CRIME DE PECULATO
PENA ACESSÓRIA
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS
Sumário

I – Ao titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração que seja condenado em pena de prisão superior a três anos, por se verificarem os requisitos previstos no artigo 66º, nº 1, do Código Penal, deverá ser proibido do exercício das respectivas funções, independentemente de a pena de prisão ser efectiva ou com execução suspensa.
II – De resto, a condenação em pena de prisão efectiva implica já por si a suspensão do exercício das respectivas funções durante o cumprimento da pena, pelo que será nas situações de condenação em pena com execução suspensa que a aplicação de tal pena acessória terá mais acuidade.

Texto Integral

Proc. nº 176/09.1T3AVR.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto acórdão do Juízo Central Criminal de Aveiro (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que a condenou, pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão; pela prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, a) e b), e n.º 4, do mesmo Código, na pena dois anos e seis meses de prisão; em cúmulo jurídico dessas penas, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagar ao Estado a quantia de cinco mil euros, no prazo de um ano; e na pena acessória de proibição do exercício das funções de funcionário de justiça pelo período de dois anos e quatro meses.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«A. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos n.os3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
B. Consideramos incorrectamente julgados os pontos melhor identificados na motivação do presente recurso, nomeadamente os pontos 5, 6, 7, 8, 8.1 a 8.1.4, 8.2 a 8.2.5, 8.3 a 8.3.4, 8.4 a 8.4.6, 8.5 a 8.5.4, 10 a 10.4, 11, 12 a 12.6, 16, 17 e 19 dos factos dados como provados no douto Acórdão recorrido, devendo os mesmos ser dados como não provados.
C. Antes de analisar caso a caso os pontos da matéria de facto que consideramos incorrectamente julgados, sempre diremos que este processo tem por base a alegada apropriação de artigos de vestuário contrafeito a partir da “sala de espólio” dos serviços do Ministério Público de Águeda, nos anos de 2005 a 2007.
D. Ocorre que, esta sala se encontrava à data em completa confusão e desarrumação, de tal modo que é o próprio Acórdão recorrido que o reconhece: “Tal desorganização e aquilo que a seguir se mencionará a propósito de cada um dos Inquéritos em causa, coloca as maiores dúvidas, em cada caso, sobre se os objetos em causa efetivamente desapareceram ou se estavam associados a outros inquéritos ou pura e simplesmente perdidos na sala de espólio sem ligação a qualquer inquérito”.
E. Assim, quanto aos pontos 5 a 7 da matéria de facto dada como provada, diremos que nenhuma prova foi produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento que leve a tal conclusão. A acrescer à desorganização da “sala de espólio” – que se encontrava sob a responsabilidade única da arguida C… -, o arguido, ora recorrente, cumpria procedimentos determinados superiormente, não controlando efectivamente o que se desenvolvia depois dos actos por si praticados.
F. Ademais, a ser verdade a apropriação de bens em tão larga escala por parte do arguido, ora recorrente, porque é que nenhuma testemunha o viu carregar sacos ou caixas do local de trabalho para a sua viatura? Até mesmo o co-arguido D…, o único a prestar declarações, afirma que nunca viu.
G. Logo, tal matéria devia ter sido dada como não provada.
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IV 3.
Vem o arguido e recorrente alegar que não deverá ser condenado na pena acessória de proibição do exercício de funções públicas prevista no artigo 66.º, n.º 1, do Código Penal.
Invoca a tese seguida pelo acórdão da Relação de Évora de 19 de dezembro de 2013, proc. n.º 11/09.0TASLV.E1, relatado por João Gomes de Sousa (in www.dgsi.pt). Aí se afirma que a pena acessória em causa supõe a punição com pena de prisão efetiva superior a três anos; que se a pena de prisão aplicada for suspensa na sua execução, ganhando autonomia como pena de substituição, fica vedada a aplicação dessa pena acessória; e que se se optar por tal suspensão da execução da pena de prisão, o juízo que tal permitiu é adequado a coexistir com uma pena acessória de tal gravidade.
Vejamos.
Nos termos do mencionado artigo 66.º, n.º 1, do Código Penal, o titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a três anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de dois a cinco anos quando o facto for praticado com flagrante e grave abuso da função e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes (alínea a)); revelar indignidade no exercício do cargo (alínea b)); ou implicar a perda de confiança necessária ao exercício da função (alínea c)).
Afigura-se-nos que a letra da lei, ao mencionar «pena de prisão superior a três anos», pode abranger, como pressuposto formal de aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função, quer a pena de prisão efetiva, quer a pena de prisão suspensa na sua execução (que tem – é certo - autonomia como pena de substituição).
Mas decisivo é saber se a ratio da lei (o seu espírito) também abrange a pena de prisão suspensa na sua execução.
Como bem salienta o Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso, será até nas situações de pena de prisão suspensa na sua execução que a pena acessória em causa tem maior acuidade, pois a pena de prisão efetiva já acarreta, por si mesma, nos termos do artigo 67.º do mesmo Código, a suspensão do exercício de funções públicas durante o cumprimento dessa pena.
Por outro lado, não se nos afigura, ao contrário do que se sustenta no citado acórdão da Relação de Évora, que sejam contraditórias, nos seus pressupostos, a suspensão da execução da pena de prisão e a proibição do exercício da função. É pressuposto da suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50,º, n.º 1, do Código Penal, um juízo de prognose favorável a respeito da prática de outros crimes no futuro. Poderá ser pressuposto da proibição do exercício da função o perigo de prática de futuros crimes nesse exercício (como se verificará na situação referida na acima citada alínea c) do n.º 1, do artigo 66.º do Código Penal), mas não necessariamente. Tal pena será também aplicada quando o facto for praticado com flagrante e grave abuso da função e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes (alínea a) do n.º 1 desse artigo 66.º) e quando o facto revelar indignidade no exercício do cargo (alínea b) do n.º 1 desse artigo 66.º). E podemos dizer que se verificam estas últimas situações no caso em apreço.
Também se impõe afirmar que os malefícios, na perspetiva da inserção social do condenado, que se pretendem evitar com a suspensão da execução da pena de prisão são substancialmente mais graves do que os que decorrem da pena acessória da proibição do exercício de função.
Podem ver-se, no sentido de que não obsta à aplicação desta pena acessória a suspensão da execução da pena de prisão superior a três anos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República e da . PLisboa, pg. 259, e o acórdão da Relação de Lisboa de 12 de abril de 2016, proc. n.º 619/12.7TABNV.E1.L1.5, relatado por Luís Gominho, in www.dgsi.pt.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto

O arguido e recorrente deverá ser condenada em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
V
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Condenam o arguido e recorrente em 4 (quatro) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique.

Porto, 15/2/2019
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo