I. Conquanto não seja uma regra absoluta, a decisão de facto é da competência das Instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.
II. No âmbito do contrato de prestação de serviços médicos, em geral, não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios ajustados a conseguir tal resultado, considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, e não de resultado.
III. Estando em causa uma cirurgia destinada a corrigir defeito físico e/ou a melhorar a aparência, a importância do resultado assume maior acuidade. Neste tipo de casos, pese embora a obrigação do médico continue a não ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, tem vindo a ser entendido que se trata de uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”, donde, qualquer médico, cumpridor dos seus deveres legais e deontológicos, e ciente das vicissitudes de qualquer cirurgia, apenas se deve empenhar com a utilização dos meios que, em concreto, se adequarem à respectiva situação, satisfazendo a sua obrigação quando, depois de esclarecer o doente dos riscos associados à intervenção cirúrgica, e usando de toda a diligência, emprega os conhecimentos e as técnicas ditadas pelas leges artis da especialidade.
IV. No contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de prótese, o médico assume uma obrigação de resultado quanto à elaboração da prótese adequada à anatomia do paciente, e uma obrigação de meios quanto à aplicação da mesma no organismo do paciente segundo as leges artis.
V. Cabe ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os actos considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso, importando que só depois dessa prova, funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a presunção de culpa do médico.
I – RELATÓRIO
AA intentou a presente acção declarativa, sob forma comum, contra BB pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de €191.855,00, sendo €180.000,00, a título de ressarcimento de danos patrimoniais, bem como, no pagamento de todas as despesas futuras, de natureza médica e medicamentosa e com exames complementares, até integral recuperação da Autora, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Articulou, com utilidade, ter contratado os serviços do Réu, como médico-cirurgião, para a reparação de uma assimetria das mamas, através de uma mamoplastia com aplicação de implante de qualidade superior, tendo-se o Réu apresentado como especialista em cirurgia plástica e reconstrutiva, mas sendo especialista em cirurgia geral, tendo convencido a Autora a realizar uma mamoplastia de aumento, uma correcção da assimetria mamária e uma lipoaspiração (de que a Autora não carecia), e que, na sequência da cirurgia realizada em 23 de Julho de 2013, onde o Réu aplicou modelos mais baratos de implantes, a Autora ficou com palidez do complexo areolo mamilar que evoluiu em necrose, sofreu dor excessiva e desconforto no local afectado, equimoses e libertação de pus, ficando com os tecidos mamários comprometidos e com um mamilo destruído, perdendo, assim, a possibilidade de amamentar com o mesmo, para além da deformidade de ambos os seios, a par da assimetria e diferença de volume mamário, e sem que o Réu alguma vez lhe houvesse comunicado que o resultado pretendido poderia não ser exactamente o desejado e que, para além disso ainda ficou, em consequência da lipoaspiração, com o umbigo disforme, com uma prega de pele descaída que antes não tinha, com altos dolorosos na barriga, onde o Réu aplicou injecções dolorosas e que a incapacitaram para as tarefas diárias.
Acrescentou ainda que o Réu se prontificou à realização de uma nova cirurgia para reparar os danos causados no corpo da Autora, o que esta aceitou, tendo decorrido da mesma, o agravamento das lesões, com cicatrizes espessas, visíveis e inestéticas, com mais de 30 centímetros e atravessando toda a largura do peito, e com mais dores e traumas, para além da continuação da disparidade do volume e da assimetria mamária, ficando a Autora totalmente incapaz de amamentar, por ter perdido a sensibilidade nos mamilos, com dores agudas no local das cicatrizes.
Em consequência da actuação do Réu, a Autora sente repulsa e desprezo pelo seu corpo, com distúrbios alimentares, restrições da vida social e sexual, fazendo com que não engravidasse, tendo de ter acompanhamento psicológico, para além de ter despendido €350,00 em despesas médicas e medicamentosas.
Entretanto, o Réu prontificou-se a realizar uma terceira cirurgia, que a Autora recusou, em razão do trauma vivido pelas experiências anteriores, carecendo porém, de uma nova cirurgia, com um custo de €11.505,00, para correcção da cicatriz quelóide, com vista à diminuição da visibilidade da mesma.
Regularmente citado, contestou o Réu, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando que foi esta quem solicitou os seus serviços para a colocação de implantes mamários porque queria ter mamas maiores, tendo-lhe também pedido a lipoaspiração, sendo que as dores são inerentes à realização da cirurgia, decorrendo a intensidade das mesmas da capacidade da Autora de as suportar, sendo que as cicatrizes e deformidades decorrem da anatomia e do tipo de pele da Autora.
A Autora recusou-se a deixar que fossem efectuados os procedimentos necessários à sua correcção, antes optando por procurar outro médico.
O Réu invocou a existência de um contrato de seguro, pelo qual transferiu a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade como médico, pedindo a intervenção principal da seguradora.
Concluiu pela improcedência da acção.
Foi admitida a intervenção principal requerida, sem oposição da Autora, tendo a Ré sido citada e apresentado contestação onde, para além de confirmar a existência do contrato de seguro, acompanhou a defesa, por impugnação, do Réu, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
Teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido identificado o objecto do litígio, e enunciados os temas da prova.
Calendarizada a audiência final, foi esta realizada com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal de 1.ª Instância proferido decisão, de facto e de direito, tendo julgado a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido formulado pela Autora.
Inconformada, recorreu a Autora/AA, de apelação, tendo o Tribunal da Relação conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado:
“Em face do exposto, acordam em julgar parcialmente improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente -artigo 527° do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Foi lavrada declaração de voto, tendo-se consignado a propósito:
“Concordo com o decretado no presente acórdão no que respeita à declaração de improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela apelante, logo com a inexistência de prova quanto a vários dos danos invocados por essa litigante para justificar a fixação do quantum indemnizatório por ela peticionado.
Todavia, tendo em conta que o Réu/apelado admitiu que os resultados das operações cirúrgicas estéticas dependem “do tipo de pele das pacientes” (minuto 27:00 e seguintes da gravação do depoimento do Réu) e que o tecido mamário da Autora e o prolongamento axilar de um lado que a mesma possui “não é comum” e “é muito mais exuberante” do que é habitual (idem - minuto 36:30 e seguintes até ao 41:00) - “a foto mostra tudo... há um maior cavamento do lado esquerdo” -, constituem situações que deveriam tê-lo levado, exactamente por causa dessas especiais características, a actuar com cuidados adicionais no tratamento dessa sua cliente.
Cuidados que, manifestamente, o apelado não teve, quando é certo que, com um elevado grau de probabilidade [o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, que viveu entre 1646 e 1716, demonstrou inequivocamente que não existem certezas absolutas mas tão só certezas probabilísticas], essa actuação mais cuidada e ponderada teria sido a posta em prática por um/a normal e diligente de bom pai/boa mãe de família, instituto jurídico que constitui a corporização ficcionada (mas judiciariamente operante) dos Valores ou Princípios Éticos estruturantes e conformadores da Comunidade inscritos nos art°s 334° e 335° do Código Civil.
Daí que, em linha com o acórdão do STJ, de 17/02/2009 (relator: Pires da Rosa) citado na sentença recorrida, entenda que a obrigação contratual de quase resultado a que o Réu estava vinculado mercê do acordo de vontades que firmou com a Autora não foi por ele integralmente cumprida.
E, por estas razões, voto vencido no que tange à confirmação do sentenciamento absolutório proferido em primeira instância que está contida no decreto judicial lavrado no presente acórdão, porquanto, em minha opinião, deveria ser atribuída uma indemnização à Autora correspondente aos danos [materiais, incluindo os estéticos, mas sobretudo aos não patrimoniais] por ela sofridos mercê do parcial incumprimento contratual ocorrido no caso dos autos.”
É contra esta decisão que a Autora/AA se insurge, formulando seguintes conclusões:
“A) Veio o douto tribunal a quo proferir Acórdão nos presentes autos que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrido, tendo considerado que do contrato de prestação de serviços médicos celebrado entre as partes resulta somente uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado, confirmando a sentença do tribunal de l.ª instância.
B) Não obstante, resulta do voto de vencido que o Recorrido assumiu, em sede de declarações de parte, que existiam características na anatomia da ora Recorrente que deveriam ter sido considerados pelo Recorrido e, em função destes, deviam ter sido empregues cuidados adicionais no tratamento da paciente.
C) Cuidados que o Recorrido, manifestamente, não teve e que a actuação mais cuidada e diligente de um bónus pater famílias exigia essa adequação às características da paciente.
D) Concluindo que, em linha com o acórdão do STJ, de 17/02/2009 (relator: Pires da Rosa), impende sobre o Recorrido uma obrigação de quase resultado, incumprida por este, pelo que a Autora deveria ser ressarcida pelos danos materiais, estéticos e sobretudo pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, consequência directa e necessária do incumprimento contratual do Recorrido.
E) O Tribunal a quo resume-se a avaliar a questão do risco compreendido e aceite pelas partes aquando da contratação de um serviço médico-cirúrgico, mas parece centrar-se excessivamente na questão da obrigação de meios vs. obrigação de resultado, em preterição de outros elementos que permitiriam concluir pelo efectivo incumprimento contratual pelo Recorrido.
F) A saber,
G) Na sequência do contrato celebrado entre as partes, decorre uma obrigação para o ora Recorrido de actuação segundo as leges artis, actuação do profissional compatível com a diligência normal do médico médio, sendo irrelevante que tenha a seu cargo uma obrigação de meios ou de resultado, como resulta do Acórdão do STJ, Processo 08B1800 (relator: Rodrigues dos Santos).
H) Ora, à responsabilidade contratual médica é aplicável a presunção de culpa do art.° 799.°, n.° 1 do Código Civil, pelo que seria exigível ao Recorrido que provasse que actuou de forma diligente, o que este não logrou provar, conforme decorre do próprio voto vencido do Acórdão do tribunal a quo,
I) Do qual resulta que o próprio Recorrido assumiu que a sua estratégia para execução da cirurgia não foi a mais adequada às características anatómicas da Recorrente, conforme resulta das declarações de parte (depoimento gravado no sistema Habilus media studio, 00:37:00 a 00:41:15, em que o Recorrido assume que a assimetria do prolongamento axilar é visível nas fotografias de pré-operatório,
J) Por conseguinte, a falta de atenção do ora Recorrido na análise dos elementos de que já dispunha em fase de pré-operatório, configura necessariamente uma violação dos deveres de cuidado e diligência que antecedem a realização de uma intervenção cirúrgica,
K) Concluindo-se, assim, que inexiste fundamento para afastar presunção de culpa prevista no art.° 799.°, n.° 1 do Código Civil.
L) Andou mal o tribunal a quo, ao não considerar que, aquando da l.ª cirurgia de mamoplastia de aumento, realizada a 23/7/2013, à qual a Recorrente se submeteu, visando não só o aumento como, igualmente, a correcção da sua assimetria mamária,
M) Porquanto consta do Ponto 5 dos Factos Provados, por acordo, que “A A. foi acompanhada pelo 1.° R. ao longo de vários meses, deslocando-se ao consultório médico deste para as consultas de pré-cirurgia, tendo o 1.° R. comunicado à A. a intenção de realizar uma mamoplastia de aumento, com correcção da assimetria mamária, e uma lipoaspiração abdominal.”
N) O que significa que a correcção da assimetria mamária não se tratava de um mero aspecto secundário, mas sim uma componente integrante e fulcral do contrato de prestação de serviços médicos celebrado entre as partes.
O) Conforme resulta do Ponto 16 dos Factos Provados, após a intervenção a assimetria mamária permanecia visível “a olho nu” e as auréolas mamárias passaram a estar desalinhadas,
P) E, no entanto, considera o tribunal a quo que não existiu incumprimento contratual, porquanto a Recorrente obteve o aumento pretendido.
Q) O próprio facto de o Recorrido ter sugerido a realização da segunda intervenção cirúrgica para correcção dos danos causados com a primeira cirurgia, gratuitamente e a título de compensação, integra em si uma assunção da sua imperícia e negligência na execução do procedimento.
R) Pelo que a Recorrente não pode concordar com a posição vertida no douto Acórdão do tribunal a quo.
S) Igualmente surpreendente, a posição do tribunal a quo ao afirmar que, aquando da segunda intervenção cirúrgica, inexistiu qualquer incumprimento contratual pelo Recorrido,
T) Porquanto, foi acordado entre as partes a realização de uma “mini-abdominoplastia”, para correcção de uma prega de pele que havia surgido na sequência da lipoaspiração realizada na primeira cirurgia, de 23/7/2013,
U) Tendo resultado como provado que o Recorrido realizou uma abdominoplastia, o que configura uma intervenção cirúrgica distinta, utilizada para pacientes com flacidez muito acentuada e pregas de pele excessivas, o que não era o caso da Recorrente, que apenas contratou a realização da mini-abdominoplastia.
V) Ora, se as partes acordaram na execução de uma intervenção e o Recorrido realizou outra, com repercussões físicas totalmente distintas,
W) Apenas se pode concluir pelo efectivo incumprimento contratual pelo Recorrido, não só em termos da cirurgia a realizada como, sobretudo, pela violação das leges artis.
X) Esta interpretação da ora Recorrente é reforçada pelo depoimento da testemunha CC, Cirurgião Plástico, que manifestou total discordância em relação ao método aplicado pelo Recorrido na execução da abdominoplastia,
Y) Na medida em que o Recorrido, na intervenção realizada a 15/04/2014, efectuou um corte transversal, na zona infra mamária, em toda a extensão do peito da Recorrente, o que, na opinião da testemunha e Especialista em cirurgia estética, se revelava como excessivo e desnecessário, técnica adequado a sujeitos com grandes pregas abdominais, o que não era o caso da Recorrente.
Z) Pelo que, novamente, a interpretação do douto tribunal a quo de que não houve incumprimento contratual ou cumprimento defeituoso na execução do acordo celebrado entre as partes se afigura como uma interpretação errónea.
AA) No que se refere ao enquadramento jurídico, o acórdão recorrido remete para o Acórdão do STJ de 26/04/2016, proferido no Processo n.° 6844/03.4TBCSC.LI.SI, do qual resulta que sobre o contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de prótese, impende sobre o profissional de saúde uma obrigação de resultado quanto à elaboração da prótese adequada à anatomia do paciente e, cumulativamente, uma obrigação de meios quanto à execução da cirurgia,
BB) Isto é, o dispositivo a implantar tem de ser adequado às particularidades anatómicas do paciente, sendo esta obrigação de resultado; enquanto os efeitos de aceitação ou rejeição do implante depende de factores biológicos, alheios ao controlo do profissional, configuram apenas uma obrigação de meios.
CC) Ora, alicerçados neste enquadramento jurídico, reitera o douto tribunal a quo que não ficou provado o incumprimento contratual do Recorrido e que se encontra afastada a presunção de culpa,
DD) Interpretação com qual a ora Recorrente não pode concordar.
EE) Analisando o douto Acórdão do STJ de 26/04/2016, proferido no Processo n.° 6844/03.4TBCSC.LI.SI, parece resultar que a elaboração da prótese a colocar deve ser adequada à anatomia do paciente,
FF) Ora, a Recorrente padece de um prolongamento axilar à direita, peculiaridade que em muito influenciou o resultado final; o Recorrido assumiu em sede de declarações de parte que pelo registo fotográfico, obtido em pré-operatório, a existência do prolongamento axilar é visível “a olho nu”,
GG) Esta particularidade na anatomia da paciente não é de somenos importância, era um aspecto essencial a avaliar em sede de pré-operatório e que foi descurado pelo Recorrido, cujo comportamento revela falta de cuidado e até conduta negligente.
HH) Impendia sobre o cirurgião a obrigação de avaliar todos os aspectos que pudessem influenciar o resultado final, de forma a poder elaborar as próteses mais adequadas à Recorrente, que in casu, teriam de ter dimensões diferentes, para corrigir assim a assimetria.
II) Uma vez que o Recorrido não diligenciou no sentido dessa avaliação, não adequou as dimensões das próteses às características biológicas da paciente, impõe-se concluir que ocorreu uma violação da obrigação de resultado, incumprimento contratual e, por conseguinte, impende sobre o Recorrido uma presunção legal de culpa.
JJ) Por conseguinte, deverá o presente recurso ter provimento e a decisão recorrida ser alterada, condenando o Recorrido a pagar à Recorrente a quantia €191.855,00 (cento e noventa e um mil oitocentos e cinquenta e cinco euros), a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, bem como no pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas futuras até à integral recuperação da Recorrente.
Nestes Termos, farão V. Exas. Ilustres Juízes Conselheiros a Sã, Serena e Acostumada Justiça”
Houve contra alegações apresentadas pelo Recorrido/Réu/BB, concluindo pela improcedência do recurso apresentado, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:
“1. Da audição integral da gravação digital da audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, do depoimento da recorrente, disponível na aplicação informática com o início a 00:00:00 e termo a 00:52:38, bem como, da prova documental junta, nomeadamente do Consentimento Informado, e da Declaração de Consentimento Informático, resulta claramente que as cirurgias contratadas pela recorrente foram as seguintes:
- Uma mamoplastia de aumento e uma lipoaspiração – 23 de julho de 2013, conforme doc. n°s 1 junto com a contestação.
- Uma correção mamária com colocação de próteses assimétricas e mini abdominoplastia superior com incisão infra mamária - abril de 2014, conforme doc. n° 2 junto com a contestação.
2. Não é verdade que a primeira cirurgia se destinasse a corrigir a assimetria.
3. Só após a realização da mamoplastia de aumento é que a recorrente solicitou ao recorrido a cirurgia de correção da assimetria.
4. A cirurgia de correção só não teve os resultados imediatos pretendidos, porque a recorrente tem uma anatomia invulgar, ou seja, tem um prolongamento axilar direito maior que o prolongamento axilar esquerdo e foi essa situação anatómica invulgar que impediu a subida da prótese e a consequente resolução da assimetria.
5. Esse prolongamento axilar direito maior do que o prolongamento axilar esquerdo, não é comum, é invulgar, o que não permitiu de imediato ao recorrido se ter apercebido da sua existência.
6. O prolongamento não era visível a “olho nu”, o que era visível a “olho nu” era a assimetria que normalmente tem como causa um maior desenvolvimento de uma das mamas ainda na puberdade.
7. Esta situação por ser invulgar não coloca em causa o cuidado ou a diligência do recorrido na realização da cirurgia.
8. A recorrente alegou uma série de danos e deformidades, mas não solicitou qualquer perícia médico-legal que confirmasse as suas afirmações.
9. A documentação junta pela recorrente não pode fazer provas dos factos que alega, desde logo porque as fotografias juntas, para além de não se saber se de facto pertencem ao corpo da recorrida, não estão datadas, desconhecendo-se as datas em que as mesmas foram tiradas, sendo que neste tipo de cirurgias, o tempo decorrido após a realização das cirurgias é de extrema importância (como aliás foi referido pelos profissionais de saúde que foram ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento) para a avaliação do resultado final.
10. De qualquer maneira nunca o recorrido poderá ser condenado por negligência ou falta de cuidado na realização da cirurgia, uma vez que foi impedido pela recorrente de realizar uma cirurgia e o consequente acompanhamento que poderiam ter ditado um resultado diferente e do agrado da recorrente.
11. Tendo a recorrente recusado que o recorrido efetuasse a cirurgia de correção da situação que não obteve um êxito imediato, devido a uma invulgar característica anatómica no seu corpo, é de concluir que a recorrente impediu a realização do recorrido à totalidade das fases necessárias para alcançar o resultado final pretendido.
12. Pelo que deverão improceder todos os pedidos contra o recorrente.
Nestes Termos, farão V. Exas. Acostumada Justiça.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações da Recorrente/Autora/AA consiste em saber se:
(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao julgar improcedente a presente demanda, impondo-se a revogação dessa decisão e a sua consequente substituição por outra que julgue procedente a pretensão deduzida, conforme resulta do voto de vencido, consignado no acórdão recorrido (“Todavia, tendo em conta que o Réu/apelado admitiu que os resultados das operações cirúrgicas estéticas dependem “do tipo de pele das pacientes” (minuto 27:00 e seguintes da gravação do depoimento do Réu) e que o tecido mamário da Autora e o prolongamento axilar de um lado que a mesma possui “não é comum” e “é muito mais exuberante” do que é habitual (idem - minuto 36:30 e seguintes até ao 41:00) - “a foto mostra tudo... há um maior cavamento do lado esquerdo” -, constituem situações que deveriam tê-lo levado, exactamente por causa dessas especiais características, a actuar com cuidados adicionais no tratamento dessa sua cliente), na medida em que o Réu assumiu, em sede de declarações de parte (depoimento gravado no sistema Habilus media studio, 00:37:00 a 00:41:15), que existiam características na anatomia da Autora que deveriam ter sido consideradas, importando que tivessem sido empregues cuidados adicionais no seu tratamento, que o Réu não teve, mas que uma actuação mais cuidada e diligente de um bonus pater famílias exigia, devendo, neste sentido, ser considerado como adquirido processualmente que:
a) “A Autora padece de um prolongamento axilar à direita, peculiaridade que em muito influenciou o resultado final, sendo que o Réu assumiu que o prolongamento axilar é visível “a olho nu”, o que foi, por si, descurado, deixando de adequar as dimensões das próteses às características biológicas da paciente?”
b) “A l.ª cirurgia de mamoplastia de aumento, realizada a 23/7/2013, à qual a Recorrente se submeteu, visou não só o aumento como, igualmente, a correcção da sua assimetria mamária?”
c) “O Réu realizou uma abdominoplastia utilizada para pacientes com flacidez muito acentuada e pregas de pele excessivas, o que não era o caso da Autora, que apenas contratou a realização da mini-abdominoplastia, tendo o Réu realizado outra intervenção cirúrgica com repercussões físicas totalmente distintas às acordadas com a Autora?”
II. 2. Da Matéria de Facto
Reapreciada a decisão de facto, mantendo-se inalterada a decisão proferida em 1ª Instância, foi considerada demonstrada a seguinte facticidade:
“1. O R. exerce profissionalmente a atividade de médico, na especialidade de cirurgia geral, (acordo)
2. Enquanto cirurgião geral o 1º R. obteve competência em cirurgia plástica e reconstrutiva, tendo sido responsável, entre 1999 e 2007, pela equipa de reconstrução mamária (após mastectomia por cancro da mama) no serviço de cirurgia do Hospital de …, integrado no SNS. (acordo)
3. Em Junho de 2013 a A. procurou o Io R., pretendendo uma mamoplastia de aumento, com correcção da assimetria das mamas.
4. A assimetria das mamas da A. era visível a olho nu. (acordo)
5. A A. foi acompanhada pelo 1º R. ao longo de vários meses, deslocando-se ao consultório médico deste para as consultas de pré-cirurgia, tendo o 1º R. comunicado à A. a intenção de realizar uma mamoplastia de aumento, com correcção da assimetria mamária, e uma lipoaspiração abdominal, (acordo)
6. Nas referidas consultas, o 1º R. foi prestando alguns esclarecimentos, nomeadamente a localização das cicatrizes, a localização dos implantes e o tamanho mais adequado dos mesmos, tudo factores que contribuíram para o estabelecimento de uma relação de confiança entre a A. e o 1º R. (acordo)
7. Nessas consultas a A. manifestou ao 1º R. o seu receio de que o procedimento cirúrgico não corresse bem, partilhando com o mesmo que a sua irmã teve uma má experiência com uma cirurgia electiva, ao que o 1º R. a tranquilizou, (acordo)
8. Na sequência dessas consultas, em 23/7/2013 a A. assinou um documento intitulado “consentimento informado” e com o seguinte teor: “Para os devidos efeitos a Sra. Dª AA declara que foi informada pelo Dr. BB sobre o procedimento que vai ser realizado (Mamoplastia de aumento e lipoaspiração). A Sra. Dª AA declara ter sido suficientemente informada e que todas as informações prestadas pelo Dr. BB foram perfeitamente entendidas e aceites, tendo sido esclarecida de eventuais complicações imediatas e tardias”.
9. Ao assinar tal documento e ao aceitar submeter-se ao procedimento cirúrgico aí identificado a A. estava confiante que alcançaria o objectivo de melhorar o seu aspecto físico, com o aumento das mamas, e de ultrapassar a assimetria das mesmas, tudo por via da colocação dos implantes mamários.
10. Nessa mesma data de 23/7/2013 a A. foi submetida a uma mamoplastia de aumento e a uma lipoaspiração abdominal, ambas realizadas pelo 1º R. (acordo)
11. A mamoplastia de aumento é um procedimento cirúrgico já considerado usual na classe médica, com reduzidos riscos inerentes a todas as intervenções cirúrgicas, e da qual raramente decorrem complicações, (acordo)
12. Após a cirurgia de 23/7/2013 a A. sofreu de desconforto no local afectado, (acordo)
13. Após a mamoplastia de aumento um dos pontos abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade.
14. Em consequência da lipoaspiração abdominal, e apesar de não ter sido realizada pelo 1º R. qualquer incisão na área circundante do umbigo, a A. ficou com uma prega de pele descaída, que não tinha antes, (acordo)
15. Em consequência da lipoaspiração abdominal a A. ficou com altos dolorosos na barriga, tendo o 1º R. aplicado tratamentos de mesoterapia, que correspondem a injecções, que para a A. eram extremamente dolorosas, (acordo)
16. Após a cirurgia de 23/7/2013 a assimetria das mamas da A. continuava a ser visível a olho nu.
17. A continuação da assimetria das mamas da A. após a colocação dos implantes mamários decorreu de um prolongamento axilar da A. mais desenvolvido à direita que à esquerda, que impediu a subida da prótese do lado direito.
18. O 1º R. propôs à A. a realização de uma nova cirurgia, destinada a corrigir a assimetria das mamas da mesma, bem como a eliminar a prega de pele descaída, que a A. não tinha antes da cirurgia de 23/7/2013.
19. Tendo a A. aceite a proposta do 1º R., em 15/4/2014, foi submetida a uma correcção mamária com colocação de próteses assimétricas, bem como a uma mini-abdominoplastia superior com incisão infra-mamáría, ambas realizadas pelo 1° R., para correcção da assimetria mamária e do excesso de pele supra umbilical pós lipoaspiração.
20. Antes da realização desta cirurgia a A. assinou um documento intitulado “declaração de consentimento informado”, onde declarou ter sido esclarecida pelo 1º R. sobre a sua situação clínica, mais declarando ter-lhe sido explicados quais os meios ou formas de tratamento possíveis, que lhe foram propostos os procedimentos cirúrgicos que vieram a ser realizados (correcção mamária com colocação de próteses assimétricas e mini-abdominoplastia superior com incisão infra-mamária), e que lhe foram dados a conhecer em pormenor os seus objectivos, benefícios e possível complicações, mais declarando ter entendido perfeitamente a intervenção referida e declarando ainda dar o seu acordo à mesma.
21. A incisão infra-mamária deixou uma cicatriz horizontal atravessando toda a largura do peito.
22. Tal cicatriz horizontal mostra-se espessa, visível e inestética, devido à formação de quelóide.
23. Tal formação de quelóide decorreu da anatomia e do tipo de pele da A.
24. O 1º R. prontificou-se perante a A. a realizar uma terceira intervenção cirúrgica, para correcção de tal cicatriz com formação de quelóide, o que a A. recusou.
25. Em 20/11/2014 a A. foi a uma consulta de cirurgia plástica com o Dr. CC, que lhe propôs a realização de uma cirurgia com retirada dos implantes e troca por tamanhos mais pequenos, com o acerto das aréolas, com a revisão das cicatrizes com a finalidade de simetrizá-las, com a aplicação de corticóide na união da cicatriz das mamas (sobre o esterno) um mês antes da cirurgia, e com pequena lipo com a finalidade de colher gordura para ser enxertada nas depressões acima do umbigo e abaixo da parte central das mamas, mais orçamentando o custo total da mesma em €11.505,00.
26. A “revisão das cicatrizes” proposta pelo Dr. CC corresponde ao mesmo procedimento cirúrgico que o 1º R. se prontificou perante a A. a realizar através de uma terceira cirurgia, para correcção da cicatriz com formação de quelóide, minimizando a sua visibilidade.
27. Em 13/1/2015 a A. despendeu a quantia de €200,00 com uma ressonância magnética mamária.
28. Em 5/2/2015 a A. despendeu a quantia de € 15,00 com um acto médico.
29. Em 10/3/2015 a A. despendeu a quantia de € 15,00 com uma consulta de ginecologia-obstetrícia.
30. Em 24/3/2015 a A. despendeu a quantia de € 30,00 com uma consulta de cirurgia plástica.
31. Entre o 1º R. e a 2ª R. foi celebrado e encontra-se em vigor um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional - médicos, titulado pela apólice n° 008…2, cujo início teve lugar a 1/4/1994, e garantindo, desde 1/1/2005, a responsabilidade civil extracontratual em que pudesse incorrer o 1º R. em virtude da sua actividade médica, até ao montante de €300.000,00, uma vez que o capital da anuidade (€600.000,00) fica limitado, em cada sinistro, a 50% do respectivo valor, sendo aplicada a cada sinistro, relativamente a danos patrimoniais, uma franquia de 10% do valor reclamado, com um mínimo de €125,00. (acordo e documento)”
Foram considerados não provados os seguintes factos:
“. A reparação da assimetria das mamas pretendida pela A. só poderia ser realizada mediante uma mamoplastia com aplicação de implantes;
. O 1º R. apresentou-se à A. como médico da especialidade da cirurgia plástica e reconstrutiva e com elevados conhecimentos e experiência na área da cirurgia plástica e reconstrutiva;
. Ao empregar a expressão “especialista” o 1º R. dá a ideia que se trata de um médico inscrito nos quadros dos Colégios de Especialidade da Ordem dos Médicos e que possui o reconhecimento da subespecialidade ou competência que menciona;
. A especialização de um médico em cirurgia geral não atribui competências específicas na área da cirurgia plástica e reconstrutiva;
. O 1º R. omitiu conscientemente à A. que no seu internato complementar não fez estágios de cirurgia plástica e reconstrutiva, incluindo a cirurgia da mão, maxilo-facial e crânio maxilo-facial, de tratamento de queimados e cirurgia estética;
. A A. foi exposta a um risco consideravelmente agravado pelo facto do 1º R. não ter qualificações atribuídas por uma especialização em cirurgia plástica reconstrutiva e estética;
. Nunca havia ocorrido à A. realizar a lipoaspiração referida em 5. mas o 1º R. convenceu-a que seria melhor realizar este procedimento, bem como a mamoplastia de aumento, através da qual seria corrigida a assimetria mamária;
. Aquando da manifestação dos receios da A. referida em 7. o 1º R. assegurou à A. que nada correria mal;
. A A. aceitou a realização da cirurgia de 23/7/2013 como forma de solucionar a assimetria das mamas;
. A assimetria das mamas da A. afectava-a a nível da sua auto-estima, vida pessoal e relação conjugal.
. Após a cirurgia de 23/7/2013 foi notada palidez do complexo aréolo-mamilar, tendo o mesmo evoluído em necrose;
. Após a cirurgia de 23/7/2013 a A. sofria de dor excessiva, equimoses e libertação de pus pela ferida, devido aos tecidos necrosados;
. Após a cirurgia de 23/7/2013 os tecidos mamários que recobrem o implante estavam fortemente comprometidos, com problemas de cicatrização, aparência infectada e inflamada;
. Foram aplicadas algumas medidas para atenuar os efeitos que a A. estava a sentir, mas estas apenas evoluíram para sofrimento em todos esses procedimentos e insucesso total, culminando na perda da possibilidade de amamentar com o mamilo destruído;
. Depois de todos os danos causados pela cirurgia, incluindo tratamento hospitalar, a dor física durante o tratamento e, logo após, a repulsa, frustração e a angústia sofridas pela A., da cirurgia de 23/7/2013 decorreu a deformidade irreparável de ambas as mamas da mesma, ficando as próteses com diferentes alturas e os mamilos geometricamente desalinhados, desnivelados e com as aréolas mamárias descentradas, bem como diferença de volume mamário;
. Relativamente ao ponto cirúrgico que abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Relativamente à assimetria das mamas da A. que continuava a ser visível a olho nu após a cirurgia de 23/7/2013, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Relativamente à lipoaspiração abdominal, a A. ficou com o seu umbigo disforme;
. Relativamente à prega de pele descaída com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1° R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Relativamente aos altos dolorosos na barriga com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Em consequência dos tratamentos de mesoterapia referidos em 15. a A. ficava impossibilitada de realizar quaisquer tarefas domésticas e até de tomar conta da sua filha menor;
. Quando a A. contactou o 1° R. após a cirurgia de 23/7/2013 apenas pretendia que este a auxiliasse nos tratamentos e cuidados médicos necessários para as dores insuportáveis que estava a sentir;
. O 1º R. reconheceu perante a A. que lhe havia causado danos nas mamas com a cirurgia de 23/7/2013, propondo-se corrigir e suavizar tais danos através de uma nova cirurgia;
. O 1º R. nunca comunicou à A. que haveria possibilidade de se manter o desalinhamento das mamãs;
. A A. solicitou ao 1º R. a colocação de um implante de qualidade superior, com menor probabilidade de rejeição, pedido que o 1º R. não respeitou, colocando um modelo mais barato;
. Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. não reparou qualquer um dos danos causados à A. pela cirurgia de 23/7/2013;
. Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. agravou as lesões da A. provocadas pela cirurgia de 23/7/2013, mantendo-se a disparidade do volume mamário e as assimetrias dos mamilos, bem como cicatrizes grosseiras e visíveis nos seios, decorrentes da falta de mestria do 1° R. nos procedimentos cirúrgicos realizados;
. A cicatriz referida em 21. tem mais de 30 centímetros de comprimento;
. O aspecto referido em 22. da cicatriz referida em 21. decorre da falta de mestria na técnica cirúrgica utilizada pelo 1º R., não correspondendo às técnicas actuais utilizadas para aplicações de implantes mamários, que deixam cicatrizes de tamanho muito reduzido;
. A prestação do 1º R. em cada uma das duas cirurgias foi inconsciente e descuidada;
. Após a recusa referida em 24., a A. procurou auxílio junto de outros médicos e especialistas, visando obter tratamentos que minimizassem as dores e infecções resultantes das cirurgias, bem como atenuassem as deformidades nas suas mamas;
. A A. realizou vários exames na Clínica de …, que vieram comprovar as disformidades nas suas mamas;
. Em consequência das cirurgias realizadas pelo 1º R. a A. ficou totalmente incapaz de amamentar, por ter perdido toda a sensibilidade nos mamilos e por sentir dores agudas no local das cicatrizes;
. Para a sua recuperação a A. nunca obteve ajuda do 1º R., contando somente com o apoio dos familiares;
. A A. sentiu pânico quando constatou o estado em que o seu corpo se encontrava após a cirurgia;
. Por força das complicações verificadas no pós-operatório e causadas pelo 1° R., advieram dores e mal-estar à A.;
. O sentimento de repulsa e frustração da A. levou-a a frequentar regularmente consultas da especialidade da psicologia;
. O sentimento da A. de angústia e desprezo pelo seu corpo é tão preocupante que a levou a distúrbios alimentares, resultando em flutuações de peso, sem contar as restrições à vida social, nomeadamente, a vergonha em colocar trajes de banho, dificuldade para realizar actividades físicas e prejuízo na vida sexual do casal;
. O complexo com tal situação reflectiu-se no relacionamento com seu marido e com a sua filha, fazendo inclusivamente com que não engravidasse com o medo de não poder amamentar;
. A A. não vive em paz com o seu corpo, não sendo capaz de gostar de si mesma, o que acarreta forte pressão sobre a sua vida íntima;
. Actualmente a A. sente-se uma pessoa menos atraente, com dificuldades em olhar para o seu reflexo no espelho, por se sentir insatisfeita com a imagem que vê, conduzindo a uma vida de insatisfação e frustração;
. Os danos causados à A. pelas cirurgias efectuadas pelo 1° R. decorrem do facto deste não ter qualificações atribuídas por uma especialização em cirurgia plástica reconstrutiva e estética;
. Os gastos referidos em 27. a 30., destinaram-se ao tratamento dos danos decorrentes das cirurgias efectuadas pelo 1º R.”
II. 3. Do Direito
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao julgar improcedente a presente demanda, impondo-se a revogação dessa decisão e a sua consequente substituição por outra que julgue procedente a pretensão deduzida, conforme resulta do voto de vencido, consignado no acórdão recorrido (“Todavia, tendo em conta que o Réu/apelado admitiu que os resultados das operações cirúrgicas estéticas dependem “do tipo de pele das pacientes” (minuto 27:00 e seguintes da gravação do depoimento do Réu) e que o tecido mamário da Autora e o prolongamento axilar de um lado que a mesma possui “não é comum” e “é muito mais exuberante” do que é habitual (idem - minuto 36:30 e seguintes até ao 41:00) - “a foto mostra tudo... há um maior cavamento do lado esquerdo” -, constituem situações que deveriam tê-lo levado, exactamente por causa dessas especiais características, a actuar com cuidados adicionais no tratamento dessa sua cliente), na medida em que o Réu assumiu, em sede de declarações de parte (depoimento gravado no sistema Habilus media studio, 00:37:00 a 00:41:15), que existiam características na anatomia da Autora que deveriam ter sido consideradas, importando que tivessem sido empregues cuidados adicionais no seu tratamento, que o Réu não teve, mas que uma actuação mais cuidada e diligente de um bonus pater famílias exigia, devendo, neste sentido, ser considerado como adquirido processualmente que:
a) “A Autora padece de um prolongamento axilar à direita, peculiaridade que em muito influenciou o resultado final, sendo que o Réu assumiu que o prolongamento axilar é visível “a olho nu”, o que foi, por si, descurado, deixando de adequar as dimensões das próteses às características biológicas da paciente?”
b) “A l.ª cirurgia de mamoplastia de aumento, realizada a 23/7/2013, à qual a Recorrente se submeteu, visou não só o aumento como, igualmente, a correcção da sua assimetria mamária?”
c) “O Réu realizou uma abdominoplastia utilizada para pacientes com flacidez muito acentuada e pregas de pele excessivas, o que não era o caso da Autora, que apenas contratou a realização da mini-abdominoplastia, tendo o Réu realizado outra intervenção cirúrgica com repercussões físicas totalmente distintas às acordadas com a Autora?” (1)
Conforme já adiantamos, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.
Tanto quanto se alcança das conclusões do recurso interposto, a Recorrente/Autora/AA vem reclamar um destino diverso da demanda, traçado nas Instâncias, aportado na declaração de voto consignada no aresto recorrido onde se começou por afirmar:
“Concordo com o decretado no presente acórdão no que respeita à declaração de improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela apelante, logo com a inexistência de prova quanto a vários dos danos invocados por essa litigante para justificar a fixação do quantum indemnizatório por ela peticionado.
Todavia, tendo em conta que o Réu/apelado admitiu que os resultados das operações cirúrgicas estéticas dependem “do tipo de pele das pacientes” (minuto 27:00 e seguintes da gravação do depoimento do Réu) e que o tecido mamário da Autora e o prolongamento axilar de um lado que a mesma possui “não é comum” e “é muito mais exuberante” do que é habitual (idem - minuto 36:30 e seguintes até ao 41:00) - “a foto mostra tudo... há um maior cavamento do lado esquerdo” -, constituem situações que deveriam tê-lo levado, exactamente por causa dessas especiais características, a actuar com cuidados adicionais no tratamento dessa sua cliente.
(…) Daí que, em linha com o acórdão do STJ, de 17/02/2009 (relator: Pires da Rosa) citado na sentença recorrida, entenda que a obrigação contratual de quase resultado a que o Réu estava vinculado mercê do acordo de vontades que firmou com a Autora não foi por ele integralmente cumprida.
E, por estas razões, voto vencido no que tange à confirmação do sentenciamento absolutório proferido em primeira instância que está contida no decreto judicial lavrado no presente acórdão, porquanto, em minha opinião, deveria ser atribuída uma indemnização à Autora (,,,)”
Assim, sustenta a Recorrente/Autora/AA a alteração da decisão de facto, concretamente, dar-se como provado a facticidade enunciada: a) “A Autora padece de um prolongamento axilar à direita, peculiaridade que em muito influenciou o resultado final, sendo que o Réu assumiu que o prolongamento axilar é visível “a olho nu”, o que foi, por si, descurado, deixando de adequar as dimensões das próteses às características biológicas da paciente?”; b) “A l.ª cirurgia de mamoplastia de aumento, realizada a 23/7/2013, à qual a Recorrente se submeteu, visou não só o aumento como, igualmente, a correcção da sua assimetria mamária?”; e c) “O Réu realizou uma abdominoplastia utilizada para pacientes com flacidez muito acentuada e pregas de pele excessivas, o que não era o caso da Autora, que apenas contratou a realização da mini-abdominoplastia, tendo o Réu realizado outra intervenção cirúrgica com repercussões físicas totalmente distintas às acordadas com a Autora?”, para daqui concluir por um sentenciamento que não o absolutório, proferido e contido no decreto judicial lavrado no acórdão recorrido.
Ou seja, tal como decorre da declaração de voto consignado no aresto a quo também a Recorrente/Autora/AA sustenta no presente recurso que a facticidade demonstrada deveria ser alterada, tendo em atenção a prova produzida em Juízo, mormente as declarações do Réu, em conjugação com demais prova produzida e que identifica, de tal sorte que, uma vez subsumida juridicamente, ter-se-ia que concluir pela procedência da presente demanda.
Tudo visto, colhemos do recurso interposto, como pressuposto do reconhecimento da bondade da pretensão jurídica deduzida nos autos, e que ora se reclama, a alteração da matéria de facto, já impugnada em 2ª Instância, sem qualquer sucesso, aliás, tendo sido mantidos os factos provados e não provados (item II. FUNDAMENTAÇÃO II. 2. Da Matéria de Facto).
Se bem entendemos o objecto da revista, nos termos acabados de exprimir, há que dizer, sublinhando, que a Recorrente/Autora/AA insurge-se contra o aresto apelado, sustentando, desde logo, que deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no respeitante à matéria de facto, porque nessa fixação, houve factos que deixaram de ser considerados como adquiridos processualmente, mas que o deverão ser, atendendo à já enunciada prova produzida.
O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode, alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.
A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, como insofismável, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada, e reconhecida, a violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.
A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não deve, nem pode, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nomeadamente, a prova documental ou por confissão, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, acordo das partes, confissão, documento, com força probatória plena.
Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pela Recorrente/Autora/AA, reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter deixado de adquirir processualmente, concretos factos, por ter deixado de valorar, correctamente, determinados meios de prova (depoimento gravado no sistema Habilus media studio, 00:37:00 a 00:41:15; e depoimento da testemunha CC).
Confrontada a facticidade, pretensamente a aditar aos factos adquiridos processualmente, consignada nas enunciadas alíneas a), b), e c), da enunciada questão a conhecer, distinguimos, com clareza, que a lei não exige certa espécie de prova para a demonstração dos respectivos factos, nomeadamente, a prova documental, que contendem com a alegada consideração de que a Autora/AA padece de um prolongamento axilar à direita, peculiaridade que em muito influenciou o resultado final, sendo que o Réu assumiu que o prolongamento axilar é visível “a olho nu”, o que foi, por si, descurado, deixando de adequar as dimensões das próteses às características biológicas da paciente, a par de que a l.ª cirurgia de mamoplastia de aumento, realizada a 23/7/2013, à qual a Recorrente se submeteu, visou não só o aumento como, igualmente, a correcção da sua assimetria mamária, outrossim, que o Réu realizou uma abdominoplastia utilizada para pacientes com flacidez muito acentuada e pregas de pele excessivas, o que não era o caso da Autora, que apenas contratou a realização da mini-abdominoplastia, tendo o Réu realizado outra intervenção cirúrgica com repercussões físicas totalmente distintas às acordadas com a Autora/AA.
Ao pressupor a alteração da matéria de facto com vista a decisão diversa da sentenciada, nos termos declarados, a Recorrente/Autora/AA, pretende, neste Tribunal ad quem, colocar em causa a decisão de facto, reconhecida no Tribunal da Relação, conhecida a respectiva impugnação, nomeadamente, a seguinte facticidade dada como não provada:
“. Relativamente ao ponto cirúrgico que abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Relativamente à assimetria das mamas da A. que continuava a ser visível a olho nu após a cirurgia de 23/7/2013, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. Relativamente à prega de pele descaída com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1° R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
. O 1º R. reconheceu perante a A. que lhe havia causado danos nas mamas com a cirurgia de 23/7/2013, propondo-se corrigir e suavizar tais danos através de uma nova cirurgia;
. Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. agravou as lesões da A. provocadas pela cirurgia de 23/7/2013, mantendo-se a disparidade do volume mamário e as assimetrias dos mamilos, bem como cicatrizes grosseiras e visíveis nos seios, decorrentes da falta de mestria do 1° R. nos procedimentos cirúrgicos realizados;
. O aspecto referido em 22. da cicatriz referida em 21. decorre da falta de mestria na técnica cirúrgica utilizada pelo 1º R., não correspondendo às técnicas actuais utilizadas para aplicações de implantes mamários, que deixam cicatrizes de tamanho muito reduzido;
. A prestação do 1º R. em cada uma das duas cirurgias foi inconsciente e descuidada.”
Sublinhando que o que está em causa, é a reapreciação da prova, tendo a Relação valorada a mesma, de acordo com o princípio da livre convicção, a que está sujeita, tendo elaborado, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que não está em causa qualquer erro de direito, na apreciação dos apresentados meios de prova, temos que reconhecer que o Tribunal recorrido afirmou os poderes que lhe estão atribuídos enquanto Tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Tudo visto, ao reconhecermos, neste particular, a não invocação de qualquer erro de direito, na apreciação da decisão de facto, concluímos que este Tribunal ad quem, não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, ancorada, repetimos, em meios de prova, sujeitos à livre apreciação.
Escrutinada a decisão recorrido, divisamos que o Tribunal a quo, não só revelou ter interiorizado que a qualidade de qualquer decisão de direito está associada, de modo inexorável, ao julgamento de facto, com análise crítica das provas apresentadas em Juízo, com também elaborou um ajustado e transparente enquadramento jurídico.
Na verdade, cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, alias, não mereceu qualquer censura, mantendo-se inalterada), o Tribunal recorrido concluiu, no segmento decisório pela manutenção da decisão proferida em 1ª Instância, conquanto tivesse sido lavrada a mencionada declaração de voto.
O aresto escrutinado apreendeu de forma correcta a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo.
Assim, acompanhando, com critério, o objecto do recurso interposto pela Autora, apreciando os actos ou factos jurídicos donde emerge o direito que se arroga e pretende fazer valer, actos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, o acórdão recorrido debruçou-se sobre a invocada responsabilidade civil do Réu, sustentada em alegada negligência médica, acompanhando de perto o sentenciado em 1ª Instância, fazendo apelo ao respectivo enquadramento jurídico, sufragando-o, donde se colhe, ao cabo e ao resto, um seguro domínio dos institutos e conceitos de direito aplicáveis, enunciando doutrina e jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que cita com propósito.
Ao definir juridicamente a responsabilidade civil emergente de acto médico, o Tribunal a quo, consignou a propósito:
“ (…) entre Autora e Réu estabeleceu-se uma relação contratual, caraterizada como contrato de prestação de serviço, tipificado no artigo 1154° do CC, que o define como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» e que, no âmbito do contrato de prestação de serviços médicos, em geral, não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios adequados à obtenção de tal resultado, considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, e não de resultado.”
(…) em casos como o dos autos, em que está em causa uma cirurgia estética ou reconstrutiva, que se destinava a corrigir um determinado defeito físico e a melhorar a aparência ou a imagem da ora Autora, a dimensão do resultado assume maior relevância.
Neste tipo de casos, se é certo que a obrigação do médico não é uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, prometida e acordada, tem vindo a ser entendido que se trata de uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”, e em que a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico devedor (Ac. do STJ de 02.06.2015, proferido no âmbito do processo n.° 1263/06.3TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.)”
(…) Em todas essas circunstâncias um qualquer médico consciencioso, cumpridor dos seus deveres legais e deontológicos e ciente das vicissitudes de qualquer operação cirúrgica, apenas se pode comprometer seriamente com a utilização dos meios que, em concreto, se ajustarem à respetiva situação, cumprindo a sua obrigação quando, depois de esclarecer devidamente o doente dos riscos associados à intervenção cirúrgica, emprega os conhecimentos e as técnicas ditadas pelas leges artis da especialidade, usando para o efeito de toda a diligência, profissionalismo, dedicação ou perícia que as concretas circunstâncias exigirem.”
Recentemente, o Acórdão do STJ de 26/04/2016, proferido no processo n.° 6844/03.4TBCSC.L1.S1, considerou que no contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de prótese, o médico assume uma obrigação de resultado quanto à elaboração da prótese adequada à anatomia do paciente, e uma obrigação de meios quanto à aplicação da mesma no organismo do paciente segundo as leges artis.”
(…) os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso. E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a dita presunção de culpa.”
No caso dos autos (…) a obrigação do Réu não pode deixar de ser qualificada como uma obrigação de meios - a de colocar à disposição da ora Autora os seus melhores conhecimentos cirúrgicos tendo em vista a pretendida alteração estética - o aumento mamárío, a correção da correção da respetiva assimetria e redução da gordura localizada no ventre.
Não podia, porém, o Réu, pela natureza do procedimento, garantir a ausência de reação adversa do organismo aos implantes, a inexistência de processos inflamatórios pós-operatórios, decorrente da reação do organismo a corpos estranhos e ao próprio procedimento cirúrgico, ou do sofrimento físico inerente a todo o processo.”
Daqui conclui, o Tribunal recorrido “(…) E se é certo que não se demonstrou terem sido atingidos exatamente os resultados pretendidos mencionados na decisão recorrida (…) não se demonstrou o incumprimento pelo Réu da “leges artis”, não se tendo demonstrado lesão não consentida pela Autora, nem qualquer outro ato ilícito de que decorra a obrigação de indemnizar.”
Conforme decorre da apreciação levada a cabo neste segmento, reconhecido que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de direito, ao reapreciar a decisão de facto, importa admitir, acentuando, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, uma vez ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, não podendo interferir, pois, na decisão de facto, mantendo-se a mesma inalterável.
Assim, como corolário do enquadramento jurídico enunciado, que não deixamos de aprovar, e que nos dispensamos de reforçar, temos como apodíctico, não se deixar de acolher outra subsunção jurídica que não a sentenciada, impondo-se, a conclusão de que, conquanto se tenha demonstrado não terem sido atingidos, exactamente, os resultados pretendidos pela Autora/AA, não se demonstrou o incumprimento, pelo Réu/BB, da leges artis, conforme, aliás, decorre da decisão de facto ao considerar como não provado:
“Relativamente ao ponto cirúrgico que abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
Relativamente à assimetria das mamas da A. que continuava a ser visível a olho nu após a cirurgia de 23/7/2013, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
Relativamente à prega de pele descaída com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1° R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão;
O 1º R. reconheceu perante a A. que lhe havia causado danos nas mamas com a cirurgia de 23/7/2013, propondo-se corrigir e suavizar tais danos através de uma nova cirurgia;
Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. agravou as lesões da A. provocadas pela cirurgia de 23/7/2013, mantendo-se a disparidade do volume mamário e as assimetrias dos mamilos, bem como cicatrizes grosseiras e visíveis nos seios, decorrentes da falta de mestria do 1° R. nos procedimentos cirúrgicos realizados;
O aspecto referido em 22. da cicatriz referida em 21. decorre da falta de mestria na técnica cirúrgica utilizada pelo 1º R., não correspondendo às técnicas actuais utilizadas para aplicações de implantes mamários, que deixam cicatrizes de tamanho muito reduzido;
A prestação do 1º R. em cada uma das duas cirurgias foi inconsciente e descuidada”.
Outrossim, não se demonstrou lesão não consentida pela Autora/AA, nem qualquer outro acto ilícito praticado pelo Réu/BB, de que decorra a respectiva obrigação de indemnizar.
Assim, não podendo este Tribunal ad quem, alterar a decisão da matéria de facto, cuja impugnação foi apreciada pela Relação, consignada no aresto recorrido, sendo esta pretensão, atinente à reclamada censura da reapreciação da matéria de facto, a questão essencial que suporta o interposto recurso de revista, temos como judiciosa a subsunção jurídica sentenciada, mantendo-a.
Ao perfilhamos o entendimento que vimos de discorrer, reconhecemos, na consequente improcedência da argumentação aduzida nas alegações trazidas à discussão pela Autora/AA, não merecer censura a decisão em escrutínio.
IV. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente/Autora/AA.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Janeiro de 2019
Oliveira Abreu (Relator)
Ilídio Sacarrão Martins
Nuno Pinto Oliveira