JS… ou MC….
s)-Atento o pedido dos RR., em 1992, a parcela b) deveria ter ficado a confrontar a Oeste com JSG… e JS… ou MC…, porque lhes foi adjudicada a parcela a) da verba 3 e eram únicos possuidores.
t)-No ano de 1992, aquando da partilha (vide doc. 4 da P.I.), a verba 3 estava na posse de MS…, JS… (e esposa MC…) e LC…, tendo cada um deles a posse de sua parcela, conforme diagrama explicativo em baixo, possuidores estes com coincidem com os beneficiários da verba 3 da referida partilha.

(Diagrama removido)

u)-A parcela a) da verba 3 da escritura de 1992 fica toda incluída no terreno que estava na posse do JS… e esposa MC…, terreno esse melhor identificado no diagrama acima.
v)-Assim sendo, a parcela a) da verba 3 da escritura de 1992, que hoje coincide com o terreno dos RR. em litígio, nunca poderia ter como confrontação uma serventia, uma vez que apenas confinava com um mera entrada da mesma, conforme melhor se demonstra no diagrama acima.
w)-Só existiam 2 serventias, uma a Sul, actualmente denominada Praceta, que vinha da estrada municipal, a dar acesso a JS…, D…, A… e L… e outra a Norte, que vinha do caminho da Pedra Amassada, a dar acesso a S…, L… e J…..
x)-Todos os possuidores/ocupantes tinham acesso tanto pela estrada municipal como pela estrada da pedra amassada, através das duas serventias supra indicadas.
y)-Ao contrário do que defendem os AA., a serventia a Norte não entrava para dentro do terreno na posse de J…, havendo apenas uma entrada directa para o mesmo.
z)-Para além das referidas serventias, os RR. alegam que em 1992 ainda existia um caminho/serventia relevante para delimitar o seu prédio a Oeste (2) e os AA alegam que nesse mesmo ano existia outro caminho/serventia relevante para delimitar o prédio dos RR (1), conforme diagrama explicativo abaixo:

(Diagrama removido)

aa)-As partes chamam aos caminhos acima identificados de serventias, uma vez que foi o termo usado para a confrontação a Oeste definida na escritura de partilha de 1992.
bb)-Como o que nos parece estar aqui em questão é o que os intervenientes na escritura de 1992 entendiam por “serventia”, quando usaram este termo para descrever a confrontação a Oeste do prédio ora dos RR., consideramos aceitável preterir o significado jurídico do termo serventia, considerando como possível que os intervenientes na altura se quisessem referir-se a caminho em vez de serventia.
cc)-Por todas as razões de facto já expostas, suportadas designadamente nos depoimentos das testemunhas, os RR. não aceitam que seja tomada como confrontação a Oeste o caminho apontado pelos A.A..
dd)-Acresce que os AA. sempre se mostraram de acordo com implantação do lote dos RR. conforme ora requerida pelos RR., melhor descrita na planta junta a fls. 142 – doc. nº 4 da Contestação – feita em 2001, planta esta que foi inúmeras vezes referida ao longo dos últimos 16 anos, designadamente na partilha de 2012 e na acção de justificação para desanexação dos 1086.30m2 do D….
ee)-O terreno em causa tem uma parte que é passível de construção e outra que não de acordo com a classificação do PDM;
ff)-Na partilha de 2012, só é compreensível que os RR. tenham licitado o seu terreno, de cerca de 4.545,7 m2, pelo valor de 151.000,00 €, se este fosse passível de ser construído (vide doc. 2 da P.I.).
gg)-Antes da última licitação dos RR., os AA. licitaram o mesmo terreno pelo valor de 150.000,00 €, o que também só é compreensível se no entender destes últimos o terreno fosse passível de construção (vide doc. 2 da P.I.).
hh)-Estas licitações bem mostram que tanto RR. como AA. estavam a valorizar o terreno de cerca de 4545,7 m2 em pelo menos 150.000,00 €, o que corresponde a cerca de 32 €/m2.
ii)-Na partilha de 2012, os AA. licitaram o seu terreno por 27.500 €, ou seja, cerca de 1,2 € por m2, valor este apenas compatível com um terreno no qual não podem ser feitas construções.
jj)-Contra a posição que têm mantido publicamente durante mais de 10 anos, vêm agora os AA., pela presente acção, pedir que o terreno urbano de 4.545,7 m2 dos RR. passe a ter apenas cerca de 1600 m2 passíveis de construção, ou seja, 35% da sua área total.
kk)-O pedido dos AA. significaria que o terreno dos RR., valorizado por ambas as partes em 150.000,00 €, teria cerca de 1.600 m2 passíveis de construção, enquanto que o terreno dos AA., valorizado por estes em 27.500,00 €, teria cerca de 2.945 m2 passíveis de construção.
ll)-Os AA. pedem que o seu terreno permitia construir cerca de duas vezes mais do que o terreno dos RR., que custou mais 122.500,00 € do que o seu.
mm)-É facto notório a incongruência entre o pedido dos AA. e a sua actuação nos 10 anos até as adjudicações na Partilha de 2012, pelo que é manifesta a formação da convicção dos RR. em como tinham licitado o terreno urbano e não um misto no qual só se poderia construir em cerca de 1/3 da sua área.
nn)-Os factos supra descritos enquadram o pedido dos RR. no instituto jurídico do abuso de direito, nos artigo 334º do C.C., na sua versão “venire contra factum proprium”.
oo)-Na verdade, tendo em conta a zona classificada como urbana e a distância mínima de 5 metros aos limites laterais e 6 metros ao limite tardoz dos lotes para construir uma moradia, tudo de acordo como PDM de M..., os limites de demarcação propostos pelos AA. permitem que estes implantem 2 lotes, enquanto que os RR. só conseguem implantar um único lote.
pp)-À luz da delimitação pedida pelos AA., em 2012 teriam estes licitado 2 lotes pelo valor aproximado de 27.500,00 € e simultaneamente teriam licitado 1 lote pelo valor aproximado de 150. 000,00 €.
Nestes termos e nos melhores Mui Doutamente supridos, requerem seja a decisão recorrida revogada e em sua substituição seja proferida uma outra que determine a implantação do lote, conforme planta de fls. 142 junta pelos R.R..
Caso não se aceite como confrontação a Oeste o caminho apontado pelos R.R. atrás da casita dos porcos, sempre consideram os R.R. que teria de ser aplicado o critério supletivo do artigo 1354º do C.C., correspondente a uma divisão equitativa do terreno em litígio.
Para tanto, cumpriria em primeiro lugar separar o terreno em litígio, dividi-lo em partes iguais e depois juntá-las às parcelas de terrenos que não estão em litígio, conforme melhor explicado no título B deste Recurso, e com o resultado melhor descrito no diagrama abaixo.

(Diagrama removido)

Assim se fazendo Justiça”.

9– Os A.A. contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso apresentando as seguintes conclusões :
“A)– Nestes autos vem pedir-se a demarcação de um lote (art. 4.746º) que foi destacado do prédio rústico - art. …º … da freguesia de Santo I....
B)– Os AA. são proprietários do prédio rústico (parte) e os RR. são proprietários do lote de terreno.
C)– O referido lote, apesar de constituído por escritura pública de 1992, nunca foi demarcado por, quer este, quer o prédio mãe, estarem em comunhão hereditária dos mesmos proprietários.
D) Com o processo de partilha nº …/…, o art. …º … foi adjudicado aos aqui AA. e o lote …º foi adjudicado aos aqui RR.
E)– Desde a sua constituição que o lote tem as suas confrontações definidas pela seguinte forma: Norte e Sul confronta com JS… e herdeiros de VS…; a Nascente com AV… e outros e do Poente com serventia.
F)– Nestes autos, após peritagem, análise dos documentos juntos e ouvida a prova foi proferida sentença que reconheceu a implantação do lote supra identificado, conforme planta de implantação de fls. 70 dos autos, dando por procedente o pedido dos AA.
G)– Os RR. vêm recorrer da fixação da matéria de facto e de direito alegando para tanto divergências na apreciação dos factos na aplicação do direito.
Porém, sem razão.
H)– Os RR. formulam 75 Conclusões em 15 páginas (forma sintética – art. 639º do C.P.C.), onde não identificam sequer os pontos concretos mal julgados, nem a norma(s) violada(s) na douta sentença recorrida.
Sem razão.
I)– Em suma, invocam que o lote já está demarcado, mas ao invés todos os testemunhos, peritagens e a própria posição dos RR. informa que o lote está por demarcar.
J)– Alegam que o lote não confronta a poente com a serventia sita junto à linha de água por não existir a serventia.
K)– Desde a prova testemunhal, à peritagem e aos documentos juntos (fls. 663) tudo confirma a existência de uma única serventia que pode servir de limite poente.
L)– Os RR., a 17/04/2012, subscrevem e apresentam na Conservatória do Registo Predial de M... pedido de actualização do lote onde consta que confronta a poente com “serventia”.
M)– A serventia que seria confronto a poente do lote está aterrada num talude feito em 1990/92 e por isso não visível. E não foi reconhecido qualquer vestígio desta ou sequer identificado quais os prédios dominantes e servientes desta “serventia”.
N)– Alegam que a planta de fls. 70 não está oficializada pelo que não deveria ser aceite. Contudo esta é a proposta de demarcação apresentada pelos AA., conforme com os títulos, e a que não foi contraposta outra pelos RR.
O)– Os RR. apresentam vários desenhos de 2, 3 ou 4 lotes a implantar no prédio art. …º …. Mas não apresentam um lote a implantar.
P)– Tais desenhos não respeitam os títulos, atentam contra o depoimento das testemunhas e foram feitos em 2001 por alguns herdeiros que almejavam herdar esses lotes a constituir. O que não passa de uma ilusão.
Q)– Já após a elaboração desses hipotéticos loteamentos, a mãe do A. marido e R. mulher fez testamento a favor das filhas A… (aqui R.) em que as institui herdeiras da quota disponível, mas não lega qualquer lote.
Sendo que o valor da quota disponível é muito superior ao valor do lote.
R)– Alegam que deveria ser, nesta sede, reconhecida a vontade dos autores da herança (J… e MC…) e reconhecer-se que nesse lote deveriam ficar as casas a construir para as duas filhas.
Desejo que não tem qualquer fundamento legal, nem cobertura fática.
S)– Que os RR. teriam “comprado” à confinante L… um “bico de terreno para acerto de extremas do lote … antes do ano de 2000”. O que nunca escrituraram. Pois, até 2012 os RR. não eram donos do lote nem este confina com L….
Tal “compra” a ter existido não tem qualquer fundamento legal.
T)– Que a carta entregue no escritório da Ilustre Mandatária dos RR. não tem qualquer valor, pela forma como foi entregue – em mão.
Tal carta apenas apresenta o documento de fls. 70 com vista a evitar a presente acção judicial.
E, justifica a alteração às confrontações que os RR., maldosamente e de má-fé, apresentaram na matriz e na Conservatória do Registo Predial em Maio de 2012.
U)– Note-se que, em Julho de 2012, os AA. dão entrada da acção, juntam cópia da caderneta predial actualizada em que consta a alteração já feita na confrontação a poente – JS…, em vez de serventia.
V)– Mas tal não afasta a matriz que vigora e se mantém até hoje de que a confrontação a poente é a serventia.
W)– Alega-se que o relatório pericial não é conclusivo.
Mas o relatório responde a todos os elementos necessários. Não dita a sentença. Mas é sobre ele que, em parte, a sentença se fundamenta. Tudo o resto depende da prova produzida em julgamento e dos documentos juntos aos autos.
X)– Alega-se que a extrema poente do lote teria de ser igual à extrema do prédio rústico.
O que é um manifesto erro de apreciação da prova. Já que o lote termina na serventia a poente e o art. …º … confina com o quinhão do Tio A….
Y)– Que a serventia que limita o lote a poente junto à linha de água não está dentro do prédio …º … senão uns escassos metros.
O que é falso, porquanto o lote foi constituído na parcela que pertencia ao M… e pelo documento de fls. 663 se verifica que este deve serventia ao VC… sul. Isto é, já em 1961 a serventia existia, como também existia em 1992 e existe hoje, como foi declarado pelos peritos e testemunhas.
Z)– Que o lote identificado a fls. 70 tem uma parte edificável (1.600 m2) e outra não edificável (2.490 m2) e sendo lote para construção teria de ser todo ele edificável.

Não lhes assiste razão.

AA)– Este lote foi constituído em 92 por simples declaração dos proprietários, não teve qualquer licenciamento camarário.
Era apenas uma forma de contornar as restritivas leis do emparcelamento.
Todos os lotes (fora das cidades) têm área de edificação e área de logradouro.
BB)– O presente lote podia nem sequer ser edificável, mas permite construir 3 a 4 casas (1.600 m2) em espaço urbano (cfr. documento camarário junto pelos RR.).
CC)– O valor de licitação do lote foi muito elevado (151.000,00 €) por ser todo ele em espaço urbano.
O que não colhe.
Os AA. licitaram até 150.000,00 € e o valor dos bens depende de inúmeras circunstâncias.
Não é o valor por m2 que determina a configuração do lote.
DD)– Assim, toda a matéria de facto está bem fixada, não oferece dúvidas ou contradições, está fundamentada.
EE)– Não se reconhecem ou aceita os novos factos, pedidos, causas de pedir e novos desenhos trazidos aos autos.
FF)– Que os AA. agiram com abuso de direito. Não se vislumbra, já que usaram de toda a lisura para com os RR. e obtiveram vencimento na primeira instância.
GG)– O art. 1354º do C.C. dispõe que para a demarcação de prédio concorrem os títulos existentes.
HH)– Nestes autos existem os seguintes títulos – Escritura pública de partilha onde é constituído o lote; declaração fiscal – Modelo 129; registo na Conservatória do Registo Predial desde 1992, processo de inventário judicial com o prédio (lote) bem identificado nas confrontações, registo na Conservatória do Registo Predial em 2012 (Abril) com declarações dos RR., caderneta predial até Junho de 2012.
Todos os títulos são coincidentes com as confrontações.
II)– Deve ser aplicado o regime fixado no nº 1 do art. 1354º do C.C.
JJ)– Os RR. pugnam pela aplicação do regime subsidiário do nº 2 do art. 1354º. Sem fundamento.
KK)– Apresentam esta tese pela primeira vez nestas alegações.
LL)– Sem qualquer fundamento ou contraditório existente.
MM)– Os RR. não apresentam os pontos concretos da matéria de facto a alterar, não identificam qualquer norma violada pela douta sentença recorrida.
NN)– Os RR. alegam sem fundamento.
Pelo que, mantendo-se a douta sentença recorrida “in totum” se fará Justiça”.
*  *  *

II–Fundamentação.

a)–  A matéria de facto dada como provada em primeira instância foi a seguinte :
1- O prédio rústico denominado “VC…”, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., inscrito na matriz predial sob o artigo …º da secção … da dita freguesia de Santo I..., mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº … e inscrito a favor dos A.A., AS… e DS…, por o terem adquirido por compra a BA…, casado com MN…, na proporção de1/2 ;  e por o terem adquirido por partilha judicial, por sucessão hereditária e partilha por óbito de JS… e mulher MC…, pais do A., na proporção de 2/6.
2- A sobredita partilha foi objecto de autos de inventário judicial que correu termos sob o nº …/…, do Juízo de Média Instância Cível de Sintra, …ª Secção do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste.
3- No referido inventário o prédio supra identificado correspondeu à verba nº 11 :  “Direito e acção na proporção de 2/6 do prédio rústico “VC…”, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., composto de terra de semeadura, pinhal e prado natural, com a área de 33.118 m2, a confrontar do Norte com JS..., do Sul com Herdeiros de VS… do Nascente com FR… e do Poente com JSG…, inscrito na matriz cadastral sob o artigo … Secção …, pendente de rectificação e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº … da freguesia de Santo I... e com o valor patrimonial de 147,20 €”.
4- Nesses mesmos autos de Inventário, aos R.R., foi adjudicada a aí denominada verba nº 10 com a seguinte composição : “Prédio urbano composto de terreno para construção, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., com a área total de 4.545,70 m2, a confrontar do Norte com JS…, do Sul com JS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... com a descrição …, com o valor patrimonial de 53.260,00 €”.
5Esta verba nº 10 correspondente a terreno para construção urbana, constituída na escritura de “Partilha” de 18/3/1992 nunca foi objecto de loteamento, ou outra forma de definir os seus limites nunca tendo sido implantado no terreno.
6- Desse lote inicial, constituído em 1992, foram retirados 1.086,30 m2 que, por usucapião, os A.A. adquiriram por neles terem construído a sua casa após doação verbal do pai JS….
7- Tal usucapião foi declarada judicialmente no âmbito do Processo nº …/… do Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Mafra do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste e onde os aí R.R., MV…, CS…, AV…, ME…, MA… e JR… reconheceram a aquisição do direito de propriedade dos aqui A.A. por usucapião.
8- Durante o sobredito processo de inventário, foi corrigida a área do acima identificado lote de terreno, passando este a constar com a área de 4.545,70 m2 e mantendo as confrontações.
9- Por lhe ter sido retirada a área de 1.086,30 m2 e passar a ter a área de 4.545,70 m2, o lote que estava inscrito com o artigo …º passou a ser o artigo …º, de Santo I....
10- Quando foi levado à partilha, nos sobreditos autos de inventário, o lote de terreno em causa tinha a área de 4.545,70 m2, e confrontações, a norte e sul com JS…, a nascente com AV… e Outros e a poente com serventia.
11- Nesses autos de Inventário, os R.R. licitaram e foi-lhes adjudicada a denominada verba nº 10 – lote para construção.
12- Em 17/4/2012 os R.R. requereram o registo, na Conservatória do Registo Predial com a Ap. 1766.
13- Nesse mesmo acto através do documento de apresentação na Conservatória do Registo Predial indicaram as confrontações do lote, do seguinte modo :
Norte e Sul – JS….
Nascente – ASB….
Poente – Serventia.
14- A nascente, o lote de terreno acima identificado, confronta com as casas de DS... AV… e outro.
15A poente o lote confronta com serventia – que é a serventia que atravessa o prédio no sentido Norte/Sul e a única que existe no artigo …º ….
16- Em face desta descrição os A.A. enviaram aos R.R. (através das suas Mandatárias) a planta de implantação do sobredito lote, conforme carta de 8/5/2012.
17- O referido lote constituído em 1992 e o prédio rústico de onde tinha sido desanexado mantinha-se na propriedade das mesmas pessoas – JS… e mulher e depois, os seus quatro filhos, em comunhão hereditária até à partilha efectuada no sobredito Inventário nº …/….
18- Todos os filhos de JS… usavam como queriam o terreno rústico e o lote criado em 1992.
19- Nunca ali foram colocados marcos que delimitassem o artigo …º … do artigo …º.
20- Em 10/5/2012, os R.R. alteraram, por requerimento na Conservatória do Registo Predial de M..., a descrição predial do sobredito lote de terreno atribuindo-lhe as seguintes confrontações :  Norte – Serventia ;  Sul – ML… ;  Nascente – DS… e AS… ;  Poente – JS….
21Os R.R. remeteram aos A.A. a carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 78 e 79.
22- A que os A.A. responderam com a carta de 30/5/2012 cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 81 e 82 dos autos.
23-  Voltaram os R.R., em 5/7/2012 a enviar aos A.A. a carta, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 83 e 84.
24- Os A.A., com base nos documentos identificativos do lote objecto dos autos, solicitaram a um técnico que procedesse à implantação de tal lote no terreno.
25- Nessa sequência, foi elaborado o documento cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 70.
26- O prédio rústico “VC…”, sito em Monte B..., composto de terra de semeadura, pinhal e prado natural, descrito na Conservatória do Registo Predial de M..., sob o nº …, freguesia de Santo I..., teve a área de 38.750 m2, a confrontar do Norte com JS…, do Sul com VS… e outro e do Nascente com FR… e do Poente com JSG….
27- Em 30/7/1992, foram desanexado, desse prédio, 5.632 m2, que foram formar o nº …, da Conservatória do Registo Predial de M..., freguesia de Santo I....
28- Conforme Ap. 13/920730, aquele prédio descrito sob o nº … passou a ter a área de 33.118 m2 e a confrontar do Sul com herdeiros de VS…, ficando pendente de rectificação desde 13/7/1992.
29- Este último prédio urbano foi constituído em 18/3/1992 na escritura de partilha por óbito de AS… e DV…, tendo a aí denominada “verba número três” sido dividida da seguinte forma :  a)– Terreno para construção urbano com a área de 5.632 m2, que confronta do Norte e Sul com JS… e herdeiros de VS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia, ao qual atribuíram o valor de 200.000$00 (duzentos mil escudos) ;  e b)  Rústico com a área de 33.118 m2 que confronta do Norte com JS…, do Sul com herdeiros de VS… e outros, do Nascente com FR… e do Poente com JSG…, ao qual atribuem o valor de 25.510$00 (vinte e cinco mil e quinhentos e dez escudos).
30- De tal divisão resultou um novo prédio correspondente a terreno para construção, urbano com 5.632 m2.
31- Tal prédio urbano composto de terreno para construção urbana, foi participado na matriz através da “Declaração para Inscrição ou Alteração de Inscrição de Prédios Urbanos na Matriz”, em 16/3/1992, mostrando-se assinado por MC…, e que deu origem ao artigo …º da freguesia de Monte B..., tendo ficado a constar desse requerimento que tal terreno confrontava a Norte e Sul com JS… e herdeiros de VS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia.
32Tal prédio foi criado pelo pai do A. marido e da R. mulher, JS… e restantes herdeiros de AS… e DV… e foi adjudicado a JS… e mulher, por acordo.
33- Em 2001, herdeiros de JS…, entre os quais não se encontravam os A.A., solicitaram, no Gabinete de Engenharia “L…”, um estudo de loteamento, cuja respectiva “planta de síntese” se mostra junta aos autos a fls. 142.
34-  Em tal planta estava prevista a divisão da área de 5.632 m2 em três lotes, sendo os lotes 1 e 2 para as duas irmãs construírem as suas casas (assinaladas a rosa) e o lote 3, correspondente às casas do D… já construídas (tracejado laranja).
35- O A. não aceitou o projecto de loteamento previsto nesse documento.
36Em 2009, os A.A. intentaram a acção que veio a ser distribuída sob nº …/… da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Juízo de Média e Pequena Instância Cível de M..., onde pediram que os aí R.R. (entre os quais se encontram os R.R. nesta acção) fossem condenados a reconhecer que os A.A. eram donos de duas parcelas de terreno com a área total de 1.086,30 m2.
37- Nessa acção, os A.A. alegam que tais 1.086,30 m2 ficaram englobados no prédio descrito sob o nº … de Santo I..., adjudicados.
38- Mais referem os A.A. no artigo 9º da petição inicial de tal acção, que muraram a totalidade daqueles 1.086,30 m2 assinalados a verde e vermelho nos doc. nº 4 e nº 5 juntos a tal peça processual., aparentando tal documento nº 5 corresponder ao documento nº 4 junto com a contestação destes autos.
39Os A.A. alegam no artigo 3º dessa petição inicial que JS… acordou com o aí e aqui A. dar-lhe o terreno “assinalado a tracejado vermelho” no documento nº 5 junto a tal petição inicial, aparentando tal documento nº 5 corresponder ao documento nº 4 junto com a contestação destes nossos autos.
40- Em tal processo, os aí R.R. declararam reconhecer que os A.A. eram donos e legítimos proprietários dos referidos 1.086,30 m2 por os terem adquirido por usucapião.
41- Nessa sequência, veio a ser corrigida a área da verba nº 10 do sobredito Inventário que deixou de ser de 5.632 m2 e passou a ser de 4.545,70 m2.
42- Em 28/3/2012, os A.A. reclamaram da área do prédio … Secção …, onde afirmaram que o artigo urbano …, actual … “está já constituído”, conforme declaração assinada pelo A. D… e entregue no Serviço de Finanças, junta aos autos a fls. 193 e 194.
43- Em 17/4/2012, os R.R. requereram o registo do terreno em causa em seu nome, tendo passado a ser o artigo …º de Santo I....
44A senhora funcionária da Ilustre Advogada dos A.A. entregou à senhora funcionária da Advogada dos R.R. a carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 189 e 190.
45Do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº ....
46- O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de M..., freguesia de Santo I..., sob o nº …, mostra-se, actualmente, descrito com as seguintes confrontações :  “Norte :  caminho particular ;  Sul :  ML… ;  nascente :  DS… e AS… ;  e Poente :  JS…”. Desanexado do prédio …. O artigo matricial está pendente de reclamação desde 2012/05/10”.

b)–  Foram considerados como não provados os seguintes factos :
INa altura em que foi criado o prédio, terreno para construção urbano com 5.632 m2, o JS… abriu uma serventia para determinar a respectiva extrema poente, serventia essa que se assinala a vermelho na planta que se mostra junta aos autos a fls. 142.
II- Quando JS… criou o lote, combinou com os primos, que o mesmo lhe seria adjudicado para posteriormente, ele o ceder as suas filhas MV… e MA…, conforme vontade que declarou.
III- Era vontade do JS… que as suas filhas ali fizessem as suas casas, para ficarem perto dos dois irmãos D… e AV… e por isso, destinou aquele lote às duas filhas para aí construírem as suas duas casas.
IVPosteriormente, o A. D…, por ocasião da construção das casas dos seus filhos, pediu aos R.R. e à irmã MV… e ao marido desta, para despejar as terras de tais construções, no lote em questão.
VTambém os R.R., só efectuaram vários aterros no referido terreno para construção, com autorização da MV….
VITais aterros taparam a serventia a poente, mas mantiveram a configuração e implantação do lote que corresponde à planta junta como documento nº 4, com a contestação.
VII- A divisão aludida no ponto 34 dos Factos Provados, fora destinada pelo pai de A. e R., JS… que, para esse efeito, desanexou 5.632 m2 do artigo … Secção …, criando esse terreno para construção urbana.
VIII- Até às licitações no processo de inventário nº …/…, os A.A. nunca puseram em causa a configuração do prédio … de Santo I... defendida nestes autos pelos R.R..
IXSó depois da adjudicação do prédio … aos Réus no Inventário nº …/…, é que os A.A. puseram em causa a configuração da planta de síntese junto como documento nº 4 com a contestação.
X- Em 17/4/2012, ao requererem o registo do terreno em causa em seu nome os R.R. actualizaram algumas confrontações.
XI- Após o óbito de JS…, os seus quatro filhos, noras e genros incluindo os A.A., conjuntamente com os comproprietários ML… e B…, abriram um caminho em toda a extrema norte do terreno para construção – prédio ….
XII- Tal terreno passou assim a confrontar do Norte, com caminho particular.
XIII-  Em virtude da partilha e da compra referidas no ponto 1 dos Factos Provados, o prédio … passou a confrontar a Poente com DS… e ML….
XIVAs confrontações constantes na escritura de 18/3/1992, correspondem à planta de síntese junta como documento nº 4, com a contestação, tendo em conta a realidade em 18/3/1992.
XV- Em 18/3/1992, não existia ainda o caminho posteriormente aberto a Norte.
XVI- Do Poente, o lote de terreno em causa, confrontava com a serventia criada por JS… ;  depois dos aterros terem eliminado a serventia, passou a confrontar com JS… (herdeiros) e outros ;  e, depois da partilha e da venda de B… ao A. DS…, passou a confrontar com o A. D… e ML….
XVII- A carta junta aos autos a fls. 189 e 190 só foi dada a conhecer aos R.R. cerca de 20 dias depois de ter sido entregue em mão.
XVIIIO terreno para construção foi implantado aquando da sua constituição em 1992.
XIX- Todos os irmãos sabiam como estava implantado o lote e quando o usaram foi com conhecimento e autorização das duas irmãs MV… e MA… e respectivos maridos.
XX- A extrema Sul do prédio …, ficou definida com ML… porque, com base na configuração do prédio … constante na planta de síntese junta como documento nº 4, os R.R. acordaram com ML… confinante a Sul, a cedência de um bico delimitado por uma pedra e canas, para acerto de extremas, pelo preço de 80.000$00 (400 €), tendo tal quantia sido paga pelos R.R. a ML… que os recebeu, e tendo, desde logo, ficado combinada a integração de tal bico no prédio … de Santo I... dos Réus.
XXI- Relativamente ao lote de terreno titulado pelos R.R., poente é a única confrontação que não está demarcada, por ter desaparecido a serventia aberta por JS….

c)– Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, as questões em recurso são as seguintes :
-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Saber se existem motivos para a acção proceder.
-Saber se os recorridos agiram com abuso de Direito.

d)– Vejamos, em primeiro lugar, se existem motivos para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
Ora, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

e)– Desde já se refira que o teor das alegações não facilita a tarefa do Tribunal.
São extensas (como já referimos) algo confusas, pouco sistemáticas e misturadas com considerações jurídicas.
E, em bom rigor, estão no limite de uma eventual rejeição, pois só com alguma bonomia poderemos considera que são indicados de forma precisa os pontos de facto impugnados.
Com efeito, apenas é indicado em concreto o Facto Provado nº 5 e unicamente em sede de alegações (mas não em sede de conclusões). 
Pretender que seja o Tribunal de recurso a inferir os pontos de facto pretensamente impugnados pelos recorrentes atenta contra a própria imparcialidade devida ao Tribunal, por intromissão numa esfera claramente da incumbência dos recorrentes, como é a do seu poder dispositivo sobre a delimitação do objecto do recurso (cf. Acórdão do S.T.J. de 17/3/2016, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
E a parte tem à sua disposição a decisão recorrida para, com base nela, e atendendo à estrutura da mesma (onde cada facto provado e não provado está devidamente enumerado), apontar os factos que entende mal decididos.

f)– Dito isto, vejamos :
No essencial, aquilo que os apelantes pretendem nas suas alegações de recurso, é que o Tribunal conclua que não está provado que o lote em causa não confronta a Poente com serventia, antes tendo as confrontações por eles indicadas no requerimento apresentado em 10/5/2012 na Conservatória do Registo Predial de M....

g)– Ora, na fundamentação indicada pelo Tribunal “a quo” para chegar a tal conclusão diz-se :
“Quanto aos pontos 14, 15, 16, 18, 24 e 25 dos Factos Provados, o Tribunal considerou o teor do relatório pericial (fruto da perícia colegial, unânime) junto aos autos a fls. 459 a 477 dos autos, com o esclarecimento dos senhores peritos junto aos autos a fls. 508 a 510 dos autos ; realçando-se a afirmação aí constante (e reiterada nos esclarecimentos prestados em audiência final) de que as partes, aí presentes, quanto a confrontações do lote de terreno em causa, apenas mostraram discordância quanto ao poente ;  e, bem assim, a sua afirmação de que verificaram a existência de serventia, a poente, junto à linha de água”.

“Mais se relevou, particularmente, quanto à confrontação do lote, em causa, o conteúdo dos documentos juntos aos autos a fls. 19 e 23 a 25 ;  45 e 51, 67 a 69, 121 a 123, 138 e 140/141 (e a fls. 739 a 759 e 761 a 764 dos autos) ;  além do documento junto aos autos a fls. 703 (verso) no qual se vislumbra realidade repetidamente afirmada pelas testemunhas ouvidas em audiência final quanto aos quinhões organizados “de boca” pelos co-herdeiros “J…, M… e V…” e quanto ao sentido da orientação de tais “talhões” ;  e sem desprimor para o teor do documento junto aos autos a fls. 663 (frente e verso), aparentemente, atinente a essa mesma realidade”.

“Igualmente se considerou o teor do depoimento da testemunha AP…, topógrafo, que realizou a “Planta de Implantação” junta aos autos a fls. 70 – e a fls. 191 – (documento cujo teor, também, se considerou) a pedido dos Autores, salientando-se, do depoimento deste, a afirmação de que se baseou na escritura de partilha, na caderneta, na certidão do registo predial (e nas confrontações indicadas nestas últimas) ; que verificou a existência da serventia junto da linha de água, bem delimitada, com cerca de 2,5 m de largura, com terreno calcado e morfologia diversa do que a rodeava ;  que, tendo percorrido o terreno em causa, não encontrou qualquer outra serventia ;  e que, para confrontar, a poente, com serventia, tal como aqueles documentos indicavam, a forma (a orientação) como projectou implantar o lote, era a única, não podendo ser outra a orientação”.

h)– Verifica-se, pois, que foi dada uma especial atenção à prova pericial.
Ora, no que diz respeito à prova pericial, esta destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a torna particular é o seu peculiar objecto :  A percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).
O resultado da perícia é expresso num relatório, no qual o perito (se a perícia for singular) ou peritos (se a perícia for colegial) se pronunciam, fundamentadamente, sobre o respectivo objecto (artº 484 nº 1 do Código de Processo Civil).
A apresentação do relatório da perícia é notificada às partes, que podem reclamar, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição ou que as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas (artº 485º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil).  A reclamação consiste em apontar a deficiência e pedir que a resposta seja completada, ou em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido, ou em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita, ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas.
Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira (artº 487º nº 1 do Código de Processo Civil).
No tocante ao valor da perícia, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o Juiz é o perito dos peritos, o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do Juiz (artº 389º do Código Civil).
Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o Juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.
No entanto, convém não esquecer o particular e especial objectivo da prova pericial:  A percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).
Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, “máxime” da prova testemunhal. Assim sendo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do Juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva :  Sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o Tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva (artº 607º do Código de Processo Civil).  Dever este que deve ser cumprido com particular escrúpulo e cuidado no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida.
Mas, em boa verdade, não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o Juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos. Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, “máxime” uma nova perícia, a liberdade do Juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.
Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.
Por fim, há que ter em atenção que as conclusões apresentadas pelos peritos (unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo Tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes) só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, verificar que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção.

i)– Quanto ao caso em apreço.
Consta de fls. 459 a 477 o Relatório Pericial.
A fls. 504 a 510 vêm os Sr. Peritos apresentar por escrito os esclarecimentos solicitados pelos recorrentes.
Ora, da leitura do referido relatório verifica-se que o mesmo foi subscrito por unanimidade pelos três peritos :  O do Tribunal, o dos recorridos e o dos recorrentes (cf. fls. 464).
Mais se verifica que, em 14/9/2015 as partes, os seus Exmºs. Mandatários e os Srs. Peritos tiveram uma reunião conjunta (cf. fls. 461).
No relatório (que, relembre-se, também foi subscrito, sem qualquer ressalva, pelo Exmº Perito dos apelantes), é salientado que “foi perguntado a todos os intervenientes e confirmado por estes, que as confrontações do Norte e Sul com JS… e herdeiros de VS… e Nascente com AV… e outros estão correctas, independentemente das duas versões de implantação do terreno existentes nos autos.  No que diz respeito à confrontação de Poente verificou-se de imediato uma total discordância” (cf. fls. 462).

No esclarecimento de fls. 504 a 510 (também ele subscrito por unanimidade pelos Srs. Peritos) é referido que “as confrontações a Norte, a Sul e a Nascente, tiveram como base as duas versões de implantação no terreno existentes nos autos, sendo estas válidas para qualquer versão, relativamente à área de 5.632 m2 desanexada do prédio rústico do artigo … secção … e que são :
-Do Norte e Sul com JS… e herdeiros de VS… ;
-Nascente com AV… e outros.

Quando, a nascente é retirada a área de terreno correspondente à implantação das casas de DS…, e por observação das peças desenhadas pelas partes tem-se :
a)- Planta apresentada pelo Autor :  Do lado nascente, confronta praticamente com as casas de DS…, e numa zona reduzida com as casas de AV….
b)- Planta apresentada pelo Réu :  Do lado nascente, confronta com as casas de DS…”.
j)- Ora, partindo do relatório pericial, e tendo em atenção o seu valor probatório acima referido, de forma a irmos de encontro à pretensão dos apelantes, de que a confrontação de Poente do terreno em causa não é com a serventia, existe a necessidade de verificação de outros elementos de prova que permitam afastar o parecer qualificado dos Peritos.
Mas a verdade é que não se percepcionam elementos, nem na prova documental constante do processo, nem na prova testemunhal que acolham a posição dos recorrentes.
Relativamente à prova testemunhal, É certo que a testemunha JB… referiu que na linha de água não havia serventia, havendo unicamente uma serventia a Norte, que que ia dar a uma entrada ao “terreno do Senhor J…”, mas que não entrava lá para dentro.  Por sua vez a testemunha MR… salientou que a serventia que vinha do caminho da pedra amassada não atravessava os terrenos a todo o comprimento, sendo que “para sul” chegava a um ponto que acabava e que “para lá da serventia havia um caminho a pé, já dentro da propriedade do J…, para dar à sua horta”. A testemunha JC…, afirmou que “por trás da casita dos porcos (onde viveu), havia um caminho que ia dar lá abaixo ao poço” e que não havia qualquer caminho junto à linha de água, “pelo menos” nunca o viu.  Já a testemunha MA… referiu que existia um caminho (ou serventia) “na linha de água que dava acesso ao terreno do Senhor J…, mas não entrava lá para dentro, não continuava”; no entanto, após a limpeza da linha de água verificou que “ficou com aspecto de caminho”.

No entanto, e por outro lado, a testemunha AP…, topógrafo que realizou a “Planta de Implantação” (que consta de fls. 70) a pedido dos recorridos, afirmou de forma inequívoca, e com conhecimento pleno da situação, que, para a realização daquele documento se baseou na escritura de partilha, na caderneta, na certidão do registo predial (e nas confrontações indicadas nestas últimas) ;  no local verificou a existência da serventia junto da linha de água, bem delimitada, com cerca de 2,5 m de largura, com terreno calcado e morfologia diversa do que a rodeava ; no terreno não viu que existisse qualquer outra serventia pese embora o tenha percorrido ;  por fim, salientou e que, para confrontar, a Poente com a serventia, tal como os documentos por ele referidos indicavam, a orientação como projectou implantar o lote, era a única, não podendo ser outra a orientação.

Há ainda que salientar as declarações da testemunha JRA… que realizou os aterros descritos pelas restantes testemunhas falaram, afirmando não ter tapado, nesse serviço, qualquer serventia ao pé da designada “casinha dos porcos”.

k)– Ora, a acção de demarcação, embora hoje já não revista a forma de processo especial, não perdeu a natureza material de arbitramento, pelo que nela não deve prescindir-se da realização de perícia, pois a prova pericial continua a ser determinante, para a realização da demarcação, quando outros meios de prova não se apresentem tão idóneos, para o julgador poder decidir com plena confiança, a solução a dar ao pleito.
Não podemos esquecer que “as plantas cadastrais ou geométricas, porque levantadas pelas autoridades públicas, garantem mais fiabilidade no que toca aos acidentes naturais e humanos introduzidos na geografia da paisagem, sendo por isso um meio privilegiado de localização e relacionação dos prédios entre si, embora não sejam de dispensar outros meios probatórios quanto a áreas e localizações” (cf. Acórdão do S.T.J. de 9/9/2010, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), sendo certo que a leitura correcta de tais elementos cadastrais e geométricos deve ser feita, em primeira mão, por quem possui conhecimentos técnicos para tal, de modo a fazer corresponder o que consta de tais elementos com o que se mostra ou deve mostrar implantado no terreno.
Cabe ao Juiz, como já vimos, valorar livremente todos esses elementos e formar a sua livre convicção sobre a matéria litigiosa, tendo em vista alcançar, tanto quanto possível, a verdade material.
E, com os elementos existentes nos autos, não é possível responder de forma diferente à matéria de facto, como os recorrentes pretendem, nada havendo que apontar à ponderação feita na 1ª instância, relativamente aos termos em que apreciou os vários elementos probatórios e determinou as confrontações em causa.

l)– Assim, não vislumbramos motivos para alterar a matéria de facto apurada, pelo que o recurso nesta parte improcede.

m)–  É, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal de 1ª instância que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.

n)–  Vejamos, em primeiro lugar, o modo como há que efectuar a demarcação, desde já se adiantando que, mantendo-se os factos provados sem qualquer alteração, é manifesto que a linha divisória entre os prédios dos autos, tal como foi demarcada pelo Tribunal “a quo” não nos merece qualquer censura.
Ainda assim, dir-se-á que a norma do artº 1353º do Código Civil possibilita que, “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles”.
Consagra esta disposição legal o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.
Visando efectivar aquele direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos.
Logo por via da norma do artº 1354º nº 2 do Código Civil se vê que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si. 
Tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio Tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º do Código Civil.
Com a inexistência de uma linha demarcatória, o Tribunal deve pronunciar-se nos termos dos artºs. 1353º e 1354º Código Civil.
Isto é assim, de facto, também porque nos encontramos perante um direito potestativo, isto é, “direito que o titular exerce por sua livre vontade, desencadeando determinados efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade deste” (cf. Prof. Ana Prata, in “Diccionário Jurídico”, 3ª ed., pg. 371).
A natureza do direito de demarcação e a sua mais geral inserção na área dos direitos potestativos impõem ao Tribunal uma decisão em concreto, que obedeça aos comandos legais já supra citados.
A acção de demarcação vem a constituir uma acção pessoal e não real, porquanto não tem como fito principal ou acessório o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos (reais) definidos no artº 2º do Código do Registo Predial, por referência ao artº 3º nº 1, al. a) do mesmo Código.  Não se pretende obter através dela a declaração de um qualquer direito real ou a definição da sua amplitude.  A qualidade de proprietário (de um dado terreno ou prédio), invocada pelo autor, é apenas condição da sua “legitimatio ad causam”.  Daí que a respectiva causa de pedir resida no facto complexo da existência de prédios confiantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas, que não no facto que originou o invocado direito de propriedade (cf. Acórdão do S.T.J. de 29/6/2000, in B.M.J. nº 499, pg. 294 e Acórdão da Relação de Coimbra de 13/5/2014, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Os títulos existentes é que concorrerão para definição das estremas, e esta definição não faz nascer um novo domínio, respeitando antes o domínio pré-existente.
O conflito acerca do título é típico da acção de reivindicação, sendo que o conflito acerca dos prédios (por exemplo, a extensão dos mesmos) é próprio da acção de demarcação.
É certo que, a pretexto da definição de confrontações, a acção de demarcação não pode ser utilizada para um reconhecimento da propriedade sobre uma qualquer parcela de terreno, isto porque o pressuposto da demarcação é o do respeito pelos títulos existentes.
Esta constatação implica, pois, que não se deva aceitar a demarcação que, ao menos pelos limites do pedido ou das consequências do julgado, venha a constituir uma verdadeira acção de reconhecimento de propriedade.
E como se refere no Acórdão do S.T.J. de 9/10/2006 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), na acção de demarcação “o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho de causa ou nenhum.”
Portanto, na acção de demarcação não vigora o princípio “actore non probante, reus absolvitur”.
Ou seja, autor e réu têm o mesmo ónus de indicar e provar a exequibilidade da linha divisória.  Com efeito, neste tipo de acção todos têm o mesmo interesse em definir os limites materiais dos prédios confinantes.
Por isso, todos devem concorrer para a demarcação das estremas.  Daí que se diga que a acção de demarcação constitui um caso de “iudicium duplex”.  Assim, em caso de total inércia das partes, o Juiz deverá supri-la oficiosamente a fim de acertar a estrema entre os prédios das partes, mas ainda aqui sem ultrapassar os limites impostos pelo princípio do dispositivo.
O modo de proceder à demarcação fica confinado ao disposto no já citado artº 1354º do Código Civil. 
Em primeiro lugar, de acordo com este preceito há que atender ao que consta dos títulos, se estes não forem suficientes à posse em que estejam os confinantes ou à demarcação segundo outros meios de prova.  Só no caso de os títulos nada de concreto revelarem, é que a demarcação será feita distribuindo o terreno em litígio em partes iguais.

o)–  No caso em apreço existem diversos títulos e documentos.
Assim, logo à partida temos a e escritura de partilha de 1992 e os documentos daí decorrentes, o seja, o Modelo entregue na Repartição de Finanças de M... em 16/3/1992 e o registo na Conservatória do Registo Predial de M... efectuado em 1992 (e que se manteve até 2012).
Temos, ainda, tudo aquilo que consta do Processo de Inventário nº …/… do Juízo de Média Instância Cível de Sintra, …ª Secção do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, onde o cabeça de casal descreveu a verba nº 10 como sendo o “prédio urbano composto de terreno para construção, sito em Monte B..., freguesia de Santo I..., concelho de M..., com a área total de 4.545,70 m2, a confrontar do Norte com JS…, do Sul com JS…, do Nascente com AV… e outros e do Poente com Serventia, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... com a descrição …, com o valor patrimonial de 53.260,00 €”. No mapa de partilha consta esse bem tal como descrito.
Essa verba veio a ser adjudicada aos apelantes que, em 17/4/2012 requereram o registo da parcela em seu nome, na Conservatória do Registo Predial, tendo indicado as confrontações do lote, do seguinte modo :  Norte e Sul – JS… ; Nascente – ASB… ;  Poente – Serventia.
Por outro lado, inexistem dúvidas quanto à titularidade da propriedade de cada um dos prédios de que recorrentes e recorridos são proprietários.
Acresce que o lote de terreno para construção de que os recorridos são proprietários não se mostra implantado no terreno.
Mas a única possibilidade de implantação, de acordo com os títulos existentes (e tendo em atenção a prova pericial) é a defendida pelos recorridos, razão pela qual há que determinar aquela nos termos decididos pelo Tribunal “a quo”.

p)– Por fim, vejamos o eventual abuso de direito por parte dos apelados (na modalidade de “venire contra factum proprium”).
De acordo com o preceituado no artº 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como se vê, uma das situações em que se verifica o abuso de direito é o excesso dos limites impostos pela boa fé, mas esse excesso deve ser manifesto, claro, patente, indiscutível e não se torna necessário que tenha havido a consciência de se excederem tais limites, pois o C.C. consagrou a concepção objectiva do abuso de direito (neste sentido, cf. P. Lima e A. Varela in “Código Civil anotado”, Vol. I, pg. 298 e Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, pg. 65).
E quando é que existe esse excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé ?
O princípio da boa fé está consagrado no artº 762º nº 2 do Código Civil, nos termos do qual “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
Agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar (cf. Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, pgs. 93, 845 e 846 e A. Varela in Col. 3/86, pg. 13 e Col. 4/87, pg. 28).
O abuso do direito, por sua vez, constitui uma “válvula de segurança”, para evitar injustiças gravemente chocantes e reprováveis para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade.
Existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, no entanto, no caso concreto, exercido em termos clamorosamente ofensivos da Justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
Isto é, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim económico e social a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento (cf. P. Lima e A. Varela in “Código Civil anotado”, Vol. I, pg. 298 e ss e Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, pg. 60 e ss).
Uma das modalidades que pode revestir o abuso de direito encontra guarida no instituto jurídico denominado “venire contra factum proprium”.
Esta vertente do abuso de direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara.
A propósito de tal instituto, o Prof. Almeida Costa (in Rev. Leg. Jur., 129º, pg. 61) refere que “de acordo com o entendimento mais recente e quase uniforme da dogmática, a relevância da chamada conduta contraditória supõe a conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança.  Entende-se que vedar, pura e simplesmente, a uma pessoa a prática de actos lícitos, embora opostos, redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatível com o tráfico jurídico”. E acrescenta que “a concepção da tutela da confiança assenta no enunciado de um certo número de eventos ou circunstâncias que integram o chamado “facto jurídico da confiança” e que são :  a situação objectiva de confiança (esta existe quando alguém pratica um acto – o “factum proprium” - que, em abstracto, é apto a determinar em outrem a expectativa de adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com aquele primeiro e que, em concreto, efectivamente gera tal convicção, não surgindo, pois, tal situação se o “factum proprium” não influenciar o destinatário, como sucede quando se demonstra que este, independentemente da conduta de outrem, teria agido do mesmo modo) ; o investimento da confiança (este corresponde às disposições ou mudanças na vida do destinatário do “factum proprium” que, não só evidenciam a expectativa nele criada, como revelam os danos que, irrefragavelmente, resultarão da falta de tutela eficaz para aquele – irreversibilidade do investimento, lhe chama a dogmática alemã) ; finalmente, entende-se que a confiança apenas se mostra digna de protecção jurídica se o destinatário se encontrar de boa fé em sentido subjectivo, ou seja, se houver agido na suposição de que o autor do “factum proprium” estava vinculado a adoptar a conduta prevista e se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico”.
Por seu turno, também em sede de pressupostos deste instituto, observa Baptista Machado (in “Obra Dispersa”, Braga 1991, Vol. I, pg. 416) que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo :  uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. (…) Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”.
Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida de onde lhe resultarão danos se a sua legítima confiança vier a ser frustrada (neste sentido cf. Acórdão do S.T.J. de 11/12/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

E, dentro da mesma temática, ensina o Prof. Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., pg. 58) :
“Quanto à tutela da confiança, a sua protecção através do princípio da boa fé significa exigir-se no quadro de um sistema móvel um conjunto de pressupostos para que a confiança tenha tutela jurídica.  Seriam assim exigíveis :
-Uma situação de confiança, traduzida numa boa fé subjectiva ;
-Uma justificação para essa confiança, consistente no facto de a confiança ser fundada em elementos razoáveis ;
-Um investimento de confiança, consistente no facto de a destruição da situação de confiança gerar prejuízos graves para o confiante, em virtude de ele ter desenvolvido actividades jurídicas em virtude dessa situação ;
-A imputação da situação de confiança criada a outrem, levando a que este possa ser considerado responsável pela situação”.
Para o Prof. Menezes Cordeiro (in “Da Boa Fé No Direito Civil”, Reimpressão, 1997, pgs. 745, 758, 759, 769 e 770) ““Venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo.  O primeiro - o “factum proprium” – é, porém, contrariado pelo segundo”. (…)No essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê (...) :  a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica;  a adesão do confiante a esse facto ;o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada – um determinado investimento de confiança – de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio.  O “factum proprium” daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências.  (…) “A articulação destes requisitos entre si não opera em termos cumulativos comuns :  a falta de algum deles pode ser suprida pela intensidade especial que assumam os restantes.  Neste domínio como noutros, a concretização da boa fé impõe o abandono de subsunções conceptualísticas como modo de aplicar o Direito”.  E mais salienta que “a proibição de “venire contra factum proprium” representa um modo de exprimir a reprovação por exercícios inadmissíveis de direitos e posições jurídicas. Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do “status” gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa.  O “factum proprium” impõe-se não como expressão da regra “pacta sunt servanda”, mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado pela concretização da boa fé”.

q)– Feita, assim, em traços muito breves a definição da figura do abuso de direito, vejamos se ela se verifica no caso em apreço.
Entendem os recorrentes que “tendo em conta a zona classificada como urbana e a distância mínima de 5 metros aos limites laterais e 6 metros ao limite tardoz dos lotes para construir uma moradia, tudo de acordo com o PDM de M..., os limites de demarcação propostos pelos AA. permitem que estes implantem 2 lotes, enquanto que os RR. só conseguem implantar um único lote” ;  “à luz da delimitação pedida pelos AA., em 2012 teriam estes licitado 2 lotes pelo valor aproximado de 27.500,00 € e simultaneamente teriam licitado 1 lote pelo valor aproximado de 150.000,00 €”.
Ora, para que se tivesse verificado o abuso de direito, necessário seria que se tivesse provado a tese dos recorrentes em termos de matéria de facto.
Como vimos, não o lograram fazer.
Deste modo, e sem necessidade de mais considerandos, entende-se que não está verificada qualquer situação de abuso de direito por parte dos apelados.
O que significa que, também nesta parte, o recurso improcede.

r)–  Em face de tudo o que acima se deixa exposto, não se vê que a decisão sob recurso mereça qualquer censura, razão pela qual há que a confirmar.
*  *  *

III–Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas: Pelos recorrentes (artº 527º do Código do Processo Civil).



Lisboa, 26 de Março de 2019



(Pedro Brighton)–(Processado em computador e revisto pelo relator.)
(Teresa Sousa Henriques)
(Isabel Fonseca)