IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONFISSÃO
PROVA LIVRE
PROVA PLENA
INSPECÇÃO JUDICIAL
AUTO
OMISSÃO
IRREGULARIDADE
Sumário

I - A omissão no auto de inspeção de factos relevantes constitui uma irregularidade a suscitar no ato de inspeção junto do juiz que preside à diligência.
II - A irregularidade a verificar-se não interfere no mérito da causa, pelo facto do auto de inspeção estar sujeito ao princípio da livre apreciação da prova e o auto constituir um complemento de prova.
III - A confissão com valor de prova livre constitui um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não.
IV - Mantendo-se vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Texto Integral

Servidão Passagem-RMF-25/16.4T8AMT.P1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORES: B... e marido C..., residentes na Rua ..., n.º ., .... – ... freguesia ..., Vila Meã, concelho de Amarante; e
D... e marido E...
F..., residentes na Rua ..., n.º ..., .... – ..., freguesia ..., Vila Meã, concelho de Amarante; e
- RÉUS: G..., viúva, residente na Rua ..., n.º .., ..., ....-... Vila Meã; e
F..., filho de H... e de G..., residente na Rua ..., n.º .., ..., ....-... Vila Meã, Amarante.
pedem os autores:
a) Se declare os 1.ºs autores donos do prédio rústico identificado no art. 1.º da petição e os 2.ºs autores donos dos prédios rústicos identificados nos arts. 3.º e 4.º da petição;
b) Se declare que os 1.ºs e 2.ºs autores são titulares de um direito de servidão de passagem a pé e de trator, por usucapião, a favor dos seus prédios sobre o caminho identificado nos arts. 20 e 21 da petição, com 3 metros de largura e 500 metros de comprimento, com início no caminho público a norte e atravessando o prédio do réu;
c) Se condene o réu a reconhecer esse direito de servidão e abster-se de estorvar o seu exercício por parte dos 1.ºs e 2.ºs autores;
d) Se condene o réu a retirar as pedras, lenha e mato por si colocados no leito do caminho, reconstituindo o caminho que destruiu;
e) Se condene o réu a indemnizar os autores pelos prejuízos originados com a falta de cultivo dos seus prédios no valor global de € 5.770 euros e na indemnização a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos futuros;
f) Subsidiariamente e caso assim não se entenda, que seja declarada constituída essa servidão de passagem a pé e de trator, a favor dos prédios dos 1.ºs e 2.ºs autores, por constituírem prédios encravados, sobre o caminho identificado nos arts. 20 e 21 da petição, com 3 metros de largura e 500 metros de comprimento, com início no caminho público a norte e atravessando o prédio do réu e se condene o réu a retirar as pedras, lenha e mato que colocou no leito do caminho.
Alegaram para o efeito e em síntese, que os primeiros AA. B... e marido C... são donos de um prédio rústico, composto de pinhal e mato, denominado “Sorte da I...”, com a área de 1.150 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com J..., nascente com K..., do sul com L... e do poente com M..., inscrito na matriz sob o art.º 1564º e descrito na Conservatória sob o n.º 770.
Os segundos AA. D... e marido E... são donos dos seguintes prédios rústicos:
a) Terra de cultura, videiras, pinhal e eucaliptal, denominado “Campo da I...”, com a área de 2.050 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com M..., do sul com O..., do nascente com P..., do poente J..., inscrito na matriz sob o art.º 1559º e descrito na Conservatória sob o n.º 249.
b) Terra de pinhal e pastagem, denominado “Tapada da I...”, com a área de 1.220 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com K..., do nascente com O..., do sul e poente com M..., inscrito na matriz sob o art.º 1566º e descrito na Conservatória sob o n.º 748.
Mais alegaram que o réu F..., é dono do prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho de Amarante, composto de terra de cultura, videiras, oliveiras, pinhal e eucaliptal, com a área de 3.810 m2, a confrontar do norte com H..., sul com herdeiros de L..., nascente com S... e outro e do poente com T..., inscrito na matriz sob o artigo 1561 e descrito na Conservatória sob o n.º 102.
Os prédios dos AA. não dispõem de qualquer acesso à via pública e os autores, para acederem aos seus prédios, a pé e de trator, fazem uso do leito de uma faixa que, com o seu início no caminho público a Norte, denominado Caminho U..., passa pelo terreno “Campo da V... e Tapada da V...” propriedade dos 2.ºs AA. e atravessa o prédio do réu. A faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura, e desemboca, nos prédios dos 2.ºs AA. Essa faixa está calcada e despida de vegetação.
Os 1.ºs e 2.ºs AA., por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, para irem a pé, de carro de bois ou de trator, para os seus prédios e vice-versa, que passam pelo leito da faixa, denominado “Caminho de Servidão da I...”, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e na convicção de serem titulares do direito de passar sobre a faixa do prédio do réu e de a ninguém prejudicarem. O leito da faixa está definido, demarcado e diferenciado no solo dos prédios onde esta implantado, sem qualquer vegetação e com trilho resultante do trânsito por ele praticado.
Mais referem que o Réu, em meados do mês de Março de 2015, colocou molhos de lenha (paus de videira e giestas) no caminho. Os 1.ºs e 2.ºs AA. procederam então à limpeza do caminho tendo para esse efeito ajustado os serviços de um trator. Dias mais tarde, o Réu colocou pedras no caminho. Os 1.ºs e 2.ºs AA. retiraram parte das pedras do caminho. O Réu voltou a colocar molhos de lenha, abriu uma rota e espalhou pedras pelo caminho. Os AA. deitaram as pedras à rota e voltaram a retirar tudo o que o 2.º Réu colocou no caminho. No dia 15 de Maio de 2015, o Réu tentou arrasar o caminho com uma pá e picareta, tendo os autores chamado a GNR. O Réu colocou novamente lenha e pedras em diversos pontos do caminho.
Os 1.ºs Autores, pela atuação do Réu estão impedidos de retirar mato e lenha do seu prédio no valor de € 350 euros. Os 2.ºs AA., na “Tapada da I...”, pela atuação do Réu, estão impedidos de retirar a lenha e de usar a zona de pastagem que ali existe. Os 2.ºs Autores no “Campo da I...”, pela atuação do Réu, ficaram impedidos de cultivar e colher milho, feijão, batatas, cebolas, couves, repolho, e de podar e sulfatar as videiras, colher as uvas e vender o excedente dos produtos agrícolas. Deixando os 2.ºs Autores de auferir e gastando a mais cerca de € 1.000 euros. O muro de pedras e de lenha construído pelo Réu impedem o cultivo e a exploração dos prédios dos AA, que foram invadidos de ervas e silvas que os desvalorizaram em cerca de10% do seu valor.
Por fim, alegaram que a passagem por outro caminho de acesso teria de efetuar-se sobre prédios vizinhos que se encontram murados e o alcance à via pública distaria mais de 1.500 metros e por isso, caso não se prove a aquisição por usucapião pretendem ver reconhecido o direito à servidão por necessidade e nos moldes que a passagem foi caraterizada.
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Citados os réus, contestou o réu defendendo-se por exceção e por impugnação. Apresentou reconvenção.
Alegou para o efeito e em síntese, ser o único proprietário do prédio a que se reportam os autores na petição, pelo que a ré deve ser julgada parte ilegítima para a ação.
Mais referiu que o seu prédio está rodeado em grande parte pelos prédios dos autores e que o trânsito dos autores dos seus prédios para a via pública sempre se fez, não pelo Caminho da I... mas por um caminho de consortes situado em baixo e que é muito mais perto.
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Os autores pronunciarem-se sobre a admissibilidade da reconvenção e sobre a exceção de ilegitimidade.
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Proferiu-se despacho que julgou procedente a exceção de ilegitimidade da ré.
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Realizou-se audiência prévia conforme consta da ata de fls. 134, na qual se proferiu despacho que não admitiu a reconvenção e procedeu à determinação do objeto da ação e enunciação dos factos assentes e temas de prova.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com inspeção ao local, conforme consta do auto de fls. 162, completado pelas fotos de fls. 168.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Tudo visto e ponderado, julgo parcialmente procedente a ação e em consequência:
a) Declaro os 1.ºs autores donos do prédio rústico identificado no art. 1.º da petição e os 2.ºs autores donos dos prédios rústicos identificados nos arts. 3.º e 4.º da petição;
b) Declaro que os 1.ºs e 2.ºs autores são titulares de um direito de servidão de passagem a pé e de trator, por usucapião, a favor dos seus prédios, sobre o caminho identificado nos arts. 20 e 21 da petição, com 3 metros de largura e 50 0 metros de comprimento, com início no caminho público a norte e atravessando o prédio do réu;
c) Condeno o réu a reconhecer esse direito de servidão e a abster-se de estorvar o seu exercício por parte dos 1.ºs e 2.ºs autores;
d) Condeno o réu a retirar as pedras, lenha e mato por si colocados no leito do caminho, reconstituindo o caminho que destruiu;
Absolvo o réu de todos os pedidos de indemnização formulado pelos autores.
Custas pelos autores e réu, na proporção de, respectivamente,1/3 e 2/3, atento o decaimento em todos os pedidos ressarcitórios”.
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O réu veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida declarou que os 1ºs e 2ºs autores são titulares de um direito de servidão de passagem a pé e de trator, adquirida por usucapião, a favor dos seus prédios, sobre o caminho identificado nos artigos 20 e 21 da petição, com 3 metros de largura e 500metros de comprimento, com início no caminho público a norte e atravessando o prédio do réu;
2. E condenou o réu a reconhecer esse direito de servidão e a abster-se de estorvar o seu exercício por parte dos 1ºs e 2ºs autores e ainda a retirar as pedras, lenha e mato por si colocados no leito do caminho, reconstituindo o caminho que destruiu.
3. O réu não concorda, além do mais, com a decisão proferida em sede de matéria de facto, na qual se fundamenta a decisão jurídica, pelo que o presente recurso tem por objeto, desde logo, a impugnação da decisão relativa a tal matéria, dando cumprimento ao ónus previsto no artigo 640 do CPC.
4. Ao autores alegam que:
- Os seus prédios identificados na petição não dispõem de qualquer acesso à via pública – nº 18 da petição;
- Para a eles aceder, a pé e de trator, fazem uso de uma faixa de terreno que tem início no caminho público de U..., a Norte, atravessa os prédios rústicos “Campo da V... e Tapada da V...”, dos 2ºs autores e atravessa o prédio do réu – nº 19 da p.i.
- Essa faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura e desemboca sob os prédios dos 2ºs autores – nº 20 da p.i.
- A invocada serventia manifesta-se por sinais visíveis e permanentes de terra bem calcada e batida formando um trilho – nºs 30 e 32 da pi.
5. O réu impugnou a existência de qualquer caminho e de qualquer direito dos autores de usarem o seu prédio para através dele transitarem e acederem aos prédios deles autores.
6. Na contestação – nos 20 a 26 - o réu identifica um caminho de consortes alegando que sempre foi através desse caminho que os autores, e demais proprietários cujos prédios o mesmo atravessa, acederam aos seus prédios, percorrendo-o nos dois sentidos - casa/terrenos e terrenos/casa – para cultivar e tratar os seus prédios rústicos.
7. O despacho saneador fixou os factos provados e os temas da prova, estes na perspetiva dos pedidos formulados pelos autores.
8. Na decisão de facto foram dados como provados os factos descritos como Provenientes da Audiência de Discussão e Julgamento, enumerados de 1 a 14, coincidentes com o teor dos Temas da Prova com igual numeração.
9. Contudo, entendemos que a prova produzida em sede de audiência e de inspeção ao local, bem como os demais elementos probatórios constantes dos autos, justificam decisão diversa quanto a tais questões de facto.
10.Tendo em conta o conceito de servidão predial, os elementos físicos que caracterizam a invocada servidão de passagem, dentro do espaço físico que é o prédio do réu, não se encontram descritos.
11. Revendo a atividade probatória, não se vislumbram elementos necessários para dar como provados os factos:
Nº 2 - Os Autores para aceder aos seus prédios, a pé e de trator, fazem uso do leito de uma faixa de terreno que tem início no caminho público a Norte, designado Caminho de U..., passa pelo terreno “Campo da V... e Tapada da V...”, propriedade dos 2ºs autores e atravessa o prédio do réu;
Nº 3 - A faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura e desemboca sob os prédios dos 2ºs autores, referidos em B;
Nº 4 - Essa faixa está calcada e despida de vegetação.
Nº 6 - O leito da faixa está definido, demarcado e diferenciado no solo dos prédios onde está implantado, sem qualquer vegetação e com trilho resultante do trânsito por ele praticado.
12. Impunha-se aos autores a descrição e individualização de uma faixa de terreno implantada sobre prédio do réu, o seu início e termo por referência ao mesmo prédio e aos prédios dominantes, a sua extensão e largura no prédio do réu, a sua orientação, os sinais físicos permanentes da sua existência.
13. Não relevando para este efeito saber como é tal faixa na parte em que se desenvolve noutros prédios; interessa conhecer como está caraterizada e visível no prédio do réu.
14. Do Auto da Inspeção Judicial consta:
“ Situados no ... (local das residências de autores e réu) percorremos o caminho público denominado “Caminho de U...”…referido no tema 2.
O “Caminho de U...” junto ao campo da V... apresenta uma bifurcação à direita, começando uma faixa de terreno referida no tema de prova 3 e que, segundo os autores, constitui o caminho da V... e que é pejada de sulcos e de penosa transposição.
O Campo e tapada da V... terminam num marco de pedra revestido de musgo, após o que se segue um prédio de terceiro.
Percorrida a faixa, à direita no sentido descendente apresenta-se o prédio do réu, denominado “Serrado da I...” referido em C dos factos provados.
Prosseguimos na dita faixa da V... até atingir um muro com cerca de um metro de altura que faz um desnível, composto de pedras revestidas de musgo e que, alegadamente, foi feito há cerca de um ano, embora o mesmo tenha prolongamento/solução de continuidade, à direita, para o lado do Serrado da I..., pertencente ao réu.
Na zona adjacente ao muro, no patamar inferior/degrau que o muro faz, inicia-se o prédio dos 1ºs autores denominado “Sorte da I...” referido em A, situado do lado esquerdo do muro e sobranceiro à faixa que, alegadamente, serve de caminho.
15. Do relatado em Auto não resulta, porque os autores não promoveram qualquer diligência nesse sentido, nem foi oficiosamente ordenada, as dimensões da faixa de terreno e também não é referida qualquer extensão e largura sobre o prédio do réu, os concretos pontos onde se inicia e onde termina, neste prédio.
16. Apesar do alegado nos nºs 19 e 20 da petição verificou-se que a descrita faixa, quando atravessa os rústicos dos autores denominados V... é pejada de sulcos e de penosa transposição.
Verificou-se ainda entre estes prédios dos autores e o do réu existe um prédio de terceiro, não se identificando nem o prédio nem o proprietário.
17. Em sede de Auto de Inspeção nada ficou relatado acerca das caraterísticas da faixa de terreno sobre o prédio do réu, nomeadamente a sua visibilidade, ou não, o comprimento e a largura, configuração plana ou em declive, piso em bom ou mau estado, quais os sinais de passagem ao longo dos anos que os autores alegam existir mas não especificam.
18. A descrição de um muro de pedra com cerca de um metro de altura com um desnível, muro esse com prolongamento/solução de continuidade à direita para o lado do prédio do réu e a verificação que, na zona adjacente a esse muro, mas a nível inferior, se inicia o prédio dos 1ºs autores denominado Sorte da I..., referido em A, revela que esse local, a zona adjacente ao muro, já não integra o prédio do réu.
19. Por isso, não se pode falar de servidão nesse local - pelo menos da servidão em causa nos autos - qualquer que seja a configuração da faixa de terreno aí existente.
20. A falta de descrição de sinais no prédio do réu deve-se ao facto de eles não existirem.
21. Para além da referência “uma faixa pejada de sulcos e de penosa transposição”, no campo e tapada da V..., dos 2ºs autores, nada mais existe no Auto de Inspeção, quanto à descrição/composição dessa faixa, em qualquer local dela.
22. E as fotos a cores, juntas pelos autores, a fls. 168 e seguintes, (que na fundamentação de facto se referem como ilustrando a inspeção), não ilustram a inspeção porque não foram obtidas durante a mesma.
23. Tais fotos já estavam impressas nos autos a preto e branco e, por causa da sua má qualidade, foi proferido despacho em sede de inspeção, ordenando aos autores que as juntassem em suporte físico a cores.
24. Os réus impugnaram o seu teor e nomeadamente que as mesmas identificassem um local ou prédios concretos; nelas sendo visível, apenas, a existência de lenha e/ou subprodutos de limpeza dos terrenos.
25. E sendo documentos particulares, impugnados pelo réu, quer na contestação, quer nos termos constantes da resposta à junção dos suportes físicos a cores – e, repete-se, não foram obtidas em sede de inspeção – cabia aos autores promover diligências para lhes conferir a força probatória que lhes atribuem e não possuem.
26. O estado do prédio do réu na data da inspeção era o que consta de duas fotos cuja junção aqui se requer, reproduzindo os atos de corte de mato e árvores dos autores, nesse dia.
27. Também nenhuma das testemunhas perguntadas sobre tais factos foi capaz de descrever a configuração do caminho alegadamente existente sobre o prédio do réu, inclusive quando confrontadas com a composição do prédio em leiras desniveladas, com bordas.
28. A testemunha S..., cujas declarações se encontram gravadas no sistema digital do Tribunal com início pelas 11.14:04’, quando perguntada aos 55’:00 sobre a configuração do prédio do réu, diz que “há bordas…”, mas não explica como o caminho passa com as bordas.
29. A testemunha W..., cujas declarações se encontram gravadas no sistema digital do Tribunal desde 11.45:35’, perguntada se conhece bem o terreno do réu responde “o terreno são várias leiras pequenas” e a seguir fala em “terreno desnivelado, tem bordas…”, mas também não explica como se desenvolve o caminho com as bordas. Gravação entre 01:23 e 01:25.
30. Esta testemunha refere ainda que o réu “tapou o caminho junto à “V...”, “lá atrás” sem que se alcance da inspeção e respetiva Ata onde ocorreu tal tapagem.
31.Os autores alegam que o réu colocou lenha e espalhou pedras em diversos pontos do caminho, que os autores retiraram, pelo que não podiam ser vistas em sede de inspeção.
32. Os autores, em lado algum, imputaram ao réu a construção de um muro, no seu prédio ou em qualquer outro local, que vedasse passagem.
33. Da análise exposta entende o recorrente justificar-se a alteração da decisão quanto aos pontos 2, 3, 4 e 6 dos Factos Provados, dando-os como não provados.
34. Também os pontos 1 e 5 dos factos provados justificam decisão diversa.
35. O ponto 1 resulta de se ter dado como provado que “os prédios dos autores não dispõem de qualquer acesso à via pública”.
36. O ponto 5 resulta de ser dado como provado o teor do Tema da Prova nº 5, “os AA, por si e ante possuidores, há mais de 20 anos, para irem a pé, de carro de bois e de trator, para os seus prédios e vice-versa, que passam pelo leito da faixa, denominado “Caminho de Servidão da I...”, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e na convicção de serem titulares do direito de passar sobre a faixa do prédio do réu e de a ninguém prejudicarem”.
37. Quanto ao ponto 1., entendemos que os autores deviam ter escrito que os seus prédios não têm acesso direto, que não confinam com a via pública.
38. Contudo, resulta dos diversos elementos de prova existentes nos autos, que os prédios dos autores, identificados em A e B dos factos provados, têm acesso à via pública, independentemente da invocada servidão.
39. Da inspeção judicial resultou que “Na zona adjacente ao muro, no patamar inferior/degrau que o muro faz, inicia-se o prédio dos 1ºs autores denominado “Sorte da I...” referido em A, situado do lado esquerdo do muro e sobranceiro à faixa que, alegadamente, serve de caminho.
Evoluindo na faixa de terreno, desemboca-se à esquerda na Tapada da I... e à direita, após uma descida, no Campo da I..., ambos pertencentes aos 2ºs autores e referidos em B dos Factos Provados.
De forma circular, após ultrapassarmos os prédios rústicos dos autores, saímos pelo caminho de consortes que conduz à casa dos 2ºs autores e que é referido no tema 20.
40. Se, na zona adjacente ao supra descrito muro, no patamar inferior que o muro faz, se inicia o prédio dos 1ºs autores, descrito em A dos factos provados, o que é verdade, essa zona não é propriedade do réu. Assim, a faixa de terreno que se descreve como indo desembocar nos prédios dos 2ºs autores, por não fazer parte do prédio do réu, não pode ser definida como encargo de servidão sobre o prédio deste.
41. O que se fez constar do Auto de Inspeção ao dizer “de forma circular…saímos pelo caminho de consortes que conduz à casa dos 2ºs autores”, repetiu-se, na análise crítica da prova, quando se escreveu “…e embora a zona seja circular e exista a possibilidade de passagem por outros prédios…”.
42. Verificada a sua existência em sede de inspeção, esse caminho de consortes foi também descrito por várias testemunhas e corresponde ao que se descreveu nos nºs 20 a 24 da contestação, iniciando-se no local das casas dos autores e atravessando diversos prédios, incluindo os dos 2ºs autores, identificados em B e C até alcançar o prédio rústico dos 1ºs autores, identificado em A, precisamente na zona adjacente ao muro, no patamar inferior/degrau que o muro faz, como consta do Auto de inspeção.
43. A testemunha X... cujas declarações ficaram gravadas em formato digital, aos 27:00’ e até aos 30:50’ quando perguntado, fala de outro caminho “ao meio das casas” e “até aos terrenos do Sr.Y...”.
Mas, apesar de conhecer os terrenos de toda a gente e dizer aos 00.15.00 da gravação, ter trabalhado para todos, “há mais dez anos para trás”, afirma que nunca passou nesse caminho, o tal cuja existência foi verificada em inspeção.
44. A testemunha S..., pai da autora B..., com a qual reside, cujas declarações se encontram gravadas no sistema digital do Tribunal com início pelas 11.14:04’, quando perguntado, descreve desde os 58:00´ e até 01.01:00, o caminho que passa na Tapada, no rego de consortes e no Sr. Y... (depois do rego).
Quando a mandatária do réu pergunta se “o caminho (de consortes) continua ou não continua até às casas”, irrita-se e responde que “para no campo do Sr. Y...” e “p’ra diante não há casas” (o Tribunal viu que havia) para concluir, em jeito de quem não gosta de ser contrariado “só lá é que eu posso explicar” e “eu acho que a Srª Drª me está a chatear a cabeça…” (gravação até 01.02:00).
45. A testemunha W..., cujas declarações se encontram gravadas no sistema digital do Tribunal desde 11.45:35’, quando perguntada sobre este caminho de consortes diz a partir de 01:28 e até 01:31da gravação, que conhece “o rego das águas, o alpendre e cortes do Y.... Depois “vem dar às casas” (o caminho) onde moram a B... e o irmão e serve as terras todas, acrescentando que das casas vai sair para outros lados.
Perguntada se usam aquele caminho diz “vêm por aquele caminho que não há outro”.
46. A testemunha Z..., cujas declarações se encontram gravadas em formato digital com início pelas 14.55:38’na fase inicial das suas declarações, demonstra nada saber sobre a existência de qualquer servidão no prédio do réu. “Terras do Sr. F...? Nunca lá passei…”.
Aos 11:57, perguntada se conhece os terrenos chamados “V...” da autora D... diz que conhece “mas há muitos anos que não passo por lá”. Aos 13’:00 e até 14´:27 da gravação confirma as confrontações dos seus terrenos com os dos autores e com a testemunha AC... e que conhece o alpendre e cortes do Sr. Y... e o rego de consortes.
Perguntada, aos 16’:43 esclarece que “a partir do rego e na subida o meu terreno é todo à direita e em frente” e que para a esquerda (do caminho que aí se desenvolve) “são outras pessoas”.
Aos 18:32 e até aos 19:00 diz que daí, “vai até à D. B..., à D. D... e aos terrenos do Sr. Y..., tudo para o lado esquerdo (da sua tapada).
47. Esta testemunha – embora preocupada em ressalvar que nos seus terrenos não há caminho – confirma o trajeto do tal caminho de consortes (os seus terrenos para a direita, os das outras pessoas para a esquerda) cujo traçado no local o Tribunal verificou.
48. É também de notar a declaração da testemunha, logo no seu início, aos 02:32 de que “os terrenos dos autores (na I...) foram comprados à quinta, “à casa”, significando ao antecessor da testemunha.
49. O que nos permite alcançar que, se a tapada que a testemunha ali possui e os terrenos dos autores, tal como um terreno da testemunha AC..., pertenceram todos ao mesmo antecessor, bem se justifica a existência do dito caminho que os atravessa e prossegue em prédios de outros proprietários, até às casas dos autores.
50. Finalmente, a testemunha AC..., cujas declarações se encontram registadas com início às 15.13:41 horas, encontram-se perfeitamente reproduzidas na fundamentação de facto.
51. A testemunha é prima do réu e da autora D... e aos 19:00 diz não estar zangada com ninguém. Teve uma ação com a autora D..., mas diz “bom dia, boa tarde”.
52. Aos 21:00 revela conhecer todos os terrenos, de autores e réu e de outros proprietários. Viveu lá até há 14 anos, tem lá uma propriedade e casa, onde se desloca frequentemente com o marido para as tratar.
53. Aos 25:00, perguntada sobre os caminhos diz que “junto à casa de todos (dos autores, do réu e da testemunha) há um largo e daí sai um caminho público e um caminho de consortes. Que este caminho atravessa terreno da D. D..., depois do Y..., depois atravessa a sua tapada (da testemunha) na coroa e aí vira à esquerda, de novo para o Y... e para a D. D.... Do lado direito existem os montes da D. Z..., depois os do Sr. E... (2ºs autores) e do Sr. S... (a autora B...), acabando na I....
E que aquele caminho serve aquelas tapadas todas.
Sobre este caminho termina dizendo que acaba na I... entre a tapada do F... (o réu) e a da B... e ali acaba”, indo de encontro ao que consta do Auto de inspeção a propósito da configuração do terreno no local onde se localiza o prédio dos 1ºs autores, identificado em A.
54. Aos 29:00 que “Desde as casas vão passando uns pelos outros”; aquele caminho serve aquelas tapadas todas.
55. Aos 30:00 confirma que os seus pais compraram o terreno ao Sr. O... (antecessor da testemunha Z... e dos 2ºs autores). Esclarece ainda que tal caminho é de trator. “O meu marido é tratorista e fresou e lavrou os terrenos do Sr. Y....”
56. Aos 32:00 diz que nunca viu o Sr. X... (tratorista) por lá.
A D. D... só tinha erva; nunca viu culturas no terreno dela, nem videiras. Só chegou a ver um senhor de AD..., “o senhor AE...”. Quando o marido ia por aquele caminho voltava sempre para trás, para as casas. Não seguia para o terreno do primo (réu).
57. Aos 33:50 e até aos 39:00 diz que:“ Onde acaba o meu primo aquilo faz uma vaga”. Refere o terreno do réu em leiras. “ Tem bordas”. A D. B... é chegado ao meu primo mas tem borda.
58. E no terreno do seu primo nunca houve nenhum caminho a atravessar; nem se vê; “nem tinha necessidade”. Já que “pelo caminho de consortes é muito mais perto para os autores chegarem aos seus prédios e serve igual”
59. Apesar da clareza e serenidade das declarações desta testemunha, a Meritíssima Juíza a quo desvaloriza tais declarações, aquando da análise crítica da prova.
Aí se escreve: “…não será despiciendo percutir que as testemunhas que negaram a passagem, uma delas está de relações cortadas com a autora D... com quem teve um processo judicial e a outra é mãe do autor e neste pano de fundo, não se nos oferecem tantas garantias de isenção”.
60. Revisitando a fundamentação de facto, no que à testemunha AC... diz respeito, temos declarações claras, prestadas com serenidade, revelando razão de ciência e que nenhuma instância abalou.
61. Não descortinamos a razão de descredibilizar estas testemunha e, ao contrário, conceder todo o crédito a outras, cujas declarações deixaram muito a desejar em termos de clareza, conhecimento de causa e parcialidade.
Basta atentar no que referiu a testemunha X... que “há mais de dez anos não presta serviços naquele local”; na testemunha S..., que é pai da autora D... e quando confrontado demonstrou irritação e até mesmo falta de respeito, o que não pode apenas ser desculpado pela sua idade. Tanto mais que aquilo a que não queria responder – o percurso completo do caminho de consortes – não podia deixar de ser do seu desconhecimento e foi confirmado por outras testemunhas e pelo Tribunal.
A testemunha W..., falou de caminhos que mais ninguém falou, até de forma confusa, e sem que se ficasse a entender donde vinham e para onde iam; em todo o caso confirmou a existência do caminho de consortes a ir dar à casa dos autores.
62. Da análise desta prova testemunhal e da falta de força probatória dos documentos (fotos) juntos pelos autores, sendo deles o ónus probatório, deve resultar diversa decisão quanto aos factos 1 e 5, fixando-os como Não Provados.
63. Em sede de fundamentação foi ainda referido o documento que constitui “Auto de Ocorrência” lavrado pela GNR em 15.05.2015, junto à petição.
64. Resulta do mesmo ter havido uma deslocação de uma patrulha tendo como motivo “Desavenças devido a acesso a terrenos”.
65. A patrulha deslocou-se “por ter recebido uma chamada telefónica…em virtude de o Sr. F... estar a alterar o caminho existente, impedindo o acesso aos seus terrenos e de outras pessoas”. E depois a patrulha “verificou a veracidade dos factos…no entanto desconhecendo a quem pertenciam os terrenos…”.
66. A propósito desta “intervenção” convém referir que os autores invocam longamente na petição, a matéria que foi vertida para os nºs 7 a 14 dos Temas da Prova.
E nesta parte, que o réu reconheceu que, em diversos momentos colocou lenhas em diversos locais do seu prédio, negando ter colocado pedras.
E usou ferramentas para abrir covas para plantar eucaliptos.
67. Os autores, repetem á exaustão ter retirado as lenhas e as pedras que dizem que o réu colocou no caminho.
E que até deitaram as pedras a uma rota e a taparam. Tudo, repetidamente.
68. Depois de tanta atividade a colocar e retirar lenhas e pedras, abrir rota e fechar rota, não é caricato admitir que um homem só com uma pá e uma picareta – usando uma de cada vez, claro! – tentasse arrasar um caminho?
69. Surpreendendo que, apesar de tantas fotos juntas aos autos, nenhuma mostra pedras espalhadas em diversos pontos do caminho, que de acordo com o Tema 14 e respetivo facto provado foi o último ato do réu.
70. Destes pontos 7 a 14 apenas o que o réu confessou e admitiu no seu articulado deve ser dado como provado.
71. Assim fixados os factos impõe-se decisão jurídica diferente.
72. Servidão predial é um encargo imposto num prédio (o serviente) em proveito exclusivo de outro prédio, pertencente a dono diferente, (o dominante). Para que se dê como constituída, por usucapião, uma servidão de passagem é imperioso que se verifiquem no prédio serviente os elementos físicos que mostram a sua existência.
Tais como: a distância que percorre neste prédio, o espaço que ocupa em comprimento e largura, como se desenha o acesso desse caminho no limite com o prédio dominante, os sinais que revelam o trânsito prolongado e repetido de pessoas, animais e veículos provenientes da via pública e em direção ao prédio dominante.
73. Estes elementos, além de serem demonstrativos da existência da servidão, são ainda importantes para definir o seu exercício e extensão.
74. No caso concreto não está apurada existência e visibilidade de nenhum destes sinais físicos no prédio do réu, faltando assim um elemento fundamental á existência da invocada servidão predial, tal como a define o artigo 1543 do Código Civil.
75. Resultando da Inspeção Judicial que do caminho público se acede aos prédios dos 2ºs autores, campo e tapada da V... e que, depois destes, se interpõe um prédio de terceiro até chegar ao prédio do réu, há que questionar se estamos - ainda que existissem os sinais – perante uma servidão ou um caminho de consortes.
76. E não basta que testemunhas afirmem que passava o trator, ou passavam as pessoas, se não conseguem depois explicar como era o percurso do caminho, tendo em conta a configuração do terreno do réu em leiras com bordas, o que nenhuma conseguiu esclarecer.
77. No caso concreto, existe prova abundante trazida aos autos por testemunhas e por sinais indesmentíveis vistos em sede de inspeção, que os autores têm acesso aos seus prédios identificados em A e B dos factos provados por um caminho de consortes que se inicia junto às casas de todos e serve os seus terrenos, como os de outros proprietários, nomeadamente de testemunhas.
78. Assim, atenta a falta de elementos probatórios essenciais que demonstrem, inequivocamente, os sinais de servidão no prédio do réu.
79. Reapreciada a prova testemunhal quanto a tais elementos e quanto à existência de um caminho que os autores usam,
80. Impõe-se a alteração dos factos provados, respondendo-se Não Provado, exceto no que o réu admitiu.
81. O que implica a revogação da douta sentença recorrida.
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A autora veio responder ao recurso concluindo no sentido de não merecer censura a decisão de facto e bem assim, a decisão de mérito, pedindo a confirmação da sentença.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- admissão de documentos com as conclusões de recurso;
- reapreciação da decisão de facto;
- mérito da causa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
A) Os primeiros AA. B... e marido C... são donos de um prédio rústico, composto de pinhal e mato, denominado “Sorte I...”, com a área de 1.150 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com J..., nascente com K..., do sul com L... e do poente com M..., inscrito na matriz sob o art.º 1564º e descrito na Conservatória sob o n.º 770.
B) Os segundos AA. D... e marido E... são donos dos seguintes prédios rústicos:
c) Terra de cultura, videiras, pinhal e eucaliptal, denominado “Campo I...”, com a área de 2.050 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com M..., do sul com O..., do nascente com P..., do poente J..., inscrito na matriz sob o art.º 1559º e descrito na Conservatória sob o n.º 249.
d) Terra de pinhal e pastagem, denominado “Tapada I...”, com a área de 1.220 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho de Amarante, a confrontar do norte com K..., do nascente com O..., do sul e poente com M..., inscrito na matriz sob o art.º 1566º e descrito na Conservatória sob o n.º 748.
C) O réu F..., é dono do prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho de Amarante, composto de terra de cultura, videiras, oliveiras, pinhal e eucaliptal, com a área de 3.810 m2, a confrontar do norte com H..., sul com herdeiros de L..., nascente com S... e outro e do poente com T..., inscrito na matriz sob o artigo 1561 e descrito na Conservatória sob o n.º 102.
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Provenientes da Audiência de Discussão e Julgamento:
1- Os prédios dos AA. não dispõem de qualquer acesso à via pública.
2- Os autores, para aceder aos seus prédios, a pé e de trator, fazem uso do leito de uma faixa que, com o seu início no caminho público a Norte, denominado Caminho U..., passa pelo terreno “Campo da V... e Tapada da V...” propriedade dos 2.ºs AA. e atravessa o prédio do réu.
3- A faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura, e desemboca, nos prédios dos 2.ºs AA. referidos em B.
4- Essa faixa está calcada e despida de vegetação.
5- Os 1.ºs e 2.ºs AA., por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, para irem a pé, de carro de bois ou de trator, para os seus prédios e vice-versa, que passam pelo leito da faixa, denominado “Caminho de Servidão da I...”, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e na convicção de serem titulares do direito de passar sobre a faixa do prédio do réu e de a ninguém prejudicarem.
6- O leito da faixa está definido, demarcado e diferenciado no solo dos prédios onde esta implantado, sem qualquer vegetação e com trilho resultante do trânsito por ele praticado.
7- O Réu, em meados do mês de Março de 2015, colocou molhos de lenha (paus de videira e giestas) no caminho.
8- Os 1.ºs e 2.ºs AA. procederam então à limpeza do caminho tendo para esse efeito ajustado os serviços de um trator.
9- Dias mais tarde, o Réu colocou pedras no caminho.
10- Os 1.ºs e 2.ºs AA. retiraram parte das pedras do caminho;
11- O Réu voltou a colocar molhos de lenha, abriu uma rota e espalhou pedras pelo caminho.
12- Os AA. deitaram as pedras à rota e voltaram a retirar tudo o que o 2.º Réu colocou no caminho;
13- No dia 15 de Maio de 2015, o Réu tentou arrasar o caminho com uma pá e picareta, tendo os autores chamado a GNR;
14- Mas o Réu colocou novamente lenha e pedras em diversos pontos do caminho.
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- Factos Não Provados:
Temas da Prova 15 a 20.
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3. O direito
- Admissão de documentos com as conclusões de recurso -
O apelante nas alegações de recurso veio requerer a junção de três documentos: duas fotografias e uma nota de notificação respeitante a processo de inquérito. Considera que apenas as fotografias cuja junção requer retratam a situação do prédio por referência à data da inspeção ao local, pretendendo desta forma desvalorizar o valor probatório atribuído na fundamentação da decisão às fotografias juntas pelos autores com a petição e posteriormente, em fase de julgamento, novamente juntas a cores.
Em regra os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art. 423º/1 CPC.
A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art. 423º/2 CPC.
Contudo, a lei, no art. 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2].
A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade.
Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3].
A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe o art.425ºCPC:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:
- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);
- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4].
No caso em análise o apelante indicou o motivo pelo qual requereu a junção das fotografias com as alegações, o qual terá sido obtido em data anterior ao encerramento da audiência de julgamento, porque segundo afirma destina-se a documentar o estado do prédio à data da realização da inspeção ao local (06 de fevereiro de 2017). Não se indica o motivo pelo qual apenas requereu a junção com as alegações de recurso.
Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, por não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhe ter sido possível fazer uso dele.
Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo“ não veio invocar novos e diferentes argumentos.
A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5]
No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção das fotografias e nota de notificação, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental.
Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção dos documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
O incidente será tributado com custas a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 443º/1 CPC e art. 27º/1 RCP.
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- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 70, suscita o apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 1 a 14 dos factos provados.
Cumpre apreciar da verificação dos pressupostos para proceder à reapreciação.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[6].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação – fundamentação - que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova testemunhal e documental a reapreciar e decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[7].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[8].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[9].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[10].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[11].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[12].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[13].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objeto de impugnação não merece censura.
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A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos:
1- Os prédios dos AA. não dispõem de qualquer acesso à via pública.
2- Os autores, para aceder aos seus prédios, a pé e de trator, fazem uso do leito de uma faixa que, com o seu início no caminho público a Norte, denominado Caminho de U..., passa pelo terreno “Campo da V... e Tapada da V...” propriedade dos 2.ºs AA. e atravessa o prédio do réu.
3- A faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura, e desemboca, nos prédios dos 2.ºs AA. referidos em B.
4- Essa faixa está calcada e despida de vegetação.
5- Os 1.ºs e 2.ºs AA., por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, para irem a pé, de carro de bois ou de trator, para os seus prédios e vice-versa, que passam pelo leito da faixa, denominado “Caminho de Servidão da I...”, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e na convicção de serem titulares do direito de passar sobre a faixa do prédio do réu e de a ninguém prejudicarem.
6- O leito da faixa está definido, demarcado e diferenciado no solo dos prédios onde esta implantado, sem qualquer vegetação e com trilho resultante do trânsito por ele praticado.
7- O Réu, em meados do mês de Março de 2015, colocou molhos de lenha (paus de videira e giestas) no caminho.
8- Os 1.ºs e 2.ºs AA. procederam então à limpeza do caminho tendo para esse efeito ajustado os serviços de um trator.
9- Dias mais tarde, o Réu colocou pedras no caminho.
10- Os 1.ºs e 2.ºs AA. retiraram parte das pedras do caminho;
11- O Réu voltou a colocar molhos de lenha, abriu uma rota e espalhou pedras pelo caminho.
12- Os AA. deitaram as pedras à rota e voltaram a retirar tudo o que o 2.º Réu colocou no caminho;
13- No dia 15 de Maio de 2015, o Réu tentou arrasar o caminho com uma pá e picareta, tendo os autores chamado a GNR;
14- Mas o Réu colocou novamente lenha e pedras em diversos pontos do caminho.
Na fundamentação da decisão, considerou-se como se passa a transcrever:
“Particularizando e revendo a nossa convicção, o Tribunal ponderou e examinou de forma crítica os seguintes subsídios probatórios:
- Depoimento de parte do réu F... que confessou parcialmente o tema 7, ou seja, que, em meados do mês de Março de 2015, colocou molhos de lenha (paus de videira e giestas) mas que o fez no seu prédio e não no caminho; e admitiu parcialmente o tema 13, ou seja, que usou uma pá e picareta no dia 15 de Maio de 2015, mas que o fez para plantar eucaliptos, tendo os autores, então, chamado a GNR
- Declarações de parte dos autores que confirmaram os temas de prova 1 a 20.
Testemunhas:
- X..., que residiu perto das partes e conhece os seus prédios. Foi tratorista durante 20 anos para os autores e réu. Durante 20 anos trabalhou para eles todos. Passou centenas de vezes no caminho para fresar, lavrar e retirar lenha e nunca ninguém objetou à utilização do caminho no ... ou I.... Depois de sair do caminho público entra-se nos terrenos dos 2.ºs autores E... e mulher e, depois no prédio do réu. Ia cortar mato no caminho que tem mais de 2 metros de largura, já que o seu trator mede 1,80 de largura e passa lá à vontade e mais de 200 metros de comprimento. Era um caminho trilhado pela passagem assídua dos intervenientes. Ouviu dizer que o réu colocou molhos de lenha e pedras no caminho e se assim for, os autores não podem aceder aos seus prédios. Os terrenos dos autores estavam bem cultivados quando para eles trabalhava e todos eles viviam exclusivamente da agricultura. Os autores só podem estar prejudicados pois vivem da agricultura e agora não podem retirar lenha e produtos hortícolas, se estiverem cobertos de mato e silvas, desvalorizam e ficam vulneráveis aos incêndios. Partindo das casas há outro caminho (o referido no tema 20) que atravessa o rego de água e uns montes da testemunha Z1... mas sobre o direito dos autores a usar esse caminho, nada sabe.
- S..., pai da autora B... e que vive com a filha, tendo nascido no local há 86 anos e ali residido. É agricultor e trabalhava a quinta onde mora, cultiva o prédio referido em A, a “Sorte da I...”. Os prédios dos autores e réu não têm acesso à via pública, passam todos, uns pelos outros. O prédio do réu chama-se Tapada AF... e inclui uma leira, denominada “Leira da I...”. Do caminho público entra-se nos prédios dos 2.ºs autores D... e marido, também conhecidos por Tapada e Campo da V..., do lado direito, depois surge o campo do réu F..., a “Tapada AF...”. Se tapam o caminho, os autores só podem ir “de avião” para os seus campos. Desde que se conhece, sempre passou por ali e nunca houve problemas com os pais do réu. Toda a vida passou por lá e nunca houve problemas até hoje. Se houver um incêndio na tapada os bombeiros não chegam lá. O caminho atravessa prédios de terceiros, uma tapada da D. AC... e outra da D. Z... mas o réu é que se lembrou de tapar a passagem pelo caminho.
- W..., irmã do autor E.... Tem 80 anos e viveu na casa onde agora mora o irmão. O caminho está tapado, não há condições para aceder aos terrenos. O caminho é pela I....
Fabricou os campos da V..., os quais, têm o caminho da I.... O caminho passa no terreno do réu e, agora, está tapado. Os 2 casais não têm outro acesso para os seus prédios. O leito do caminho está marcado e calcado pela passagem. O irmão cultiva milho, batata, feijão e fazê-lo à sachola e sem trator é duro, sendo impossível carregar os produtos materiais à mão. O caminho público parte de uma barroca e vai para os campos. O terreno do réu tem bordas, as leiras são desniveladas. O réu tapou o caminho, fazendo um muro de pedra.
- Z..., que referiu que os prédios dos autores, foram comprados à quinta, à casa onde reside. Existe um caminho público perto da casa da 2.ª autora D.... Também é dona de terrenos para o lado direito do caminho, porém, a sua tapada não serve de caminho para ninguém. Para o lado esquerdo, há uma tapada que dá caminho mas não sabe se é a do réu que, toda a vida serviu de caminho. Usou esse caminho para tirar madeira por lá por favor da D. D.... Na sua tapada nunca ninguém passou e nunca existiu caminho por ali. A testemunha S..., pai da 1.ª autora B..., foi caseiro da AG... onde reside. Não viu o réu tapar o caminho mas, se o tapou, fez mal. Os autores não são pessoas de deixar as tapadas a monte. Tem 70 anos e reside na casa há 61 anos, foi para lá com 9 anos. O seu terreno é à direita do caminho quem sobe, para a esquerda ficam terrenos de outras pessoas.
- AC..., prima da 2.ª autora D... e do réu. Teve um processo judicial contra a 2.ª autora D.... É oriunda do lugar e viveu lá até há cerca de 14 anos onde ainda tem terrenos, por isso vai lá com frequência, para os cultivar. Os autores, o réu e ela moram no mesmo povoado. Há o caminho público que serve o seu primo e há ainda um caminho de consortes que atravessa o terreno da 2.ª ré D..., o Y... e atravessa a sua tapada na coroa e vira à esquerda para o Y..., 2.º ré D... e para a I.... Do lado direito existem os montes da D. Z..., depois os do Y... e depois os terrenos dos 2.ºs e 1.ºs autores. Todas estas tapadas são servidas pelo mesmo caminho. Herdou o seu terreno dos pais, os quais, compraram ao O..., dono da quinta/casa que agora pertence à D. Z.... O caminho acaba na I..., entre a tapada do seu primo e a da 1.ª autora D... e ali acaba. O réu usa o caminho da V..., não o acesso por esse lado. O seu marido só fez serviços de tratorista para o Sr. Y.... A 2.ª ré D... não amanhava o seu terreno. A leira do réu seu primo tem bordas. O caminho nunca atravessou os terrenos do seu primo porque os autores não tinham necessidade do caminho, nem o réu desfez um caminho inexistente. O caminho de consortes de baixo serve os terrenos dos autores, incluindo o do Y... e o seu marido que é tratorista dele, passa por aí. Os autores têm caminho por baixo e, enquanto o seu tio, pai do réu F... foi vivo, nunca houve litígios ou discussões. Depois da morte do seu tio, a tia cultivou os terrenos através do seu marido só que atualmente não faz porquanto o seu marido emigrou. O terreno da 2.ª autora D... não tem couves, batatas ou produtos agrícolas porque o prédio não tem água. Os autores só cultivam à beira de casa e estes prédios são mais retirados. O seu marido sempre passou no caminho de baixo para o réu. Existe um caminho na V... para ir para o terreno dos seus primos mas é em baixo. O caminho termina no limite da terra do seu primo nas Leiras da I.... Já o pai da D. B... tirava a mota pelo caminho de baixo. Ainda no mês de Agosto o marido tirou um trator pelo caminho de baixo. O terreno da D. D... toda a vida teve erva, nunca viu lá milho ou linho. O “Caminho da V...”, o caminho de cima existe mas é só para o réu seu primo. Tem lá caminho mas agora não está marcado. Há ali uma poça mas nunca viu a autora D... a regar.
- G..., mãe do réu. Toda a vida ela e o marido amanharam o seu prédio rústico, primeiro com os carros de bois e depois com o trator. Para cultivar, iam pela Barroca da V... até à coroa, entravam nos terrenos do Sr. Y..., do Sr. T... e depois é monte. Para a D. D..., o caminho é mais perto por baixo e nunca passou pelo prédio do seu filho. A D. D... não cultivava nada, tinha tudo de velho, o prédio era muito pequeno e ficava longe de casa. No tempo do seu marido, o casal tinha videiras, oliveiras e milho no prédio do réu e tiravam os produtos pelo Caminho da V.... Nunca teve “guerra” com ninguém, só agora. O X..., 1.ª testemunha nunca trabalhou para si e para o filho, apenas o marido da testemunha AC... o fez. No terreno da 2.ª autora D..., só conheceu erva e mato, nunca teve milho ou linho. O seu filho não tapou o “Caminho da V...”. A “guerra” só começou com o falecimento do marido porque os autores queriam que o terreno lhes fosse vendido mas, o que é seu é para conservar, se assim puderem.
Finalmente militaram a inspeção judicial cujo auto consta a fls. 162 e que foi ilustrada pelas fotos de fls. 168 e seguintes.
Análise crítica da prova:
Aqui chegados, julgamos que se fez prova dos fundamentos da ação, desde logo da constituição da servidão baseada em atos de posse contínuos e inequívocos e, por outro lado existe indesmentível sinalética de passagem, sendo certo que o local apresenta-se com caminho marcado em forma de sulco.
Por outro lado, o Tribunal verificou na inspeção judicial que os prédios dos autores constituem insofismavelmente prédios encravados pois ninguém consegue aceder-lhes diretamente, sem passar pelo prédio do réu e mesmo este, na continuidade do leito do caminho carece de passar pelo prédio dos 1.ºs autores denominado “Sorte da I...”, após o muro desmembrado que aí se encontra e como flui do auto de inspeção judicial.
Ademais, o Tribunal teve um valioso suporte na ida ao local, percecionando a realidade do terreno e nos permitiu a confirmação in loco do encravamento e embora a zona seja circular e exista a possibilidade de passagem por outros prédios, o tal caminho da I..., o certo é que foi este o trajeto que os autores elegeram e que se provou calcorrearem há mais de 20 anos.
Por fim, não será despiciendo percutir que as testemunhas que negaram a passagem, uma delas está de relações cortadas com a autora D... com quem teve um processo judicial e a outra é mãe do autor e neste pano de fundo, não se nos ofereceram tantas garantias de isenção e despreendimento.
Relativamente à obstrução do caminho pelo réu, valeu a parcial confissão deste, as fotografias e o auto de ocorrência de fls. 50”.
-
O apelante insurge-se contra a decisão da matéria de facto a respeito da existência do caminho e obstáculos criados pelo réu–apelante ao seu uso pelos autores.
Em relação aos pontos 2, 3, 4 e 6 considera que se devem julgar não provados.
Nos pontos 2, 3, 4 e 6 julgaram-se provados os seguintes factos:
2- Os autores, para aceder aos seus prédios, a pé e de trator, fazem uso do leito de uma faixa que, com o seu início no caminho público a Norte, denominado Caminho de U..., passa pelo terreno “Campo da V... e Tapada da V...” propriedade dos 2.ºs AA. e atravessa o prédio do réu.
3- A faixa de terreno mede cerca de 500 metros de comprimento e 3 metros de largura, e desemboca, nos prédios dos 2.ºs AA. referidos em B.
4- Essa faixa está calcada e despida de vegetação.
6- O leito da faixa está definido, demarcado e diferenciado no solo dos prédios onde esta implantado, sem qualquer vegetação e com trilho resultante do trânsito por ele praticado.
Para fundamentar a alteração da decisão faz apelo a excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas S... e W..., para além de contestar o relevo probatório do auto de inspeção e fotografias referenciadas na fundamentação da decisão.
Nos pontos 14 a 21 das conclusões de recurso o apelante insurge-se contra o relevo probatório do auto de inspeção por se mostrar omisso em relação a aspetos essenciais que permitiriam caraterizar o caminho, como seja a exata largura do caminho, a sua extensão, a forma como se desenvolve ao longo dos prédios, onde se inicia e onde termina.
A inspeção judicial prevista no art. 490º CPC, pode ser determinada pelo tribunal ou a requerimento das partes, com o fim “de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária”.
Conforme determina o art. 390º CC “[a] prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal”.
A inspeção judicial assume duas características essenciais: trata-se de uma prova direta – a inspeção judicial coloca o julgador em contacto imediato com o facto a averiguar - e de uma prova real – pois tem por objeto “uma coisa“, mesmo quando recai sobre pessoas, na medida em que nestas circunstâncias as pessoas funcionam como objeto de observação[14].
Por outro lado, este meio de prova pode obrigar à deslocação do juiz ou tribunal ao local do exame, circunstância que confere uma nota particular a este meio de prova.
Como referia o Professor ANTUNES VARELA: “[o] contacto direto com o facto a provar – ou com o facto que sirva de fundamento presuntivo da realidade daquele -, assegurado com a deslocação do juiz ou do tribunal, visa reforçar o valor probatório da diligência. O juiz vê pelos seus próprios olhos[…] em lugar de confiar apenas no relato da testemunha ou no laudo do perito. E essa fonte especial de recolha das perceções pode reforçar, pelo menos, o grau de convicção do julgador, sobre a matéria de facto”[15].
O seu valor, como meio de prova, é livremente apreciado pelo tribunal, face ao disposto no art. 391º CC.
O tribunal atribuirá aos resultados da inspeção judicial o valor que em sua consciência entender, em atenção às restantes provas e a todos os elementos de convicção existentes nos autos[16].
No procedimento probatório destinado à produção da inspeção judicial distinguem-se três fases: proposição, admissão e realização.
A lei não impõe que a parte que requer a diligência indique os concretos pontos de facto sobre os quais vai recair a diligência, apesar da doutrina entender que é recomendável tal procedimento[17].
Por outro lado, a lei faculta às partes a possibilidade de no decurso da diligência “chamar a atenção do tribunal para factos que reputem de interesse para a resolução da causa”, como decorre do art. 491º CPC.
Passando à análise da fase de realização da diligência, que merece particular relevo face à concreta questão a apreciar, verifica-se que a lei, no art. 493º CPC, apenas impõe que da diligência seja lavrado auto “em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo”.
Na situação presente apenas os autores vieram requerer a realização de inspeção ao local, indicando os concretos pontos factos a apreciar (requerimento de 03 de maio de 2017). O apelante limitou-se a requerer na contestação a realização da diligência e de forma genérica.
A diligência foi deferida na audiência prévia e em sede de saneador, tendo sido posteriormente renovado tal despacho.
Depois de produzida a prova testemunhal, em 06 de fevereiro de 2018, realizou-se a inspeção ao local.
A diligência ficou consignada no auto de inspeção ao local que consta da ata de 06 de fevereiro de 2018 (apesar de na ata constar a data de 06 de fevereiro de 2017, o que se entende ser mero lapso), com o seguinte teor:
“AUTO DE INSPECÇÃO AO LOCAL
Situados no ... – ..., Amarante percorremos o caminho público denominado “Caminho U...”, calcetado só até uma parte e referido no tema de prova n.º 2.
Após uns metros, existem à direita do “Caminho de U...”, dois prédios dos 2.ºs autores, denominados “Campo da V... e Tapada da V...”, igualmente referidos no tema de prova n.º 2.
O “Caminho de V...”, junto ao “Campo da V...”, apresenta uma bifurcação, à direita, começando uma faixa de terreno referida no tema de prova n.º 3 e que, segundo os autores, constitui o Caminho da V... e que é pejada de sulcos e, de penosa transposição.
O “Campo e Tapada da V...”, terminam num marco de pedra revestido de musgo, após o que, se segue um prédio de terceiro. Percorrida a faixa, à direita, no sentido descendente apresenta-se o prédio do réu, denominado “Serrado da I...” e referido na alínea “C” dos “Factos Provados”.
Prosseguimos na dita faixa da V... até atingir um muro com cerca de um metro de altura que faz um desnível, composto de pedras revestidas de musgo e que, alegadamente, foi feito há cerca de um ano, embora o mesmo tenha prolongamento/solução de continuidade, à direita para o lado do Serrado da I..., pertencente ao réu.
Na zona adjacente ao muro, no patamar inferior/degrau que o muro faz, inicia-se o prédio dos 1.ºs autores denominado “Sorte da I...”, referido em “A”, situado do lado esquerdo do muro e sobranceiro à faixa que, alegadamente, serve de caminho.
Evoluindo na faixa de terreno, desemboca-se à esquerda na “Tapada da I...” e à direita, após uma descida, no “Campo da I...”, ambos pertencentes aos 2.ºs autores e referidos em “B” dos factos provados.
De forma circular, após ultrapassarmos os prédios rústicos dos autores, saímos pelo caminho de consortes que conduz à casa dos 2.ºs autores e que é referido no tema 20”.
Compareceram à diligência as partes e respetivos mandatários.
Do auto fez-se constar o que o juiz do tribunal “a quo” entendeu por útil para o exame e decisão da causa, sendo certo que não consta do auto que qualquer das partes, fazendo uso da faculdade concedida pelo art. 491º CPC, tenham chamado a atenção do tribunal para qualquer aspeto particular com relevo para a decisão da causa.
Os elementos úteis que deviam ser considerados no auto de inspeção e que foram omitidos pelo juiz do tribunal “a quo“, constituem uma irregularidade e por isso sempre a omissão devia ser suscitada no ato perante o juiz do tribunal “a quo” (art. 195º e 199º CPC). Não se suscitando considera-se sanada a eventual nulidade cometida.
Por outro lado, a lei não impõe que o juiz recolha fotografias do objeto a inspecionar, ao que acresce que sendo as mesmas relevantes cumpria à parte suscitar a seu tempo a sua realização.
Por fim, cumpre referir que o facto de não constar do auto de inspeção a descrição detalhada do caminho - com largura, comprimento e traçado - não invalida o meio de prova em causa, porque na fundamentação da decisão de facto o juiz do tribunal “a quo“ ponderou entre outros meios de prova, a inspeção judicial, ao abrigo do princípio da livre apreciação.
Na decisão de qualquer um dos factos, que julgou provados, não fundamentou a decisão apenas na inspeção judicial. Analisou detalhadamente o depoimento das testemunhas e concluiu que também contribuiu para a decisão “a inspeção judicial”.
Portanto, o auto de inspeção surge como um complemento da prova, o que se bem entende pela natureza do meio de prova em causa, que se destina a permitir a perceção do objeto de inspeção. Porém, atenta a natureza da matéria de facto controvertida, relacionada com a ocupação efetiva de um espaço e vontade das partes, nunca a diligência poderia constituir o elemento nuclear da prova a valorizar.
O apelante não indica em que medida os factos não consignados no auto de inspeção, no contexto da prova produzida, podem comprometer o regular conhecimento da causa e por isso, a eventual irregularidade, a existir, nunca poderia determinar a anulação do auto e consequente anulação do julgamento, com fundamento em omissão de prova relevante (art. 662º/2 c) CPC).
O apelante insurge-se, ainda, nos pontos 22 a 25 das conclusões, contra o relevo probatório atribuído às fotografias juntas aos autos pelos autores com a petição e posteriormente, em fase de julgamento, juntas a cores.
As fotografias constituindo meros documentos particulares, apenas fazem prova plena, dos factos e das coisas que representam se a parte contra quem são apresentados não impugnar a sua exatidão, nos termos do art. 368º CC[18].
Este meio de prova, como decorre da fundamentação da decisão, foi valorado em confronto com os demais elementos de prova, em particular com a perceção do juiz aquando da inspeção ao local. Em momento algum constituíram o único meio de prova a atender na apreciação dos factos impugnados.
O depoimento das testemunhas S... e W... não pode deixar de ser considerado na apreciação dos factos impugnados, sendo certo que os excertos dos depoimentos transcritos na motivação e conclusões de recurso não justificam a alteração da decisão de facto, por se mostrarem descontextualizados.
A testemunha S..., com 86 anos, pai da autora B..., referiu que sempre residiu no local onde se situam os prédios dos autos e sempre passou pelo caminho que está em discussão.
Disse que os prédios dos autores e do réu não têm acesso direto à via pública e têm de passar uns pelos outros.
Explicou que para quem sai da casa dos autores pelo caminho público que dá acesso à estrada para Amarante – caminho ... –, ao subir, o caminho de servidão situa-se à direita e entra no prédio de D... (segundos autores), designado por “V...” (tapada e leira). O caminho segue pelo meio destes prédios e a seguir entra no caminho do “senhor F...” (apelante-réu) e entra na tapada AF... (“minou e tem tapada e monte”). O caminho entra no terreno e pára e depois segue à tapada da D....
Esclareceu que o caminho tem a largura média de 2,5 m e desenvolve-se numa extensão “um bocadito grande”. Vê-se bem o leito do caminho, tem “pedras moídas dos carros passar”.
Referiu, também, que a tapada do “senhor F...” fica num nível mais elevado do que as leiras; entra na tapada 20 a 30 metros e fica ali e depois segue outro caminho, segue para os outros prédios e o caminho tem uma direção.
A testemunha insistiu que apenas no local se consegue ter a perceção da forma como o caminho se desenvolve e prossegue para os demais prédios, o que referiu quando confrontado com a questão das “ bordas”.
Com efeito, o auto de inspeção dá noticia da forma como se processa a passagem de um prédio para o outro ou outros e por isso, o depoimento da testemunha quer pelo conhecimento do local, quer pela precisão como descreveu o caminho não pode deixar de ser considerado na apreciação da matéria de facto impugnada.
Em relação ao depoimento da testemunha W..., observa o apelante que a testemunha faz referência a desníveis entre os prédios e ao facto do réu ter tapado o caminho, sem que se faça qualquer referência no auto de inspeção a tal obstáculo.
A testemunha com 80 anos de idade, é irmã do autor E..., residente em lugar próximo, revelou ser conhecedora dos prédios em causa nos autos, por neles ter trabalhado – I... – e do caminho, por o usar para aceder a tais prédios.
A testemunha descreveu o acesso ao caminho e as suas caraterísticas da seguinte forma: saindo da casa dos autores pelo caminho público ... e que dá acesso para Amarante, sobe e o caminho de servidão fica à direita e entra nos terrenos no irmão - Campo da V... - e depois seguem-se os terrenos do réu e depois o terreno da “ I...”, para o qual não se pode passar por ter um muro a tapar construído pelo réu.
Referiu, ainda, que o caminho tem a largura aproximada de um carro de bois e por onde passa um carro de bois ou um trator, não podendo precisar a sua extensão, sendo certo que se conhece bem o local por onde passa.
Esclareceu, ainda, que pelo facto de existir o muro, o réu não podia passar para o seu prédio e passou a circular pelo meio da tapada do autor para aceder ao seu terreno.
Referiu, por fim, que existe outro caminho que liga às casas, fazendo referência às cortes do “senhor Y...” e a um rego, mas não ficou claro do seu depoimento se tal caminho dá serventia aos prédios da “I...”, propriedade dos autores.
No auto de inspeção observa-se:”[p]rosseguimos na dita faixa da V... até atingir um muro com cerca de um metro de altura que faz um desnível, composto de pedras revestidas de musgo e que, alegadamente, foi feito há cerca de um ano, embora o mesmo tenha prolongamento/solução de continuidade, à direita para o lado do Serrado da I..., pertencente ao réu.
Na zona adjacente ao muro, no patamar inferior/degrau que o muro faz, inicia-se o prédio dos 1.ºs autores denominado “Sorte da I...”, referido em “A”, situado do lado esquerdo do muro e sobranceiro à faixa que, alegadamente, serve de caminho”.
Contrariamente, ao afirmado pelo apelante, no auto de inspeção faz-se alusão à existência de um muro no local de passagem, o qual teria sido construído há cerca de um ano, ou seja, depois da instauração da ação, o que poderá explicar a omissão de tal facto na petição.
Desta forma, o depoimento da testemunha atenta a precisão como descreve as caraterísticas do caminho, cujo depoimento em parte acaba por ser confirmado pela perceção do juiz na inspeção, como decorre do consignado no auto, não pode deixar de ser valorizado para prova dos factos impugnados.
Acresce ao exposto que face ao auto de inspeção no espaço percorrido pelo juiz não se anotou um qualquer obstáculo ou impedimento à circulação do prédio propriedade do réu para os prédios dos autores no lugar da “I...”.
Mantém-se a decisão dos pontos 2, 3, 4 e 6 dos factos provados.
Passando à apreciação dos pontos 1 e 5 dos factos provados.
Julgou-se provada a seguinte matéria:
1- Os prédios dos AA. não dispõem de qualquer acesso à via pública.
5- Os 1.ºs e 2.ºs AA., por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, para irem a pé, de carro de bois ou de trator, para os seus prédios e vice-versa, que passam pelo leito da faixa, denominado “Caminho de Servidão da I...”, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e na convicção de serem titulares do direito de passar sobre a faixa do prédio do réu e de a ninguém prejudicarem.
Sugere o apelante que se julgue não provada a matéria em causa, fazendo apelo a excertos dos depoimentos das testemunhas X..., S..., W..., Z... e AC....
De um modo geral todas as testemunhas admitiram que os prédios dos autores, e o próprio prédio do réu, não dispõem de acesso direto à via pública e isso mesmo decorre do auto de inspeção ao local.
O apelante questiona que para aceder à via pública exista um caminho no prédio do apelante que serve os prédios dos autores.
Pretende o apelante através de excertos dos depoimentos das testemunhas indicadas e conforme consta dos pontos 43 a 61 das conclusões, demonstrar que é outro o caminho que serve tais propriedades.
Basta atender aos depoimentos transcritos para perceber que todas as testemunhas, com exceção da testemunha AC..., não conseguem caraterizar devidamente esse outro caminho. Aceitam alguns elementos de referência indicados pelo mandatário da apelante, como sejam “as cortes do senhor Y...”, um “rego”, a “travessia do rego”, “caminho de consortes”, “tapada da D. Z...”, mas invariavelmente acabam por concluir que o caminho que serve os prédios dos autores sitos na I... passa pelo prédio do réu, “Tapada AF...” e inicia-se num prédio que pertence em propriedade aos segundos autores - “V...” - o qual tem acesso direto ao caminho público.
O conhecimento das caraterísticas do caminho e modo e forma de uso tal como descrito no ponto 5 foi referenciado pelas testemunhas (com exceção da testemunha AC...) como ocorrendo há mais de 30 anos.
O depoimento da testemunha AC... acaba por ficar desvalorizado, porque não obtém apoio em qualquer outro meio de prova, quando além do mais, a respeito da utilização que é dada ao caminho reporta-se a factos praticados pelo marido, tratorista, não resultando claro do seu depoimento se acompanhava o marido ou se revelou ter conhecimento dos factos apenas por informação prestada pelo marido. Depois confrontada com as fotografias para poder identificar o local e prédios, declarou estar impedida de prestar tal esclarecimento por não conseguir observar as fotografias sem óculos, que não trazia consigo.
Conclui-se, assim, que no contexto da prova produzida e depoimentos prestados pelas testemunhas sumariados na fundamentação da decisão, não merce censura a decisão que julgou provados os pontos 1 e 5.
Por fim, resta reapreciar os pontos 7 a 14, nos quais se consignam os factos relativos aos atos praticados pelo réu impeditivos da utilização do caminho.
Provou-se:
7- O Réu, em meados do mês de Março de 2015, colocou molhos de lenha (paus de videira e giestas) no caminho.
8- Os 1.ºs e 2.ºs AA. procederam então à limpeza do caminho tendo para esse efeito ajustado os serviços de um trator.
9- Dias mais tarde, o Réu colocou pedras no caminho.
10- Os 1.ºs e 2.ºs AA. retiraram parte das pedras do caminho;
11- O Réu voltou a colocar molhos de lenha, abriu uma rota e espalhou pedras pelo caminho.
12- Os AA. deitaram as pedras à rota e voltaram a retirar tudo o que o 2.º Réu colocou no caminho;
13- No dia 15 de Maio de 2015, o Réu tentou arrasar o caminho com uma pá e picareta, tendo os autores chamado a GNR;
14- Mas o Réu colocou novamente lenha e pedras em diversos pontos do caminho.
Considera o apelante que apenas se devia julgar provada a matéria objeto de confissão pelo réu nos articulados.
A confissão, conforme resulta da definição contida no art. 352º CC, consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Como refere LEBRE DE FREITAS, a confissão consiste no reconhecimento “[…] dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse“[19].
O valor probatório atribuído à confissão, assenta na “regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse“[20].
A declaração de ciência constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objecto[21].
A força probatória da confissão judicial (única que para o caso nos interessa) depende da forma que ela revista.
Determina o art. 358º/1 CC que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.
A confissão quando é feita sem os requisitos exigidos para que tenha eficácia probatória plena, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361º CC).
É assim, em princípio, quando falte algum dos pressupostos do art. 353º CC. É-o também quando a confissão não seja escrita ou reduzida a escrito e quando falte o requisito da direção à parte contrária (art. 358ºCCnº3 e 4). É-o ainda quando a confissão conste duma declaração complexa, nos termos do art. 360º CC, e a parte contrária não se queira dela prevalecer como meio de prova plena.
A confissão com valor de prova livre constitui um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não[22].
Resulta dos fundamentos da decisão que o juiz do tribunal “a quo” limitou-se a valorar as declarações juntamente com a restante prova e dentro do seu prudente arbítrio, concluiu pela prova dos factos, como resulta da seguinte passagem:
“Relativamente à obstrução do caminho pelo réu, valeu a parcial confissão deste, as fotografias e o auto de ocorrência de fls. 50””.
A posição assumida pelo apelante no articulado contestação não permite conclusão distinta.
Alegou-se:
- 40. O réu abriu covas nos seus prédios para plantar árvores;
- 41. E depositou lenhas junto aos muretes de pedra velha existentes no limite dos seus prédios com os prédios dos autores.
Apesar de assumir a prática de certos factos, atribuiu-lhes um significado distinto daquele que os autores referem e por isso, não merece o relevo de declaração confessória, porque não admite sem mais um facto que lhe é desfavorável. Assim valorado livremente a alegação do apelante, em confronto com a restante prova, não se justifica alterar a decisão com o sentido pretendido.
Conclui-se, assim, não merecer censura a decisão que julgou provada a matéria dos pontos 7 a 14.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 70.
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- Mérito da causa -
Nos pontos 71 a 78 o apelante insurge-se contra a decisão de direito no pressuposto da alteração da decisão de facto.
Mantendo-se inalterada a decisão de facto nada mais cumpre apreciar ou decidir.
Improcedem nesta parte as conclusões de recurso sob os pontos 71 a 78.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade:
- indeferir a junção dos documentos com as alegações de recurso;
- julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto;
- confirmar a sentença.
-
Custas da apelação a cargo do apelante.
-
Custas do incidente a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 443º/1 CPC e art. 27º/1 RCP.
*
Porto, 18 de fevereiro de 2019
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
______________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico.
[2] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pag. 6.
[3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185.
ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 532.
[5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215.
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[7] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569.
[10] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[11] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[12] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[13] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[14] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 307-309
[15] ANTUNES VARELA et al Manuel de Processo Civil, ob. cit., pag. 603-604
[16] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código Processo Civil Anotado, ob. cit., vol IV, pag. 322; ANTUNES VARELA Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 608; LEBRE DE FREITAS Código Processo Civil Anotado, ob. cit., Vol II, 2ª ed., pag. 560
[17] Cfr. ANTUNES VARELA Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 606
[18] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, A Prova em Direito Civil, 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora-grupo Wolters Kluwer, 2011, pag. 88.
[19] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, Setembro de 2013, pag. 255
[20] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 256 e ANTUNES VARELA, ob. cit., pag. 553
[21] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 256
[22] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 274-276