Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONSENTIMENTO PARA ADOPÇÃO
DISPENSA
Sumário
Desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, não pode decretar-se a adoção se se verifica falta do consentimento dos pais do adotando e se inexiste fundamento para a dispensa desse consentimento. (Sumário da Relatora)
Trata-se de uma ação declarativa instaurada com apelo ao disposto nos arts. 1973.º e ss do CC e ao Regime Jurídico do Processo de Adoção aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro, com vista à adoção plena do menor pela Requerente.
Invoca a Requerente, para tanto, que o menor lhe foi confiado administrativamente com vista a futura adoção, na modalidade de confirmação de permanência dele a seu cargo, na qualidade de candidata à adoção. O menor, nascido a 29/07/2003, foi-lhe entregue com um ano e meio de idade, desde então encontra-se aos cuidados da requerente, a quem foi atribuída a guarda do menor, assegurando-se aos progenitores direitos de visita e impondo-se-lhes o dever de prestar alimentos. A mãe do menor veio a falecer e o pai demonstra não ter por ele interesse.
Correram termos processos de regulação do poder paternal, de alteração da regulação do poder paternal e ainda de promoção e proteção, que foi arquivado.
No decurso do processo, foi o progenitor convocado para prestar o seu consentimento à adoção do menor. Por ele foi afirmado, e posteriormente reafirmado, não dar consentimento para a adoção.
Suscitado que foi o incidente de dispensa do consentimento do progenitor, a Requerente sustentou dever ser dispensado esse consentimento.
O Ministério Público, por seu turno, pronunciou-se no sentido da não verificação dos respetivos pressupostos, tomando por referência norteadora o disposto no art.º 1981.º, n.º 3, als. a) e c)[1] do CC: não se afigura que o progenitor esteja privado do uso das faculdades mentais, não ocorre grave dificuldade em ouvi-lo nem teve lugar a sua inibição do exercício das responsabilidades parentais. Acresce que não teve lugar a aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção no âmbito de processo de promoção e proteção (o que, desde logo e só por si, implicaria na dispensa desse consentimento – art. 55.º, n.º 1, do RJA).
Nessa sequência, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da ação por falta de um pressuposto legal essencial consagrado no artigo 1981.º do CC – a falta de consentimento do progenitor do adotando.
II – O Objeto do Recurso
Foi proferida sentença que declarou «não conferir a adoção do menor à requerente.»
Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declare a dispensa do consentimento para a adoção de (…) julgando-se a causa, oportunamente, conforme for de direito. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos em referência que julgou a ação improcedente por não provada e, consequentemente, não decretou a adoção plena do menor (…).
II. Salvo melhor entendimento, a douta decisão recorrida violou por falta de fundamentação e erro de interpretação e/ou aplicação e grosseira ambiguidade e obscuridade, entre outras, as normas dos 3º, 54º, 55º e 56º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, e os artigos1978.º, 1981º, e 1982.º, todos do Código Civil e o artigo 608º e 615.º do atual CPC, pelo que deve ser revogada.
III. A decisão ora recorrida foi errada, antes deveria o Tribunal a quo e, bem assim, o Ministério Público, de ter tomado em conta os princípios orientadores em matéria de adoção, constantes do artigo 3º do referido RJPA, conjugados com os demais elementos de facto do processo, com a respetiva dispensa do progenitor.
IV. Desse modo, e previamente à prolação de decisão final, impunha-se ao Tribunal a quo o seguimento dos autos.
V. Atentas as diligências desenvolvidas com vista à audição do progenitor do menor as mesmas vieram a revelar-se infrutíferas.
VI. Ao passo que o menor prestou o seu consentimento livre e esclarecido, no qual afirma que pretende ser adotado pela Recorrente.
VII. Motivo pelo qual foi suscitado pelo MM. Juiz o correlativo incidente de dispensa do consentimento do progenitor.
VIII. Das audições do progenitor apurou-se que o mesmo não consentia na adoção do menor por não ter sido esse o “trato” e que só o “deu àquela família para criar”, porque, segundo este, a companheira daquele não aceitava o menor Leonardo, portanto, como solução, decidiu ao progenitor que se desfizesse do filho, “dando-o” a terceiros, o que este aceitou para ficar com a companheira…
IX. Ficando então a Recorrente e o seu falecido companheiro com esta “moeda de troca”, i.e. o (…), para o progenitor não perder a sua companheira.
X. Mais afirmando ainda o progenitor relapso nunca ter sido sequer ouvido por nenhuma entidade judicial acerca da permanência do menor com aquela família (hoje só Recorrente) e que tudo fizeram sem a sua anuência.
XI. O que nada mais é que uma enorme e grotesca mentira.
XII. Como resulta claro pela leitura do processo de Alteração da Regulação do Poder Paternal n.º 379/04.5TMFAR-A, 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, onde vem dito, que “37. O progenitor revelou estar de acordo quanto à continuidade do (…) sob a guarda do casal de acolhimento, não estando a contribuir para os encargos da criança e tendo um relacionamento com a criança com um carácter descontínuo/irregular”; o que foi igualmente corroborado pelo Relatório da Segurança Social.
XIII. Conquanto, nada do acordo que versava sobre o diferimento das responsabilidades parentais, relativamente ao menor, aquele progenitor se dignou cumprir, maxime o regime de visitas e o pagamento de pensão de alimentos, nem acerca disso algum dia pediu alteração caso não pudesse e quisesse satisfizer.
XIV. Por aí, apenas resta dizer que encontrarmo-nos agora diante de uma postura que além de intransigente decai também ela num atuar que em muito afronta todo o disposto no artigo 3.º, do RJPA eivada de má-fé.
XV. E por ai deve SIM ser de dispensar o consentimento do progenitor no caso em apreço.
XVI. Porquanto, encontram-se preenchidos os requisitos gerais e específicos estabelecidos no Código Civil para que esta adoção possa ter lugar, podendo à vista disso a Recorrente adotar o menor (…), havendo reais vantagens e motivos legítimos para a adoção,
XVII. pelo que deve proceder-se à imediata dispensa do consentimento do progenitor do adotando, cfr. nº 1 do artigo 55.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção.
XVIII. Deve ser de concluir pela dispensa do seu consentimento para a adoção, atentos ao manifesto desinteresse que este progenitor sempre teve pelo filho, desde tenra idade, tudo por referência às disposições conjugadas pelo n.º 2 do artigo 1981.º e a alínea e) do n.º 1 do artigo 1978.º, todos do Código Civil, respetivamente.
XIX. Pois, desde que o menor está aos cuidados da Recorrente (e anteriormente do seu companheiro, o qual veio a falecer em 13.08.2015) já se passaram 13 anos e o progenitor dele nunca quis saber (nem quer…).
XX. O progenitor decidiu trocar o próprio filho por uma companheira, conforme referiu em sede de audiência.
XXI. Por outro, ocorreu inibição PARCIAL do exercício das responsabilidades parentais, através do processo de Regulação do Poder Paternal n.º 379/04.5TMFAR-A, 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, pelo que, por tal motivo, também deve de ser lograr a dispensa do seu consentimento para a adoção atendendo ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 1981.º do CC;
XXII. E caso assim não se entenda, o certo é, que, diante tais manobras e falsidades também é de perceber aqui existir grave dificuldade em ouvir o progenitor e, portanto, que, tal atuar – “malicioso” –, seja motivo bastante para a dispensa do seu consentimento para a adoção, cfr. alínea a), in fine, do n.º 3 do artigo 1981.º do Código Civil.
XXIII. Assim, a 1.ª Instância ao entender como entende jamais tomou em consideração todo o circunstancialismo fáctico que esta questão envolve.
E ainda caso assim não se entenda,
XXIV. Nem sequer deveria o progenitor ter sido convocado para prestar consentimento, conforme resulta claro pelo n.º 2 do artigo 1981.º do Código Civil.
XXV. Por aí, pela alínea e) (e até de certo modo pela alínea c)) do aludido n.º 1 artigo 1978.º do Código Civil, melhor concatenando todos os elementos constantes do atual processo e do que já decorria do processo relativo à alteração das responsabilidades parentais, resulta por provado que o progenitor, (…), nunca procurou saber do filho, agindo toda a vida em manifesto desinteresse pelo mesmo, abandonando-o e dando-o em troca de uma companheira.
XXVI. E isto a Ilustríssimo Sra. Dra. Juiz isentou-se de pronunciar em sede de sentença.
Assim, diante de tal falta para com a verdade,
XXVII. Fica mais do que visto e confirmado a má-fé deste progenitor por omissão grave do dever de colaboração com o Tribunal, princípio esse fundamental e angular do processo de adoção.
XXVIII. Neste sentido, fica assente que a prestação de consentimento deste progenitor encontra-se perpassada por flagrante omissão de tal dever, o qual vem contrariar o sentido da boa decisão do processo de adoção relativo ao seu filho (…).
XXIX. Claudicando por isso na forma como o consentimento deve ser prestado que, impreterivelmente, tem de ser inequívoca, cfr. dispõe o n.º 1 do artigo 1982.º do CC.
XXX. Pois, caso o progenitor agisse intuído pela verdade, de forma genuína e esclarecedora, o sentido do seu consentimento necessariamente seria outro que não aquele eivado de má-fé.
XXXI. Impondo-se agora que o interesse superior do menor prevaleça (cfr. art. 3º, als. a) e e), do RJPA)!
XXXII. Interesse esse que deveria ser acautelado pelo Tribunal, mas não foi, sobrelevando-se na somente o previsto no artigo 1981º, nº 1, al. c), do C.C.
XXXIII. Por aí podia o presente processo correr os seus ulteriores trâmites sem necessidade de consentimento do progenitor.
XXXIV. Por outro lado, não foi aplicada uma medida de confiança com vista a futura adoção no âmbito de um processo de promoção e protecção, pois, no âmbito do Processo n.º 248/17.9T8ORQ, que correu termos neste Juízo de Competência Genérica de Ourique, precisamente, um Processo de Promoção e Protecção, onde a Recorrente não obstante de ter manifestado o propósito de adotar o (…) como seu filho – o que ficou respetivamente aposto em ata.
XXXV. No mais, a presente ação de adoção plena relativa ao menor Leonardo Murta Miranda ocorre após indeferimento liminar de uma outra petição de adoção inquinada nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil, porquanto de acordo com o ali aposto não foi o procedimento prévio da confiança administrativa cumprido enquanto requisito anterior à instauração do processo de adoção, resultando, segundo o fundamentado, na falta de um pressuposto material essencial para o prosseguimento da mesma, cfr. Consta do processo de Adoção n.º 28/18.4T8ORQ, Juízo de Competência Genérica de Ourique.
XXXVI. E foi por entendimento daquele Exmo. Doutor Juiz que ficou estabelecido que “o processo prévio a adotar é necessariamente o da confiança administrativa” [destacado e grifo nosso].
XXXVII. Assim, em reverência ao estatuído e após diligenciados os competentes serviços do mencionado instituto, foi então alcançada pela recorrente a respetiva confiança Administrativa do menor na modalidade de confirmação de permanência de criança a cargo e, bem assim, obtido o concernente Relatório nos termos do n.º 4 do artigo 50.º do Regime Jurídico da Adoção aprovado pela Lei 143/2015, de 8 de Setembro relativo ao menor a adotar.
Fechando,
XXXVIII. Verifica-se manifesta nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar – artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
XXXIX. Ora, conforme estipula a primeira parte, do n.º 2, do artigo 608.º do CPC, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
XL. In casu, a sentença não se pronuncia em nada acerca das situações de não consentimento previsto no n.º 2 artigo 1981.º, vide 1978.º, todos do Código Civil.
XLI. O que neste particular, reveste-se de maior importância.
XLII. Nem tão pouco sequer acerca das situações de não consentimento previstas no n.º 3 do artigo 1981.º.
XLIII. O que aliás não é sequer uma mera consideração, argumento ou mera razão, outrossim é o cerne de toda esta questão!
XLIV. Por tamanho descaso e sem flanco para dúvidas, por padecer de nulidade a mesma aqui se argui.
XLV. Também cabe arguir nulidade da sentença por manifesta ambiguidade e obscuridade; e falta de fundamento de facto e de direito que justifiquem a decisão – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
XLVI. Porquanto, o presente dispositivo baseia-se em não mais que meros exemplos para fundamentar a não dispensa do consentimento do progenitor, tais como:
“O pai biológico do menor nunca foi ouvido para consentir ou não a adoção e estava localizado ou era possível a sua audição para o efeito. O que deveria ter sido feito antes da instauração da presente ação judicial. Não se trata de um caso de dispensa do seu consentimento.
Acabou por ser ouvido no presente processo, embora indevidamente porquanto a sua audição para este efeito deveria ter ocorrido antes da instauração da ação judicial de adoção, e expressamente não consentiu” – v. Sentença.
XLVII. PERGUNTANDO-SE: MAS ANTES PORQUÊ?
XLVIII. Postergando igualmente a meritíssima decisora a necessária fundamentação para ideias genéricas desprovidas de qualquer conteúdo, em contradição, como esta que refere:
“O seu não consentimento para a adoção do aqui menor, seu filho biológico, é validado no presente e para o futuro (exceto se vier a mudar de ideia)” – v. Sentença.
XLIX. PERGUNTANDO-SE: COM BASE EM QUE PRECEITO LEGAL?
L. Dispondo ainda,
“A requerente deverá instaurar outro processo como o de apadrinhamento civil ou ação tutelar cível comum, mas não de adoção, para alcançar um vínculo definitivo ao aqui jovem menor” – v. Sentença.
LI. PERGUNTANDO-SE: ADOPÇÃO JAMAIS PORQUÊ?
LII. Por fim cabe especificar que a sentença principia o seu primeiro parágrafo com a seguinte frase:
“A requerente pede, com dispensa do consentimento do pai biológico ao abrigo do art. 55º, nº 1 da Lei nº 143/2015, de 8 de Fevereiro, a adoção” – v. Sentença.
LIII. O que não corresponde inteiramente à verdade, em bom rigor, o incidente não foi pedido pela Recorrente, mas antes sim suscitado pelo Sr. Doutor Juiz à época em funções, aquando da primeira audição do progenitor.
LIV. Cujo PEDIDO na petição de adoção, recorde-se, foi:
“Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve julgar-se provada e procedente a presente ação e constituir-se a adoção pela do menor (…) pela requerente, com todos os legais efeitos, designadamente a perda dos apelidos de origem do adotando e da recomposição do seu nome como se requer” – v. Petição Inicial.
LV. Pelo exposto diante tão notória, errónea e ausente fundamentação, pelo crivo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC argui-se a inevitável nulidade desta sentença.
Afinal,
LVI. Cabe frisar, o forte sentimento de pura indefinição que tal situação neste menor provoca, acrescido de uma dor emocional tão intensa que de tão forte já não lhe é mais possível suportar, sobretudo ao ver vedado o seu legitimo direito ao uso dos apelidos daquela a quem chama de mãe.
LVII. violando assim a sentença o disposto no art. 3º, als. a) e e), do RJPA ao negligenciar seu superior interesse e bem estar deste menor».
Em sede de contra-alegações, O M.º P.º pugna pela improcedência do recurso, já que inexiste consentimento para a adoção por parte do progenitor do menor adotando e inexiste fundamento legal para dispensar esse consentimento.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
- da nulidade da sentença;
- da dispensa do consentimento do progenitor do adotando.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que resultam do que se deixou exposto.
B – O Direito
Da nulidade da sentença
A Recorrente sustenta que a sentença enferma de nulidade por não se ter pronunciado sobre o regime inserto no art. 1981.º, n.ºs 2 e 3, e por falta de fundamentação.
Nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, do CPC, «É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
Nos termos do disposto no art. 607.º, nº 4, do CPC, «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência».
É que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» – artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Alcança-se, porém, da decisão recorrida ter sido exarado que o pai do adotando nunca deu o consentimento para adoção, o que implica não se verifique o pressuposto previsto na al. c) do n.º 1 do art. 1981.º do CC para que seja decretada a adoção. Relativamente à dispensa desse consentimento, a que alude o n.º 3 da citada disposição legal, foi igualmente emitida pronúncia na sentença, considerando-se não se colocar a questão da dispensa exatamente porque o progenitor foi ouvido e declarou não prestar o consentimento.
Alcançam-se da decisão os fundamentos de facto e de direito que a sustentam, pelo que a mesma não enferma de nulidade.
Da dispensa do consentimento do progenitor do adotando
Conforme linearmente decorre do disposto no art. 1981.º, n.º 1, al. c), do CC, para que seja decretada a adoção é necessário o consentimento dos pais do adotando, ainda que menores e mesmo que não exerçam as responsabilidades parentais, desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção.
No caso em apreço, não teve lugar a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção (apenas a confiança administrativa com vista a futura adoção, na modalidade de confirmação de permanência dele a seu cargo, na qualidade de candidata à adoção). Logo, é necessário o consentimento dos pais do adotando.
Tendo a mãe falecido, permanece a necessidade do consentimento do progenitor. Este, no entanto, declarou não prestar tal consentimento. Importa, assim, apurar se estamos diante de um caso em que se possa dispensar o consentimento do pai do adotando.
Nos termos do disposto no art. 55.º, n.º 1, do RJPA, «Sempre que o processo de adoção não tiver sido precedido de aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção, no âmbito de processo de promoção e proteção, a averiguação dos pressupostos da dispensa do consentimento dos pais do adotando ou das pessoas que o devam prestar em sua substituição, nos termos do artigo 1981.º do Código Civil, deve ser efetuada no próprio processo de adoção, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ou dos adotantes, ouvido o Ministério Público.» Incidente esse que não corre termos à revelia das pessoas cujo consentimento possa ser dispensado – cfr. n.º 2 da citada disposição legal.
É que o Tribunal pode dispensar o consentimento se as pessoas que o devam prestar estiverem privadas do uso das faculdades mentais ou se, por qualquer outra razão, houver grave dificuldade em as ouvir (al. a) do n.º 3 do art. 1981.º do CC). Pode ainda dispensar o consentimento dos pais do adotando se estiverem inibidos do poder paternal, nos moldes exarados na al. c) do n.º 3 do art. 1981.º do CC.
Ora, não consta que o progenitor apresente as suas faculdades mentais comprometidas nem houve dificuldade em ouvi-lo. E embora o progenitor não exerça as responsabilidades parentais, ainda assim e como decorre do que já se deixou exposto (cfr. art. 1981.º, n.º 1, al. c), do CC), é necessário o seu consentimento; na medida em que não foi decretada judicialmente a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte do pai do adotando (cfr. arts. 52.º e ss da Lei n.º 141/2015), o consentimento não pode dispensar-se a coberto do n.º 3 do art. 1981.º do CC[2].
Assim, cabe concluir não poder decretar-se a adoção por falta de consentimento do pai do adotando, inexistindo fundamento para a dispensa desse consentimento.
É o que resulta da aplicação do regime legal vigente, não assumindo relevância os laços afetivos estabelecidos entre a Requerente e o adotando, por certo decorrentes da dedicação, empenho, amor e carinho que a Requerente vem votando ao adotando desde o ano e meio de idade deste.
Constata-se que a Recorrente faz menção de um acórdão deste Tribunal da Relação onde se decidiu pela dispensa do consentimento do progenitor. Trata-se de um acórdão proferido por este mesmo coletivo.[3] Nele se decidiu pela «dispensa do consentimento para adoção (…) por parte do seu progenitor (…), determinando-se o prosseguimento dos regulares termos do processo, observando-se designadamente o regime inserto no art. 54.º do RJPA, com exceção do versado na al. b) de tal disposição legal, julgando-se a causa, oportunamente, conforme for de direito.»
O que assentou, designadamente, nos seguintes fundamentos:
«Nos termos do Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA) aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro, atento o estatuído no art. 3.º, «a intervenção em matéria de adoção obedece aos seguintes princípios orientadores:
a) Interesse superior da criança – em todas as decisões a proferir, no âmbito do processo de adoção, deve prevalecer o interesse superior da criança;
b) Obrigatoriedade de informação – a criança e os candidatos à adoção devem ser informados com precisão e clareza sobre os seus direitos, os objetivos da intervenção inerente ao processo e a forma como esta última se processa, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão que venha a ser tomada no âmbito do processo;
c) Audição obrigatória – a criança, tendo em atenção a sua idade, grau de maturidade e capacidade de compreensão, deve ser pessoalmente ouvida no âmbito do processo de adoção;
d) Participação – a criança, bem como os candidatos à adoção, têm o direito de participar nas decisões relativas à concretização do projeto adotivo;
e) Cooperação – todos os intervenientes no processo e designadamente as entidades com competência em matéria de adoção, bem como os candidatos à adoção, têm o dever de colaborar no sentido da boa decisão do processo;
f) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante».
São estes os princípios que, por imposição legal, hão de nortear todo o ato e intervenção levados a cabo no âmbito da adoção, designadamente aqueles que sejam desenvolvidos no processo de judicial de adoção, processo este de jurisdição voluntária (cfr. art. 31.º do RJPA) que constitui a fase final do processo de adoção (cfr. arts. 52.º e ss do RJPA).
Pese embora tais princípios orientadores não contemplem menção aos progenitores das crianças, o que por si só não deixa de ser significativo, certo é que o processo não prescinde da colaboração destes, cuidando de acautelar a sua posição. Assim, estabelece-se que as pessoas cujo consentimento a lei exija e não haja sido previamente prestado ou dispensado sejam ouvidas pelo juiz, com a presença do Ministério Público (cfr. art. 54.º, n.º 1, al. b), do RJPA). Entre essas pessoas constam os «pais do adotando, ainda que menores e mesmo que não exerçam as responsabilidades parentais, desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção» – artigo 1981.º, n.º 1, alínea c), do CC».
Tal como neste processo, ali era necessário o consentimento do progenitor. Porém, diversamente do que ocorreu neste processo, desenvolvidas diligências várias para audição do progenitor, não houve qualquer possibilidade de o ouvir, pois não compareceu em Tribunal apesar de regular e pessoalmente notificado para o efeito: tais diligências revelaram-se infrutíferas, tendo o progenitor entorpecido o regular processamento do processo de adoção, violando flagrantemente o dever de colaboração no sentido da boa decisão do processo de adoção relativo à sua filha, cujo interesse superior se impõe prevaleça (cfr. art. 3.º, als. a) e e), do RJPA). Por via do que, e com apelo ao disposto na parte final da al. a) do n.º 3 do art. 1981.º do CC, se decidiu pela dispensa desse consentimento.[4]
Na medida em que, no presente processo, o progenitor, convocado que foi para o efeito, compareceu em juízo, por mais do que uma vez, e por mais de uma vez afirmou não prestar consentimento para a adoção, não tem aqui cabimento a dispensa do consentimento.
O que, irremediavelmente, perante o quadro circunstancial aqui em causa, inviabiliza a adoção pretendida.
Sem custas – artigo 4.º, n.º 2, alínea f), do RCP.
Concluindo: desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, não pode decretar-se a adoção se se verifica falta do consentimento dos pais do adotando e se inexiste fundamento para a dispensa desse consentimento.
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Sem custas.
Évora, 28 de Março de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos
__________________________________________________
[1] A alínea b) encontra-se revogada.
[2] Note-se que a alínea b) do n.º 3 do art. 1981.º do CC se encontra revogada.
[3] Ac. TRE de 28/06/2018.
[4] Cfr. Acórdão citado, e cujo teor, manifestamente, norteou a Recorrente na estruturação da sua alegação de recurso.