QUESTÃO NOVA
HIPOTECA
VENDA DE BENS ONERADOS
CLÁUSULA CONTRATUAL
NULIDADE
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
VONTADE DOS CONTRAENTES
ÓNUS DA PROVA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
Sumário


I - Se a questão levantada, «ex oficio», pela Relação, não foi objeto de pronúncia, pela sentença de 1.ª instância, estando-se, portanto, perante uma questão que, pela primeira vez, aparece defendida nos autos, trata-se de uma questão, inteiramente nova, que conheceu a sua primeira abordagem com o acórdão recorrido, e que só pode ser impugnada, por meio de recurso, desde que se reconduza a uma hipótese de conhecimento oficioso.
II - A cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados constitui um limite intolerável ao princípio da liberdade contratual, que se traduz numa injustificável «capitis deminutio» do devedor, uma vez que, com a alienação ou oneração da coisa, em nada são prejudicados os direitos do credor, porquanto, se o devedor, autor da hipoteca, alienar a coisa hipotecada, pode o credor, no exercício do direito de sequela, invocar, diretamente, a sua garantia real contra qualquer adquirente ou subadquirente, sem necessidade de impugnar, preliminarmente, a alienação efetuada pelo autor da garantia.
III - A nulidade pode ser, total ou parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo e, assim, a nulidade de alguma das cláusulas não determina a nulidade total do negócio, quando as cláusulas nulas são substituídas, «ope legis», por normas imperativas, de acordo com a regra da incomunicabilidade da nulidade, correspondente ao princípio da conservação do negócio jurídico.
IV - No âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído sem aquela parte que é atingida pelo consenso das partes, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjetural, se tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
V - O contraente que pretende ver declarada a invalidade total do negócio jurídico tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento da sua celebração, era nesse sentido, isto é, que as partes, ou pelo menos, uma delas, teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer, na sua integridade, porquanto, a não ser efetuada essa prova, ou seja, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou, em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a invalidade total.
VI - Tratando-se de uma situação de invalidade parcial resultante da infração de uma norma destinada a proteger uma parte contra outra, sempre haveria redução do negócio jurídico, mesmo existindo vontade hipotética ou real, em sentido contrário, a denominada «redução teleológica», baseada na necessidade de alcançar, plenamente, as finalidades visadas pela norma imperativa atingida.
VII - A nulidade que pode ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal, constitui uma exceção à regra da inadmissibilidade de recurso, em relação às questões que não tenham sido invocadas, perante o tribunal recorrido, antes, porque desnecessária a alegação das partes, deve o Tribunal de recurso conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida.
VIII - Vendo o autor-recorrente suprida, pelo tribunal da Relação, a nulidade, por omissão de pronúncia, que arguiu, consoante tinha solicitado nas alegações da revista, esta fica a ter como objeto a nova decisão, agora parte integrante do acórdão, relativamente ao qual, assim alterado, aquele nada requereu, pelo que, seguindo os autos para este STJ, tal como estavam, em matéria de alegações, apenas com o suprimento da omissão de pronúncia ocorrido, não importa já conhecer do seu objeto, que se esgotou.
IX - Sendo a invalidade, onde se inclui a nulidade, uma espécie do género ineficácia, ou seja, é apenas, uma ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio, e consistindo o vício ocorrido na cláusula ajuizada, na sua total oposição com o normativo legal, tal não se reconduz a uma falta ou irregularidade de qualquer um dos elementos internos ou essenciais do negócio, que configura a nulidade, mas antes a um impedimento que o ordenamento jurídico coloca, em parte, quanto à produção dos seus efeitos próprios, que consubstancia uma situação de ineficácia, «lato sensu».

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

“AA, SA”, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra "BB, Lda.", CC e DD, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, “seja declarada a nulidade, por simulação e indeterminabilidade, do contrato de cessão de exploração de empreendimento turístico, celebrado pelos réus, em 23 de Dezembro de 2010 [a], seja declarado nulo, qualquer outro contrato relativo ao empreendimento, anterior, ou, posteriormente, celebrado entre os mesmos réus [b], seja ordenada a restituição do direito de exploração do empreendimento turístico à 1ª Ré [c], seja a 1ª ré condenada a abster-se de praticar qualquer acto sobre o empreendimento turístico supra melhor identificado, que represente qualquer ónus ou encargo e, que diminua a garantia do autor [d], e, subsidiariamente, que o contrato de cessão de exploração "sub judice" seja declarado ineficaz e inoponível ao autor, com as legais consequências”.

Com vista a atingir a finalidade pretendida com a acção, alega, para o efeito, em síntese, que, no exercício da sua actividade, o autor concedeu, com o aval do réu CC, diversos financiamentos, que se encontram em incumprimento e ascendem a um total, incluindo capital e juros, que ultrapassa os €9.750.000,00.

Os créditos destinavam-se a financiar a ré “BB, Ldª” na construção de um empreendimento turístico e imobiliário, do tipo Aparthotel, encontrando-se garantidos por hipotecas sobre o prédio em causa.

 O empreendimento foi vistoriado, tendo-lhe sido concedida licença de exploração turística, com a classificação provisória de 3 estrelas.

 Foram efectuados 58 contratos promessa de compra e venda dos 101 apartamentos em causa, que não chegaram a concretizar-se, pata além de duas escrituras, por culpa imputável aos réus.

 O autor instaurou execuções contra os réus para se ressarcir dos créditos incumpridos, sendo certo que, no decurso da ação executiva, o autor veio a conhecer que os réus concertaram esforços e celebraram um contrato de cessão de exploração de empreendimento turístico sobre a totalidade das frações autónomas, com o intuito de se apropriarem do resultado do uso e exploração do empreendimento, retirando, com tal contrato, todo o valor económico ao empreendimento e às fracções prometidas vender, tendo os promitentes compradores perdido o interesse no negocio e rescindido os contratos promessa, retirando, igualmente, todo o valor das garantias reais do autor e impedindo-o de se ressarcir do seu crédito.

A sentença “julgou, parcialmente, procedente a presente acção, e, em consequência, absolveu os réus do pedido principal e condenou os réus no pedido subsidiário, ou seja, declarou que o contrato de cessão de exploração em causa nos autos - de fls. 192 e seguintes - entre as rés é ineficaz em relação ao autor, com as devidas consequências legais”.
Desta sentença, a ré DD interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação “revogado a sentença, na parte que julgou procedente o pedido subsidiário, absolvendo os réus do pedido subsidiário”.
Do acórdão da Relação de Évora, o autor “AA, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de que o mesmo “seja considerado nulo, por omissão de pronúncia, mantendo-se a douta sentença recorrida”, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:
1ª – A Apelante outorgou um contrato de cessão de exploração do empreendimento com a 1ª Ré "BB, Lda.".
2ª - Em momento anterior à celebração do contrato de exploração, foi registada Hipoteca no referido imóvel a favor do ora Autor.
3ª - A referida hipoteca adveio de um contrato de abertura de crédito celebrado entre o Autor e a ré "BB, Lda.".
4ª - Na acção declarativa foi exposto, expressamente, no Articulado 58º, que o contrato de abertura de crédito continha uma cláusula (7.ª) onde se exige ser dado conhecimento ao Autor de quaisquer acções que coloquem em causa o imóvel dado como garantia.
5ª - Em momento algum, quer na Contestação quer na Tréplica, veio a ora Apelante arguir a nulidade dessa cláusula 7ª, mais sabendo, como se disse, que a mesma cláusula é parte do contrato aceite e outorgado pela Ré "BB, Lda.".
6ª - Tendo o presente recurso como causa de pedir a nulidade dessa cláusula como matéria nova, leia-se para o efeito o Ac. 10773/2008-1 do TRL onde se explana que "a arguição da nulidade de uma cláusula do contrato que serve de causa de pedir deve ser feita na contestação, onde deve ser concentrada toda a defesa, e não apenas nas alegações de recurso." (Sublinhados nossos).
7ª - Além de que por força do Art. 573º CPC, toda a defesa deve ser deduzida na Contestação e, uma vez que, como se referiu, a cláusula 7ª foi mencionada na Petição Inicial pelo Autor, teve a Ré recorrente conhecimento desta alegada nulidade.
8ª - Entende-se claramente que, não obstante a regra geral para arguição de nulidade seja "a todo o tempo", situações há em que tal não se verifica, havendo jurisprudência que considera existirem aproveitamentos tardios de certas alegadas nulidades de conhecimento muito prévio. Clarifique-se com o Ac. TRL supra descrito onde se pode ler que "na contestação do réu, ora recorrente, não existe qualquer arguição de nulidade da cláusula em referência. Só aqora, nas conclusões de recurso é que o recorrente aproveitou para, tardiamente, deixar consignada tal arguição." (Sublinhado nosso).
9ª - Prosseguindo com o douto Acórdão, "o réu, ora recorrente, não arguiu este meio de defesa em sede própria, pelo que não pode este Tribunal suprir um grau de jurisdição para se ocupar de tal questão."
10ª - Além do mais, os recursos destinam-se à reapreciação, ou reexame das questões decididas, que não ao conhecimento de matéria nova (...) Não sendo de conhecimento oficioso as nulidades invocadas pelo recorrente apenas em sede de recurso, não pode o Tribunal da Relação delas conhecer, cfr. Ac. 1451/12.3YIPRT.E1 Tribunal da Relação de Évora (sublinhado nosso).
11ª - Também o referido Acórdão TRE, em concordância com o Acórdão TRL, diz-nos que, "não tendo sido alegada nos articulados e por conseguinte, não tendo sido objecto de apreciação na lª Instância, trata-se de matéria nova, que não sendo de conhecimento oficioso, está afastada do conhecimento deste Tribunal." (Sublinhado nosso).
12ª - O referido conhecimento oficioso prende-se com a existência da nulidade arguida nas alegações da Apelante e não do conhecimento oficioso da existência da Cláusula 7ª do Contrato.
13ª - Assim, a matéria nova descrita em ambos Acórdãos é a alegação da nulidade e não a cláusula alvo de nulidade.
14ª - Em face do supra exposto, conclui-se que está em causa um Direito de Preclusão onde há uma verdadeira perda do direito de agir nos autos, como consequência da perda de oportunidade.
15ª - Assim, a Ré DD perdendo a oportunidade de invocar a nulidade da cláusula 7ª em sede própria (Contestação ou Tréplica), deixou de ter interesse em recorrer para a Relação - Interesse enquanto fonte de acesso à tutela desse acto processual, cfr. explica o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 215/09.6TTTMR.C1 "O pressuposto processual chamado de "interesse em agir", não explicitamente referido na lei processual, consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial (interesse em recorrer ao processo judicial)".
16ª - Interesse esse que lhe conferiria uma verdadeira legitimidade de agir mas que, por extemporaneidade, o perdeu.
17ª - No entanto esse facto arguido pelo Autor foi irrelevante para a fundamentação do Acórdão da Relação de Évora pois que, assumindo a nulidade como provindo de "conhecimento oficioso" tornou legítima a posição da Recorrente.
18ª - Parecer com o qual não podemos concordar pois que, ainda que se considere de "conhecimento oficioso", o Tribunal da Relação não tem competência material para o decidir pois, neste caso, a matéria alegada pela Ré apenas pode ser verificada se se concluir, a priori, que não existe nada que obste à apreciação do mérito da causa.
19ª - Ou seja, não é por o Tribunal da Relação entender que a arguição de qualquer nulidade pode ser de conhecimento oficioso que lhe pode ser conferida competência ab initio para sequer verificar essa questão material.
20ª - Pois se a defesa da Ré DD apenas se funda na arguição dessa nulidade e se a contra-alegação da ora autora se funda, em parte, na ilegitimidade para arguir essa mesma nulidade, com foco na Falta de Interesse em Agir, o Tribunal da Relação terá que aferir, em primeira mão, a eventual falta de quaisquer pressupostos processuais alegados e que obstem a conhecer do mérito da causa e, só admitindo estarem sanados, verificar os argumentos deduzidos pela Ré.
21ª - A questão prévia do Acórdão da Relação teria que ser a posição processual de quem recorre, cfr. arguida pela Autora nas suas contra-alegações.
22ª - Mesmo considerando que a Ré DD tem um verdadeiro interesse em agir, não pode o Tribunal da Relação dar provimento ao Recurso fazendo seu, o único argumento da Ré DD.
23ª - Pois que o âmbito do recurso não é o Tribunal que determina, antes sim é determinado pela Alegação da Ré e de acordo com o que foi defendido em sede de 1ª Instância.
24ª - Ora sendo a legitimidade um pressuposto processual positivo, a falta do mesmo é uma verdadeira excepção dilatória por força da al. e) do Art. 577º CPC.
25ª - O Autor, ora recorrente, contra-alegou a petição da Ré DD em sede de Apelação no dia 09-07-2014.
26ª - Como se pode verificar, o Acórdão do Tribunal da Relação começa por descrever a acção declarativa; a sentença da Instância; as Alegações da Ré DD; Decisão com elenco da matéria provada em 1ª Instância; Questão Prévia (Nulidade) e Decisão de facto.
27ª - Isto é, não faz nenhuma menção ou alusão às Contra-Alegações do

Autor, que se pode consubstanciar numa omissão de pronúncia, cfr. se verá adiante.

            28ª - Ora como muito bem elenca o Acórdão na Pág. 7, "(...) o objecto do Recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do nº 2 do Art. 608º do mesmo Código [CPC]".

29ª - Esse mesmo disposto pretende demonstrar que o Juiz deve ocupar-se das questões suscitadas pelas partes salvo se a Lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

30ª - Ora a falta de um pressuposto processual (excepção dilatória in casu) devidamente alegado deve ser analisado e, se caso disso, sanado, pois a Lei assim o impõe nos termos do Art. 578.º CPC.

31ª - Pois caso o Tribunal entenda que existe uma excepção dilatória, a arguição de Nulidade é totalmente irrelevante até à sanação dessa excepção (se for possível sanar-se).

32ª - Sucede que o Acórdão decidiu-se por desconsiderar essa e outra matéria, certamente por lapso, pois focou o cerne primeiro na questão da "Nulidade" quando, salvo melhor opinião, este deve ser um aspecto a decidir a posteriori.

33ª - Neste seguimento leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 110/2000.LI.SI "A nulidade da decisão por omissão de pronuncio só ocorre quando a decisão não conhece de todas as questões submetidas à apreciação do tribunal, o que não sucede, em sede de apelação, relativamente às questões que não são de conhecimento oficioso e não constituíam o objecto do recurso, tal como delimitado pelo recorrente” (Sublinhado nosso).

34ª - Ora no caso em apreço, como referido, essas questões materiais foram devidamente suscitadas pela Autora.

35ª - Também ainda que o Tribunal da Relação entendesse que, ao aferir a Nulidade da Cláusula como uma Questão Prévia estaria automaticamente a sanar o que o arguido pelo Autor nas Contra-Alegações, a realidade é que o raciocínio é Inverso: Primeiro conhece das excepções, fundamentando, e só posteriormente se debruça na restante matéria controvertida.

36ª - Entende então o Autor que pode o Tribunal conhecer oficiosamente do que entender mas, e primeira mão, deverá ter em juízo as partes totalmente "habilitadas".

37ª - Leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.s 05S2137 "A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra”.

38ª - Também ainda sobre esta matéria, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra com processo nº 480/09.9JALRA.C1, "A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão."

39ª - É a Autora do parecer que a arguição de uma excepção não se trata de um mero argumento invocado para defender um ponto de vista, antes sim de uma verdadeira questão para a qual não se obteve resposta.

40ª - A essentialia negotti é indispensável e nunca deve ser afastada pois, sem esse elemento, não existe Negócio jurídico válido.

41ª - Um desses elementos, e o mais importante, é a Vontade.

42ª - Aceitar-se que o Autor impediria a Ré DD de onerar ou dispor do seu bem, é aceitar que o Autor vai contra os princípios de Direito, abraçando para os seus contratos, além da problemática das cláusulas gerais, o desrespeito da noção de Direito de Propriedade.

43ª - Não desconhece o Autor, nem nunca desconheceu, que a Hipoteca, enquanto Garantia Real, não pode privar o seu proprietário de usar, fruir e dispor livremente do seu bem.

44ª - Aliás, sempre se dirá que o Direito de Sequela, é um mecanismo lícito que se encontra na disposição do Autor.

45ª - De encontro ao caso concreto, a cláusula não proíbe nem nunca proibiu que a Ré dispusesse do seu bem onerado com hipoteca.

46ª - A única interpretação que se poderá fazer da parte final ("...sem autorização expressa do AA.") deve ser obviamente extensiva prendendo-se apenas com o factor da Vontade negocial do Autor, enquanto elemento essencial do negócio jurídico. Se não vejamos:

47ª - A constituição de garantias ou colaterais sobre um bem não é sinónimo da sua futura adjudicação. Aliás, como tão bem o nome indica, a garantia irá ser "accionada" caso o devedor principal não cumpra a sua obrigação. i.e., o Autor não celebra negócios jurídicos com a expectativa de vir a adquirir todos os imóveis que foram dados como colaterais, até porque nem é o seu fim comercial.

48ª - Concludentemente, uma hipoteca, enquanto garantia real, será apenas "accionada" em última instância e, além do mais, apenas foi exigida ao devedor, no momento da celebração do contrato, para cobrir um eventual risco de default.

49ª - É precisamente pela justiça do Direito e pelo equilíbrio negocial supra referidos que o Art. 695º C.Civ. in fine permite convencionar que um crédito hipotecário se vença logo que o bem dado como garantia seja alienado ou onerado.

50ª - Isto porque sem a garantia que o novo adquirente do bem venha expurgar a dívida nos termos do Art. 721º C.Civ., não pode o Autor, enquanto entidade financeira, correr o risco de o adquirente ter uma capacidade de fazer face à dívida muito inferior ao do contraente primitivo.

51ª – Razão pela qual o autor, na cláusula 7ª, requere ter conhecimento de qualquer movimento que se faça nessa propriedade, não com o intuito de proibir qualquer negócio que seja, mas com o intuito de assegurar as suas expectativas primordiais que foram asseguradas no momento da celebração do contrato pela ré e, assim não perder o seu essentiallia negotti.

Nas suas contra-alegações, a ré DD conclui, tal como introduz a sua exposição, afirmando que o acórdão “fez correctíssima aplicação da lei aos factos não merecendo qualquer tipo de censura, nem padecendo de nulidade por omissão de pronuncia, enquanto único fundamento do presente recurso”, “mas mesmo que se entendesse, por mera cautela e sem de todo conceder, que o douto acórdão recorrido padeceria de nulidade por omissão de pronúncia acerca da pretensa ilegitimidade da recorrente DD…para recorrer da sentença proferida na 1ª instância – que, insiste-se, é o único fundamento do presente recurso – poderia o Mº Tribunal «a quo»,…, suprir a referida nulidade”.

Entretanto, apreciando, expressamente, as exceções da falta de interesse em agir e da falta de legitimidade processual da apelante DD, o Tribunal da Relação, em conferência, supriu a arguida nulidade da omissão de pronúncia quanto à referida matéria, concluindo que aquela tem interesse em agir e legitimidade processual para interpor recurso da sentença proferida em 1ª instância.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Por acordo escrito, denominado "CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO PARA FOMENTO À CONSTRUÇÃO", datado de 21 de Setembro de 2007, a aqui autora, "AA, S.A." concedeu à aqui ré, "BB - CONSTRUÇÃO LDA", a pedido desta, um crédito, no valor de €6.000.000,00, destinado, obrigatoriamente, a financiar a construção de 100 apartamentos, no prédio urbano, sito em … - talhão de terreno para construção urbana, Lote …, na freguesia e concelho de Albufeira, conforme PROJECTO DE CONSTRUÇÃO, aprovado nos termos da legislação vigente, pela Câmara Municipal de Albufeira, e licenciado sob o nº ... (cfr. doc. de fls, 58 a 74 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - A).

2. Por acordo escrito, denominado "1ª ALTERAÇÃO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO, CELEBRADO EM 21/09/2007", datado de 3 de Junho de 2008, foi feita a alteração ao acordo escrito, referido em A), nos moldes aí previstos (cfr. doc. de fls. 88 a 98 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - B).

3. Por acordo escrito, denominado "2a ALTERAÇÃO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CELEBRADO EM 21/09/2007", datado de 19 de Setembro de 2008, foi feita a alteração ao acordo escrito, referido em A), nos moldes aí previstos (cfr, doc. de fls. 99 a 101 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - C).

4. Por acordo escrito, denominado "3a ALTERAÇÃO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CELEBRADO EM 21/0912007", datado de 6 de Janeiro de 2009, foi feita a alteração ao acordo escrito, referido em A), nos moldes aí previstos (cfr. doc. de fls. 102 a 114 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - D).

5. Por acordo escrito, denominado "4a ALTERAÇÃO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CELEBRADO EM 21/09/2007", datado de 6 de Julho de 2009, foi feita a alteração ao acordo escrito, referido em A), nos moldes aí previstos (cfr. doc. de fls, 115 a 148 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - E).

6. No dia 24 de Março de 2010, foi feita a 5a alteração ao acordo escrito, referido em A), tendo sido outorgada escritura publica, denominada "ESCRITURA PÚBLICA DE CAUÇÃO HIPOTECÁRIA" (cfr. doc. de fls, 149 a 172 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - F).

7. Em 21-12-2010, data para a qual fora prorrogado o vencimento do crédito em causa concedido pela autora, nos termos do acordo escrito, referido em A), e suas sucessivas alterações, o mesmo não foi liquidado pela 1ª ré à autora - G).

8. A autora autorizou nova prorrogação do vencimento para 21-03-2011 - H).

9. Nessa data (21-03-2011), a 1ª ré não liquidou à autora a quantia em causa e respetivos juros - I).

10. Por confiar no ressarcimento da quantia mutuada e respetivos juros, e na perspectiva de realização de receitas na época de Verão, a autora autorizou nova prorrogação para o vencimento do empréstimo em causa, desta vez, até 21-09-2011, e até autorizou um novo reforço de mais €791.105,00 de "Crédito Fomento à Construção" (taxa euribor 6M + 6%), mediante carta compromisso da 1ª ré, garantindo que as verbas de exploração turística do empreendimento em apreço e de futuros CPCV,s fossem canalizados para si (cfr. doc. de fls. 173 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - J).

11. Essa prorrogação não chegou a ser formalizada, na medida em que a 1ª ré não aceitou as condições dessa prorrogação - K).

12. A autora notificou a 1ª ré e o 20 réu, CC(este na qualidade avalista da 1ª ré), por carta registada com aviso de recepção, datada de 27 de Maio de 2011, da resolução dos contratos celebrados e demais responsabilidades, considerando, imediatamente, vencida toda a dívida (cfr. doc. de fls, 175 a 178 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - L).

13. No dia 3 de Junho de 2011, a 1ª ré não liquidou o montante em causa e respectivos juros - M).

14. O crédito concedido pela aqui autora visou a construção do empreendimento turístico, composto por 101 unidades, sendo 90 unidades de alojamento, de tipo TO, 10 unidades de alojamento, de tipo TI, e um estabelecimento de bar de apoio à piscina - N).

15. O empreendimento encontra-se, devidamente, licenciado, estando aberto ao público, desde, pelo menos, o início do Verão de 2010, com a designação de "..." e tem a classificação 3 estrelas, atribuída pelo Turismo de Portugal - O).

16. A filha do 2º réu, EE, foi a única gerente e a legal representante da 1ª ré, desde 12-05-2007 até 15-07- 2010, data a partir da qual essa gerência foi assumida pelo 2° réu (cfr. doc. de fls, 179 a 189 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - P).

17. A sociedade " FF, Lda" tem como sócio gerente o aqui 2° réu, CC(cfr. doc. de fls, 20I a 207 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - Q).

18. Entre a aqui 1ª ré - representada no acto pelo 2° réu, CC, enquanto seu gerente - e a 3ª ré, DD, foi celebrado o acordo escrito, denominado "CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE EMPREENDIMENTO TURÍSTICO", datado de 23 de Dezembro de 2010, cuja cópia consta de fls. 192 a 196 dos autos, em que, para além do mais, a 1ª ré declarou dar à exploração à aqui 3ª ré a administração e a exploração das fracções autónomas aí assinaladas (cfr. doc. de fls. 192 a 196 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - R).

19. Do assento de nascimento nº 2502, do ano de 2008, da Conservatória do Registo Civil de Albufeira, consta, para além do mais, que GG, nasceu no dia 2 de Abril de 2005, na freguesia e concelho de …, sendo filho de CC e de HH (cfr. doc. de fls, 197 e 198 dos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por, integralmente, reproduzido) - S).

20. As rés mobilaram as fracções autónomas que fazem parte do empreendimento turístico em causa nos autos – 1º.

21. No âmbito da acção executiva intentada pela aqui autora contra a aqui 1ª ré, aquela tomou conhecimento que o empreendimento estava a ser explorado pela 3a ré e não pela 1ª ré – 6º.

22. É a 3ª ré que explora todo o empreendimento - 7º.

23. Até à junção do contrato, referido em R), à acção executiva em apreço, a autora desconhecia a existência desse contrato – 9º.

24. Jamais a 1ª ré e o 2° réu solicitaram à autora autorização para a outorga do contrato, aludido em R) – 10º.

25. O empreendimento em causa foi, pelo menos, em parte, construído, mobilado e equipado com os financiamentos concedidos pela autora – 11º.

26. O 2° réu vive, maritalmente, com a irmã da 3a ré, de seu nome HH, desde há cerca de 28 anos – 14º.

27. O empreendimento turístico em causa é composto por seis blocos, numerados de um a seis – 15º.

28. O Loteamento em apreço situa-se junto à Estrada de ..., zona muito frequentada e movimentada, quer por habitantes locais, quer por visitantes e turistas, na qual se encontram instalados diversos estabelecimentos comerciais, incluindo uma agência da autora, no lado oposto da rua, mesmo em frente ao empreendimento turístico em causa – 20º.

29. Durante o período em que era a Srª Drª EE quem era a gerente da 1ª ré, era o 1º réu quem tomava todas as decisões atinentes ao financiamento concedido, sua aplicação, alterações e ampliações, em conjunto com a Dra. EE – 29º.

30. Provado, apenas, que foi aceite um orçamento apresentado por uma decoradora - "...", cuja responsável pela mesma é a Srª II – 36º.

31. Foi a essa decoradora que foi adjudicada a tarefa de mobilar os apartamentos em causa – 38º.

32. Provado, apenas, que essa decoradora, II, é pessoa do conhecimento pessoal da 3a ré, de há longo tempo - 39º.

33. Provado, apenas, que o empreendimento foi, pelo menos, em parte, mobilado e as facturas foram liquidadas com o financiamento da autora, mediante transferência para a conta da entidade decoradora – 41º.

34. Nessa altura, o referido Director da autora ordenou que as reservas fossem canceladas, uma vez que tal exploração poderia impedir a realização das escrituras definitivas relacionadas com os contratos promessa em causa – 49º.

35. Os réus não referiram quais os critérios utilizados para concluir, ainda que seja por estimativa, que 20% anual das receitas da exploração do empreendimento, ainda que sejam brutas, será de €44.000,00 – 55º.

36. A 1ª ré, no mês de Janeiro, arrenda um TO, por €42,80 dia – 58º.

37. A 1ª ré, no mês de Janeiro, arrenda um TI, por €180,00 dia – 59º.

38. A 1ª ré, no mês de Agosto, arrenda um TI, por € 400,00 dia – 60º.

39. Tal empreendimento encontra-se numa zona privilegiada, conforme a 1ª ré divulga e faz constar do site do mesmo, a escassos minutos da praia, a pé, com vários serviços das imediações, desde bancos a supermercados, restaurantes, pastelarias, bares, mercado municipal e farmácia – 63º.

40. Já, em finais de 2009, foi negociado um contrato de cessão de exploração, entre a 1ª ré e a 3a ré, relativamente ao empreendimento em causa, nos mesmos moldes, quer quanto à contrapartida financeira, quer quanto à periodicidade – 67º.

41. A escritura já havia estado agendada, uma vez, não tendo comparecido nenhum dos promitentes-compradores – 68º.

42. Foi, novamente, agendada a escritura, tendo sido notificados todos os promitentes-­compradores, sendo que, apenas, dois compareceram e escrituraram – 69º.

43. Quer o 2° réu, quer a 3a ré sabiam, e sabem, da existência do crédito da autora sobre a 1ª ré – 72º.

44. Provado, apenas, que as comissões das imobiliárias foram cobradas aquando da assinatura dos contratos-promessa e entrega de sinais pelos promitentes-compradores – 76º.

45. E que ainda falta realizar grande parte dos trabalhos de eletricidade, carpintaria, construção civil, jardinagem e pintura, nos apartamentos e nas áreas sociais confinantes aos apartamentos pertencentes à 1ª ré – 79º.

46. Provado, apenas, que a única forma encontrada pela 1ª ré de conseguir capital para acabar o empreendimento, equipando os imóveis, e liquidar aos prestadores de serviços e fornecedores, era através da exploração comercial dos apartamentos – 81º.

                                                   *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – Da natureza de questão nova da nulidade substantiva, não objeto de arguição pelos réus, para efeitos do seu conhecimento oficioso pelo Tribunal.

II – A questão do suprimento, pelo Tribunal «a quo», da omissão de pronúncia. Consequências.

 I. DA NATUREZA DE QUESTÃO NOVA DE CLÁUSULA CUJA NULIDADE NÃO FOI ARGUIDA
I. 1. Alega o autor que a ré DD nunca arguiu a nulidade da cláusula 7ª, pelo que o recurso de apelação teve como causa do pedido «matéria nova», que se encontra afastada do conhecimento oficioso do Tribunal, não sendo o âmbito do recurso determinado pelo Tribunal, mas antes pela alegação da ré, de acordo com o que foi defendido, em sede de 1ª instância.
Conforme acabou de se dizer, o objeto do recurso define-se, através das conclusões das alegações, que delimitam as questões a decidir, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, em conformidade com o preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC.
A questão da nulidade substantiva do n.º 7, da Cláusula 7ª, do Contrato de Abertura de Crédito para o Fomento da Construção, não tinha, anteriormente, sido colocada pelos réus, nos presentes autos, quer na contestação, quer nas alegações da apelação, aparecendo, pela primeira vez, suscitada, oficiosamente, pelo acórdão recorrido.
Como assim, a questão agora levantada, «ex oficio», pela Relação, não foi objeto de pronúncia, pela sentença proferida em 1ª instância, tratando-se, portanto, de uma questão que, pela primeira vez, aparece defendida nos autos e, assim sendo, trata-se de uma questão, inteiramente, nova, que conheceu a sua primeira abordagem com o acórdão recorrido.
De facto, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 627º, nº 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que a natureza do recurso visa modificar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido invocadas, perante o Tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso, em que é, obviamente, desnecessária a alegação das partes, e que o Tribunal de recurso deve conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida.
Assim sendo, tratando-se de uma «questão nova» suscitada na revista, está, por conseguinte, até com base no princípio da estabilidade da instância, vedado a este Supremo Tribunal de Justiça o seu conhecimento, a menos que se imponha a sua apreciação oficiosa, como se irá analisar, em seguida, em conformidade com o disposto pelos artigos 264º e seguintes, do CPC, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação.
I. 2. Na expressão do autor, este recurso de revista visa a declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, com a consequente manutenção da sentença de 1ª instância.

O Tribunal da Relação, face à arguição pelo autor da nulidade processual decorrente da omissão de pronúncia, supriu a mesma, nos termos do disposto pelo artigo 617º, nº 2, o que este Supremo Tribunal de Justiça nunca poderia realizar, atento o preceituado pelos artigos 684º, nºs 1 e 2, 617º, nº 5, 685º e 666º, todos do CPC, pronunciando-se, expressamente, sobre as exceções da falta de interesse em agir e da falta de legitimidade processual da apelante DD, concluindo que esta tem interesse em agir e legitimidade processual para interpor recurso da sentença proferida em 1ª instância.

Assim sendo, face ao suprimento da nulidade verificada, estaria, aparentemente, atingida a finalidade prosseguida pela revista do autor, no entendimento redutor da ré DD, cuja simplicidade expositiva, não obstante a deficiente formulação do pedido recursivo do autor, se não pode aceitar.

I. 3. Deste modo, ter-se-á que procurar, nas conclusões das alegações da revista, a verdadeira razão de ser da mesma, qual seja a de saber se o Tribunal da Relação pode conhecer da nulidade substantiva de uma cláusula contratual constante de negócio jurídico, que não foi arguida pelos réus, nos articulados da ação, concretamente, se a mesma nulidade substantiva se verifica, relativamente ao n.º 7, da Cláusula 7ª, do Contrato de Abertura de Crédito para o Fomento da Construção, por violação do disposto no artigo 695º, do Código Civil (CC), a que o acórdão recorrido respondeu, afirmativamente, em sede de questão prévia suscitada, oficiosamente, na apelação.

A este propósito, o acórdão recorrido considerou que “nos termos do art.º 286º do Cód. Civ., a nulidade de negócio jurídico, ou de uma das suas cláusulas, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, sem prejuízo do necessário exercício do contraditório, sendo nulos os negócios jurídicos, ou as suas cláusulas, quando celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, salvo se outra solução resultar na lei (art.º 294º do Cód. Civ.)”.

A cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados está consagrada, no artigo 695º, do CC, que preceitua que “é igualmente nula a convenção que proíba o respetivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados”.

A aludida cláusula de inalienabilidade constitui um limite intolerável ao princípio da liberdade contratual, constante do artigo 405º, do CC, que se traduz numa injustificável «capitis deminutio» do devedor, porquanto com a alienação ou oneração da coisa, em nada são prejudicados os direitos do credor, dados os direitos de sequela e de prioridade que lhe são atribuídos[2].

Com efeito, se o devedor, autor da hipoteca, alienar a coisa hipotecada, pode o credor, no exercício do direito de sequela, invocar, diretamente, a sua garantia real contra qualquer adquirente ou subadquirente, sem necessidade de impugnar, preliminarmente, a alienação efetuada pelo autor da garantia.

E, mediante o registro da hipoteca, o credor precavê-se contra futuras alienações do bem, que se encontra adstrito ao cumprimento de uma obrigação, sendo que essa afetação lhe confere uma primazia sobre os demais credores ou portadores de outros direitos, pois que o direito de sequela lhe permite exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito, onde quer que a coisa se encontre, mesmo que tenha entrado na esfera jurídica ou material de outrem[3].

De todo o modo, o agravamento da posição do credor, em caso de alienação do bem hipotecado, apenas se verifica pelo facto de ter necessidade de propor acção executiva contra o actual possuidor, para fazer valer a garantia hipotecária, e se, também, quiser executar os bens do devedor, por recear a insuficiência dos bens hipotecados, deverá propor a acção, simultaneamente, contra o devedor e contra o possuidor, em conformidade com o estipulado pelo artigo 54º, nº 2, do CPC[4].

Consta do n.º 7, da Cláusula 7ª, do Contrato de Abertura de Crédito para o Fomento da Construção, na parte em que enuncia as obrigações da ré “BB, Ldª”, que esta não pode “alienar, onerar ou arrendar o bem dado de Hipoteca ao Banco, ou permitir a sua ocupação por terceiros a qualquer título sem autorização expressa e escrita do AA”.

Dispõe o artigo 294º, do CC, que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”, acrescentando o artigo 286º, do mesmo diploma legal, que “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”.

I. 4. A supramencionada cláusula controvertida estipula que a ré “BB, Ldª”, não pode “alienar, onerar ou arrendar o bem dado de Hipoteca ao Banco, ou permitir a sua ocupação por terceiros a qualquer título sem autorização expressa e escrita do AA”, enquanto que o artigo 695º, do CC, preceitua que “é igualmente nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados,…”.

Deste modo, ficou clausulada a impossibilidade do arrendamento, sendo certo que a lei fala na “nulidade da convenção que proíba a oneração”.

Porém, a locação pressupõe um direito de base, onerado, que é, em princípio, o direito do proprietário[5], constituindo, pois, uma oneração[6], e goza de validade e eficácia “erga onmes”, portanto, até mesmo contra o credor hipotecário, em conformidade com o princípio do “emptio non tollit locatum”, consagrado pelo artigo 1057º, do CC[7].

Deste modo, a convenção que disponha que os bens dados em garantia hipotecária não podem ser onerados ou alienados, acabaria por suprimir o conteúdo do direito subjetivo [facultas agendi] de propriedade do devedor, no caso, a sua faculdade de disposição ou oneração da coisa, incluindo a da celebração de contratos de locação, que não pode ser comprimido antes da verificação da condição, termo, ou de cláusulas resolutivas que justifiquem a exigência da obrigação.

I. 5. A nulidade pode ser, total ou parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo, pelo que a nulidade de alguma das cláusulas não determina a nulidade total do negócio, quando as cláusulas nulas são substituídas, «ope legis», por normas imperativas, de acordo com a regra da incomunicabilidade da nulidade (utile per inutile non vitiatur), correspondente ao princípio da conservação do negócio[8].

Assim, quando a invalidade negocial é circunscrita à parte que está em oposição com uma disposição legal convoca a aludida regra da incomunicabilidade da nulidade, tendo lugar o instituto da redução do negócio jurídico, enquanto manifestação de uma solução normativa para uma patologia do negócio jurídico, que combina, harmoniosamente, os valores e fins relevantes nesta matéria, ou seja, a autonomia privada e o controlo social desta, de acordo com o princípio da boa fé[9].

É que a declaração negocial, na falta de disposição especial, deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam manifestado se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta, como resulta do estipulado pelo artigo 239º, do CC.

Por isso, a redução do negócio jurídico, baseada na boa fé, funda-se, igualmente, nos critérios constantes do artigo 239º, reconduzindo-se, então, o problema da redução a uma questão de integração da declaração negocial, pois que as partes poderiam ter resolvido, expressamente, a questão se a tivessem previsto, e bem assim como no preceituado pelos artigos 762º e 334º, todos do CC.

Com efeito, no âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído sem aquele segmento que é atingido pelo consenso das partes, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjectural, pelo que, de acordo com a doutrina tradicional, a invalidade total só poderá ocorrer, se se provar que o negócio não teria sido concluído, sem a parte viciada, estabelecendo-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes[10].

Efetivamente, em consonância com o acabado de expor, preceitua o artigo 292º, do CC, que “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.

O contraente que pretende ver declarada a invalidade total do negócio jurídico tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento da sua celebração, era nesse sentido, isto é, que as partes, ou, pelo menos, uma delas, teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer, na integridade, porquanto, a não ser efetuada essa prova, ou seja, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou, em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a invalidade total[11].

Aliás, tratando-se de uma situação de invalidade parcial resultante da infração de uma norma destinada a proteger uma parte contra outra, sempre haveria redução do negócio jurídico, mesmo existindo vontade hipotética ou real, em sentido contrário, a denominada «redução teleológica», baseada na necessidade de alcançar, plenamente, as finalidades visadas pela norma imperativa atingida[12].

Em casos limite, deverá, inclusivamente, manter-se a nulidade da cláusula, quando tal corresponda melhor aos interesses de uma das partes cuja protecção é visada, através da nulidade da cláusula em questão, relativamente ao regime legal supletivo, como aconteceria numa situação de nulidade da cláusula que fixa os honorários do advogado, em função do êxito da causa, sendo os mesmos, porém, inferiores aos que, de outro modo, o advogado pode exigir[13].

I.6. Regressando à factualidade que ficou consagrada, há que enfatizar que o n.º 7, da Cláusula 7ª, do Contrato de Abertura de Crédito para o Fomento da Construção, na parte em que enuncia as obrigações da ré “BB, Ldª”, ao estipular que esta não pode “alienar, onerar ou arrendar o bem dado de Hipoteca ao Banco, ou permitir a sua ocupação por terceiros a qualquer título sem autorização expressa e escrita do AA”, se encontra em oposição frontal ao disposto pelo artigo 695º, que declara a nulidade da cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados, sendo que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, o que não se demonstrou, e que essa nulidade pode ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal, em conformidade com o estatuído pelos artigos 294º e 286º, todos do CC.
Como assim, tratando-se de uma nulidade que pode ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal, constitui exceção à regra geral da inadmissibilidade de recurso, em relação às questões que não tenham sido invocadas, perante o Tribunal recorrido, antes, porque desnecessária a alegação das partes, deve o Tribunal de recurso conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida.
II. DO SUPRIMENTO PELO TRIBUNAL «A QUO» DA OMISSÃO DE PRONUNCIA. CONSEQUÊNCIAS.

II. 1. Alega, também, o autor que a matéria nova consistiu na alegação da nulidade e não a cláusula alvo de nulidade, tendo-se, em consequência, precludido o direito da ré DD, que já não tem interesse processual em agir.

Relativamente à arguida nulidade processual, por omissão de pronúncia do acórdão recorrido sobre o interesse processual em agir da ré DD na interposição da apelação, o Tribunal «a quo» pronunciou-se, após a prolação daquele, no sentido de que a ré tem interesse em agir e legitimidade processual para interpor recurso da sentença proferida em 1ª instância.

Estipula o artigo 617º, do CPC, aplicável, «ex vi» dos artigos 685º e 666º, do mesmo diploma legal, no seu nº 1, que “se a questão da nulidade da sentença… for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento”, mas se, continua o respetivo nº 2, “o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão”, concluindo o nº 3, ao preceituar que “no caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo”.

Com efeito, o autor-recorrente, vendo suprida, pelo Tribunal da Relação, a nulidade arguida, por omissão de pronúncia, consoante tinha solicitado nas alegações da revista, esta fica a ter como objeto a nova decisão, agora parte integrante do acórdão, relativamente ao qual, assim, alterado, aquele nada requereu, desistindo do recurso interposto, alargando ou restringindo o respetivo âmbito, nos termos do nº 3, do artigo 617º, do CPC.

Deste modo, seguindo os autos para este Supremo Tribunal de Justiça, tal como estavam, em matéria de alegações, apenas com o suprimento da omissão de pronúncia ocorrido, não importa, neste particular, conhecer do seu objecto, que se esgotou.

II. 2. E, tratando-se de uma nulidade parcial que afeta, tão-só, uma cláusula do negócio jurídico, a mesma não determina a nulidade total do negócio, porquanto as partes não provaram, «maxime», o autor, a quem tal interessava, que, atento o critério da vontade hipotética ou conjetural, se houvessem previsto o ponto omisso, o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.

O pedido subsidiário formulado pelo autor, cuja procedência, em sede de 1ª instância, o acórdão recorrido revogou, consiste na “declaração de que o contrato de cessão de exploração em causa nos autos - de fls. 192 e seguintes - entre as rés é ineficaz em relação ao autor, com as devidas consequências legais”.

Ora, onde a sentença declara a ineficácia do contrato de cessão de exploração celebrado entre as rés, em consonância com o pedido subsidiário deduzido pelo autor, o acórdão recorrido procede à sua revogação, nesta parte, por considerar que é nula, por imperativo legal, a cláusula em apreço.

Assim sendo, pedindo o autor a declaração de ineficácia da aludida cláusula, o acórdão recorrido declara a sua nulidade.

A ineficácia, «lato sensu», tem lugar sempre que um negócio jurídico não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que, segundo o conteúdo das declarações de vontade que o integram, tenderia a produzir, compreendendo todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos a que se dirigia, sendo a invalidade, onde se inclui a nulidade, uma espécie do género ineficácia, ou seja, é, apenas, uma ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade de qualquer um dos elementos internos ou essenciais do negócio, designadamente, falta de capacidade, falta ou defeito da declaração de vontade, impossibilidade física ou legal do objeto, incluindo a ilicitude[14].

Assim sendo, o vício ocorrido na cláusula ajuizada, em total oposição com o normativo legal, não se reconduz a uma falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio, entroncando antes num impedimento que o ordenamento jurídico coloca, em parte, quanto à produção dos seus efeitos próprios, razão pela qual se está perante uma situação de ineficácia, «lato sensu».

Deste modo, confirmando-se a fundamentação e o sentido decisório do acórdão recorrido, define-se o vício do negócio como uma situação de ineficácia, «lato sensu», de carater parcial, e não de simples nulidade, como, aliás, consta do pedido subsidiário formulado pelo autor.

II. 3. Alega o autor, por fim, que “aceitar-se que impediria a ré DD de onerar ou dispor do seu bem, é aceitar que o autor vai contra os princípios de Direito, não desconhecendo que a hipoteca não pode privar o seu proprietário de usar, fruir e dispor livremente do seu bem, mas sem a garantia que o novo adquirente do bem venha expurgar a dívida nos termos do artigo 721º, do CC, não pode o autor, enquanto entidade financeira, correr o risco de o adquirente ter uma capacidade de fazer face à dívida muito inferior ao do contraente primitivo”.

A ser assim, nenhum gravame sofrerá o autor, com o devido respeito, com a absolvição dos réus do pedido subsidiário de que o contrato de cessão de exploração celebrado entre aqueles seja declarado ineficaz e inoponível ao autor, sendo certo que este dispõe, como já se disse, «supra», em I.3., dos instrumentos processuais idóneos a acautelar a sua posição.

Além do mais, a cláusula obrigacional de vencimento antecipado, que vem descrita no artigo 695º, «in fine», do CC, isto é, “embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados”, pode, por si só, ser considerada uma sanção que, de qualquer forma, obriga o titular a manter o bem no seu património, porquanto a aludida cláusula acaba por produzir os seus efeitos, quase nos termos que comportaria a convenção que opte pela inalienabilidade e a não oneração dos bens.

CONCLUSÕES:
I – Se a questão levantada, «ex oficio», pela Relação, não foi objeto de pronúncia, pela sentença proferida em 1ª instância, estando-se, portanto, perante uma questão que, pela primeira vez, aparece defendida nos autos, trata-se de uma questão, inteiramente, nova, que conheceu a sua primeira abordagem com o acórdão recorrido, e que só pode ser impugnada, por meio de recurso, desde que se reconduza a uma hipótese de conhecimento oficioso.
II - A cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados constitui um limite intolerável ao princípio da liberdade contratual, que se traduz numa injustificável «capitis deminutio» do devedor, uma vez que, com a alienação ou oneração da coisa, em nada são prejudicados os direitos do credor, porquanto, se o devedor, autor da hipoteca, alienar a coisa hipotecada, pode o credor, no exercício do direito de sequela, invocar, diretamente, a sua garantia real contra qualquer adquirente ou subadquirente, sem necessidade de impugnar, preliminarmente, a alienação efetuada pelo autor da garantia.
III - A nulidade pode ser, total ou parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo, e, assim, a nulidade de alguma das cláusulas não determina a nulidade total do negócio, quando as cláusulas nulas são substituídas, «ope legis», por normas imperativas, de acordo com a regra da incomunicabilidade da nulidade, correspondente ao princípio da conservação do negócio jurídico.
IV - No âmbito dos negócios onerosos, a nulidade parcial só deve comunicar-se à totalidade do negócio quando se verifique que o mesmo não teria sido concluído sem aquela parte que é atingida pelo consenso das partes, atento o critério da sua vontade hipotética ou conjectural, se tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
V - O contraente que pretende ver declarada a invalidade total do negócio jurídico tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento da sua celebração, era nesse sentido, isto é, que as partes, ou, pelo menos, uma delas, teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer, na integridade, porquanto, a não ser efetuada essa prova, ou seja, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou, em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a invalidade total.
VI - Tratando-se de uma situação de invalidade parcial resultante da infracção de uma norma destinada a proteger uma parte contra outra, sempre haveria redução do negócio jurídico, mesmo existindo vontade hipotética ou real, em sentido contrário, a denominada «redução teleológica», baseada na necessidade de alcançar, plenamente, as finalidades visadas pela norma imperativa atingida.
VII – A nulidade que pode ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal, constitui uma exceção à regra geral da inadmissibilidade de recurso, em relação às questões que não tenham sido invocadas, perante o Tribunal recorrido, antes, porque desnecessária a alegação das partes, deve o Tribunal de recurso conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida.
VIII – Vendo o autor-recorrente suprida, pelo Tribunal da Relação, a nulidade, por omissão de pronúncia, que arguiu, consoante tinha solicitado nas alegações da revista, esta fica a ter como objeto a nova decisão, agora parte integrante do acórdão, relativamente ao qual, assim, alterado, aquele nada requereu, pelo que, seguindo os autos para este Supremo Tribunal de Justiça, tal como estavam, em matéria de alegações, apenas com o suprimento da omissão de pronúncia ocorrido, não importa já conhecer do seu objeto, que se esgotou.

IX - Sendo a invalidade, onde se inclui a nulidade, uma espécie do género ineficácia, ou seja, é, apenas, uma ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio, e consistindo o vício ocorrido na cláusula ajuizada, na sua total oposição com o normativo legal, tal não se reconduz a uma falta ou irregularidade de qualquer um dos elementos internos ou essenciais do negócio, que configura a nulidade, mas antes a um impedimento que o ordenamento jurídico coloca, em parte, quanto à produção dos seus efeitos próprios, que consubstancia uma situação de ineficácia, «lato sensu».

DECISÃO[15]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do autor e, confirmando a fundamentação e o sentido decisório do acórdão recorrido, define-se o vício do negócio como uma situação de ineficácia, «lato sensu», de carater parcial, e não de simples nulidade.

                                                               *

Custas da revista, a cargo do autor.

                                                                *

Notifique.

Lisboa, 29 de Setembro de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_______________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 718.
[3] Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 149.
[4] Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª edição, Almedina, 2003, 199, 192, 166 e 167.
[5] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, Ministério das Finanças, 1979, 983.
[6] Oliveira Ascensão, Locação de Bens Dados em Garantia. Natureza Jurídica da Locação, ROA, Ano 45 (Setembro de 1985), II, 388.
[7] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, Ministério das Finanças, 1979, 968.
[8] F. Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 205.
[9] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 633 e nota (869).
[10] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 634 e 635.
[11] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 635 e 636.
[12] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão; 1966, 430 e 431; Rui de Alarcão, Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojeto para o Novo Código Civil, BMJ nº 89 (Outubro de 1959), 258.
[13] Karl Larenz, Allgemeiner Teil des deutschen bürgerlichen Rechts, 8ª edição, Munique, 464-7, citado por Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 637 e 638, nota (879), último período.
[14] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão; 1966, 411; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, 615.
[15] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.