DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1– Invocando o empregador a licitude do despedimento, compete-lhe alegar e provar que pôs à disposição do trabalhador a compensação até ao termo do prazo de aviso prévio.

2– Não efetuada esta prova, o despedimento é ilícito.

3– Contudo, sempre que o trabalhador receba do empregador a totalidade da compensação e a não devolva, fica impedido de discutir a ilicitude, pois o despedimento tem-se como aceite.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa.


AAA, residente na Rua (…), Lisboa, não se conformando com o teor da sentença proferida no âmbito da ação à margem identificada, que julgou procedente a «exceção perentória da extinção do direito do autor à impugnação do despedimento em virtude da aceitação deste por força do recebimento da compensação e, em consequência, julgando extinto o direito de impugnação do despedimento que o trabalhador pretendia fazer valer, absolveu a Ré do pedido», vem da mesma interpor recurso de apelação.

Pede que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra, que julgue improcedente a exceção perentória de extinção do direito do trabalhador à impugnação do seu despedimento, que julgue a presente ação procedente por provada e, em consequência, declare ilícito o despedimento de que o trabalhador foi alvo e condene a empregadora no pagamento ao trabalhador da indemnização legalmente prevista, acrescida dos juros de mora devidos.

Funda-se nas seguintes conclusões:
1.– A lei estabelece que, em caso de extinção do posto de trabalho, a empregadora pode proceder ao despedimento, uma vez cumpridas as formalidades e prazos legais, sendo a decisão proferida por escrito e comunicada ao trabalhador – artigo 371.º do CT.
2.– Tal comunicação está sujeita a um aviso prévio relativamente à data da cessação do contrato, sendo este de duração variável (entre 15 e 75 dias), de acordo com a antiguidade do trabalhador – artigo 371.º, n.º 3, do CT.
3.– Tal despedimento só pode ter lugar se até ao termo do referido aviso prévio, a empregadora tiver colocado à disposição do trabalhador a compensação e demais créditos devidos pelo despedimento – artigo 368.º, n.º 5, do CT.
4.– Mais incumbindo à empregadora, de acordo com a regra geral constante do artigo 276.º, n.º 3, do CT, emitir e entregar ao trabalhador o respetivo recibo de vencimento, do qual conste discriminadamente quais os montantes parcelares pagos e qual a natureza de cada um.
5.– Nas ações de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, cabe à empregadora, no seio do articulado a que alude o artigo 98.º - J do CPT, alegar os factos e os fundamentos a partir dos quais seja possível ao tribunal concluir pela regularidade e licitude do despedimento – ónus de alegação (artigo 5.º, n.º 1, do CPC).
6.– Cabendo igualmente à empregadora provar tais factos e fundamentos – ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC).
7.– No presente caso, cabia à empregadora, para além do mais, alegar e provar que até ao termo do prazo do aviso prévio (5 de Junho de 2018) colocou à disposição do trabalhador a compensação devida pelo seu despedimento, bem como os demais créditos devidos.
8.– Tendo a empregadora alegado apenas que efetuou tais pagamentos, sem concretizar em que data o fez, e limitando-se a juntar ao processo um recibo de vencimento com uma data aposta posterior ao termo do prazo do aviso prévio (30 de Junho de 2018), não demostrando sequer convincentemente que tal pagamento foi de facto realizado, não se pode concluir que a empregadora observou cabalmente os ónus de alegação e da prova referidos no número anterior.
9.– Não tendo sido alegado e não ficando provado que a empregadora pagou ou colocou à disposição do trabalhador a compensação devida pelo despedimento até ao termo do prazo do aviso prévio, tal é, só por si e sem mais, suficiente para o despedimento deva ser julgado ilícito, conforme decorre dos artigos 368.º, n.º 5, e 384.º, alínea d) do CT.
10.– Não fazendo assim qualquer sentido considerar a rocedência da arguida exceção perentória decorrente da não elisão da presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4, do CT, quando se sabe que tal presunção pressupõe o recebimento e não devolução de uma compensação nos termos e prazos previstos na lei e quando os seus pressupostos de facto não ficaram provados.
11.– Devendo pois o despedimento dos presentes autos ser julgado ilícito e, em consequência, ser a empregadora condenada no pagamento ao trabalhador da indemnização prevista no artigo 393.º, n.º 2, alínea a), do CT, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
BBB, LDA., com sede na Rua (…), Lisboa Empregadora/Ré melhor identificada nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada do requerimento de interposição de recurso e alegações, contra-alegou sustentando a manutenção da sentença.
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Segue-se um breve resumo dos autos para melhor enquadramento.

AAA, intentou, com o patrocínio do MP, a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra BBB, Lda..

A empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, invocando, entre outras, o cumprimento das formalidades exigidas e a exceção de aceitação do despedimento.

O trabalhador apresentou contestação onde alega a irrazoabilidade de argumentação da R. no que tange á fundamentação do despedimento, o incumprimento das formalidades exigidas invocando que o Trabalhador se recusou a assinar uns papéis, e, quanto à exceção, que devolveu à R. a quantia de 540,30€, com o que ilidiu a presunção. Deduziu pedido reconvencional.

A Empregadora respondeu com a inteligibilidade da invocação do incumprimento das formalidades e pronunciou-se sobre o pedido reconvencional.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, após, foi proferida sentença que decide julgar procedente a exceção perentória da extinção do direito do autor à impugnação do despedimento em virtude da aceitação deste por força do recebimento da compensação e, em consequência, julgo extinto o direito de impugnação do despedimento que o trabalhador pretendia fazer valer nesta ação e absolvo a ré dos pedidos.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões: Não faz qualquer sentido considerar a procedência da arguida exceção perentória decorrente da não elisão da presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4, do CT, quando se sabe que tal presunção pressupõe o recebimento e não devolução de uma compensação nos termos e prazos previstos na lei e quando os seus pressupostos de facto não ficaram provados?
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FUNDAMNETAÇÃO:
  
DE FACTO.
Com relevância para a discussão da causa estão provados:
1.– A ré é uma sociedade comercial unipessoal por quotas com o seguinte objeto:

“1.- A sociedade tem por objeto social a prestação de serviços técnicos de gestão e administração de empresas, bem como a prestação de serviços de manutenção e reparação de máquinas, equipamentos e instalações de qualquer natureza, incluindo a elaboração de todos os trabalhos de testes e análises físicas e químicas. Realização de estudos, trabalhos e fornecimentos para gestão e administração de empresas, assim como para a conservação, manutenção e reparação de máquinas, equipamentos e instalações. Assistência técnica e cedência de pessoal especializado. Assim como todas e quaisquer atividades auxiliares ou complementares daquelas. Atividade de manutenção de contentores, bem como execução de trabalhos e construções metalomecânica.
2.- A sociedade dedica-se, igualmente, à prestação de serviços na área de construção e engenharia civil, incluindo estudos, elaboração de projetos de engenharia, consultoria técnica, análise e avaliação de projetos, contratos e fiscalização do seu cumprimento em assistência ou por delegação, planeamento, organização, direção, execução e fiscalização de obras e representação de materiais ou equipamento, a gestão geral da qualidade de empreendimento da construção, bem como empreitadas de obras públicas e particulares.
3.- A sociedade poderá adquirir participações noutras sociedades com objeto diferente e, bem assim, integrar agrupamentos complementares de empresa, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios e outras formas jurídicas de parceria com terceiras entidades”.

2.– Em 31 de Outubro de 2017, ré e autor subscreveram o escrito designado por “contrato de trabalho a termo certo”, junto a fls. 9 a 15 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

 “Cláusula 1ª

Categoria Profissional e Funções
1.– Pelo presente contrato, o trabalhador é admitido ao serviço da Entidade Empregadora para, sob a autoridade, direção e fiscalização desta ou dos seus representantes, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de indiferenciado, o que inclui o desempenho de funções simples, diversas, indiferenciadas e normalmente não especificadas, que não exigem especialização ou qualificação própria e que são complementares e auxiliares de trabalhos na área de manutenção e reparação de máquinas.
2.– Consideram-se incluídas na categoria profissional para a qual o Trabalhador é contratado as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais aquele detenha qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, de acordo com o disposto no artigo 118º do Código do Trabalho.
3.– A Entidade Empregadora pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o Trabalhador de desempenhar temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do Trabalhador.

Cláusula 2ª

Duração do Contrato
1.– O presente Contrato é celebrado a termo certo ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, em virtude de a Entidade Empregadora ter a expectativa de vir a ter um acréscimo excecional da sua atividade, em virtude do aumento previsível dos seus serviços, concretamente aqueles que são prestados à empresa (…), SA.  Com efeito, a Entidade Empregadora presta serviços na área da manutenção e reparação de máquinas, equipamentos e instalações de qualquer natureza. Ora, o dito cliente (…), que é uma empresa de estiva, prevê um aumento da atividade portuária de movimentação de cargas, durante os próximos 6 (seis) meses, o que se traduz num aumento de requisições dos serviços de manutenção da Entidade Empregadora. Por conseguinte, torna-se necessário proceder a um reforço temporário do quadro de pessoal da Entidade Empregadora, provendo um posto de trabalho que assegure a realização de trabalhos complementares e auxiliares na área de manutenção e reparação de máquinas. Todavia, essa necessidade é temporária, uma vez que o cliente (…) não está em condições de garantir a continuidade das novas linhas e contratos e, por conseguinte, do número de requisições à Entidade Empregadora.
2.– Por conseguinte, o presente contrato tem a duração inicial de 6 (seis) meses, com início em 1 de novembro de 2017 e termo em 30 de abril de 2018, sendo automaticamente renovado por iguais períodos no final do termo, salvo se a Entidade Empregadora ou o Trabalhador comunicarem por escrito à contraparte, com a antecedência de 15 (quinze) ou de 8 (oito) dias, respetivamente, sobre o termo do prazo, a sua vontade de não proceder à renovação do Contrato, caso em que se verificará a sua caducidade.
3.– No caso de renovação do presente Contrato, podem as Partes estabelecer, mediante acordo escrito e assinado por ambas, um período de duração diferente do inicial.
(…).”
3.– Em 4 de Maio de 2018, a ré entregou ao autor o escrito sob o assunto
“Despedimento por extinção do posto de trabalho (artigo 369º, n.º 1, do Código do Trabalho) ” junto a fls. 55 a 56 vs. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
4.– A entrega dessa comunicação foi feita em mão, tendo o autor recusado proceder à assinatura da competente declaração de receção.
5.– Por escrito de 09 de Maio de 2018, junto a fls. 57, o autor comunicou à ré que “ [V]enho por este meio informar a empresa (…) que não aceito a notificação que me foi entregue no dia 3 de Maio com a alegação de despedimento por extinção do posto de trabalho, uma vez que teriam de proceder ao aviso prévio por escrito antes do presente contrato de 6 meses, pelo qual estou abrangido, chegar ao seu termino, o que não ocorreu.
Ainda, segundo a informação que me foi transmitida pelo ACT, no dia 7 de Maio, por não terem emitido o pré-aviso por escrito nos 15 dias antes do termo do contrato, tal como previsto no artigo 371º, n.º 3, al. a) do Código de Trabalho, o contrato é automaticamente renovável pelo prazo de 6 meses, e, assim sendo, continuarei a exercer as minhas funções durante esse período.”
6.– No dia 21 de Maio de 2018, a ré comunicou ao autor a decisão final de despedimento por extinção de posto de trabalho, junta a fls. 57 vs. a 59 vs. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
7.– A entrega dessa comunicação foi feita em mão, tendo o autor recusado proceder à assinatura da competente declaração de receção.
8.– Por escrito de 21 de Maio de 2018 e rececionado a 22 do mesmo mês e ano, a ré remeteu à ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho, cópia da comunicação da decisão final proferida no âmbito do processo de extinção do posto de trabalho que foi entregue ao autor.
9.– O autor não é representante sindical e não existe no seio da ré Comissão de trabalhadores, comissão sindical ou comissão intersindical.
10.– Não se verificou o acréscimo expectável de requisições dos serviços da ré, na área de manutenção e reparação de máquinas, equipamentos e instalações, por parte do seu principal cliente, a empresa de estiva (…), SA.
11.– Esse acréscimo fundava-se na previsão da contratação de novas linhas de navios e do aumento da atividade portuária de movimentação de cargas a desempenhar por parte desse cliente, o que não se verificou.
12.– Todas as requisições mais recentemente efetuadas pelo aludido cliente (…) poderão ser asseguradas por parte dos trabalhadores especializados da ré.
13.– Os trabalhos pontuais complementares e auxiliares poderão ser executadas e colmatadas pelos trabalhadores especializados.
14.– E Outubro de 2017 e Março de 2018, a ré acumulou resultados líquidos negativos superiores a € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) e resultados operacionais negativos superiores a € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros).
15.– E, no primeiro trimestre do ano de 2018, o volume de negócios da ré diminuiu significativamente.
16.– Na estrutura orgânica da ré não existe nem existia à data da decisão da cessação do contrato posto de trabalho vago para a categoria profissional de “trabalhador indiferenciado”.
17.– A ré pagou ao autor a compensação pelo despedimento, no montante ilíquido de € 202,67 (duzentos e dois euros e sessenta e sete cêntimos) e os demais créditos decorrentes da cessação do contrato nos termos do recibo de vencimento junto a fls. 62 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido com o esclarecimento que o autor não procedeu à devolução daquele montante.
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O DIREITO:

Para decidir neste recurso temos uma única questão: a da improcedência da exceção perentória decorrente da não elisão da presunção prevista no Artº 366º/3 do CT.

O Apelante sustenta que não tendo sido alegado e não ficando provado que a empregadora pagou ou colocou à disposição do trabalhador a compensação devida pelo despedimento até ao termo do prazo do aviso prévio, tal é, só por si e sem mais, suficiente para que o despedimento deva ser julgado ilícito, conforme decorre dos artigos 368.º, n.º 5, e 384.º, alínea d) do CT. Não fazendo, assim, qualquer sentido considerar a procedência da arguida exceção perentória decorrente da não elisão da presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4, do CT, quando se sabe que tal presunção pressupõe o recebimento e não devolução de uma compensação nos termos e prazos previstos na lei e quando os seus pressupostos de facto não ficaram provados.

Contrapõe a Apelada que o Recrte. vem aduzir extemporaneamente uma exceção porquanto não alegou, na sua contestação, que o pagamento da compensação tivesse sido feito após 5/06/2018 e que, mesmo que o despedimento fosse ilícito por falta de cumprimento do disposto no Artº 384º do CT, a ilicitude cede perante a não devolução da compensação.

Vejamos, então!

Consignou-se na sentença recorrida que “verifica-se que a ré pagou ao autor a compensação pelo despedimento, no montante ilíquido de € 202,67 (duzentos e dois euros e sessenta e sete cêntimos), o que configura a presunção prevista no n.º 4 do artigo 366º do Código de Trabalho.

Subscrevemos aqui, para boa decisão deste caso, os ensinamentos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, domiciliado em www.dgsi.pt que passamos, na parte que releva, a transcrever:
“Podemos, pois, concluir que, não aceitando o despedimento e querendo impugná-lo, o trabalhador deverá recusar o recebimento da compensação ou proceder à devolução da compensação imediatamente após o recebimento ou em prazo curto, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art. 366º, do Código de Trabalho de 2009.

Não lhe bastará, portanto, que declare perante a entidade patronal não aceitar o despedimento nem a compensação, impondo-se que assuma um comportamento consentâneo com aquele propósito, nomeadamente diligenciando pela devolução da compensação paga pela entidade empregadora, logo que a receba, caso o pagamento lhe seja oferecido diretamente, em numerário ou cheque, ou, pelo menos, logo que tome conhecimento de que o valor da compensação lhe foi creditado na respetiva conta bancária, caso o pagamento se realize mediante conta bancária.

Trata-se, no fundo, de uma exigência decorrente do princípio geral da boa-fé que deve reger as relações entre empregador e trabalhador no contexto da relação laboral e que se mostre legalmente consagrado no art. 126º, n.º 1, do Código do Trabalho, constituindo um dever recíproco, a cargo de ambas as partes”.

No caso, em face da factualidade provada é inequívoco que o trabalhador não procedeu à devolução da compensação recebida nem pôs à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida.

Se o autor não pretendia aceitar o despedimento deveria ter procedido à devolução da compensação.

Pelo exposto, entende-se que no caso concreto, o trabalhador, não ilidiu a presunção prevista no artigo 366º, n.º 4, do Código de Trabalho, do que decorre a procedência da exceção perentória da extinção do seu direito à impugnação do despedimento, que dá lugar à absolvição dos pedidos (artigo 576º, n.º 3 do Código processo Civil), ficando prejudicada a apreciação das demais questões”.

Em presença de um procedimento para despedimento por extinção do posto de trabalho manda o CT que a decisão seja comunicada com uma antecedência mínima de 15, 30, 60 ou 75 dias, conforme a antiguidade do trabalhador (Artº 371º/3).

O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho (Artº 368º/5).

Dispõe-se no Artº 371º/4 do mesmo diploma que o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho deve ser efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio.

E, por força do disposto no Artº 372º do CT, é ainda aplicável a norma que integra o nº 4 do Artº 366º, a saber, presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo. E, por outro lado, a presunção referida pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último (nº 5).

No caso concreto, perante a alegação, no articulado motivador, de que foi paga ao A. a compensação pelo despedimento no montante líquido de 202,67€ e os demais créditos devidos por força da execução e cessação do contrato de trabalho, estes no montante de 756,83€ (Artº 34º), e que até á presente data o A. não devolveu nem pôs à disposição da R. a indemnização que lhe foi paga (Artº 37º), pelo que não se mostra ilidida a presunção de aceitação do despedimento (Artº 38º), respondeu o Trabalhador que devolveu à R. a quantia de 540,30€ em 6/05/2018 (Artº 18º).

A matéria alegada pelo Trabalhador obteve resposta de não provado.

Provou-se, contudo, que a R. pagou a compensação pelo despedimento, no montante ilíquido de € 202,67 e os demais créditos decorrentes da cessação do contrato nos termos do recibo de vencimento junto e que o A. não procedeu à devolução daquele montante.

Não deixaremos ainda de referir que o Trabalhador alegou também o incumprimento das formalidades legais, sem que contudo especificasse quais (Artº 12º a 14º, nos quais fala da entrega de uns papéis que se recusou a assinar).

Serve isto para dizer que nunca o Apelante alegou nos autos a matéria que agora é objeto da sua alegação, a saber, que a compensação não foi paga até ao termo do prazo aviso prévio.

Donde, sendo os recursos “meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147), poderia questionar-se, como pretende a Apelada, se estamos perante a extemporânea dedução de uma exceção.

A questão que se coloca em face do recurso é, contudo, se competiria ao Trabalhador ou à Empregadora a alegação do momento do pagamento da compensação.

O Apelante sustenta que nas ações de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, cabe à empregadora, no seio do articulado a que alude o artigo 98.º - J do CPT, alegar os factos e os fundamentos a partir dos quais seja possível ao tribunal concluir pela regularidade e licitude do despedimento. Cabendo igualmente à empregadora provar tais factos e fundamentos – ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC). Logo, no presente caso, cabia à empregadora, para além do mais, alegar e provar que até ao termo do prazo do aviso prévio (5 de Junho de 2018) colocou à disposição do trabalhador a compensação devida pelo seu despedimento, bem como os demais créditos devidos.

Como vimos a Empregadora limitou-se a alegar que pagou a compensação, sem especificar quando ocorreu tal pagamento.

Ora, o Artº 384º/d) do CT dispõe que o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito se o empregador não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação devida e os créditos vencidos ou exigíveis.

Donde, é condição de licitude do despedimento o pagamento da compensação num determinado prazo.

Significa isto que, invocando o empregador a licitude do despedimento, lhe compete alegar e provar que pôs á disposição do trabalhador a compensação até ao termo do prazo de aviso prévio.

Não efetuada esta prova, o despedimento é ilícito.

Contudo, o Artº 366º introduz uma presunção de conformação do trabalhador com o despedimento sempre que este receba do empregador a totalidade da compensação a que tem direito.

Assim, em face da alegação do pagamento da compensação, para que ilida esta presunção o trabalhador tem que provar a sua devolução.

Se não ocorrer a devolução da quantia recebida, o despedimento – ainda que ilícito – tem-se como aceite.

Logo, assiste razão à Apelada quando alega que mesmo que o despedimento fosse ilícito por falta de cumprimento do disposto no Artº 384º do CT, a ilicitude cede perante a não devolução da compensação.

Não faria qualquer sentido que, aceitando o despedimento, ficasse vedado ao trabalhador discutir a substância, e pudesse vir discutir a forma.

Significa isto que o conhecimento da questão da aceitação é prévio relativamente a outras questões suscitadas, ou que possam perspetivar-se.

Isto mesmo vem sendo afirmado pela jurisprudência e pela doutrina, porquanto se tem vindo a entender que a consagração de tal presunção se justifica, sobretudo, como forma de impedir a litigiosidade laboral.

Daí que, recebendo o trabalhador a compensação, apenas se possa entender que se conforma com o despedimento, não sendo legítimo, por venire contra factum proprium vir posteriormente impugnar tal despedimento.

João Leal Amado[1] escreve, a propósito do disposto no Artº 366º/4 e 5 do CT que “o sentido útil a atribuir àquela presunção de aceitação do despedimento” é o de “impedir o trabalhador de impugnar judicialmente o despedimento”. Afirma o autor que se o trabalhador receber a compensação isso significa que aceita o despedimento e, se o aceita, então não poderá, mais tarde contestá-lo. Assim, “se a colocação da compensação de antiguidade à disposição do trabalhador despedido constitui um requisito indispensável, uma condição necessária para a licitude do despedimento, o recebimento de tal compensação pelo trabalhador perfila-se como condição suficiente para a respetiva licitude, como que sanando quaisquer vícios, procedimentais ou substanciais, de que este enferme” (Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 390).

Também Francisco Liberal Fernandes, um crítico da solução legal, defende que se até ao termo do prazo de aviso prévio a compensação não for colocada à disposição do trabalhador se configura um “nulidade que, atendendo ao carater meramente patrimonial do aspeto em causa” é suscetível de convalidação no caso de o trabalhador aceitar a referida compensação oferecida em momento posterior ao término do prazo legal” (Sobre a presunção da aceitação do despedimento coletivo no Código do Trabalho, Questões Laborais, Ano XX, Nº 41, Coimbra Editora, nota 6, 9).

Na jurisprudência a sanação do vício decorrente da não colocação da compensação à disposição do trabalhador no prazo legal já foi decidida pela RP, Ac. de 19/01/2015, onde se lê: “mesmo que se viesse a provar que a compensação devida ao trabalhador recorrente só foi posta à sua disposição após o prazo legal supra referido, uma vez que o mesmo a aceitou, o vício que poderia determinar a ilicitude do seu despedimento encontra-se sanado”.

Por outro lado, o STJ vem afirmando que cabe ao visado demonstrar “que o recebimento da compensação não significou, no seu caso específico, aceitação do despedimento.

E, não se duvidando que o possa fazer por qualquer meio probatório legalmente admissível, a questão que se coloca é a de saber em que circunstâncias se há-de ter por aceite essa demonstração.

Temos por adquirido que não bastará, para o efeito, a simples declaração do trabalhador no sentido de que questiona a compensação disponibilizada nem, muito menos, uma ulterior instauração da ação de impugnação do despedimento.

Se assim fosse – e conforme se anota no Acórdão desta Secção de 17/6/2010 – “... de pouco ou nada valeria a presunção legal, solução esta que, atento o art. 9.º n.º 3 do Código Civil, nos parece não ter sido a pretendida pelo legislador. Aliás, refira-se que a aludida presunção tem a sua razão de ser centrada naquela que nos parece ser a estabilidade e pacificação das relações jurídicas que, certamente, resultaria prejudicada caso assumissem tais comportamentos do trabalhador fundamento de facto para considerar ilidida a presunção” (Revista n.º 527/06.0TTBCL.S1).” (Ac. STJ de 3/04/2013). Argumentação seguida também no Ac. de 27/03/2014 e 17/03/2016, lendo-se neste que “não tendo o A. logrado ilidir a presunção de aceitação do despedimento que decorria do recebimento da compensação, nos termos do referido n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho, ficou o mesmo impedido de impugnar judicialmente o despedimento de que foi alvo”. Todos publicados em www.dgsi.pt .

Assim, uma eventual declaração repulsiva da compensação, por banda do trabalhador, há-de ser acompanhada de comportamentos com ela compatíveis. E, se não se lhe exige a imediata devolução da quantia recebida, é exigível que a não arrecade definitivamente.

Tudo para concluir que, revelando o acervo fático que a compensação pelo despedimento foi paga sem que haja devolução, a discussão sobre a respetiva ilicitude é inviável, ou, como se disse na sentença, fica prejudicada.
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Não tendo o Apelante obtido ganho de causa as custas são da sua responsabilidade (Artº 527º do CPC).

Contudo, o mesmo está isento delas por força do disposto no Artº 4º/1-h) do RCP.

Assim, responde apenas pelos encargos e pelas custas de parte (Artº 4º/6 e 7).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante, restritas aos encargos e custas de parte.
Notifique.
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Lisboa, 2017-03-27



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES



[1]Que já na vigência da LCCT tecia críticas á solução, como se pode ver em Questões Laborais, Ano X – 2003, “O despedimento, a compensação, a receção desta e a aceitação daquele”, pg. 109