DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
PERDIMENTO
Sumário


I - Do regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, decorre que devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for, as armas sem manifesto ou registo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 12/17.5GDSRP do Juízo de Competência Genérica de Serpa da Comarca de Beja, o Ministério Público acusou BC, casado, nascido a 19 de março de 1959…, residente na Rua…, em Brinches

pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas m), p), s), ad), ae), aj), n.º 2, alínea z), n.º 3, alíneas a), e), ad), 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea s), n.º 4, alínea a), n.º 5, alínea a), n.º 6, alíneas a) e c), n.º 7, alínea a), 6.º, 7.º, 8.º, 9.ºe 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida em 6 de novembro de 2018 e depositada a 16 de novembro de 2018, foi decidido:

«A. condenar o Arguido, BC, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 alíneas c), d) e n.º 2 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena 150 (cento e cinquen­ta) dias de multa à taxa diária de 7€ (sete euros);

B. absolver o Arguido, BC, da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, no que refere à detenção do sabre baioneta;

C. declarar perdidas a favor do Estado, nos termos do artigo 109.º do Código Penal as armas/acessórios/munições melhor identificados em 2.1.1, com exceção do sabre baioneta, atento o decidido em B.;

D. Condenar o Arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça de 2 (duas) unidades de conta, redu­zida a metade, nos termos conjugados dos arts. 344.º, n.º 2, alínea c), 513.º e 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais;
(…)»

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1.ª O Tribunal a quo não distinguiu as armas de que o recorrente era proprietário daquelas que eram, e são, propriedade de terceiros.

2.ª - Entre outras, o recorrente guardava na sua casa sita na Rua… em Brinches, Serpa, a arma de fogo de marca "Saint Etiénne", calibre 12, n.º 900097, com 76 centímetros de cano e com funcionamento tiro a tiro [arma da classe D] e a arma de fogo de marca "Raffaelli Crio", calibre 12, n.º F1409S6, com cano de 69 centímetros de funcionamento semiautomático [arma da classe D].

3.ª - Ora, resulta da Informação Relativa a Armas da Polícia de Segurança Pública junta aos autos, a fls. 142, que a arma de marca "Raffaelli Crio" n.º F1409S6 está manifestada em nome de AM.

4.ª - Por sua vez, consta da informação Relativa a Armas da Polícia de Segurança Pública a fls. 140 dos autos que "A espingarda, marca Saint Etiéne, n.º 900097 e Livrete encontra-se registada em nome de TP a partir de 18.01.2016."

5.ª - Esta prova pericial não foi impugnada ou posta em crise, não tendo o Tribunal a quo atendido à mesma, não faz sequer qualquer menção aos documentos a fls. 140 e 142, os quais, sendo de fundamental importância, não podiam deixar de ser tidos em conta para fazerem prova do alegado pelo recorrente nesta sede.

6.ª - O que determina que o ponto 7 dos factos provados deva seja alterado, de maneira a dele eliminarem-se as referências às duas armas em causa, que devem ser objeto de um novo facto provando a pertença desta duas armas aos terceiros identificados nas informações da PSP.

7.ª - Tendo o Tribunal recorrido declarado todas as armas referidas no ponto 7 dos factos provados como perdidas a favor do Estado errou, pois, ao invés deveria ter decidido no sentido de notificar-se os proprietários das duas armas para, querendo, proceder ao seu levantamento, sob pena das mesmas ficarem perdidas a favor do Estado.

8.ª - O Tribunal a quo não fundamentou factual e legalmente a decisão de perdimento das armas.

9.ª - Errou na interpretação e aplicação do artigo 109º, n.º 1, do Código Penal, pois que não se verificam in casu os requisitos do mesmo.

10.ª - A perda de objetos opera somente nos casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de factos ilícitos através do instrumento, radicando nos riscos específicos e perigosidade do próprio objeto e não na perigosidade do agente do facto.

11.ª - Se, nem a natureza das armas (de caça e de tiro desportivo), nem as circunstâncias do caso permitem afirmar que põem em perigo a segurança das pessoas ou oferecem sério risco de serem utilizadas para o cometimento de novos ilícitos, não deveriam ser declaradas perdidas a favor do Estado.

12.ª - Com efeito, o recorrente era titular de licença de uso e porte de arma n.º 43550/2012-01, tipo C, válida para as armas da classe C, D e E, as armas/acessórios/munições descritos em 2.1.1. dos factos provados foram por ele adquiridas na Suíça, onde pratica tiro e caça, fim a que se destinavam.

13.ª - O recorrente tinha o desejo de proceder à legalização das armas/acessórios/munições em Portugal, é detentor de cartão de tiro desportivo do Clube de Berna e do Clube de Neuchâtel, sendo sócio deste desde 2001, pratica tiro desportivo ao prato e caça (com silenciador ao javali), sendo também titular de licença da "Swiss C1ay Shooting Federation".

14.ª - O recorrente é titular de cartão europeu de arma de fogo, válido até 21­04-2017, para as armas de fogo descritas em 2- a (“Pietro Beretta"). 3- a. i. ("Pietro Beretta"). 3- a. i.v. ("Mirokufl), 3- a. vi. ("Mirokufl) e 3- a. viii. ("Simsonfl).

15.ª - O recorrente não possui antecedentes criminais registados.

16.ª - Face a estas circunstâncias, e à luz do normativo legal, o Tribunal a quo devia ter concedido ao arguido a possibilidade de proceder à legalização das descritas armas em Portugal, fixando-lhe prazo para fazer prova nos autos desse facto, sob pena de decretar o perdimento das mesmas a favor do Estado.

E, assim, farão V.Exas. Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«A. A decisão proferida pelo tribunal a quo, além do mais, condenou o recorrente na prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e n.º 2, da Lei.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, determinando ainda a perda a favor do Estado das armas proibidas.

B. O recorrente discorda da sua condenação nos termos em que a mesma foi exarada.

C. O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que seja alterado o facto provado n.º 7 - dele se retirando a referência às armas Saint Etiénne e Rafaelli Crio - e, por sua vez, acrescentar-se um novo facto à matéria dada como provada, passando a neste constar a referência ao nome dos titulares do manifesto das armas.

D. A detenção de arma, enquanto conduta típica, não se confunde, embora possa coincidir, com a propriedade da arma.

E. Preenche a tipicidade objetiva a mera detenção de arma de fogo sem autorização, ou a mera detenção de arma de fogo sem manifesto ou registo, tal como sucede no caso em apreço nos autos.
F. Uma vez que o direito de propriedade sobre as armas não se encontrava submetido à discussão, não constituía objeto do processo, não sendo, por um lado, a pretensão do recorrente quanto à propriedade das referidas armas suscetível de ser alcançada através da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, por outro lado, a matéria de facto provada e não provada, nos termos em que o foi, não merece qualquer reparo.

G. Discorda igualmente o recorrente da decisão de perda das armas a favor do Estado

H. O tribunal a quo considerou que, em função dos factos julgados como provados - dos quais resulta a natureza proibida das armas, acessórios e munições e a detenção dolosa que preencheu o tipo de ilícito pelo recorrente - impunha-se decisão de perda a favor do Estado ao abrigo do disposto no artigo 109.º do Código Penal.

I. Por um lado, não sendo o recorrente titular de licença de uso e porte de arma da classe A e B 1, e não se encontrar autorizado a deter acessórios da classe A e munições da classe A e B 1 não podiam as armas destas classes, em caso algum, ser devolvidas ao recorrente, seu detentor.

J. Por outro lado, as armas sem manifesto ou registo, de acordo com o regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, são insuscetíveis de ser possuídas, pelo que andou bem o tribunal a quo em declarar estas armas perdidas a favor do estado, perda essa que pode ser declarada independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.° do Código Penal.

K. O recorrente alegou, por fim, que o tribunal a quo omitiu na fundamentação que as armas Saint Etiénne e Rafaelli Crio eram propriedade de terceiro, bem como não fundamentou a decisão de perda das armas a favor do Estado e, embora não invoque expressamente, as omissões alegadas consubstanciam em nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 374.°, n." 2 e 379.°, n." 1, alínea a) e c) do Código de Processo Penal.

L. Todavia, para apreciação do ilícito em apreço é entendimento do Ministério Público que o tribunal considerou toda a prova relevante e indispensável, carreada para o processo e produzida em sede de audiência de julgamento, ponderando-a na sua globalidade, tal como resulta da respetiva fundamentação.

M. Quanto à fundamentação da decisão de perda das armas a favor do Estado, dão­-se aqui reproduzidas as conclusões já tecidas a propósito da aplicação do artigo 109.º do Código Penal.

N. Por todo o exposto, entende o Ministério Público que não merece qualquer reparo a douta decisão sob recurso.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.

V.Exas., porém, decidirão conforme for de Direito e de Justiça!»

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, aderindo à resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as seguintes questões:

- da nulidade da decisão de perdimento das armas apreendidas nos autos;
- da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de perdimento de armas;
- da incorreta aplicação do disposto no artigo 109.º do Código Penal.

Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

Da acusação pública
«1- No dia 26 de Janeiro de 2017, pelas 18 horas e 15 minutos, o arguido seguia no seu veículo automóvel de marca "Volvo", modelo "XC60", matrícula da Confederação Suíça "BE---", na Estrada Municipal n.º 518, perto da loca­lidade de Orada, Serpa, quando foi fiscalizado por mili­tares da Guarda Nacional Republicana.

2- Em tais circunstâncias, o arguido trazia no interior do seu veículo:

a. no banco traseiro do veículo a espingarda caçadeira de marca "Pietro Beretta", modelo A 302, calibre 12, com o n.º F95233E, com 70 centímetros de cano e com funcionamento semiautomático [arma da classe DJ;

b. na mala do veículo, um saco de plástico com 4 cartu­chos carregados com zagalote [munições da classe A];

c. na sua bolsa pessoal, uma embalagem de aerossol de cor preta e encarnada, tipo spray com a referência "Sabre Red", com mecanismo de pulverização de corhm encarnada, que lhe pertencia e que continha capsai­cina, com uma concentração inferior a 5% [arma da classe E];

3- No mesmo dia, pelas 21 horas, o arguido guardava na sua residência sita na Rua…, Brinches, Serpa:

a. na arrecadação:
i. a arma de fogo de marca “Pietro Beretta”, mode-lo AL391 Urika, calibre 12, com o n.º AA103697, com 79 centímetros de cano, com funcionamento semiautomático [arma da classe D];

ii. a arma de fogo de marca “SHR”, modelo “970”, calibre .308, nº J00373Z, com 58 centímetros de cano e com funcionamento de repetição, tendo acoplada uma mira telescópica [arma da classe C];

iii. a arma de fogo de marca “Saint Etiénne”, cali-bre 12, n.º 900097, com 76 centímetros de cano e com funcionamento tiro a tiro [arma da classe D];

iv. a arma de fogo de marca “Raffaelli Crio”, calibre 12, nº F140956, com cano de 69 centímetros de funcionamento semiautomático [arma da classe D];

v. a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, modelo “3800 TR-I”, calibre 12, nº 58365NZ, com 76 centímetros de funcionamento tiro a tiro [arma da classe D];

vi. a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, modelo “7000 TRIII”, n.º 61101NW, calibre 12, com 75 centímetro de cano e com funcionamento tiro a tiro [arma da classe D];

vii. a arma de fogo de marca “J.G. Anschutz Ulm Ger-many”, modelo “1451”, calibre .22, n.º 1453159, com 57 centímetros de cano, com funcionamento de repetição [arma da classe C];

viii. a arma de fogo de marca “Simson”, modelo “Suhl”, calibre 16, n.º 775887, com 71 centímetros de cano e com funcionamento tiro a tiro [arma da classe D];

ix. um silenciador com 23 centímetros de comprimento, com rosca para acoplar numa carabina de calibre .22 [acessório da classe A];
x. um silenciador com 40 centímetros de comprimento, com rosca para acoplar numa carabina de calibre .308 [acessório da classe A];

b. na cave:
i. nove cartuchos de zagalote de calibre 12 [munição [munições da classe A];

ii. um sabre baioneta com nº 916808, de marca “Waf-fenfabrik Neuhausen”, com 61 centímetros de comprimento e 48 centímetros de lâmina pontiaguda, com um lado liso e outro com serrilha.

c. no quarto do andar superior,
i. uma pistola com 6 centímetro de cano, de marca “Beretta”, calibre 6.35, modelo 950B, com o n.º M60809, de funcionamento semiautomático [arma da classe B1]; e

ii. trinta e quatro munições de calibre 6, 35 mm [munições da classe B1].

4- O arguido era titular de licença de uso e porte de arma n.º 43550/2012-01, tipo C, válida para as armas da classe C, D e E.

5- O arguido não era titular de qualquer licença que o habilitasse a guardar e deter a pistola da marca “Beretta”, com o n.º M60809, de calibre 6, 35mm e as munições de calibre 6, 35mm, nomeadamente de licença para uso e porte de arma de classe B1.

6- O arguido conhecia as respetivas características e sabia não ser titular de licença de uso e porte da arma de fogo e das munições da “classe B1” que guardava e que não podia deter, transportar, guardar, comprar, adquirir por qualquer título, usar ou trazer consigo tal arma de fogo e munições sem ser titular de licença de uso e porte de arma de fogo de classe “B1” e sem estar manifestada e registada em seu nome.

7- O arguido detinha e guardava no interior no interior do seu automóvel a arma de marca “Pietro Beretta” com o n.º F95233E, e no interior da sua residência, as armas de fogo de marca “Pietro Beretta” com o n.º AA103697, “SHR” com o n.º J00373Z, “Saint Etiénne” om o n.º 900097, “Raf-faelli Crio” com o n.º F140956, “B. C. Miroku” com o n.º 58365NZ, “B.C. Miroku” com o n.º 58365NZ, “B.C. Miroku com o n.º 61101NW, “J.G. Anschutz Ulm Germany” com o n.º 1453159, “Simson” com o n.º 775887, sem que as mesmas estivessem devidamente registadas e manifestadas em seu nome, bem sabendo que a detenção, o transporte, guarda e posse de tais armas nessas circunstâncias lhe estava vedada por lei, não obstante não se coibiu de agir da forma descrita.

8- O arguido conhecia as características das munições de zagalote que possuía e, não obstante, quis transportá-las e guardá-las nas condições descritas, bem sabendo que não as podia deter, transportar e utilizar sem que fosse detentor de licença de uso e porte de arma válida.

9- O arguido representou e quis ter o aerossol consigo, conhecendo as suas características, composição e potencialidade lesiva para o físico de terceiras pessoas, bem como que a sua aquisição e detenção dependia de declaração de compra e venda ou autorização relativa ao uso e posse, de que não era possuidor.

10- O arguido, conhecia as características dos silenciadores que detinha e guardava, bem sabendo que se tratavam, atentas as suas características, de umas armas proibidas e que, por isso, não podia deter e guardar aqueles objetos.

11- O arguido conhecia a natureza da baioneta que detinha e guardava em casa.

12- Não obstante, o arguido querendo e sabendo que não se encontrava autorizado e fora das condições legais, detinha consigo um objeto dotado de uma lâmina pontiaguda com um lado da lâmina liso e outro com serrilha, com o comprimento de lâmina de 48 centímetros, objeto cuja natureza conhecia, não se destinando a honras e cerimoniais militares ou oficiais, não existindo justificação para a sua posse.

13- Agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punível.

Da discussão da causa
14- O Arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado (2.1.1.) e manifestou-se arrependido.

15- As armas/acessórios/munições descritos em 2.1.1. o Arguido adquiriu na Suíça, país onde pratica tiro e caça, fim a que se destinavam, com exceção do aerossol e da baioneta, sendo que a baioneta o Arguido adquiriu num leilão, naquele país, e tinha o desejo de proceder à legalização das descritas armas/acessórios/munições em Portugal.

16- O Arguido é detentor de cartão de tiro desportivo do Clube de Berna e do Clube de Neuchâtel, sendo sócio deste desde 2001, praticando tiro desportivo ao prato e caça (com silenciador ao javali), sendo também titular de licença da “Swiss Clay Shooting Federation”.

17- É titular de cartão europeu de arma de fogo, válido até 21-04-2017, para as armas de fogo descritas em 2- a. (“Pietro Beretta”), 3- a. i. (“Pietro Beretta”), 3- a. i. v. (“Miroku”), 3- a. vi. (“Miroku”) e 3- a. viii. (“Simson”).

18- Possui faturas de aquisição/declarações de compra e venda de algumas das armas descritas em 2.1.1., designadamente das descritas em 2- a. (“Pietro Beretta”), 3- a. i. (“Pietro Beretta”), 3- a. ii. (“SHR”), 3- a. v. (“Miro-ku”), 3- a. vi. (“Miroku”), 3- a. vii. (“Anschutz”) e 3- a. viii. (“Simson”).

19- Possui uma permissão de aquisição da arma descrita em 3- c. i. (“Beretta”).

20- Encontra-se emigrado na Suíça desde há vários anos, onde trabalha como técnico de manutenção de linhas de comboio.

21- Aufere cerca de 3.000€/3.200€ mensais.

22- A sua esposa e filhas (uma já autonomizada) vivem em Portugal, tendo a sua esposa um negócio cujo lucro é mínimo, servindo essencialmente para pagar as despesas.

23- As suas despesas fixas mensais rondam os 2.000€.

24- Não possui antecedentes criminais registados

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Da acusação pública
Nenhum, com relevo para a decisão.
Da discussão da causa
Nenhum, com relevo para a decisão

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«Ao declarar provados/não provados os factos o Tribunal ponderou a globalidade da prova produzida/examinada em audiência de julgamento.

A prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, de acordo o princípio da “livre apreciação da prova” (artigo 127.º do Código de Processo Penal), princípio que é “direito constitucional concretizado”, que há-de traduzir-se numa valoração “racional”, “crítica”, “lógica” (cf., Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal (…), 2ª Ed., UCE, pág. 329). O presente ponto “motivos de facto” consistirá numa exposição, “tanto quanto possível completa, ainda que concisa” (artigo 374.º do Código de Processo Penal), das concretas razões que levaram à solução alcançada pelo Tribunal quanto aos factos provados/não provados, que passamos a enunciar.

No caso vertente, os factos provados da acusação pública foram objeto de confissão integral e sem reservas do arguido, exarada na ata da sessão de julgamento.

Os factos provados da discussão da causa baseiam-se nas declarações do Arguido, mais tendo o Tribunal tomado em consideração a prova documental pelo mesmo junta (requerimento refª 30490963) e o certificado do registo criminal.»

Conhecendo.
(i) Da nulidade da decisão de perdimento de armas
Diz o Recorrente que o Tribunal a quo não fundamentou factual e legalmente a decisão de perdimento de armas.

Não lhe assiste razão.

Senão vejamos.
O julgamento, no nosso processo penal, surge como um momento, obrigatório, de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
Terminado o julgamento, é proferida a sentença.
A sentença é a decisão final do Juiz - aquela onde se decide o conflito de interesses apresentado através do processo.
Exige a lei – no artigo 374.º do Código de Processo Penal – que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo.

A fundamentação, que se segue ao relatório, há-de conter a «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» – n.º 2 do artigo 374.º referido.

Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.

Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.

A finalidade da fundamentação dos atos decisórios [consagrada no artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal] e da sentença encontra-se, nas palavras de Germano Marques da Silva[[3]], em «lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos

Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º

Ou seja, de acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença.

Resta recordar que a obrigatoriedade da sentença conter não só a indicação das provas que serviram para estruturar a convicção do Tribunal, mas também o seu exame crítico, surgiu com a revisão do Código de Processo Penal de 1998 – Lei n.º 59/98, de 25 de agosto – e seguiu-se ao julgamento de inconstitucionalidade, com fundamento na violação do direito ao recurso, da interpretação do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal que se bastava com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª Instância, não exigindo a clarificação do processo de formação da convicção do julgador [acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 2 de dezembro, e n.º 639/99, de 22 de novembro].

Em causa está, tão-só, o segmento da sentença dedicado ao perdimento a favor do Estado de armas apreendidas nos autos.

Segmento que tem o seguinte teor:
«Devem ser declaradas perdidas a favor do Estado as armas/acessórios/munições considerados proibidos, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, observando-se, quanto ao seu destino, o disposto no art.º 78.º do RJAM.

O sabre baioneta, excluído do âmbito de aplicação do RJAM, deve ser restituído, cumprindo-se o procedimento previsto no artigo 186.º do Código de Processo Penal

E sendo tudo quanto da sentença consta relativamente a objetos declarados perdidos a favor do Estado, o laconismo desta decisão é patente e excessivo.

Todavia, os factos em que assenta são os descritos como provados. E dela decorre o entendimento de quem a proferiu de que se encontram preenchidos os requisitos consagrados no artigo 109.º do Código Penal.

E sendo este o nosso entendimento, a decisão não padece do vício que lhe é apontado pelo Recorrente, porque contém as razões de facto e de direito que a motivaram.

O seu acerto é questão distinta e que se tratará adiante.

Nesta parte, o recurso não procede.

(ii) A matéria de facto assente
Os vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.»

Tais vícios, de enumeração taxativa, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”.[[4]]»

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[5]]

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.»[[6]]

Em causa está, tão-só, o segmento da sentença dedicado ao perdimento a favor do Estado de armas apreendidas nos autos.

Dispõe-se no artigo 109.º do Código Penal, sob a epígrafe “Perda de instrumentos”

«1 – São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.

2 – O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
(…)»
A propósito da medida de perdimento de objetos ou instrumentos, «têm a doutrina e a jurisprudência salientado, desde logo, a necessidade de existência de um nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime, ou seja, é indispensável que dos factos provados resulte que, entre a utilização do objeto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, por forma a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada, ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada[[7]]

Deve ser declarado perdido a favor do Estado um objeto se: (i) ocorreu um facto ilícito ou antijurídico ou a sua tentativa; (ii) o objeto foi utilizado ou estava para o ser, nesse facto, ou foi produzido por ele; (iii) o objeto possa pôr em perigo a comunidade ou ofereça sérios riscos de ser utilizado para a prática de crimes.

Na situação em exame, a sentença proferida nos autos concluiu pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), e n.º 2, da Lai n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

E a declaração de perdimento a favor do Estado com que o Recorrente se não conforma limita-se às armas apreendidas nos autos.

Temos como assente que do regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, decorre que devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for, as armas sem manifesto ou registo.

Estas armas, independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.º do Código Penal, não podem deixar de ser declaradas perdidas a favor do Estado.

Tendo as armas manifesto e registo, devem ser entregues ao legítimo proprietário que demonstre licença para a sua utilização.

Isto posto, é manifesta a relevância, para a declaração de perdimento a favor do Estado, da existência de manifesto e registo das armas apreendidos nos autos.

E este aspeto não foi considerado na sentença recorrida.

Ocorre, por isso, insuficiência da matéria de facto para a decisão de perdimento a favor do Estado das armas apreendidas nos autos.

Dito de outra forma, com a factualidade considerada como provada e de onde não resulta se armas apreendidas nos autos se encontram manifestadas e registadas, não se podia ter concluído pelo seu perdimento a favor do Estado.

O vício assinalado, que encontra previsão na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, pode ser suprido nesta Instância, por o processo conter os elementos a tanto necessários – a informação policial não contestada que consta do processo, entre fls. 139 e 140, esta última, e ainda fls. 142 e 143 - e a decisão a proferir, porque suscitada pelo Recorrente, não suprimir qualquer grau de jurisdição.

E suprindo tal vício, aditamos aos factos provados
- o ponto 25, com o seguinte teor:

«A espingarda caçadeira de marca "Pietro Beretta", om o n.º F95233E, a arma de marca “Pietro Beretta”, com o n.º AA103697, a arma de fogo de marca “SHR”, com o nº J00373Z, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o nº 58365NZ, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o n.º 61101NW, a arma de fogo de marca “J.G. Anschutz Ulm Ger-many”, com o n.º 1453159, a arma de fogo de marca “Simson”, modelo “Suhl”, com o n.º 775887, e a pistola de marca “Beretta”, com o n.º M60809, supra referidas não se encontravam registadas nem manifestadas.»

- o ponto 26, com o seguinte teor:
«A arma de fogo de marca “Saint Etiénne” com o n.º 900097, supra referida, tem o livrete L49275 e está manifestada, desde 18 de janeiro de 2016, em nome de TP, titular co B.I.\C.C. ----.»

- o ponto 27, com o seguinte teor:
«A arma de fogo de marca “Raffaelli Crio”, com o nº F140956, supra referida, tem o livrete n.º N46354 e está manifestada, desde 22 de novembro de 2013, em nome de em nome de AM, titular do B.I.\C.C. -----.»

(iii) A declaração de perdimento a favor do Estado
Pretende o Recorrente a revogação da decisão de perdimento a favor do Estado das armas apreendidas nos autos.

E que se substitua essa decisão por outra que ordene a notificação dos proprietários das armas de fogo “Saint Etiénne” com o n.º 900097, e “Raffaelli Crio”, com o nº F140956 para, querendo, procederem ao seu levantamento, sob pena de as mesmas serem declaradas perdidas a favor do Estado, e se conceda ao Recorrente a possibilidade de proceder à legalização das restantes armas que foram encontradas em seu poder, fixando-se prazo para a demonstrar no processo, sob pena de as mesmas serem declaradas perdidas a favor do Estado.

Recuperando o que já se deixou dito, recordamos que do regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, decorre que devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for, as armas sem manifesto ou registo.

Estas armas, independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.º do Código Penal, não podem deixar de ser declaradas perdidas a favor do Estado.

Tendo as armas manifesto e registo, devem ser entregues ao legítimo proprietário que demonstre licença para a sua utilização, desde que não se verifiquem as circunstâncias consagradas no artigo 109.º do Código Penal.

Por assim ser, e porque nos autos não há notícia do seu manifesto ou registo, devem ser declaradas perdidas a favor do Estado a espingarda caçadeira de marca "Pietro Beretta", om o n.º F95233E, a arma de marca “Pietro Beretta”, com o n.º AA103697, a arma de fogo de marca “SHR”, com o nº J00373Z, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o nº 58365NZ, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o n.º 61101NW, a arma de fogo de marca “J.G. Anschutz Ulm Ger-many”, com o n.º 1453159, a arma de fogo de marca “Simson”, modelo “Suhl”, com o n.º 775887, e a pistola de marca “Beretta”, com o n.º M60809.

Considerando que o crime demonstrado nos autos se reconduz à detenção não permitida de arma, a postura do Arguido em julgamento [confissão e arrependimento], que o mesmo não tem antecedentes criminais, praticando tiro desportivo ao prato e caça [atividades para as quais se encontra licenciado] e que, regressado da Suiça, onde adquiriu as armas, acessória e munições apreendidas nos autos, tinha o propósito de os legalizar, não vemos como afirmar que a detenção das armas de fogo “Saint Etiénne” com o n.º 900097, e “Raffaelli Crio”, com o nº F140956, pelos seus proprietários, possa pôr em perigo a comunidade ou ofereça sérios riscos de ser utilizado para a prática de crimes.

Isto para dizer, sem necessidade de qualquer outra razão, que estas armas devem ser restituídas aos titulares inscritos no manifesto que demonstrem possuir licença de uso e porte de arma, válida na ocasião em que tais armas foram apreendidas nos presentes autos.

O que pressupõe seja cumprido o disposto no n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Penal.

E neste segmento há que dar procedência ao recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento ao recurso, decide-se

(i) aditar aos factos provados

- o ponto 25, com o seguinte teor:
«A espingarda caçadeira de marca "Pietro Beretta", com o n.º F95233E, a arma de marca “Pietro Beretta”, com o n.º AA103697, a arma de fogo de marca “SHR”, com o nº J00373Z, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o nº 58365NZ, a arma de fogo de marca “B. C. Miroku”, com o n.º 61101NW, a arma de fogo de marca “J.G. Anschutz Ulm Ger-many”, com o n.º 1453159, a arma de fogo de marca “Simson”, com o n.º 775887, e a pistola de marca “Beretta”, com o n.º M60809, supra referidas, não se encontravam registadas nem manifestadas.»

- o ponto 26, com o seguinte teor:
«A arma de fogo de marca “Saint Etiénne”, calibre 12, com o n.º 900097, supra referida, tem o livrete L49275 e está manifestada, desde 18 de janeiro de 2016, em nome de TP, titular co B.I.\C.C. ----.»
- o ponto 27, com o seguinte teor:
«A arma de fogo de marca “Raffaelli Crio”, com o nº F140956, supra referida, tem o livrete n.º N46354 e está manifestada, desde 22 de novembro de 2013, em nome de em nome de AM, titular do B.I.\C.C. ----.»;

(ii) ordenar a restituição das armas de fogo “Saint Etiénne” com o n.º 900097, e “Raffaelli Crio”, com o nº F140956, a TP e AM, respetivamente, desde que o requeiram no prazo de 90 (noventa) dias, para o que devem ser notificados, e que demonstrem possuir licença de uso e porte de arma, válida na ocasião em que tais armas foram apreendidas nos presentes autos;

(iii) manter, em tudo o mais, o decidido.

Sem tributação.
û
Évora, 2019 março 26
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)

(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

(Renato Amorim Damas Barroso)

_________________________________________________
[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, 4ª Edição Revista e atualizada, II Volume, páginas 153 e 154.

[4] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.

[5] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.

[7] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de maio de2014, proferido no processo 550/13.9PAOVR.P1, e acessível em www.dgsi.pt