HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
DEVER DE CUIDADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário


I - Na presença de acidentes de viação é sempre relevante a apreciação da omissão das regras ou cautelas de que a lei procura rodear a circulação, através das disposições que prevê no Código da Estrada.

II – O dever de cuidado revela-se interna e externamente.

- A vertente interna determinará o dever de representar ou prever o perigo para o bem tutelado pela norma jurídica e de valorar esse perigo.

- O aspecto externo comporta três exigências:

(i) o dever de omitir acções perigosas que se mostrem propícias à realização do facto típico, em que cabem as acções empreendidas pelo agente que tenha falta de preparação ou capacidade para as levar a cabo;

(ii) o dever de actuar prudentemente em situações perigosas, por comportarem, em si, um perigo inato, mas que são valiosas e indispensáveis do ponto de vista social e no actual contexto da vida em sociedade, em que entronca a margem de risco permitido;

(iii) o dever de preparação e informação prévia relativamente à exigência de cada indivíduo se munir, anteriormente à acção que envolve um risco, dos conhecimentos que lhe permita empreendê-la com segurança.

III - A extensão desses deveres, se bem que reportada ao homem médio do círculo social ou profissional do agente, assenta, igualmente, num critério individualizador e subjectivo, que deve partir do que seria razoavelmente de esperar de um homem com as qualidades e as capacidades do agente.

IV - A ideia mestra da causalidade, ou teoria da adequação, é a de limitar a imputação do resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado, pelo que deve ser complementada pela análise da conexão do risco, no sentido de determinar os riscos a cuja produção pode ser razoavelmente referido o tipo objectivo do crime e concluir que o resultado só deve ser imputável à conduta quando esta tenha criado ou aumentado ou incrementado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado típico.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Albufeira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido MM, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP).

O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e tudo o que em sua defesa viesse a resultar da audiência de discussão e julgamento.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se absolver o arguido do crime de homicídio por negligência.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões:

1) Ao dar como "não provado" os factos integrantes do elemento subjectivo do tipo de crime em causa e designadamente que o arguido agiu sem a atenção que lhe era exigível no exercício da sua condução, em violação das regras de circulação rodoviária, que conhecia, designadamente à aproximação de uma zona destinada à travessia de peões, podendo e devendo representar a possibilidade de vir a colher um peão que viesse a atravessar a faixa de rodagem e, dessa forma, causar-lhe lesões na sua integridade física ou, mesmo, causar-lhe a morte, que efectivamente causou, a sentença recorrida incorreu no vício previsto no art.º 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.

2) Da mera leitura conjugada dos factos provados e da fundamentação da matéria de facto dada como provada resulta evidente que o arguido não adoptou as medidas de cautela que se impunham ante o cenário que se lhe deparava e bem assim que conduzia a uma velocidade excessiva e desadequada às circunstâncias do caso concreto pois que assim não fosse teria evitado o acidente.

3) Verificando-se que os factos dados como não provados decorrem natural e logicamente dos factos dados como provados na sentença e bem assim da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, sendo inconciliável e uma contradição lógica dar uns como provados e outros como não provados, deve em consequência determinar-se que os "factos não provados" se desloquem para os "factos provados, proferindo-se sentença condenatória do arguido em conformidade. Caso assim não se entenda, deve determinar-se a remessa dos autos para novo julgamento nos termos do art.º 426º do C.P.P..

4) O Ministério Público impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do disposto no art.º 412º nº 3 e 4 do C.P.P. por entender que salvo o devido respeito o Tribunal a Quo absolveu o arguido porque fez uma errada apreciação da prova documental carreada para os autos e bem assim da prova produzida em audiência de julgamento.

5) Resulta das declarações do arguido, que este se apercebeu da presença da vítima, do seu posicionamento e do seu sentido de marcha, alguns instantes antes de esta decidir atravessar a estrada ("vinha do lado da curva, com os saquinhos das compras") pelo que ao contrário do que concluiu a Mma Juiz "a Quo", o arguido não dispôs apenas de uma fracção de segundo para accionar os travões.

6) O arguido deveria ter ficado alerta e adoptado as cautelas necessárias assim que viu a vítima a circular no passeio e aproximar-se da passadeira, ainda que aquela caminhasse paralelamente a ela e não desse qualquer sinal de querer atravessar.

7) O simples cenário que estava a ser visualizado pelo arguido - uma pessoa a circular no passeio junto de uma passadeira - por si só, deveria ter sido suficiente para aquele redobrar a sua atenção e a sua cautela por resultar das regras gerais da experiência e do saber comum que numa tal situação, em que existe uma passagem de peões e havendo pessoas a passar junto das mesmas, em qualquer momento o peão pode decidir atravessar a estrada.

8) Acresce ainda que o arguido seguia ao volante de um ligeiro de mercadorias (Carrinha de caixa aberta), transportando botijas de gás com um peso total de 600 kg, dentro da localidade de Albufeira, junto ao mercado municipal de Olhos de Água, num local onde existem duas passadeiras no espaço de 25 metros devidamente assinaladas com marcas no pavimento e com sinalização vertical e sendo certo ainda que se tratava da altura mais movimentada do ano, que é o mês de Agosto, como é facto público e notório.

9) Conhecendo o arguido de antemão as dimensões da viatura que conduzia e a carga transportada e não podendo ignorar as dificuldades acrescidas daí resultantes para imobilizar a mesma (é o arguido que salienta nas suas declarações que era impossível Parar uma carrinha a cerca de 2/3 metros carregada com 600kg de gás com a senhora a atravessar-se no final da passadeira), competia-lhe ter adequado a sua condução a essas circunstâncias, nomeadamente reduzindo a velocidade, de modo a que pudesse parar o veículo se necessário.

10) O arguido não previu o resultado que adveio da sua omissão, contudo era-lhe exigível que o fizesse, atenta a actividade profissional de condutor de veículos de distribuição de botijas de gás que exercia à data e a formação que recebeu para tal.

11) O Tribunal também não valorou devidamente a participação do acidente de viação de fls. 66 a 70 e o relatório fotográfico de fls. 125 e seguintes, os quais atestam que o arguido dispunha de ampla visibilidade e de todas as condições para poder abrandar e se necessário, imobilizar a viatura uma vez que se tratava de uma estrada com perfil em recta, o tempo estava seco e o piso em boas condições sendo certo ainda que a passadeira onde ocorreu o embate estava devidamente assinalada com marcas no pavimento e sinalização vertical.

12) Uma vez que o arguido confirmou em audiência ter-se apercebido da presença de MG a vir "do lado da curva" com sacos de compras, ressalta da conjugação de tais elementos probatórios a conclusão de que o arguido dispôs ainda de alguns instantes para seguir o trajecto da vítima e não apenas da fracção de segundo a que se refere a sentença.

13) Considerando as características da via e o local do embate, para que o mesmo fosse evitado bastava que o arguido tivesse abrandado a velocidade do veículo no instante em que viu MG a circular no passeio e em especial quando esta passava junto da passadeira.

14) No lapso de tempo que intermediou entre o momento em que o arguido se apercebeu da presença da vítima e o momento em que se deu o embate, poderia e deveria o arguido ter adoptado uma velocidade especialmente moderada em relação à velocidade máxima permitida no local, todavia, o arguido confiou, quando não deveria ter confiado, que a mesma não atravessaria a passadeira.

15) Não obstante a falta de prova directa sobre a velocidade concreta a que o arguido conduzia, os elementos probatórios (graves, precisos e concordantes) acima analisados, devidamente conjugados entre si, autorizam a concluir, com segurança, no sentido sustentado na acusação, ou seja, de que o arguido conduzia com velocidade excessiva.

16) Tendo-se apercebido da presença do peão junto da passagem de peões, tinha necessariamente condições de prever o eventual atravessamento da mesma e rodear­-se dos cuidados necessários para evitar o embate, designadamente, abrandando a sua velocidade, de modo a poder travar e imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente.

17) Conforme vem entendendo a Doutrina e a Jurisprudência, em termos de previsibilidade de um certo resultado, teremos de analisar não só aquilo que é previsível e evitável para a generalidade das pessoas, mas também se para aquela pessoa em concreto, era previsível e evitável que um certo acontecimento se desse. Ou seja, deve medir-se a violação dos deveres objectivos de cuidado de acordo com aquilo que o agente é capaz de prestar, segundo o seu conhecimento e capacidades pessoais.

18) Tendo sido dado como provado que o arguido, à data dos factos, exercia profissionalmente há mais dois anos, diariamente, uma actividade de condução de veículos de distribuição de botijas de gás, podia e deveria o arguido ter previsto o que não previu e procedido em conformidade, ou seja, adoptando os cuidados e as diligências que as circunstâncias concretas impunham.

19) Não é objectivamente imprevisível que um peão que vai a circular no passeio junto de uma passagem de peões, a dado momento decida atravessá-la e muito menos para alguém que exerce profissionalmente a actividade de condução e transporte de mercadorias como é o caso do arguido.

20) Mesmo que, em concreto, não fosse de se prever o atravessamento, essa previsão está implícita nas normas dos art.ºs 24º e 25º do Código da Estrada, que impõem a especial redução de velocidade em certas circunstâncias, exactamente aquelas que criam mais perigo e em que mais se quer acautelar a segurança de todos os utentes da via, em especial os utilizadores mais vulneráveis, como os peões, e que o arguido deveria conhecer.

21) Muito embora no local a velocidade estivesse delimitada a 50 kms/h e o arguido a não tivesse excedido pois não accionou a sinalização luminosa delimitadora de velocidade ali existente, tal não obsta à conclusão de que o mesmo excedeu a velocidade no local, uma vez que tais limites gerais, cedem necessariamente perante os deveres especiais de moderação de velocidade nas situações previstas nas normas dos art.ºs 24º e 25º do Código da Estrada e que se verificavam no caso concreto ­- Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães de 25/09/2006, Proc. 1312/06-2.

22) O resultado verificado era objectiva e subjectivamente previsível uma vez que o arguido divisou a vítima, não tinha qualquer obstáculo físico à sua frente, pelo que nada o impediu de travar ou abrandar. Se não o fez foi porque adoptou uma condução que não lhe permitiu executar tais procedimentos de modo a poder imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente em caso de atravessamento da passagem de peões.

23) Por outro lado, é inquestionável que quando iniciou a travessia da faixa de rodagem, a vítima se encontrava ainda em plena passagem de peões, ou seja, em espaço legalmente previsto e reservado para o efeito, pelo que a sua conduta foi regular e em conformidade com as regras estradais não se lhe podendo assacar qualquer responsabilidade na provocação do acidente, sendo, com o devido respeito, abusiva a conclusão retirada na douta sentença de que a vítima teria atravessado a mesma de forma inesperada, súbita, em ponto e momento pouco cautelosos.

24) O arguido não deveria ter confiado que a vítima não atravessaria a estrada e assim eliminar todos os cuidados. Tendo o arguido descurado, no caso concreto, três das circunstâncias enunciadas no art.º 25º como impositivas de uma especial moderação de velocidade é forçoso concluir-se que o mesmo violou deveres objectivos de cuidado e que essa violação foi causa idónea à verificação do resultado típico (a morte da vítima) que lhe é, por conseguinte, imputável.

25) Ao assim não entender a douta sentença sob censura violou as normas jurídicas constantes dos art.ºs 15.º e 137.º/1 do Código Penal.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão absolutória proferida, substituindo-se a mesma por outra que, julgando provada a matéria factual dada como não provada e julgando preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de homicídio por negligência, condene o arguido MM, como autor material e na forma consumada, pela prática do mesmo.

O recurso foi admitido.

O arguido apresentou resposta, concluindo:

1- Entende o Recorrente, sumariamente, que o arguido violou os deveres de cuidado.

2-Toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, foi baseada nas declarações do arguido.

3- A prova arrolada pela acusação, não foi capaz de demonstrar em que moldes se deu o acidente.

4-Essencialmente, e pelas declarações do arguido, ficou demonstrado que a vítima seguia pelo passeio e iniciou a travessia da faixa de rodagem, colocando-se na parte final da largura da passadeira aí existente, pretendendo atravessar da direita para a esquerda atento o sentido de marcha do veículo do arguido

5-O peão não dava sinais de atravessar a passadeira;

6-Fê-lo de uma forma imprevista e rápida, situação que não permitiu evitar o embate.

7-Não se demonstrou que o arguido tenha violado os seus deveres de cuidado, nomeadamente pela eventual adequação da velocidade (que não foi apurada) e, bem ainda, que tenha agido sem a atenção exigida, representada pela possibilidade de vir a colher um peão na passadeira.

8-Segundo as declarações do arguido, que não foram infirmadas por outra qualquer prova, a infeliz vítima meteu-se à passadeira de repente,

9-Veja-se pela participação do acidente e sua legenda (local provável de embate), a infeliz vítima terá encetado a sua travessia mesmo na linha final, mais à sua direita, da passadeira,

10-Acrescente-se a ausência de rastos de travagem, tudo corroborado pela única testemunha da acusação, militar da GNR.

11-O arguido ainda se desviou, conforme referiu, infelizmente não a tempo de evitar o embate.

12-Com o elevado respeito que o caso nos merece, somos da opinião que o peão não pautou a sua conduta pela norma que regula as suas condutas;

13-Determina o artigo 101º nº 1 do Código da Estrada, «Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.»

14-Conforme resulta das declarações do arguido, reforce-se, única prova concreta dos moldes em que se circunstanciaram o acidente, nenhum cuidado deste tipo existiu por parte da vítima, a partir do momento em que inopinadamente enceta o atravessamento da passadeira.

15-Tudo aponta para uma reacção inopinada, irreflectida e completamente precipitada, por motivo que não foi possível apurar.

16-O facto do peão ter sido colhido na passadeira não é condição suficiente para estabelecer um juízo de menor atenção do condutor ou de velocidade inadequada.

17-O embate era inevitável atendendo face à pouca distância entre a viatura e o local de embate, tendo em conta a entrada inopinada na passadeira por parte da vítima.

18-Não foi possível apurar se a conduta do arguido foi causa da verificação de um perigo concreto para a vida da ofendida,

19-Inexiste prova da velocidade imprimida pelo arguido, logo o tribunal nunca poderia concluir pela violação das regras estradais associadas;

20-Não se descortinou ou logrou provar se o arguido teria conseguido parar ou até desviar o veículo no espaço livre à sua frente aquando a entrada inopinada da vítima na passadeira;

21-De salientar quanto a esta matéria o Ac.675/2001.L 1-8 TRL de 25.06.2009, «Ao atravessar a faixa de rodagem impõe-se ao peão que se certifique dos veículos que nela transitam, da distância que dele os separa e da velocidade aproximada que os anima (...); Não é exigível aos condutores que contem com a negligência ou inconsideração de outros utentes na via, salvo tratando-se de crianças-com comportamentos geralmente imprevisíveis-deficientes ou muito idosos-com limitações no seu controlo (...); Deve antes partir do princípio que se ele cumpre todos os preceitos reguladores do trânsito aos outros também é exigível que os cumpram.

22-De igual modo, invoca-se para todos os efeitos, o princípio in dubio pro reo

23-Um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da ação penal;

24-E com o elevado respeito que nos merece o Ministério Público, a acusação não logrou provar o seu petitório.

Nestes termos e nos melhores de direito, uma vez que no nosso modesto entendimento a sentença de que recorre o Dº Procurador Adjunto do Ministério Público não merece qualquer reparo, deverá manter-se a decisão de absolvição do arguido e, em consequência, negar-se provimento ao recurso interposto.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (CPP), designadamente conforme acórdãos do STJ: de 13.05.1998, in BMJ n.º 477, pág. 263; de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 3.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 3.ª edição, Rei dos Livros, pág. 48; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg.; e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

Delimitando-o, reside em apreciar:
A)- da impugnação da matéria de facto;

B)- da consequente condenação do arguido.

Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:

Dos factos provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

da acusação pública:
1) No dia 29 de Agosto de 2016, pelas 17h00, o arguido circulava no veículo ligeiro de mercadorias de matrícula QN-, transportando gás, pela Estrada de Albufeira (Caminho Municipal 1287), em Olhos de Água junto ao Mercado Municipal de Olhos de Água, na direcção Olhos de Água - Albufeira.

2) Aquela via situa-se dentro da localidade de Olhos de Água e caracteriza-se por ser uma faixa de rodagem de 8,20 metros de largura, composta por duas hemifaixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito.

3) No local por onde circulava (perto do Mercado Municipal de Olhos de Água), a via configura uma recta com ligeira curvatura à esquerda, atento o sentido de trânsito do arguido, sendo que naquele dia e àquela hora estava sol, não chovia, a estrada encontrava-se em bom estado de conservação, com piso betuminoso regular e não se apresentavam obstruções visuais ou obstáculos de qualquer natureza para o arguido.

4) Poucos metros após a entrada/saída para o Mercado Municipal de Olhos de Água, MG seguia pelo passeio e iniciou a travessia da faixa de rodagem, colocando-se na parte final da largura da passadeira aí existente, pretendendo atravessar da direita para a esquerda atento o sentido de marcha do veículo do arguido.

5) MG colocou um pé na primeira faixa horizontal da passadeira e, acto contínuo, o veículo QN-embateu nela com o vértice frontal direito e pára-brisas.

6) No local onde ocorreu o acidente, a passadeira de peões encontra-se sinalizada no pavimento e também está assinalada com o sinal vertical de informação H7, sendo que cerca de 25 metros antes desta travessia, existe uma outra travessia de peões, também devidamente assinalada no pavimento e com sinal vertical.

7) A vítima, em virtude do embate causado pelo veículo, embateu com a cabeça no pára-brisas frontal do veículo QN, tendo sido, de seguida, projectada a 11,50 metros do local do embate, vindo a cair no meio da faixa de rodagem.

8) Após o embate, o arguido imobilizou o veículo -QN- poucos metros apos o local de embate, com a traseira ainda na passadeira, numa posição diagonal, com a frente do veículo dirigida para o eixo da via.

9) Em consequência directa e necessária do supra descrito, MG sofreu traumatismo crânio encefálico grave, com enfarte extenso cerebral, choque hemorrágico abdominal inicial e fracturas dos arcos costais posteriores da 5.º,6.º e 8.º.

10) No dia 2 de Setembro de 2016, pelas l5h20, a vítima MG veio a falecer devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas, abdominais e dos membros, causadas pelo acidente acima descrito.

11) Os factos descritos de 1) a 8) ocorreram durante o horário laboral do arguido.

12) O arguido tem carta de condução para veículos de categoria B1 e B desde 1 de Abril de 2014.

13) O veículo conduzido pelo arguido de marca Toyota modelo Dyna transportava botijas de gás com um peso médio total de 600kg.

14) O arguido circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 50 km/h.

Mais se provou que:
15) O arguido vive com a sua companheira há um ano e meio.

16) O arguido reside em casa arrendada de tipologia TI, pela qual paga mensalmente a quantia de €300,00.

17) O arguido tem o 9.º ano de escolaridade, optando por formação profissional como electricista.

18) O arguido tem carta de condução de ligeiros e pesados desde 2013, como forma de ter uma mais-­valia profissional.

19) O arguido trabalha há dois anos como motorista e distribuidor, mostrando-se satisfeito profissionalmente e apresentando adequação profissional com responsabilidade, o que determinou a renovação do vínculo laboral em data posterior aos eventos descritos de 1) a 14).

20) Após os eventos o arguido sofreu alterações nas suas funções profissionais, por alegado stress traumático na condução de veículos automóveis, passando a exercer funções de apoio e manutenção das viaturas automóveis da empresa.

21) O arguido aufere €700,00 mensais, sendo que a sua companheira aufere o salário mínimo nacional.

22) O arguido tem ainda como despesas fixas mensais a amortização de empréstimo bancário para aquisição de automóvel no valor de €150,00.

23) O arguido apresenta fragilização psíquico-emocional face às consequências do acidente para a vítima e para os seus familiares, assumindo responsabilidade cívica pela situação.

24) O arguido beneficia de um contexto socio-familiar normativo e de suporte, mantendo-se investido no seu trabalho.

25) Do certificado de registo criminal do arguido não resultam quaisquer antecedentes criminais.

Dos factos não provados:
Não se logrou provar qualquer outro facto, com relevo para a boa decisão da causa, ou que esteja em contradição com os dados como provados. Designadamente não se logrou provar que:

a)Que o arguido sabia que um condutor médio e prudente, perante a aproximação de uma zona de travessia de peões que não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente da autoridade, não conduziria o veículo do modo como o fez, impondo-se-lhe regras de cuidado que era capaz de cumprir e não acatou, designadamente imprimir menor movimento à viatura perante a aproximação a uma zona de travessia de peões, imobilizando a marcha se necessário e/ou contornando o peão que já tenha iniciado a travessia da faixa de rodagem, manobras que não conseguiu efectuar, sendo que nenhum obstáculo existia à realização de tais manobras em segurança.

b) Que o arguido agiu ainda sem a atenção que lhe era exigível no exercício da sua condução, em violação das regras de circulação rodoviária, que conhecia, designadamente à aproximação de uma zona destinada à travessia de peões, podendo e devendo representar a possibilidade de vir a colher um peão que viesse a atravessar a faixa de rodagem e, dessa forma, causar-lhe lesões na sua integridade física ou, mesmo, causar-lhe a morte, que efectivamente causou.

c) Que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que devia cumprir as normas estradais no exercício da condução na via pública.

Exame crítico da prova:
O Tribunal norteou a sua convicção quanto à matéria de facto provada com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, tendo desconsiderado todas as afirmações de pendor conclusivo e de matéria de direito, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum, sem critérios pré-definidores de valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei diversamente o disponha.

Quanto à dinâmica do acidente apenas o arguido pôde dar um contributo decisivo para o esclarecimento da verdade, pois que o militar da GNR inquirido, MR, apenas se deslocou ao local na sequência da comunicação do sinistro, elaborando a participação do acidente de viação e o croqui de fls. 66 a 69 baseando-se nas declarações do arguido, em particular, e no que ora nos importa, no que respeita ao local do embate.

O arguido admite o dia, hora e local dos acontecimentos, referindo que se encontrava no seu horário laboral conduzindo um veículo de mercadorias carregado com botijas de gás. Admite ainda o embate na vítima, que veio a falecer, conforme resulta o certificado de óbito da vítima de fls. 171 e do boletim clínico de fls. 3 a 5, bem como do relatório de autópsia elaborado pelo INML de fls. 12 a 14, que demonstram que o falecimento sobreveio por conta do embate verificado. Cumpre apurar os eventos que concorreram para esse resultado, sendo que, uma vez mais, o Tribunal pode apenas socorrer-se das declarações do arguido, inexistindo prova testemunhal do sinistro, vestígios recolhidos ou peritagem elaborada.

Assim, relata o arguido que, atento o sentido de marcha em que seguia, viu uma senhora caminhar ao longo do passeio de costas para si, recordando-se inclusive que trazia um saco de compras e, no entender do arguido, sem manifestar qualquer intenção de fazer a travessia na passadeira pois que percorreu praticamente toda a largura da mesma, e já no final desta, virou-se para a passadeira e colocou o pé nesta, iniciando a travessia. Esclarece ainda o arguido que estava já a 2 ou 3 metros da passadeira, não tendo sido capaz de imobilizar o veículo, acrescentando espontaneamente que tudo se passou de forma muito rápida, que o peão não dava sinais de pretender atravessar a passadeira e que, pela maneira imprevista como escolheu fazer essa travessia, o arguido viu-se incapaz de imobilizar a viatura, uma carrinha de caixa aberta que transportava 600 kg de botijas de gás, a acrescer ao evidente peso superior de uma carrinha desta envergadura em comparação com um veículo ligeiro de passageiros. Admite que antes dessa passadeira existia outra e ainda que o local tinha um controlo de velocidade de 50 km/h, pelo que, não se recordando da exacta velocidade que imprimia ao veículo, sabe que seguia dentro dos limites de velocidade permitidos, porquanto passou com o sinal ainda verde, que comprova que, pelo menos, não excedia essa velocidade. Refere ainda que após o embate imobilizou a carrinha com a traseira ainda na passadeira, apesar de ligeiramente inclinada para a esquerda, sinal evidente também de que a imobilização foi praticamente imediata, não existindo rastos de travagem no local, e que o arguido não seguiria a uma velocidade excessiva.

A inclinação do veículo para a esquerda aponta para uma possível manobra evasiva por parte do arguido que, infelizmente, ocorre tarde demais. O militar da GNR inquirido nada adianta quanto à dinâmica dos eventos, corroborando apenas que no local o arguido o informou que a senhora "se meteu à passadeira de repente e não teve qualquer tipo de reacção"; relevaram as declarações deste militar tão­ somente para confirmar as declarações do arguido quanto à inexistência de rastos de travagem no local e à posição em que a carrinha ficou imobilizada após o acidente.

Dissemos já que a prova se resume às declarações do arguido, vindo a parca prova testemunhal corroborar, na medida objectiva do conhecimento que possuía, as declarações do arguido. O auto de exame directo de fls. 82 a 84 descreve apenas as condições da via e do local, no dia e hora dos eventos, também admitidas pelo arguido, e o relatório fotográfico de fls. 125 a 127 fornece mero auxílio visual quanto ao local dos eventos, também corroborantes das declarações do arguido, pois que quer um, quer outro, baseiam-se tão­ somente naquilo que o arguido narrou.

E perante a prova elencada, impõe-se responder à suma questão: tendo em conta as circunstâncias conhecidas do arguido e de um homem médio, a acção que apreciamos é adequada à produção do acidente? Há fortes probabilidades de o originar? A acção do arguido é uma consequência objectivamente previsível da violação do dever de cuidado?

Adiantando, com os elementos probatórios que existem nos autos, que são as declarações do arguido, cremos que não.

A acusação assaca ao arguido a violação do dever de, perante a aproximação de uma zona de travessia de peões, não ter imprimido menor movimento à viatura, imobilizado a marcha ou contornado o peão, pois que, ao não efectuar nenhuma destas manobras que se lhe impunha, sendo que nenhum obstáculo existia à realização das mesmas em segurança, deu causa ao acidente; não há dúvidas que não imobilizou o veículo ou que não conseguiu contornar o peão. Mas existe prova de que não imprimiu uma velocidade adequada à travessia de peões? A resposta afirmativa não poderá bastar-se com o falecimento do peão. Assim, temos que não foi feita qualquer prova da velocidade a que o arguido seguia no momento do acidente, sendo até que, de acordo com as declarações do arguido, única prova insistimos, existe uma aceitável dose de certeza de que não seguia a uma velocidade imprópria, tendo em conta o local onde imobiliza o veículo e a ausência de rastos de travagem.

Mas ainda assim, enveredemos pela hipótese de o arguido seguia a uma velocidade de 50 km/h para apurar se esse simples facto seria causal do evento. De acordo com as declarações do arguido sabemos que a vítima seguia pelo passeio e iniciou a travessia da faixa de rodagem, colocando-se na parte final da largura da passadeira aí existente, pretendendo atravessar da direita para a esquerda atento o sentido de marcha do veículo do arguido, colocando um pé na primeira faixa horizontal da passadeira e, acto contínuo, o veículo -QN- embateu nela com o vértice frontal direito e pára-brisas.

Que manobras estavam à disposição do arguido perante a actuação da vítima? Refere o arguido que estava a 2/3m da passadeira no momento em que vê o peão colocar-­se na passadeira, sendo incapaz de parar. Nada mais se provou, nem tão pouco que não seguia com atenção ao trânsito; aliás, quanto a este aspecto, o arguido afirma que viu a senhora seguir pelo passeio, pelo que há indícios que seguia com alguma atenção ao que o rodeava. Ora no momento em que avista o peão a encaminhar-se para a passadeira, e estando a 2/3 metros deste, o arguido tem uma fracção de segundo para accionar o travão. A partir daí há que apurar, de acordo com esta velocidade, a distância de travagem, ou seja, a distância percorrida pelo veículo desde momento e a posição em que é accionado o pedal do travão até ao momento e posição em que se imobiliza ou que o seu pedal de travão deixa de ser accionado. E sendo certo que uma das variáveis é, ainda, o estado e o tipo de travões que equipam o veículo, sendo que uma vez mais não existe qualquer prova quanto aos mesmos, podemos recorrer às tabelas matemáticas e abstractas que calculam as distâncias de travagem com base na velocidade a que segue o veículo (cfr. A. A. Tolda Pinto, in Código da Estrada Anotado, Legislação Complementar, pp. 68 e 69, 2: Edição, Coimbra Editora). In casu, a distância percorrida para quem segue à velocidade de 50 Km/h, no decurso do tempo reflexo de 3/4 de segundo (tempo necessário até ser accionado o travão, depois de avistado o obstáculo) é já de 10,41 metros, variando as distâncias de paragem ao obstáculo entre 10,20 metros e 12 metros, ou seja, variando as distâncias totais de paragem entre 20,61 metros e 22,41 metros. Já acautelando-se a circunstância de o arguido ter moderado a velocidade e circular a 30km/h verifica-se que a distância percorrida apenas no decurso do tempo reflexo de % de segundo é já de 6,24 metros, variando as distâncias de paragem ao obstáculo entre 3,82 metros e 4,5metros, ou seja, variando as distâncias totais de paragem a partir da vista de um obstáculo entre 10,06 metros e 10,74 metros.

Insiste-se. Não se logrou apurar a velocidade a que o arguido seguia e, muito menos, se momentos antes do embate adequou ou moderou a sua velocidade à aproximação da passadeira. Não podemos presumir esta circunstância, nem tão pouco o seu inverso. Porém, de acordo com os cálculos aritméticos efectuados, há que concluir que à distância de 2 ou 3 metros a que avistou o peão, fosse a 50 km/h ou moderando a velocidade a 30 km/h, nunca o arguido poderia ter conseguido parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, não havendo prova alguma que nos permita concluir que lhe era exigível lograr desviar-se do mesmo, pelo que há que concluir que o embate era inevitável; sendo certo que a conduta da vítima não é, por si, causa de exclusão de responsabilidade de um agente, há que ter presente que a travessia inesperada e súbita do peão, em ponto e momento pouco cautelosos, tornou impossível ao arguido, e a qualquer outro condutor mediano, garantir o tempo de reacção necessário para accionar o travão e efectuar a paragem e evitar o sinistro.

Que não haja dúvidas, tanto mais que o arguido o assumiu: o peão veio a falecer por força do embate.

Porém, não se provou que o arguido tenha violado qualquer norma de cuidado e, de acordo com uma simples operação matemática, conclui-se que mesmo obedecendo a todas as normas, inclusive o dever geral de usar de atenção na condução estradal, o resultado viria a produzir-se e era inevitável, não havendo qualquer prova que permita concluir que haveria distância de travagem suficiente para o arguido, naquelas circunstâncias, evitar o resultado morte.

Em resumo, há que dizer que de acordo com os elementos probatórios, e mesmo aliando-nos a raciocínios de presunção, não existe o bastante para concluir, como pretende a acusação, que o resultado morte é imputável à conduta do arguido por força da violação de um dever objectivo de cuidado. Como aliás, nunca poderia ser, porquanto a prova se baseia em exclusivo no que foi declarado pelo arguido. Pelo que, até pela ausência de prova cabal sempre se imporia accionar o princípio do in dubio pro reo.

Em sede de condições de vida, designadamente quanto à situação económica, social e familiar do arguido, o Tribunal fez fé no declarado pelo próprio que, na medida do dado como provado, bem como no relatório elaborado pela DGRSP.

Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal formou a sua convicção com base no teor do Certificado de Registo Criminal juntos aos autos.

Todos os meios de prova foram devidamente sopesados, conduzindo, fundamentadamente, à formação de um todo lógico e coerente de verdade.

Apreciando:

A) - da impugnação da matéria de facto:
Constituindo princípio geral que as relações conhecem de facto e de direito nos termos do art. 428.º do CPP, a modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o art. 431.º do CPP, em caso de vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, do CPP (corpo daquele mesmo preceito) e, para além das específicas situações a que aludem as suas alíneas a) e c) que ora se não colocam, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º” (sua alínea b)).

Traduzem vias diferentes, ainda que para finalidade idêntica.

Assim, na vertente dos vícios da decisão, a análise restringe-se ao que “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, de acordo com aquele art. 410.º, n.º 2 e, por isso, cingindo-se ao que essa decisão em si mesma contenha, sem apelo a elementos que não lhe sejam intrínsecos e, ainda, por referência às máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

Por seu lado, na diversa perspectiva de impugnação, tem-se em vista a reapreciação da prova, mediante o seu confronto com a avaliação conferida pelo tribunal, não obstante, porém, dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 daquele art. 412.º, na medida em que, como vem sendo pacífico, o recurso é mero remédio jurídico, destinado a despistar e a corrigir erros in judicando ou in procedendo, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância.

Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».

Também, segundo Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.

Apresentando-se, pois, essa exigência de especificação com finalidade processualmente justificada, os contornos necessários à viabilidade de conhecimento dessa forma de impugnação ficaram devidamente reflectidos na fundamentação do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03, publicado in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012.

Toda essa temática traduz requisito adjectivo que se coaduna com a proporcional e devida concretização do que se pretende, à luz, além do mais, dessa natureza dos recursos como remédios jurídicos e da colaboração processual que deve sempre estar presente na sujeição de uma causa a reexame por tribunal superior.

Dentro destes parâmetros, a impugnação convocada pelo recorrente revela-se pelas duas vias.

Na primeira, aponta à decisão o vício de contradição insanável previsto na alínea b) daquele n.º 2 do art. 410.º.

Na segunda, manifesta a discordância quanto aos factos que foram dados como não provados, entendendo que devem passar a considerar-se como provados, assentando essa posição, no essencial, em excertos das declarações do arguido, que transcreve e localiza por menção ao suporte de gravação em audiência, e na participação de acidente de viação de fls. 66 a 70 e no relatório fotográfico de fls. 125 e seguintes.

Afigura-se, pois, que nada obsta à apreciação pretendida.

Vejamos.
A propósito da alegada contradição, o recorrente invoca que da leitura conjugada dos factos provados e da fundamentação da matéria de facto dada como provada resulta claro todo o circunstancialismo que impunha ao arguido uma conduta diversa da que adoptou sendo também manifesto em face do texto da decisão recorrida que o mesmo seguia em excesso de velocidade, pois que tal factualidade não é conciliável com a conclusão simultânea de que "Não se logrou apurar a velocidade a que o arguido seguia e, muito menos, se momentos antes do embate adequou ou moderou a sua velocidade à aproximação da passadeira" pelo que "não existe o bastante para concluir, como pretende a acusação, que o resultado morte é imputável à conduta do arguido por força da violação de um dever objectivo de cuidado " e bem assim pela inexistência de "prova alguma que nos permita concluir que lhe era exigível lograr desviar-se do mesmo, pelo que há que concluir que o embate era inevitável; sendo certo que a conduta da vítima não é, por si, causa de exclusão de responsabilidade de um agente, há que ter presente que a travessia inesperada e súbita do peão, em ponto e momento pouco cautelosos, tornou impossível ao arguido, e a qualquer outro condutor mediano, garantir o tempo de reacção necessário para accionar o travão e efectuar a paragem e evitar o sinistro ".

Conclui que Do quadro circunstancial dado como assente na douta sentença resulta evidente que o arguido não adoptou as medidas de cautela que se impunham ante o cenário que se lhe deparava e bem assim que conduzia a uma velocidade excessiva e desadequada às circunstâncias do caso concreto pois que assim não fosse teria evitado o acidente e os factos dados como não provados decorrem natural e logicamente dos factos dados como provados na sentença e bem assim da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, sendo inconciliável e uma contradição lógica dar uns como provados e outros como não provados, e tal incompatibilidade resulta evidente da análise do próprio texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum.

Embora apontando, assim, contradição, refere que é possível decidir da causa, pois que a factualidade apurada permite a definição da conduta do arguido e por isso a definição do direito, eliminando a contradição constatada, o que significa que a não vê como insanável.

Ora, segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. III, pág. 325, A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso (…) a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.

E ainda, conforme ao acórdão do STJ de 13.10.1999, in CJ Acs. STJ, ano XXIV, tomo III, pág. 184, existe esse vício quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal.

Os factos dados como não provados, relembre-se, são os seguintes:

a) Que o arguido sabia que um condutor médio e prudente, perante a aproximação de uma zona de travessia de peões que não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente da autoridade, não conduziria o veículo do modo como o fez, impondo-se-lhe regras de cuidado que era capaz de cumprir e não acatou, designadamente imprimir menor movimento à viatura perante a aproximação a uma zona de travessia de peões, imobilizando a marcha se necessário e/ou contornando o peão que já tenha iniciado a travessia da faixa de rodagem, manobras que não conseguiu efectuar, sendo que nenhum obstáculo existia à realização de tais manobras em segurança.

b) Que o arguido agiu ainda sem a atenção que lhe era exigível no exercício da sua condução, em violação das regras de circulação rodoviária, que conhecia, designadamente à aproximação de uma zona destinada à travessia de peões, podendo e devendo representar a possibilidade de vir a colher um peão que viesse a atravessar a faixa de rodagem e, dessa forma, causar-lhe lesões na sua integridade física ou, mesmo, causar-lhe a morte, que efectivamente causou.

c) Que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que devia cumprir as normas estradais no exercício da condução na via pública.”.

Numa análise liminar, desde logo, esse conjunto de factos suscita alguma reserva ou, pelo menos, a necessidade de devido esclarecimento para os compatibilizar com o que se deu por provado ou seja, tal como o recorrente assinala:

- o arguido conduzia um veículo ligeiro de mercadorias de transporte de gás, dentro de uma localidade, mais concretamente em Olhos de Água, Albufeira, num dia de Agosto;

- Transportava uma carga de 600 kg de botijas de gás;

- o local onde ocorreu o acidente, a passadeira de peões encontra-se sinalizada no pavimento e também está assinalada com o sinal vertical de informação H7, sendo que cerca de 25 metros antes desta travessia, existe uma outra travessia de peões, também devidamente assinalada no pavimento e com sinal vertical;

- Naquele dia e àquela hora estava sol, não chovia, a estrada encontrava-se em bom estado de conservação, com piso betuminoso regular e não se apresentavam obstruções visuais ou obstáculos de qualquer natureza para o arguido;

- Este apercebeu-se da presença do peão quando este ainda seguia no passeio e bem assim da passagem de peões ali existente;

- MG colocou um pé na primeira faixa horizontal da passadeira e acto contínuo foi embatida pelo veículo conduzido pelo arguido.

Sobretudo se, como consta do exame crítico da prova efectuado pelo tribunal, conferindo credibilidade às declarações do arguido pelo “contributo decisivo para o esclarecimento da verdade”, se bem que não se tendo apurado a velocidade a que seguia, mas não superior a 50 km/h como se provou em 14), “a vítima seguia pelo passeio e iniciou a travessia da faixa de rodagem, colocando-se na parte final da largura da passadeira aí existente” e, não obstante, atenta a indicada distância de 2/3 metros a que se encontrava (que o tribunal menciona, indistintamente, quer por referência à passadeira, quer por reporte ao peão), o embate era “inevitável”, tendo presente a “travessia inesperada e súbita do peão, em ponto e momento pouco cautelosos ”, situação, esta, que não encontra tradução no confronto do que se deu por provado, surgindo como ilação extraída, sem mais, do facto provado em 4).

Na verdade, transparece que o tribunal partiu das circunstâncias de que a velocidade era a referida ou, até, inferior, e daquela curta distância do veículo aquando do início do atravessamento da vítima na passadeira existente, para concluir pela impossibilidade do arguido parar o veículo ou desviar-se do peão.

Todavia, comporta conclusão que, também, tem por subjacente que a vítima, na perspectiva do arguido, não tivesse manifestado, anteriormente ao início dessa travessia, intenção de a fazer, inferindo deste aspecto atitude imprevista que se teria revelado, para aquele, como surpreendente, apesar de a ter visto a caminhar ao longo do passeio.

Afigura-se, embora o veículo tivesse ficado imobilizado a poucos metros do local do embate, como provado em 8) e, assim, sem que se possa afirmar que circulasse a velocidade aparentemente excessiva, que, de qualquer modo, não resulta suficiente explicitação lógica, tal como o recorrente refere, acerca da razão por que não logrou o arguido imobilizar o veículo, atentando em que, segundo a motivação da sentença, “viu uma senhora caminhar ao longo do passeio de costas para si, recordando-se inclusive que trazia um saco de compras”, “percorreu praticamente toda a largura da mesma (passadeira)” e, ainda assim, “no momento em que avista o peão a encaminhar-se para a passadeira, e estando a 2/3 metros deste, o arguido tem uma fracção de segundo para accionar o travão”, conclusão, esta, sem visível apoio no conjunto dos elementos de prova carreados.

Neste sentido, admite-se a existência da invocada contradição, dada a dificuldade de congruência lógica e assertiva no raciocínio reflectido pelo tribunal.

Mas essa dificuldade não se torna fundamento para a arvorar como caminho de solução se, como no caso sucede, sempre restará a análise mais específica da impugnação na outra vertente e, desta, poderá decorrer que a contradição fique ultrapassada.

Reconhece-se, então, que, como o tribunal sublinhou, a prova quanto aos factos (provados e não provados) incidiu essencialmente nas declarações do arguido, sem que, porém, atendendo à circunstância de que, afinal, o verificado acidente de viação não tenha sido presenciado directamente por alguém para além dos intervenientes, se deva prescindir de outros elementos que permitam, com grau de probabilidade bastante, aquilatar da bondade dessas declarações e das causas e contornos que rodearam esse tipo de realidade.

Aliás, está amplamente sedimentado que os dados objectivos recolhidos no local, a par dos conhecimentos científicos e das regras da experiência, constituem elementos de prova valiosos no âmbito em apreciação.

Conforme Dario Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 455, Todo o acidente de viação constitui, em si mesmo, um fenómeno ímpar, sempre diferente no seu conjunto, em relação a outros, pelo condicionalismo de que se reveste, pelas consequências a que dá origem, até pelo comportamento diferente das diferentes viaturas que nele intervém; e é sobretudo diferente por aquilo que lhe dá origem – situações de culpa, situações de risco e, assim, o seu processo causal não é redutível ao esquema de outros acidentes, sejam intervenientes só veículos, como também peões, tendo, pois, cada um, a sua própria singularidade, o que implica que a certeza acerca desse processo há-de, muitas vezes, assentar, fundamentalmente, sobre elementos objectivos, conjugados com os dados da experimentação, em detrimento da prova testemunhal, eivada de especificidades emocionais e de juízos conclusivos.

Aqui relevam, então, a participação de acidente de fls. 66 a 70 (incluindo o croquis de fls. 69) e o relatório fotográfico de fls. 125 a 127, referidos pelo recorrente e relativamente aos quais se revela que o tribunal não conferiu suficiente valoração que abalasse as declarações do arguido na parte em que este quis acentuar a atitude inopinada da vítima.

Só que, através das declarações, verifica-se que teve plena oportunidade de presenciar o percurso da vítima, ainda vindo, como referiu, do lado da curva, com os saquinhos das compras, o que, pelas fotografias, se consegue descortinar como local antes do sinal de passagem de peões (no croquis, indicado pela letra C), que precede a delimitação inicial da passadeira assinalada na faixa de rodagem e, assim, se bem que, aparentemente, com atenção ao que o peão fazia, inexplicavelmente não logrou evitar o embate, justificando-o com a frustrada convicção de que a vítima não iria atravessar.

Esse seu argumento debate-se com a lógica quando, assumindo-se como conhecedor do local e desempenhando a profissão de motorista e distribuidor, são de realçar as apuradas circunstâncias que o recorrente, e bem, sublinha: o arguido não dispôs apenas de uma fracção de segundo para accionar os travões por se encontrar a apenas a 2 ou 3 metros da passadeira quando a vítima a decidiu atravessar, a vítima seguia pelo passeio junto a essa passadeira e era nesse momento prévio que o arguido deveria ter agido em conformidade, designadamente, accionando os travões, o simples cenário de haver uma pessoa a circular junto de uma passadeira, por si só, deveria ter sido suficiente para o arguido redobrar a sua atenção e a sua cautela, seguia ao volante de um ligeiro de mercadorias (Carrinha de caixa aberta), transportando botijas de gás com um peso total de 600 kg, dentro da localidade de Albufeira, junto ao mercado municipal de Olhos de Água, num local onde existem duas passadeiras no espaço de 25 metros devidamente assinaladas com marcas no pavimento e com sinalização vertical, se tratava da altura mais movimentada do ano, que é o mês de Agosto, como é facto público e notório, trata-se de uma estrada com perfil em recta, sendo que a passadeira em que se deu o embate se encontrava devidamente assinalada com marcas no pavimento e sinalização vertical, é ainda ladeada por edifícios, designadamente de um mercado municipal, que desde logo, faz prever a presença mais ou menos intensa de peões e de veículos e o piso estava seco e as condições de visibilidade eram boas.

E também que o arguido Confiou, quando não deveria ter confiado, que a mesma não atravessaria a passadeira e poderia e deveria o arguido ter adoptado uma velocidade especialmente moderada em relação à velocidade máxima permitida no local.

Com efeito, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do Código da Estrada (CE), “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.

E segundo o art. 25.º do mesmo Código, seu n.º 1, no que aqui releva:

Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:

a) À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes;

c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;”.

Através do seu comportamento, ponderada a prova disponível e à luz das regras da experiência, o arguido descurou tais imposições, que, no contexto, tinha a capacidade de ter acatado, não fora a sua imprudência.

Não deixa de assim ser pela circunstância de que a vítima tivesse iniciado a travessia da passadeira na parte final da mesma, uma vez que, se, por um lado, não era exigível que o fizesse em momento anterior (se bem que tendo em conta a distância que a separasse do veículo, respectiva velocidade e sem perigo de acidente, conforme ao art. 101.º, n.º 1, do CE), também, por outro, acrescida cautela se impunha ao arguido, comparativamente ao peão, por exercer a condução de veículo, actividade propiciadora de perigos, em situação concreta que aconselhava que diferente postura assumisse.

Denotou acção que aumentou a probabilidade do risco de desencadear o resultado lamentável que se veio a verificar.

Sopesada, pois, a globalidade das provas, entende-se que deve operar a visada modificação da matéria de facto, assistindo razão ao recorrente.

Os factos tidos pelo tribunal como não provados, ora impugnados, passam a considerar-se como provados.

Afigura-se que melhor avaliação da prova a tanto conduz, pela análise mais consentânea com o normal acontecer, sem que as declarações do arguido hajam de prevalecer, antes pelo contrário, perante lógica inferência, suportada, além do mais, na concordância dos indícios que se descortina, conducente a definir, ainda que por via indirecta, a matéria em causa.

Trata-se, pois, de apelar, designadamente, a presunção subjacente ao raciocínio que deve imperar.

Ou seja, que, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação, produzidos através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Com efeito, provadas, como ficaram, as específicas condições em que o acidente ocorreu, o embate deveu-se à imprudência do arguido, sendo que não se revelam, de modo algum, causas concretas que o tivessem inibido de actuação diferente, em razão das possibilidades e capacidades de que dispunha.

B)- da consequente condenação do arguido:

Assente a matéria de facto, após modificação, a absolvição do arguido não pode subsistir.

Foi-lhe imputada a prática do crime de homicídio por negligência, cuja previsão consta do art. 137.º, n.º 1, do CP: “Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Assim, constituem elementos do tipo de crime a existência de uma vida humana, a acção de matar, a ocorrência do resultado morte e o nexo de imputação objectiva entre a acção e o resultado, atribuíveis a determinado agente por ter agido de forma negligente.

A morte terá que ser objectivamente imputada à conduta desse agente, supondo a violação de um dever objectivo de cuidado, sendo, pois, necessário que aquele tenha omitido deveres de cuidado e de diligência a que, segundo as circunstâncias, os seus conhecimentos e as suas capacidades pessoais, estava, em concreto, obrigado.

Na verdade, a ordem jurídica, ao impor o dever objectivo de cuidado, está a afirmar, num plano normativo, o verdadeiro sentido onto-antropológico que liga o agir entre os homens.

Não prescinde, objectivamente, da imputação do resultado à conduta do agente, dentro da problemática da causalidade, conquanto com as especificidades de se tratar de um facto meramente culposo fundado na violação desses deveres.

Tal violação, simultaneamente revestindo um juízo de facto e um juízo de valor, deve ser apreciada à luz do grau de diligência exigível ao destinatário da norma, na perspectiva de uma culpa em abstracto, através do padrão do bonus pater familias ou seja, de um homem médio e normal colocado nas circunstâncias que o caso mereça, sem, contudo, esquecer as capacidades individuais do agente.

Esse dever de cuidado revela-se interna e externamente.

A vertente interna determinará o dever de representar ou prever o perigo para o bem tutelado pela norma jurídica e de valorar esse perigo.

O aspecto externo comporta três exigências: (i) o dever de omitir acções perigosas que se mostrem propícias à realização do facto típico, em que cabem as acções empreendidas pelo agente que tenha falta de preparação ou capacidade para as levar a cabo; (ii) o dever de actuar prudentemente em situações perigosas, por comportarem, em si, um perigo inato, mas que são valiosas e indispensáveis do ponto de vista social e no actual contexto da vida em sociedade, em que entronca a margem de risco permitido; (iii) o dever de preparação e informação prévia relativamente à exigência de cada indivíduo se munir, anteriormente à acção que envolve um risco, dos conhecimentos que lhe permita empreendê-la com segurança.

A extensão desses deveres, se bem que reportada ao homem médio do círculo social ou profissional do agente, assenta, igualmente, num critério individualizador e subjectivo, que deve partir do que seria razoavelmente de esperar de um homem com as qualidades e as capacidades do agente.

A implícita adequação, inerente ao conceito de causalidade a que alude o art. 10.º do CP, em vista do resultado, seja por acção, seja por omissão, é avaliada segundo um juízo de “prognose póstuma”, o que significa, conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2004, tomo I, pág. 310, que o juiz se deve deslocar mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras gerais da experiência e o normal acontecer dos factos, a acção praticada teria como consequência a produção do evento. Se entender que a produção do resultado era improvável ou de verificação rara, a imputação não deverá ter lugar.

E como escreveu Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Almedina, 2.ª edição, 1973, vol. I, pág. 748, Em condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo da responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele.

A ideia mestra da causalidade, ou teoria da adequação, é a de limitar a imputação do resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado, pelo que deve ser complementada pela análise da conexão do risco, no sentido de determinar os riscos a cuja produção pode ser razoavelmente referido o tipo objectivo do crime e concluir que o resultado só deve ser imputável à conduta quando esta tenha criado ou aumentado ou incrementado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado típico.

Conforme expressivamente salienta Claus Roxin, in “Problemas Fundamentais de Direito Penal”, págs. 257 e seg., a questão fundamental e decisiva é a seguinte: como se pode reconhecer se uma violação do dever de cuidado à qual se segue uma morte, fundamenta ou não um homicídio negligente? Como método de resposta, proponho o seguinte procedimento: examine-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; faça-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do arguido, e comprove-se então se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação com o risco permitido. Se assim for, existe uma violação do dever que se integra na tipicidade e dever-se-á punir a título de crime negligente. Se não houver aumento do risco, o agente não poderá ser responsabilizado pelo resultado e, consequentemente, deve ser absolvido.

Tal perspectiva materializa-se com acuidade nos crimes ocorridos no âmbito da circulação rodoviária, intimamente ligados à violação do dever objectivo de cuidado traduzida na criação de perigo (essa circulação, em si mesma, actividade perigosa) para um bem jurídico protegido, em que o princípio da confiança - segundo o qual quem se comporta no tráfego de acordo com as normas, deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros, salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo - não pode ser esquecido como critério de delimitação do tipo de ilícito negligente.

Segundo Faria Costa, in “O Perigo em Direito Penal”, pág. 448, o interagir motivado pelo tráfego rodoviário só tem sentido se for compreendido através do princípio da confiança. Mais do que o cumprimento das regras de cuidado, o que importa ter presente é que, objectivamente, vigora a ideia de que qualquer utente da via tem de confiar nos sinais, nas comunicações, dos outros utentes e tem, sobretudo, de confiar, em uma óptica de total reciprocidade, na perícia, na atenção e no cuidado de todos os outros utilizadores da via pública.

Entronca, aqui, inegavelmente, a necessidade de atender-se à previsibilidade objectiva da realização típica, utilizando-se o critério do homem diligente colocado na mesma situação do autor da infracção (H. Jescheck, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, tradução espanhola de S. Mir e F. Muñoz Conde, vol. 2.º, pág. 798), remetendo, aqui, também, num sentido restrito, para aspectos subjectivos da incriminação e conforme à definição da negligência nos termos do art. 15.º do CP.

E quando em presença de acidentes de viação, relevante é, pois, sempre, a apreciação da omissão das regras ou cautelas de que a lei procura rodear a circulação, através das disposições que prevê no CE.

Por seu lado, na vertente da negligência strito sensu, ela contém-se na culpa, assentando no nexo existente entre o facto e a vontade do agente, definida como exprimindo um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, nas circunstâncias apuradas.

Atende ao respectivo dever de cuidado e à previsibilidade individual de realização típica, isto é, se o agente, de acordo com a sua capacidade individual, estava em condições de satisfazer as exigências objectivas de cuidado e de prever o resultado.

Com efeito, o condutor prudente terá em atenção todas as condicionantes relativas às características e estado de conservação do veículo e, bem assim, à intensidade do tráfego, ao estado de conservação da via, às condições atmosféricas e de luminosidade, sem deixar de atentar na sua própria capacidade de reflexos e de acção.

Para que se verifique a negligência, necessário é, pois, que se conclua ter o agente omitido os deveres e as diligências a que, nessas circunstâncias e segundo os seus conhecimentos pessoais, estava obrigado e que não tenha previsto, como podia, a realização do crime (negligência inconsciente) ou, tendo-a previsto, confiou em que não teria lugar (negligência consciente).

Conforme ao acórdão do STJ de 06.11.2003, in www.dgsi.pt, age com culpa consciente quem prevê a produção do facto ilícito danoso, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não tomou as providências necessárias para o evitar; e age com culpa inconsciente aquele que, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão não chegou a conceber a sua produção, mas podia e devia prevê-la, se usasse da diligência devida.

Em síntese, acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 634, O tipo de ilícito do facto negligente considera-se preenchido por comportamento sempre que este discrepa daquele que era objectivamente devido em uma situação de perigo para bens jurídico-penalmente relevantes, para deste modo se evitar uma violação juridicamente proibida.

Revertendo, então, ao caso concreto, em que, propriamente, a relação de causalidade entre, por um lado, a acção e o resultado e, por outro, as lesões e esse resultado, ficou demonstrada, o arguido, independentemente de que não circulasse a velocidade não permitida no local (cfr. art. 27.º do CE), incorreu em infracção às regras previstas nos arts. 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CE, ao não ter usado dos meios adequados para permitir que a vítima continuasse a travessia da faixa de rodagem, em condições em que o poderia ter feito, não fosse a circunstância de ter-se revelado imprudente.

Como tal, a sua condenação impõe-se.

Procede-se, ora, à devida aplicação da pena (quer da pena principal, quer da pena acessória por força do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do CP), já que existem dados bastantes para o efeito.

Assim, sendo o crime punível com prisão ou multa, entende-se que, não obstante a preferência geral pela aplicação de penas não privativas da liberdade (art. 70.º do CP), exigências de prevenção geral aconselham, em concreto, a cominação de pena de prisão.

Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 52/53, o sistema sancionatório do nosso CP assenta na concepção básica de que a pena privativa da liberdade – sendo embora um instrumento de que os ordenamentos jurídico-penais actuais não conseguem ainda infelizmente prescindir – constitui a ultima ratio da política criminal (…) bem pode afirmar-se que o CP vigente deu realização (…) aos princípios político-criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, revelando ao mesmo tempo a sua oposição de princípio à execução contínua de penas curtas de prisão.

E também, ob. cit., pág. 72, só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (…) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.

Sem descurar tais parâmetros - apesar de, na vertente da prevenção especial, atentando nas condições pessoais do arguido, na sua revelada responsabilidade cívica pela situação e na ausência de antecedentes criminais, tendencialmente se admitir que as exigências não elevadas consentissem a aplicação de multa -, o flagelo da sinistralidade rodoviária no País e a protecção de bens pessoais assumem cada vez mais acuidade, justificando, pois, a proporcionalidade de medida privativa da liberdade.

Optando-se, assim, pela prisão, a pena concreta é determinada, dentro dos limites legais em apreço (um mês a três anos), em sintonia com as finalidades previstas no art. 40.º, n.º 1, do CP.

Essas finalidades - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime, devendo levar-se em conta que, conforme ao n.º 2 desse art. 40.º, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Segundo Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Conforme Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, em Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pp.25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

De qualquer modo, por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui aquele limite inultrapassável; como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Ainda, acompanhando Figueiredo Dias, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., págs. 231 e 214.

Em síntese, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Dentro de todo este cenário que norteia qualquer pena, afigura-se, em concreto, que as finalidades de prevenção, na sua globalidade, se revelam medianas, além de que a culpa se coloca a nível idêntico, não se descurando que o arguido incorreu em conduta lesiva de mais do que uma infração estradal.

Atenta-se, ainda, em que denota estar inserido socialmente e com modesta condição económica.

Justifica-se, então, a aplicação da pena de 10 meses de prisão.

Ao abrigo do art. 50.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a sujeição a prisão não se mostra necessária, dando-se prevalência a medida substitutiva, no caso, a suspensão da sua execução.

Consubstancia medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que tem a virtualidade, além do mais, de dar expressão a que a prisão (e sua execução) constitui ultima ratio da punição, apesar de limitada pela salvaguarda das referidas finalidades punitivas.

Crê-se na prognose favorável da futura conduta do arguido, cuja acção, inevitavelmente, redundou como ocasional.

A sua postura de responsabilização constitui acrescido sintoma que contribui para que assim se deva entender.

A pena fixada será, pois, suspensa na execução pelo período de 1 ano, nos termos do n.º 5 daquele art. 50.º.

Finalmente, no que concerne à pena acessória, de proibição de conduzir veículos com motor, conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., pág. 165, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano.

Razões de política criminal levaram o legislador a prevê-la como consequência da prática de crime com violação das regras de trânsito rodoviário, ainda que indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dada a sua natureza de consequência da prática de um crime e que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, é sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite, desse modo, o reforço e a diversificação do conteúdo penal da condenação.

Os respectivos limites situam-se no mínimo de três meses e no máximo de três anos.

Remete-se para as considerações já aduzidas, uma vez que a sua determinação obedece identicamente aos definidos critérios, em obediência ao princípio acessorium principale sequitur.

Assim, a sua medida não deixa de ter por subjacente o art. 40.º, n.º 1, do CP, enquanto norteador das suas finalidades, se bem que o propósito de reinserção social não assuma o relevo que, ao nível da pena principal, deve ser respeitado.

E ainda que lhe sendo presente a finalidade de protecção do perigo inerente à condução em violação daquelas regras, a medida da culpa funciona como seu pressuposto axiológico-normativo (n.º 2 daquele art. 40.º).

A resposta punitiva tem de merecer a aceitação da comunidade e ser adequada a que o arguido sinta censura suficiente ao seu comportamento, com efeito útil de dissuasão de reiteração da conduta, mas sem que, em concreto, deva assumir dimensão que, atendendo à sua profissão, o onere excessivamente.

Tem-se por adequada a proibição de conduzir pelo período de 6 meses.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, assim,

- determinar a modificação da matéria de facto nos termos sobreditos e, por isso,

- revogar a sentença na parte em que absolveu o arguido do crime de homicídio por negligência;

- em substituição:
- condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p pelo art. 137.º, n.º 1, do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses;

- condenar o arguido nas custas, com taxa de justiça de 4 UC.

Processado e revisto pelo relator.

5.Fevereiro.2019

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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)