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REVELIA
EFEITO COMINATÓRIO SEMIPLENO
FALTA DE JUNÇÃO DO DOCUMENTO ESCRITO
FALTA DE CONVITE A APERFEIÇOAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
PODERES DA RELAÇÃO
Sumário
I – Em caso de revelia o art. 567º nº 1 do C.P.C. consagra um sistema de efeito cominatório semipleno uma vez que a causa não é necessariamente julgada procedente, antes deve ser julgada conforme for de direito.
II – Estes efeitos da revelia não são aplicáveis, designadamente quanto a factos para cuja prova se exija documento escrito, como é o caso do contrato de arrendamento.
III - Se a autora se limitou a alegar que é proprietária de determinado imóvel, que a ré é arrendatária do mesmo, que esta não paga a renda há vários anos e não juntou o respectivo contrato de arrendamento, e não tendo o Tribunal a quo proferido despacho a convidá-la a aperfeiçoar o seu articulado, bem como a juntar o referido contrato, a Relação pode conhecer desta nulidade processual apesar de não haver sido arguida pela apelante.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório
M. C., residente na Avenida …, concelho de Barcelos, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra T. C., residente na Avenida …, concelho de Barcelos, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento que celebrou com a ré, que esta seja condenar a despejar imediatamente o arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens; que a ré seja condenada no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante de € 1.320,00 e nas que se vencerem até à entrega do locado e, ainda, nos juros de mora que se vencerem sobre as rendas vencidas e não pagas, contados desde a propositura da acção e até integral pagamento e sobre as vincendas.
Para tanto alegou em síntese que é proprietária do prédio urbano destinado a habitação inscrito na matriz predial sob o art. … da União de Freguesias de Barcelos, …ínha e descrito na C.R.Predial de Barcelos com o nº … e a ré arrendatária deste prédio. A renda actual é de € 20,00 e deve ser paga na morada da autora no dia um de cada mês a que respeita. A ré não paga as rendas desde Maio de 2011 ascendendo o valor em dívida a € 1.320,00.
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A ré foi devidamente citada.
A mesma solicitou a concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o que foi deferido. Foram-lhe nomeados sucessivamente vários patronos tendo todos pedido escusa.
A ré não apresentou contestação.
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O Tribunal considerou confessados os factos articulados pela autora e deu cumprimento ao disposto no artigo 567º, nº 2, do C.P.C. tendo aquela apresentado as suas alegações.
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A ré veio arguir a nulidade deste despacho alegando que a notificação de um patrono nomeado (e entretanto renunciante) foi elaborada em 16/10/2017 pelo que presume feita em 19/10/2017 nos termos do art. 21ºA nº 5 da Portaria nº 114/2008 com a redacção dada pela Portaria nº 1538/2008 de 30/12 tendo-se iniciado o prazo da contestação em 20/10/2017. Assim, o prazo para contestar terminava em 18/11/2017, sábado, pelo que se transferiu para 20/11/2017, 2ª feira. Ora, neste dia deu entrada o requerimento de renúncia que interrompeu aquele prazo e inutilizou o prazo entretanto decorrido. A prolacção do referido despacho viola o direito do contraditório e influi na decisão da causa.
Termina requerendo a anulação de todos os actos praticados após o requerimento de renúncia e ordenar a nomeação de novo patrono para contestar.
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Em 11/12/2017 foi proferida decisão que julgou procedente a invocada nulidade processual e anulou o despacho antecedente.
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Foram nomeados sucessivamente novos patronos que pediram escusa.
Por fim, foi nomeada patrona a Dra. R. C.. Dos autos não consta qualquer pedido de escusa da parte desta.
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O Tribunal considerou confessados os factos articulados pela autora e deu cumprimento ao disposto no artigo 567º, nº 2, do C.P.C. tendo aquela apresentado as suas alegações.
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Foi proferida sentença cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:
“Pelo exposto e atentas as considerações expendidas, julga-se a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, decide-se:
- decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora M. C. e a Ré T. C. relativo ao prédio urbano composto por “casa com dois pavimentos e logradouro”, destinado a habitação, inscrito na matriz predial sob o artigo … da União de Freguesia de Barcelos, … (anterior …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº …;
- condenar a Ré a proceder à entrega à Autora do locado livre e devoluto de pessoas e bens;
- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.320 (mil trezentos e vinte euros), a título de rendas vencidas, e a pagar as rendas vincendas, no montante mensal de € 20 (vinte euros), até à entrega do arrendado acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, contados nos termos peticionados.
Custas a cargo da Ré, pois deu causa aos presentes autos e neles decaiu - artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Em cumprimento do disposto no artigo 306º, do Código de Processo Civil, fixa-se em € 1920 (mil novecentos e vinte euros) o valor da presente causa.
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Notifique e registe.”
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Não se conformando com esta sentença veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. É nula a sentença, por falta de fundamentação, artigo 607º nº 3 do C.P.C.. 2. Não obstante a eventual confissão dos factos, que julgou operar por revelia, não fundamenta a decisão. 3. Julgou o Tribunal da existência de um contrato de arrendamento, e da sua falta de pagamento, sem que fundamente a sua decisão no documento essencial: o contrato de arrendamento. 4. Aliás, de que forma foi confessada a existência do mesmo, sem suporte documental, 5. sem uma só referência à data de inicio. 6. Apenas se pressupõe da existência de um contrato de arrendamento, sem que prova documental exista. 7. Sugere-se na Petição Inicial uma pagamento de rendas no valor de € 20,00, ora a existir, como pode o Tribunal fundamentar a sentença, se nenhum recibo foi entregue nos autos que sustentem a tese, mera confissão como fundamentação da sentença? 8. Confissão dos factos não é o mesmo que procedência da Acção, sendo nula a decisão, por falta de discriminação de factos relevantes. 9. Assim, dita o Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/7/2014 Procº- nº 4215/13.3TBBRG :
Sumário: I. A causa, não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelo autor por falta de contestação, tem de ser julgada conforme for de direito.
II. Mas uma sentença deve obedecer, na sua elaboração, ao estatuído no nº 3 do art.º 607º do CPC, que manda discriminar os factos que o julgador considera provados, o que implica naturalmente uma prévia selecção dos factos articulados pelo autor.
III. Só depois devendo a causa ser julgada conforme for de direito. 10.Mais, o art. 567º, nº1 do NCPCivil dispõe, no seu nº 1 – se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 11º- Mas logo o art. 568º estabelece um leque de excepções a este princípio, dizendo que não se aplica o disposto no artigo anterior (b) quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da sua incapacidade. 12º- Nesta alínea (b), portanto, duas situações em que o disposto no art. 567º se não aplica:
- quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da sua incapacidade; 13º- Ou seja, perante a Ré, não se consideram confessados os factos articulados pela autora. 14º- Ora, facto que a A. bem conhece, é que a Ré se encontra num estado de incapacidade, devido á sua condição de “velhice”, não regendo a sua própria vida, apesar de não ter sido decretado judicialmente. 15º- A Ré, não se encontra na situação de revelia, devido á sua condição, logo não se têm por confessados os factos articulados pela autora, devendo o Tribunal diligenciar pelos novos factos aqui invocados. 16º-Assim, e só assim, se pode ler a excepção da al. b) do art. 568º ao regime normal da revelia do art. 567º. 17º- por fim e não menos importante, é nula a sentença proferida, por falta de fundamentação, porquanto, não foram equacionados os prazos da invocação da resolução do contrato de arrendamento. 18º- A haver contrato de arrendamento, quando foi a Ré notificada da mora das rendas? A que prazo se refere a resolução do contrato de arrendamento? A rendas devidas desde 2010? 19º- Opera a caducidade do direito de resolução, passados que foram 3 meses. artigo 1083º, n.º 3, do Código Civil. 20º- cit. Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 12399/15.0T8LSB.L1- 2 de 13/07/2016:
I - A mora de dois meses, na renda, é autossuficiente, enquanto fundamento de despejo, nos quadros do artigo 1083º, n.º 3, do Código Civil.
II - A resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento deve porém ser efetivada dentro do prazo de três meses a contar do conhecimento da completude desse período de mora, sob pena de caducidade do direito à resolução do contrato.
III – Cada uma das rendas vencidas tem, nesse caso, autonomia para a contagem do prazo de caducidade.
IV – No tocante à hipótese do n.º 4, do artigo 1083º, do Código Civil, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”.
V – Tal período não coincide com um qualquer ano civil.
VI – É de presumir o coetâneo conhecimento pelo senhorio da falta de pagamento de renda, na data do seu vencimento, recaindo sobre aquele o ónus de prova de, sem culpa sua, apenas posteriormente haver tomado conhecimento da situação de mora.
VII – Para efeitos de diferimento da desocupação do locado, nos quadros do artigo 15º-N.º do NRAU, não pode retirar-se da circunstância da concessão de apoio judiciário à Ré/requerente, e sem o concurso de outros elementos, que a falta do pagamento de rendas “se deve a carência de meios do arrendatário”. 21º- Deve ser considerada nula a sentença proferida por falta de fundamentação, absolvendo a Ré da instância, por violação do artigo 607º nº 3. 22º- Bem como, deve o Tribunal aferir da excepção de incapacidade, prevista no artigo 568º alínea b) do C.P.C..”
Pugna pela declaração de nulidade da sentença nos termos do art. 607º nº 3 do C.P.C. absolvendo-se da instância à ré e deve ser requerida nova prova para apreciação da excepção de incapacidade prevista no art. 568 b) do C.P.C..
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Contra-alegou a autora pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:
A) Apurar se a sentença é nula por falta de fundamentação e/ou por falta de discriminação de factos relevantes; B) Apurar se há erro de julgamento: se existe revelia e quais os efeitos da mesma e, na hipótese de os factos considerados confessados serem insuficientes para a procedência da acção e não tendo o tribunal a quo proferido convite ao aperfeiçoamento, saber quais os poderes deste Tribunal.
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II – Fundamentação
Foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1 – A autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano composto por “casa com dois pavimentos e logradouro”, destinado a habitação, inscrito na matriz predial sob o art. … da União de Freguesia de Barcelos, … (anterior … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº …. 2 – A ré é arrendatária do referido prédio.
3 - A renda actual - desde o início de 2011 – é de € 20 (vinte euros) e deveria ser paga, na morada da autora, no dia um de cada mês a que dissesse respeito. 4 - A ré, apesar das reiteradas instâncias da autora, só pagou as rendas devidas até Abril de 2010, nada mais tendo pago desde essa data.
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A) Nulidade da sentença
Veio a apelante arguir a presente nulidade dizendo que a sentença é nula por falta de fundamentação uma vez que a mesma considerou que existe um contrato de arrendamento e falta de pagamento de rendas sem que se mostre junta qualquer prova documental (contrato ou recibo). Refere que na mesma não se mostram discriminados os factos relevantes. Mais refere que “não foram equacionados os prazos de invocação da resolução do contrato de arrendamento”.
A apelada pronunciou-se em sentido contrário.
Vejamos.
Dispõe o art. 615º nº 1 do C.P.C.: É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…).
Nos termos do art. 154º do C.P.C. as decisões são sempre fundamentadas sendo que esta não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição. Aliás, este dever é constitucionalmente imposto (art. 205º nº 1 da C.R.P.).
Como se pode ler no Ac. do S.T.J. de 09/12/1987, relatado pelo Cons. Manso Preto, in www.dgsi.pt “I - A motivação da sentença impõe-se por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. II - Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior, que carece também de conhecer as razões determinantes da decisão para as poder apreciar no julgamento do recurso. (…)”.
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615º citado. Disso dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
E refere-se no Ac. do S.T.J. de 28/05/2015, relatado pelo Cons. Granja da Fonseca, in www.dgsi.pt.: “A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.”
No caso em apreço, verificamos que, na sentença, mostram-se enunciados os factos julgados provados, os quais foram considerados confessados nos termos do art. 567º nº 2 do C.C., e foi feita a subsunção jurídica. Assim, de modo algum, ocorre falta absoluta de fundamentação de facto e/ou de direito pelo que não se mostra verificada a causa de nulidade que a recorrente pretende assacar à decisão recorrida.
Apurar se os factos considerados confessados são aqueles e se em face do mesmos se mostra correcta a subsunção jurídica, i.e., se existe erro de julgamento, é matéria a apreciar noutra sede. O mesmo se passa com as questões suscitadas pela apelante.
Pelo exposto, julgamos não verificada a presente nulidade.
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B) Revelia e seus efeitos
No caso em apreço a ré foi regularmente citada na sua pessoa e, não obstante de haver sido nomeado patrono (aliás vários patronos), a mesma não apresentou contestação pelo que se encontra numa situação de revelia.
Assim, nos termos do art. 567º nº 1 do C.P.C., consideraram-se confessados os factos articulados pela autora uma vez que se considerou que não é aplicável nenhuma das excepções previstas no art. 568º do C.P.C..
Vejamos.
Referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 533, a propósito do nº 1 do art. 567º do C.P.C. que considera confessados os factos alegados pelo autor: “Trata-se, portanto, de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e, aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os arts. 352 CC e ss.); de facto, fala-se tradicionalmente de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária (…)”. Mais adiante referem que, como este meio de prova tem um regime não coincidente com o da confissão, é mais adequado reservar para ele o termo de admissão.
Não obstante se considerarem confessados ou admitidos os factos alegados pelo autor o desfecho da causa não tem necessariamente ser aquele que é pretendido pelo autor porquanto, nos termos da parte final do nº 2 do art. 567º do C.P.C., o juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”.
Encontramo-nos, assim, perante um efeito cominatório semipleno pelo que, como referem os acima referidos autores, in ob. cit., p. 535-536, “(…) apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente (como se admite que seja a hipótese mais vulgar), mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais), para julgar a ação apenas parcialmente procedente (quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado) para a julgar totalmente improcedente (se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566-2 CC).”
No caso de petição inicial deficiente, i.e., a petição que não contem todos os factos de que depende a procedência da acção ou se apresentar articulada de forma incorrecta ou defeituosa (neste sentido Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1997, p. 188), não obstante a revelia do réu, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do art. 590º do C.P.C. e, caso este o faça, deve notificar o réu para que, querendo, exerça o contraditório.
As excepções ao efeito cominatório semipleno encontram-se previstas no art. 568º do C.P.C. sendo que, no caso em apreço, importa abordar as previstas nas alíneas b) e d).
Dispõe este preceito: Não se aplica o disposto no artigo anterior:
(…) b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, (…) d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Refere a ré apelante que é aplicável a excepção prevista na al. b) do art. 568º do C.P.C. alegando que é incapaz “devido à sua condição de velhice (…) apesar de não ter sido decretado judicialmente”. Mas, não tem razão.
A acima referida alínea b) nesta parte refere-se a causas com um objecto para o qual o réu careça de capacidade jurídica, o que não é manifestamente o caso. Acresce que a idade, mais ou menos avançada, não traz necessariamente uma incapacidade, a qual, a verificar-se, tem que ser declarada judicialmente.
Nos termos da al. d) do acima referido preceito não é possível considerar confessados e provados factos para cuja prova se exija documento escrito. Com efeito, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 543-544: “Quando a lei (art. 364 CC) ou as partes (art 223 CC) exijam documento escrito como forma ou para a prova dum negócio jurídico (ou de outro facto jurídico), esse documento não é dispensável, pelo que o silêncio da parte, tal como a declaração expressa de confissão, não pode sobrepor-se-lhe (alínea d)).” E mais adiante “Neste caso, o âmbito de inoperância da revelia é mais restrito do que nos das alíneas b) e c), quando não também do que no caso da alínea a): a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados pelo autor, nos termos do art. 567-1, salvo daqueles que careçam de prova documental.”
No que se refere a exigência legal de documento escrito dispõe o art. 364º nº 1 do C.C.: “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.”
Revertendo ao caso sub judice, analisando os factos considerados confessados e constantes da sentença, verificamos que aí apenas consta que a autora é proprietária do imóvel aí identificado, que a ré é arrendatária do mesmo, que a renda actual é de € 20,00 e que a ré, desde Abril de 2010, que não paga a renda, o que, aliás, corresponde ao alegado na petição inicial.
Tendo em atenção esta singela matéria de facto fica-se sem se saber, designadamente em que data foi o referido imóvel dado de arrendamento, por quem e a quem, se houve transmissão do mesmo e qual o seu fim (embora parece resultar que tem o fim de habitação). Acresce que o contrato de arrendamento não foi junto com a petição inicial.
Ora, não se sabendo a data da celebração do arrendamento em causa fica-se sem se saber qual a legislação concreta que o regula.
Por outro lado, encontramo-nos perante facto para cuja prova se exige documento escrito. No que concerne à forma do contrato de arrendamento urbano verificamos que se sucederam diversos regimes: escritura pública para os arrendamentos sujeitos a registo e arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal prevendo um sistema de invalidades mistas (art. 1029º do C.C.) e deve constar de título escrito sendo que, quando este não exista, só pode ser provado pelo arrendatário com exibição do recibo (art. 1088º do C.C.); deve ser celebrado por escrito, sendo que esta inobservância pode ser suprida pela exibição do recibo da renda e devem ser reduzidos a escritura pública os arrendamentos sujeitos a registo e os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal (art. 7º do R.A.U.); deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses (art. 1069º do C.C./redacção introduzida pela Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, i.e., N.R.A.U.); deve ser celebrado por escrito (art. 1069º do C.C./redacção introduzida pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, que alterou o N.R.A.U.); deve ser celebrado por escrito e, na falta de redução a escrito não imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses (art. 1069º nº 1 e 2/redacção introduzida pela Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro). Destes regimes resulta sempre a forma escrita para o arrendamento para habitação.
Pelo exposto, verificamos que o julgador devia ter convidado a autora a juntar contrato de arrendamento e a aperfeiçoar a petição inicial nos termos do art. 590º nº 2 b), c), nº 3 e 4 do C.P.C., o que consubstancia um poder vinculado.
Não o tendo feito que poderes tem o Tribunal da Relação?
Cremos que existem duas teses acerca desta problemática.
Miguel Teixeira de Sousa, in “A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco de improcedência: um novo princípio processual?”, blog IPPC, entrada de 29/01/14, defende que, com o dever de convidar as partes a completarem os seus articulados, imposto ao tribunal da 1ª instância, a lei pretendeu repartir entre as partes e o tribunal o risco de improcedência da causa por insuficiência da matéria de facto.
Assim, refere “(…) poderá dizer-se que a 2ª instância não pode onerar a parte com o risco da improcedência decorrente da insuficiência da matéria de facto. Se esse risco deve ser combatido na 1.ª instância com o convite dirigido à parte para aperfeiçoar o seu articulado, então a Relação não pode fazer recair sobre essa parte esse mesmo risco. Numa época em que se generaliza a construção de novos princípios processuais, talvez se possa falar do princípio da proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência.
A lei fornece a solução para evitar esta oneração pela Relação do risco da improcedência: a solução é a anulação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância com base na deficiência do julgamento da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), nCPC), desde que essa deficiência seja entendida, não por referência à matéria de facto constante da causa, mas por referência à matéria de facto que podia constar da causa se a parte tivesse seguido o convite que lhe deveria ter sido dirigido pela 1.ª instância.(…)”.
A omissão do despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento constitui nulidade processual porquanto trata-se de um acto que a lei prescreve como essencial ao bom julgamento da causa e caso não ocorra tem influência no exame ou na decisão da causa. Entende o referido autor que o art. 662º nº 2 c) do C.P.C. dá cobertura ao conhecimento oficioso pela Relação da referida nulidade.
Neste sentido pronunciou-se o Cons. Urbano Dias, in “Breves nótulas sobre o controlo pela Relação da omissão do dever de cooperação da 1ª instância”, blog IPPC, entrada de 16/06/14.
Outros autores, como Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, II Vol., Almedina, pág. 126 e ss, baseando-se no facto da nulidade em causa não poder ser oficiosamente conhecida, defendem que, “nos casos verdadeiramente excepcionais nos quais o tribunal ad quem entende que a justa composição do litígio exige um aperfeiçoamento da articulação, o relator (art. 652.º, n.º 1, al. d)), por iniciativa própria ou concertado com dos juízes adjuntos (art. 658.º), deve convidar a parte a aperfeiçoar a sua alegação de recurso, nela fazendo incluir, querendo, a arguição da nulidade por omissão do despacho do convite ao aperfeiçoamento – nulidade só agora cognoscível pela parte, já que o tribunal a quo havia considerado a factualidade alegada suficiente –, fazendo-o subsidiariamente – nos termos previstos no art. 636.º, n.º 1, quando a acção tenha sido julgada procedente –, acautelando o acolhimento desta solução plausível de direito pelo tribunal ad quem. Na alegação subsidiária, a parte deverá logo revelar a factualidade omitida, se ela efectivamente existe, de modo a que o colectivo possa ajuizar da relevância da sua alegação” (5.4.1)”.
No voto vencido lavrado pela Sra. Desembargadora Deolinda Varão no Ac. da R.P. de 15/01/16, in www.dgsi.pt esta defende que não pode ser oficiosamente conhecida a nulidade referente à omissão do despacho do convite ao aperfeiçoamento e que a al. c) do nº 2 do art. 662º do C.P.C. se reporta apenas aos factos que constam da causa (alegados pelas partes – art. 5º nº 1 do C.P.C. – e que o juiz pode conhecer nos termos do nº 2 do art. 5º do C.P.C.). Assim, se os factos não podem ser provados por serem essenciais e não haverem sido alegados entende que resta confirmar a sentença recorrida que julgou improcedente a acção.
Subscrevemos a primeira tese por entendermos que tem apoio nos amplos poderes que o C.P.C. concedeu à Relação em matéria de ampliação da matéria de facto nos termos da al. c) do nº 2 do art. 662º do referido código.
Neste sentido vide Ac. da R.P. de 26/02/2015, in www.dgsi.ptonde se lê: “(…) constatada essa insuficiência (insuficiência da causa de pedir), o tribunal, mesmo sendo um tribunal de recurso, não pode proferir um acórdão de improcedência da reconvenção por falta de prova dos factos constitutivos do direito invocado pela ré (art. 342/1 do CC), sem antes convidar a ré a aperfeiçoar a reconvenção, completando a causa de pedir (situação a que, depois, naturalmente terá que ser dado seguimento pelo tribunal de primeira instância). (…) Aliás, se este tribunal julgasse já a reconvenção improcedente, cometeria uma nulidade processual, consistente no facto de ter decidido de mérito uma causa antes de ter proferido despacho a que estava vinculado a proferir (art. 195, 197, 199, 200/3 e 201, todos do CPC (…)”.
Pelo exposto, importa anular a sentença recorrida nos termos do art. 662º nº 2 c) do C.P.C., a qual deve ser substituída por decisão que convide a autora a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoar a sua petição inicial - completando a causa de pedir alegando a data da celebração do contrato de arrendamento, identificando os contraentes, esclarecendo se houve transmissão do mesmo e o fim do contrato - e a juntar o referido contrato.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:
I – Em caso de revelia o art. 567º nº 1 do C.P.C. consagra um sistema de efeito cominatório semipleno uma vez que a causa não é necessariamente julgada procedente, antes deve ser julgada conforme for de direito. II – Estes efeitos da revelia não são aplicáveis, designadamente quanto a factos para cuja prova se exija documento escrito, como é o caso do contrato de arrendamento. III - Se a autora se limitou a alegar que é proprietária de determinado imóvel, que a ré é arrendatária do mesmo, que esta não paga a renda há vários anos e não juntou o respectivo contrato de arrendamento, e não tendo o Tribunal a quo proferido despacho a convidá-la a aperfeiçoar o seu articulado, bem como a juntar o referido contrato, a Relação pode conhecer desta nulidade processual apesar de não haver sido arguida pela apelante.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, anulando a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por decisão que convide a autora a, no prazo de 10 dias, aperfeiçoar a sua petição inicial, completando a causa de pedir, alegando a data da celebração do contrato de arrendamento, identificando os contraentes, esclarecendo se houve transmissão do mesmo e o fim do contrato - e a juntar o referido contrato devendo os autos prosseguir seus termos.
Custas do recurso pela parte vencida a final.