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TÍTULO EXECUTIVO
ARRENDAMENTO
Sumário
Sumário (da responsabilidade do relator - art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil Adiante designado pela sigla “CPC”.):
I– O título executivo a que se reporta o art. 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador).
II– A comunicação referida em I- está sujeita às regras previstas no art. 9º, nº 1 do NRAU, o que significa que deverá ser remetida por carta registada com aviso de receção.
III– Não sendo observada a forma mencionada em II- ocorre o vício da manifesta falta de título executivo, justificando o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos previstos no art. 726º, nº 2, al. a) do CPC.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
A., Lda, e A’., Lda, instauraram execução para pagamento de quantia certa contra B..
Explicam que a segunda exequente é procuradora da primeira.
Apresentam como título executivo: –cópia de um “contrato de arrendamento renda livre”, que a primeira exequente, representada pela segunda outorgou na qualidade de senhoria, e que a executada outorgou na qualidade de fiadora (fls. 4 a 6) – cópia de uma carta onde consta como destinatária a executada, datada de 11-01-2018, e na qual lhe é comunicado, nomeadamente, que se encontra “por liquidar 13.088,51 (…) correspondentes a 1.– Rendas de fevereiro 2015 a abril 2017. 2.– Indemnização de 50% por mora no pagamento das rendas de setembro 2014 a abril 2017. 3.– Condomínios de janeiro 2015 a abril 2017 4. Reparações do apartamento” “tudo conforme melhor elucidado no extrato de movimentos em aberto, composto de 3 fls., que se anexa e dá por reproduzido”. –cópia de três comunicações escritas datadas de 12-10-2017, dirigidas a F., e que referem “movimentos em aberto manifestados na V/ conta corrente” (fls. 8, 8 v, e 9) –cópia do registo de uma carta dirigida à executada, com carimbo de 17-01-2018, onde consta o nº de registo RH050781905PT – print da página internet dos CTT, onde consta que a carta com o registo RH 0507 8190 5 PT foi entregue em 18-01-2018, às 11:32 Esclarecem que o crédito exequendo diz respeito a rendas vencidas e não pagas pela inquilina, entretanto falecida, indemnização por mora, condomínios, e reparações no locado.
Indicam como montante da quantia exequenda a quantia de €13.088,51, correspondentes a: – rendas de fevereiro de 2015 a abril de 2017 (€260 x 27); –indemnização por mora, no valor de 50% das rendas de setembro de 2014 a abril de 2017 (€32 x € 130); – condomínios de janeiro 2015 a abril 2017 (€218,68); – reparações no apartamento (€1.180,00).
Aberta conclusão com vista à prolação de despacho liminar, em 16-10-2018 foi proferido o despacho com a refª 380287672, cuja cópia se acha a fls. 17 a 19, no qual se decidiu nos seguintes termos: “A presente execução tendo em conta que se baseia em título extrajudicial e face ao respectivo valor, segue a forma ordinária e não a sumária (art.550.º do CPC). A exequente indicou a forma sumária, pelo que, há erro na forma de processo. Assim, determino que a execução siga a forma correcta, a ordinária. Custas pela exequente com 1/2 UC de taxa de justiça. Corrija a espécie/distribuição e a capa de processo. ***
A. vem instaurar a presente execução contra B. invocando o título executivo previsto no art.15.º n.º 2 do RAU.
Vejamos:
O art.15.º n.º2 do RAU, vigente à data da instauração da execução, diz-nos que o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida, é título executivo para a acção de pagamento de renda. Vimos entendendo que tal norma abrange o fiador desde que sejam, em relação a este, cumpridos os mesmos requisitos que são exigidos quanto ao arrendatário. Prevê-se em tal normativo um titulo executivo especial, complexo, porque apenas existe da conjugação dos documentos aí previstos, não valendo isoladamente nem o contrato de arrendamento nem a dita comunicação. O titulo executivo em que se baseia a execução tem que ser efectivamente junto pelo exequente sob pena da execução não poder prosseguir por falta de título, não podendo tal junção ser dispensada nem se podendo presumir, seja por que meio for, a existência do título. A junção do título executivo é condição indispensável à execução. E tal título só existe e se forma da conjugação dos diversos elementos que o compõem. No caso concreto visto o que consta dos autos, verifica-se que a exequente junta carta enviada à executada, fiadora, mas não comprovativo do recebimento dessa carta, ou seja, o aviso de recepção. A carta foi enviada apenas registada sem aviso de recepção. As formas como devem operar as comunicações a efectuar no âmbito do RAU são as que estão previstas no art.9.º do mesmo, pelo que, a regra é que a comunicação se faça por carta registada com aviso de recepção (n.º1 do citado artigo). Ademais para efeitos de criação do título executivo que é integrado por tal comunicação não pode a mesma ser dispensada nem, como já se aflorou, ser substituída por outra forma menos solene do que a exigida por lei, na medida em que o título executivo tem que corresponder exactamente ao que está legalmente previsto, pelo que, não pode ser omitida a dita comunicação com as exigências legais, sob pena de perigar a própria existência de título. Assim não se pode prescindir da comunicação por carta registada com aviso de recepção, nem considerar que apesar de não haver aviso de recepção demostrativo do recebimento a executada recebeu a comunicação. Nesta sede a forma, porque dela resulta o título, sobrepõe-se a eventual possibilidade de a carta ter sido recebida. Resulta pois da lei que para que a comunicação do montante em divida se considere eficazmente efectuada o senhorio tem que enviar carta registada com AR. Não o tendo feito inexiste comunicação suficiente para constituição de titulo executivo. Daqui decorre que o exequente não está munido de título executivo nos termos do art.15.º n.º2 que lhe permita cobrar coercivamente a quantia em causa. A execução que careça de título executivo não pode prosseguir, devendo ser indeferido liminarmente o requerimento executivo. Pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento executivo. Custas pela exequente. Notifique e registe.”.
Inconformadas com tal decisão, vieram as exequentes dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: “ 1– O recurso versa matéria de Direito e reporta-se à segunda metade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, isto é, à parte que se reporta à (suposta) inexistência de título executivo e consequente decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo. 2– Em síntese, o Tribunal recorrido entendeu que o requerimento executivo foi instaurado invocando o título executivo previsto no art. 15º, nº 2 do NRAU. 3– E que, em cumprimento do art. 9º do RAU, a comunicação feita à executada/fiadora deveria ter sido por carta registada com aviso de receção e não apenas registada. 4– Que o título tem de corresponder exatamente ao que está legalmente prescrito e, quando tal não ocorre, inexiste comunicação suficiente para constituição do título. A forma, porque dela resulta o título, sobrepõe-se à eventual possibilidade de a carta ter sido recebida. 5– Daqui decorre que o exequente não está munido do título executivo nos termos do art. 15º, nº 2 que lhe permita cobrar coercivamente a quantia em causa. A execução que careça de título executivo não pode prosseguir, devendo ser indeferido liminarmente o requerimento executivo. 6– Não se pode concordar com tal sentença de indeferimento liminar do requerimento executivo porquanto enferma de vícios que a inquinam em absoluto, porque violadores da Lei. 7– As exequentes deram entrada a requerimento executivo no dia 07 de maio de 2018, de acordo com a Lei então vigente. 8– Decorre do requerimento executivo, a que foi atribuído o nº de Poc.11637/18.1T8LSB, que se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos, 9– Que a Finalidade da execução (é o) pagamento de quantia certa – Dívida Civil 10– O Título Executivo (o previsto no) Artigo 14º A NRAU.
11–Os Factos (alegados na execução, com relevo) que: a)- A 19 de maio de 2003 A. Lda., representada por A’. Lda., celebrou com F., na qualidade de inquilina, contrato de arrendamento para habitação da fração autónoma designada pela letra AA, correspondente ao apartamento nº ..., 3º piso, lote Nº..., prédio em regime de propriedade horizontal sito em Rua …, Leiria, matriz predial urbana antigo art. … - AA/Marrazes (atual União de Freguesias de Marrazes e Barosa)(doc. 1 – contrato de arrendamento) b)- A ora executada B. outorgou o contrato de arrendamento na qualidade de fiadora e principal pagadora, nos termos do art. 14º do contrato. Logo renunciou ao benefício de excussão prévia. c)- A renda mensal contratada foi de 235,00€ (…) acrescida de condomínio, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito. A renda, com as atualizações, atingiu os 260,00€ (…). d)- A inquilina faleceu, entretanto, segundo A’. Lda. teve conhecimento. e)- Contudo deixou por liquidar 13.088,51€ (…) sendo: (doc. 3) Rendas de fevereiro 2015 a abril 2017 – (27 meses x 260,00€) 50% indemnização por mora no pagamento das rendas de setembro 2014 a abril 2017 inclusive – (32x130,00€) Condomínios de janeiro 2015 a abril 2017 – 218,68€ Reparações no apartamento – 1.180,00€ (nos termos da cláusula 12ª do contrato) f)- Conforme discriminado na carta de interpelação e extrato de movimentos em aberto a ela anexa, enviada em correio registado à executada B., a 11 de janeiro de 2018, e recebida, que se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos (doc. 2 – carta à executada, doc. 3 – extrato de movimentos em aberto, doc. 4 – registo CTT, doc. 5 – página do site dos CTT comprovativa da entrega da carta) g)- Assim, à data de hoje encontram-se em dívida os seguintes valores: Valor do título executivo:13.088,51€ Taxa de justiça da execução: 25,50€ Total: 13.114,01€ h)- O contrato de arrendamento e a carta registada a comunicar a dívida e interpelar o arrendatário (e os fiadores), com os valores a pagar devidamente discriminados, é título executivo nos termos do art. 14º-A do NRAU (anterior art. 15º, nº 2 NRAU) (seguida de transcrição integral do art.14º-A NRAU) i)- Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 1442/12.4TCLRSB.L1.S1, de 26.11.2014, 7ª secção, disponível em http:/www.dgsi.pt: (seguido de transcrição parcial do acórdão) j)- Termos em que se requer o prosseguimento da presente execução para penhora de k)- bens, direitos, valores, créditos, suficientes para o pagamento de todos os valores l)- vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
12–As exequentes/recorrentes deram entrada ao requerimento executivo com base no título executivo composto previsto no art.14º-A do NRAU (e não no art. 15º RAU), contrato de arrendamento e comunicação de interpelação para pagamento. 13–No formulário Citius de requerimento executivo na indicação do título executivo selecionaram a opção: Artigo 14º A NRAU. 14–No ponto 12 dos Factos afirmaram “O contrato de arrendamento e a carta registada a comunicar a dívida e a interpelar o arrendatário (e os fiadores), com os valores devidamente discriminados, é título executivo nos termos do art. 14º-A do NRAU(anterior art. 15º, nº 2 do NRAU). E transcreveram o art. 14º - A do NRAU. 15–No ponto 13 dos Factos citaram acórdão do STJ de 2014, esse sim, fazendo referência ao antigo art. 15º, nº 2 do NRAU. 16–No ponto 12 já se tinha ressalvado que o atual art. 14º- A NRAU correspondia ao antigo art. 15º, nº 2 do NRAU (redação da Lei 6/2006 de 27/02, retificação nº 24/2006 de 17/04) e ao citar o acórdão apenas se pretendia apelar à douta jurisprudência deste, aplicável face ao atual NRAU. 17–Em momento algum as exequentes tiveram intenção de dar entrada a execução com base em título previsto no atual art. 15º, nº 2 do NRAU, nem conseguiriam porquanto a Plataforma Citius NÃO DISPONIBILIZA a opção “art. 15º, nº 2 do NRAU”, SOMENTE a opção 14º- A do NRAU”! 18–Acresce, o atual art. 15º do NRAU, reporta-se ao procedimento especial de despejo destinado a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes e, no seu nº 2, enumera o que pode servir de base ao procedimento especial de despejo. 19–O que nada tem a ver com a causa de pedir e pedido da presente execução, que se destina unicamente ao pagamento de quantia certa (dívida civil). 20–Termos em que a sentença recorrida, devido a um juízo de valor apressado da matéria enunciada pelas exequentes e fazendo tábua rasa dos termos do formulário executivo tipo disponibilizado no Citius - impeditivo de uma execução em que o título executivo fosse “Art. 15º NRAU” - parte do errado pressuposto que a execução se baseia no atual art. 15º do NRAU quando, na realidade se baseia no art. 14º-A do NRAU. 21–Defende a sentença recorrida que a comunicação a interpelar a executada deveria ter sido feita por carta registada com aviso de receção, conforme previsto no art. 9º do NRAU. 22–Uma vez mais incorre em errada interpretação e violação da Lei. 23–O art. 9º do NRAU é taxativo e aplica-se unicamente às situações ali previstas: cessação do contrato de arrendamento, atualização de renda e obras. 24–No caso sub iudice o título dado à execução refere-se unicamente à cobrança de valores e rendas, indemnização e reparações em atraso e destina-se somente a essa finalidade. 25–Como referido no ponto 7 dos Factos e na carta de interpelação para pagamento a inquilina F. faleceu e as chaves da fração locada foram entregues à senhoria, 26–Requer-se a junção ao presente recurso, nos termos do disposto no art. 651, nº 1, 2º parte do CPC, em face ao teor da sentença, e para que dúvidas não restem que quando se enviou comunicação, a 11 de janeiro de 2018, não estava em causa a cessação do contrato de arrendamento mas tão só cobrança da dívida, do documento que é rescisão contratual apresentado pela filha da inquilina (a executada B.) a 20 de janeiro de 1017 e do Assento de óbito que certifica que a inquilina faleceu no dia 10 de janeiro de 2017 (doc. 1 e 2) 27–Não está em causa a cessação de contrato, o contrato cessou com a morte da inquilina, e a entrega das chaves e rescisão do contrato pela sua filha, precisamente a fiadora e ora executada B. 28–Unicamente cobrança de valores e, quanto à forma como deve ser feita a interpelação para pagamento, o art. 14º-A do NRAU é omisso, apenas referindo “comunicação”. 29–As exequentes enviaram à fiadora – não o poderiam ter feito à inquilina, já falecida – carta de interpelação para pagamento com todos os valores a liquidar discriminados. 30–A comunicação foi enviada por correio registado tendo sido junto ao processo a carta, o registo CTT e página do site dos CTT a comprovar a entrega da carta no destinatário. 31–Como resulta das consultas entretanto realizadas pela Agente de Execução à Segurança Social, Finanças e até da procuração junta aos autos pelo I. Mandatário da executada a morada para onde foi enviada a comunicação das exequentes corresponde à morada da executada. 32–Pelo que a receção da carta não se trata de uma mera presunção. Poderia, nesse caso, dizer-se o mesmo se carta registada com aviso de receção em que o aviso tivesse sido assinado por terceira pessoa. 33–Neste sentido douto Acórdão do TRC, de 05.02.2013, Proc. 643/11.7TBTND-A.C1, relator Exmo. Sr. Dr. Arlindo Oliveira, que sobre se o título dado à execução possui força executiva defende: (…) 34–Termos em que, andou mal o Tribunal a quo quando decidiu que a execução foi intentada com fundamento no atual art. 15º do NRAU. 35–Assim como andou mal ao decidir que a forma de comunicação prevista no art. 9º do NRAU, que se limita taxativamente aos casos de obras, aumento de rendas e cessação de contratos de arrendamento, se aplica à comunicação prevista no art. 14º -A do NRAU quando, é apodítico, este dispositivo nada refere quanto à forma da comunicação. 36–Ao contrário, deveria o Tribunal ter decidido que a execução foi interposta tendo por base o título executivo bastante e com forma, previsto no art. 14º -A do NRAU. 37–E que a comunicação feita pela Mandatária das exequentes, a interpelar a fiadora/executada para o pagamento dos valores devidamente discriminados, por carta registada, tendo junto aos autos a carta, talão de registo CTT e página do site dos CTT comprovando a entrega ao destinatário é titulo executivo bastante, nos termos do 14º NRAU, 219º CC, 703º, nº 1 CPC e art. 9º NRAU a contrário. 38–A sentença do Tribunal a quo é violadora do disposto nos art. 9º, art. 14º- A e art. 15º todos do NRAU atual. Bem como art. 219º do CC, arts.703º, nº 1d) do CPC. 39–Deveria o Tribunal a quo ter decidido que o título dado à execução é suficiente e ordenado o prosseguimento dos autos com a citação da executada. “. Rematam as suas conclusões sustentando que “(…) deve (…) ser a sentença objeto de recurso revogada e substituída por douto Acórdão que julgue o título dado à execução suficiente e, consequentemente, admita o requerimento executivo e ordene o prosseguimento dos autos de execução até pagamento integral das exequentes,” Admitido o recurso, a recorrida não apresentou contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II–QUESTÕES A DECIDIR.
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC2013, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[2]).
Não obstante, ressalvadas as referidas questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[3].
No caso em análise, a única questão a decidir reside em determinar se os documentos juntos com o requerimento executivo constituem título executivo. III–OS FACTOS. Os factos a considerar são os constantes do relatório que antecede. V–OS FACTOS E O DIREITO.
A–Do título executivo Estabelece o art. 45º do CPC1961 que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Como ensina LEBRE DE FREITAS[4], “(…) o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (art. 45-1), isto é o tipo de acção (…) e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela (55-1), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (arts. 803 a 805), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (art. 802).”.
Assim, sempre que a obrigação exequenda não se mostre devidamente acobertada por um título executivo, ou exceda os seus limites, verifica-se o vício de falta de título executivo, o qual pode ser total ou parcial.
Sendo manifesta a falta de título executivo, tal constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 812º-E, nº 1, al. a) do CPC1961) ou, caso o vício seja detetado posteriormente, mas antes de ocorrer o primeiro ato de alienação de bens penhorados, legitima a rejeição da execução (art. 734º do CPC2013).
Quer o indeferimento do requerimento executivo, quer a rejeição da execução poderão ser totais ou meramente parciais – vd. art. 812º-E, nº 2 do CPC1961.
No caso vertente, a execução tem por título executivo um contrato de arrendamento, e a título complementar, uma carta de interpelação para pagamento de quantias em dinheiro a título de rendas, indemnização de 50%, e reparações no locado, carta essa remetida à fiadora da arrendatária.
No caso vertente, as exequentes invocam expressamente o art. 14º-A do NRAU[5], pelo que os títulos executivos dados à execução deverão buscar a sua “legitimação” enquanto tal na categoria de documentos a que lei especial reconhece natureza executiva, nos termos do disposto no art. 703º, al. d) do CPC, a conjugar com aquela disposição legal.
Com efeito, estabelece o último preceito que “à execução (…) podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, enquanto que o primeiro dispõe que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado de comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos, ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Esta última disposição legal confere, pois, a natureza de título executivo ao contrato de arrendamento, conjugado com o comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Trata-se, pois, de um título executivo composto, integrado pelo contrato de arrendamento, e pela comunicação ao devedor.
Na decisão recorrida a Mmª Juíza a quo reporta-se ao art. 15º, nº 2 do NRAU, fazendo-o erroneamente, porquanto a carta cuja cópia foi junta com o requerimento executivo ostenta a data de 11-01-2018, sendo certo que desde a primeira alteração daquele diploma, a norma em apreço se autonomizou, passando a integrar o art. 14º-A.
Seja como for, tendo a Mmª Juíza a quo referido expressamente o teor da norma que invocou, e sendo o seu teor idêntico ao do art. 14º-A do NRAU na redação vigente à data da propositura da execução, cumpre apreciar a questão suscitada no presente recurso à luz desta disposição legal.
A decisão recorrida abordou duas questões relativas ao título executivo: a questão de saber se o mesmo se forma também relativamente ao fiador, e a relativa à forma da comunicação a que se reporta o art. 14º-A do NRAU.
Relativamente à primeira questão, o Tribunal a quo respondeu afirmativamente, sem se alongar na fundamentação.
Quanto a esta questão diremos apenas que a mesma tem suscitado respostas distintas na doutrina e na jurisprudência, descortinando-se claramente duas teses.
Com efeito, para parte da doutrina e da jurisprudência, a norma em apreço aplica-se apenas ao arrendatário (neste sentido cfr., na doutrina, RUI PINTO DUARTE[6], FERNANDO GRAVATO MORAIS[7], e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[8]; e na jurisprudência vd. acs. RP 24-04-2014 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 869/13.9YYPRT.P1 (com 1 voto de vencido), e RL 18-09-2014 (Ezaguy Martins), p. 6126/12.0TCLRS .L1-2. Entre outros argumentos, aponta-se a letra do preceito que refere expressamente a comunicação ao arrendatário, a necessidade de interpretar estritamente as normas que atribuem a natureza de título executivo a determinados documentos, e ainda o elemento histórico da interpretação, visto que aquando da revisão do diploma em apreço, em 2012, a questão já se discutia amplamente na doutrina e jurisprudência, pelo que o legislador teve oportunidade de consagrar expressamente a possibilidade de o título executivo se formar também relativamente ao fiador, não o tendo feito.
Não obstante esta questão não tenha sido suscitada no recurso em análise, estando em causa a questão da exequibilidade do título e não estado este Tribunal vinculado à qualificação jurídica que as partes e o Tribunal recorrido atribuíram aos factos em discussão diremos apenas que subscrevemos a posição manifestada no Tribunal recorrido, seguindo a tese maioritária da jurisprudência. Aqui chegados, cumpre agora apurar se a comunicação a que se reporta o art. 14º-A está sujeita a forma especial e, em caso afirmativo, qual a consequência da inobservância da mesma.
Vejamos então.
Como já referimos, o art. 14º-A do NRAU consagra um título executivo composto, constituído pelo contrato de arrendamento e pela interpelação ao devedor (o qual, já o admitimos, poderá ser o arrendatário ou o fiador).
A questão reside em determinar qual a forma dessa interpelação, ou seja, usando as expressões do preceito em apreço, qual a forma da “comunicação” do “montante em dívida”.
Tratando-se de um título executivo extrajudicial, habilitado como tal ex vi do art. 703º, nº 1, al. d), que se reporta a “documentos”, cremos ser manifesta e inequívoca a exigência de forma escrita.
Por outro lado, considerando que o art. 14º-A do RAU versa sobre uma comunicação recetícia, importa ainda apurar como deve fazer-se a prova da receção da mesma.
Na decisão recorrida considerou o Tribunal a quo que tal comunicação está sujeita às exigências de forma consagradas no art. 9º do NRAU, o qual estipula, no seu nº 1 que “salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção”.
E verificando a inobservância de tal forma, concluiu o mesmo Tribunal que os documentos juntos com o requerimento executivo não constituem título executivo.
As recorrentes insurgem-se contra este entendimento, sustentando que este preceito não se aplica no contexto do art. 14º-A do NRAU, na medida em que, como expressamente se refere no nº 1 do art. 9º, aquelas exigências de forma apenas se aplicam a comunicações que digam respeito a cessação do contrato, atualização de rendas, e obras, sendo certo que a comunicação referida no art. 14º-A do NRAU não se enquadra em nenhuma das referidas categorias.
Em abono dessa tese invocam o acórdão RC de 05-02-2013 (Arlindo Oliveira), p. 643/11.7TBTND-A.C1, onde se considerou que “o artigo 9.º, do NRAU dispõe apenas para os casos de resolução do contrato de arrendamento, como do mesmo resulta. Colhendo os ensinamentos de Maria Olinda Garcia, in A Nova Disciplina Do Arrendamento Urbano, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, a págs. 93 e 94, este preceito disciplina as comunicações entre as partes em matéria de actualização de rendas, obras e extinção do contrato, tendo o modo de comunicação do seu n.º 7 um âmbito de aplicação limitado, valendo apenas para os casos de resolução do contrato, nos termos do artigo 1084.º, n.º 1 do CC, motivada por especiais razões de certeza e segurança inerentes a uma comunicação destinada a receber o contrato.
Assim, não se aplica à situação sub judice o disposto no artigo 9.º, n.os 1 e 7 do NRAU.”.
Contudo, este não é o único entendimento sustentado sobre esta matéria, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Com efeito, comentando o art. 15º, nº 2 do NRAU na sua redação originária, que atualmente corresponde ao art.º. 14º-A do mesmo diploma dizem LAURINDA GEMAS, ALBERTINA PEDROSO e JOÃO CALDEIRA JORGE[11]: “Quanto à comunicação a que se refere o n.º 2 do art. 15.º. pensamos que se deve aplicar analogicamente o disposto no art.º 9.º, n.º 1, bem como o art.º 10º, n.ºs 2 e 3, da Lei 6/2006. Com efeito, não nos parece que possa integrar o título executivo outra qualquer forma de comunicação que ofereça menos garantias do que as resultantes destes dispositivos legais”.
A nosso ver, é este o entendimento que, à luz da atual redação dos arts. 14º-A, 9º, e 10º do NRAU, melhor traduz o sentido destes preceitos.
Com efeito, muito embora o art. 9º não refira expressamente os casos de formação de título executivo relativamente a créditos emergentes de rendas, mal se compreenderia que não os abrangesse, uma vez que a forma especial ali consagrada se aplica expressamente às comunicações de atualização da renda. Que lógica teria um sistema em que, para comunicar um aumento de renda, o senhorio tem que remeter ao arrendatário uma carta registada com aviso de receção, mas para o interpelar para pagar rendas em dívida, dispensaria essa forma, quando tal interpelação, conjugada com o contrato de arrendamento, configura título executivo?
À luz destas considerações, diríamos que a interpretação extensiva ou aplicação analógica dos arts. 9º e 10º do NRAU aos casos previstos no art. 14º-A por si só justificaria optar pela tese sustentada por LAURINDA GEMAS e.o., e consagrada nos dois acórdãos supra citados.
E nem se diga que a prova apresentada pelas exequentes tem valor idêntico à exigida nos termos do art. 9º do NRAU, na medida em que este preceito pressupõe um aviso de receção assinado pelo destinatário, ao passo que as recorrentes apresentam um documento que sustentam ser impressão da página internet dos CTT, onde se refere a entrega da carta, mas que, para além de constituir uma prova prestada por terceiro, e não pelo destinatário, não atesta quem recebeu a missiva.
Mas a este argumento um outro se junta.
Com efeito, a atual redação do nº 1 art. 10º do NRAU estabelece que a carta registada com aviso de receção a que se reporta o nº 1 do art. 9º se considera realizada ainda que o destinatário se recuse a recebê-la ou o aviso de receção seja assinado por pessoa diferente do destinatário.
E a al. b) nº 2 do mesmo preceito refere que “o disposto no nº anterior não se aplica às cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas (…), nos termos dos artigos 14.º-A (…).”
O que se retira deste preceito é pois que o art. 9º, nº 1 se aplica às comunicações previstas no art. 14º-A, embora não se aplique a estas situações o estatuído no nº 1 do art.- 10º.
Estando em causa a formação de um título executivo, todas as formalidades consagradas na lei devem considerar-se ad substantiam.
Assim sendo, não tendo as exequentes remetido à executada carta registada com aviso de receção, não dispõem de título executivo contra esta.
Nos termos do disposto no art. 726º, nº 2, al. a) do CPC, a manifesta falta de título executivo constitui fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo.
Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao decidir nesse sentido.
Termos em que se conclui pela total improcedência do presente recurso. VI–DECISÃO Por todo o exposto, acordam os juízes nesta 7ª Vara Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente, e em consequência, confirmar integralmente a decisão recorrida. Custas pelas recorrentes.
[1]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116. [2]Adiante designado pela sigla “CPC”. [3]Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116. [4]“A acção executiva – Depois da reforma”, Coimbra Editora, 2004, p. 35. [5]Lei nº 6/2006, de 27-02, retificada pela Decl. Retif. 24/2006, de 17-04, e alterada pela Leis nºs 31/2012, de 14-08; 79/2014, de 19-12; 42/2017, de 14-06; 43/2017, de 14-06; 12; 12/2019, de 12-02, e 13/2019, de 12-02. As alterações inseridas em tal diploma pelas duas últimas leis invocadas são obviamente inaplicáveis ao caso dos presentes autos. [6]“Manual da execução e despejo”, Coimbra Editora, 2013, pp. 1164-1665. [7]“Cadernos de Direito Privado”, nº 27, pp. 57 ss., e “Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, pp. 76 ss. [8]“Leis do arrendamento urbano anotadas”, Almedina, 2014, p. 406. [9]Decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-12-2008 (Manuel Tomé Soares Gomes). [10]“Arrendamento urbano – Novo regime anotado e legislação complementar”, 3ª Ed., Quid Juris, 2009, p. 70. [11]Ob. cit, p. 70. [12]Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.