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PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
NULIDADE
PRINCÍPIOS
DECISÃO SURPRESA
Sumário
1.– O Procedimento Especial de Despejo (PED), regulado nos Art.s 15.º a 15.º-S do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27/2, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 31/2012 de 14/8 e 79/2014 de 19/12, é um processo especial que não segue os termos do processo declarativo comum, não existindo nele a formalidade relativa à realização duma audiência prévia.
2.– No PED não há nulidade do processado por alegada omissão de convocação de audiência prévia.
3.– Findos os articulados, tendo o Tribunal a quo notificado as partes para, querendo, pronunciarem-se sobre o mérito da causa, advertindo-as que os autos forneciam os elementos suficientes para conhecer do fundo da causa, sem que as partes nada tenham dito, não há qualquer violação do princípio do contraditório, ou dos direitos constitucionais de acesso à justiça, à defesa ou à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no Art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
4.– O princípio da concentração dos fundamentos da defesa na contestação e o princípio da preclusão, consagrados no Art. 573.º do C.P.C., aplicam-se, por analogia e por maioria de razão, ao procedimento especial de despejo, já que o mesmo prevê apenas um articulado para o Requerido deduzir a sua oposição.
5.– Não tendo o Requerido invocado no articulado de oposição que nessa data já havia sido declarado insolvente, preclude-se esse meio de defesa contra o pedido de reconhecimento da validade da resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas anteriores à declaração de insolvência.
6.– A invocação desse facto apenas em alegações de recurso, traduz-se numa questão nova que não pode ser objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação como exceção à procedência dos pedidos de reconhecimento de resolução do contrato e consequente despejo.
Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC – Da responsabilidade exclusiva do relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
B. intentou junto do Balcão Nacional de Arrendamento o presente procedimento especial de despejo contra A. e esposa, A’., pedindo o despejo da casa onde ambos os R.R. residem, em consequência da notificação para resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, nos termos do n.º 3 do Art. 1083.º do C.C., tendo por fundamento o não pagamento das rendas referentes aos meses de Fevereiro de 2010 a Outubro do ano de 2014, num total de €180.120,00 em dívida à data da comunicação dessa resolução, verificada em 28/10/2014.
Cumprido o contraditório, os R.R. apresentaram oposição, na qual alegaram a exceção de litispendência por motivo da pendência de processo com o n.º 597/14.TVLSB, no qual era pedida a nulidade do contrato de arrendamento por simulação. Invocaram ainda a inadmissibilidade do procedimento especial de despejo por o mesmo só se aplicar aos arrendamentos celebrados após a entrada em vigor desse tipo de processo; a compensação de créditos por força de adiantamentos que fizeram por conta das rendas que haviam inicialmente pago; tendo também apresentado defesa por impugnação, reforçando que o contrato teria sido simulado e não seria válido nos termos em que se encontra redigido.
Notificada a Requerente para, querendo, exercer o contraditório, a mesma defendeu a improcedência das exceções alegadas.
Por despacho de 14/4/2015 veio a ser determinada a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 597/14.TVLSB.
Entretanto, tendo transitado em julgado a decisão proferida nessoutro processo, que julgou o pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento por improcedente, veio a ser proferido o despacho de 17/5/2018 que declarou cessada a suspensão da instância e advertiu as partes de que se afigurava que os autos já reuniam os elementos necessários para ser proferida uma decisão sobre o mérito da causa, nos termos previstos no n.º 3 do Art. 15.º-H da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, tendo-se notificado as mesmas para, ao abrigo do n.º 3 do Art. 3.º do C.P.C., se pronunciarem, querendo, no prazo de dois dias, quanto ao mérito.
Não tendo as partes apresentado qualquer oposição, veio a ser proferida a sentença de 4/6/2018 que julgou o procedimento especial de despejo por procedente, declarando validamente resolvido o contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento de rendas e, nessa sequência, condena os Requeridos a despejar o locado, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como ao pagamento solidário das rendas vencidas e que, à data de entrada do processo (28.10.2014), ascendiam já ao montante global de €180.120,00, concedendo ainda autorização judicial para entrada no domicílio.
É dessa sentença que os Requeridos ora recorrem de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A– No presente litígio, a Requerente B. intentou ação especial de despejo contra os Requeridos A. e A’.
B– Peticionando a resolução de contrato de arrendamento, datado de 1 de fevereiro, em que era senhoria, com fundamento na falta de pagamento de rendas por parte do arrendatário A.
C–Os Requeridos apresentaram a sua oposição, na qual alegaram, por exceção: a litispendência, a inadmissibilidade do procedimento especial de despejo, a incompetência do Balcão Nacional de Arrendamento e, ainda, a compensação de créditos.
D–Sendo, ainda, alegado por impugnação que o contrato de arrendamento datado de 1 de fevereiro de 2010 não era válido.
E–A invalidade do contrato de arrendamento de 1 de fevereiro de 2010 foi litigada em processo autónomo, que correu os seus termos sob o n.º 597/14.8TVLSB, no Juízo Central Cível de Lisboa – J20.
F–Em virtude dessa litispendência, reconhecida pelo juiz a quo em despacho datado de 14 de abril de 2015, a presente instância foi suspensa até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito do processo n.º. 597/14.8TVLSB.
G–O processo n.º. 597/14.8TVLSB transitou em julgado em 2 de maio de 2018, tendo sido decidida a validade do contrato de arrendamento datado de 1 de fevereiro de 2010.
H–Em 4 de junho de 2018, sem qualquer outra intervenção, pronúncia ou diligência judicial prévia, e sem que as Partes tivessem recebido qualquer outra notificação ou informação, o douto tribunal emanou a sua sentença, decretando “ (…) validamente resolvido o contrato de arrendamento datado de 01.02.2010, com fundamento na falta de pagamento de rendas e condena os Requeridos A. e A’., a despejar o locado sito …, Sintra, inscrito na matriz da freguesia de S. Pedro de Penaferrim, sob o artigo … fração … descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número x e a entregá-lo à Requerente A., livre e devoluto de pessoas e bens “
I–Condenando-se ainda “(…) solidariamente os Requeridos no pagamento das rendas vencidas e que, à data de entrada do procedimento especial de despejo (28.10.2014), ascendiam já ao montante global de € 180.120 (cento e oitenta mil cento e vinte euros);“
J–Conferindo-se também “ (…) autorização judicial para entrada no domicílio sito na …, Sintra. (…) “.
K–A tramitação processual do presente litígio resumiu-se, portanto: à apresentação dos articulados pelas Partes, à suspensão do processo por litispendência (por despacho de 14 de abril de 2015) e, numa diligência imediatamente subsequente, à decisão do mérito do litígio no próprio despacho saneador.
L–O despacho saneador-sentença, que decidiu o mérito do litígio, foi proferido sem que as Partes tivessem sido convocadas para audiência prévia.
M–O despacho saneador-sentença foi também proferido sem que as Partes tivessem sido informadas pelo douto juiz a quo de que o mérito da causa iria ser decidido no próprio despacho saneador.
N–Em súmula: desde a suspensão do processo em 14 de abril de 2015, até a emanação do despacho saneador-sentença que decidiu o mérito da causa, datado de 4 de junho de 2018, não houve qualquer outra diligência processual, alguma outra consulta às Partes, e não foi disponibilizada nenhuma outra informação.
O–Sendo que as Partes nem sequer foram informadas de que a suspensão do processo decretada em 14 de abril de 2015 já havia cessado.
P–Tendo o douto despacho saneador-sentença justificado a antecipação da decisão do mérito da causa nos seguintes termos: “Da análise das peças processuais apresentadas pelas partes, retira-se que os autos já reúnem os elementos necessários para que possa ser decidido, com segurança, nesta fase processual, o mérito da causa, motivo pelo qual, de imediato, será proferida sentença (cfr. n.º 3 do Art. 15.º-H da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro).”.
Q–Os Requerentes entendem que o douto despacho saneador-sentença de que recorre é inválido e nulo por omissão de atos, diligências e formalidades impostas por lei, por excesso de pronuncia do juiz a quo, por violação do princípio do contraditório e por violação do direito de acesso ao direito, à prova e à tutela jurisdicional efetiva, nos termos e para os efeitos dos artigos 3º, n.º 3, 6º, nº 1, 195º e seguintes, 547º, 615º, nº 1, al. d) e 591º a 597º do Código de Processo Civil e, ainda, do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
R–Assim, e desde logo, o douto juiz a quo não estava habilitado a proferir a sua sentença de mérito na fase processual em que os autos se encontravam, sem que previamente fossem cumpridos determinados atos, diligências e formalidades legalmente exigíveis.
S–Efetivamente, o Código de Processo Civil veio estabelecer, como regra geral para as ações de valor superior a metade da alçada da Relação, como é o caso destes autos, a realização de audiência prévia, isto de acordo com os seus artigos 591.º a 593º e 597.º.
T–De acordo com essas normas do Código de Processo Civil a audiência prévia, só pode ser dispensada nas situações e condições previstas na lei.
U–Assim, e por exceção, admite-se que o Tribunal possa dispensar a realização da audiência prévia, uma vez verificados os circunstancialismos previstos no artigo 592º nº1: em ações não contestadas em que a revelia seja inoperante (alínea a)); e quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (alínea b)).
V–Conforme se poderá concluir pelo teor e conclusões da douta sentença recorrida, a supressão da audiência prévia nos presentes autos não se justificou por nenhuma das razões elencadas nas supra indicadas alíneas do artigo 592º, nº 1: a ação foi contestada e o processo não findou pelo reconhecimento de uma qualquer exceção dilatória apresentada.
W–Ao invés, o douto juiz a quo julgou o mérito do litígio por entender que as peças processuais apresentadas pelas Partes continham, desde logo, todos os elementos necessários para uma decisão imediata.
X–Já de acordo com art.º 593.º n.º 1 do CPC, a audiência prévia também poderá ser dispensada nas situações em que, embora o processo vá prosseguir, esse despacho apenas se destine aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº1 do artigo 591º do Código de Processo Civil, isto é: para a determinação da adequação formal, para a simplificação ou agilização processual e/ou para a prolação de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Y–Também foram estes os fundamentos que foram avocados pelo juiz a quo para não ter convocado a audiência prévia das Partes: desde logo, porque as causas previstas nas d), e) e f) do nº1 do artigo 591º do Código de Processo Civil só têm aplicabilidade caso o processo vá prosseguir.
Z–E os presentes autos litígio prosseguiram; antes findaram, sem que se realizasse a devida audiência prévia, por emanação extemporânea da sentença de mérito no próprio despacho saneador, uma vez que o douto juiz a quo entendeu que já dispunha de todas os elementos necessários para decidir.
AA–Para mais, o douto despacho saneador-sentença de que ora se recorre não invocou ou justificou o seu teor em nenhuma das exceções (taxativamente) elencadas nas alíneas d), e) e f) do nº1 do artigo 591º do Código de Processo Civil.
BB–Limitou-se, simplesmente, a apresentar uma justificação genérica (e não alocada a qualquer preceito legal) de que autos já reuniam todos os elementos necessários para que pudesse ser decidido, com segurança, naquela fase processual, o mérito da causa.
CC–Desse modo, o douto despacho saneador- sentença de que ora se recorre não justificou a dispensa da audiência prévia das Partes com base em nenhuma das causas em que, excecionalmente, é legalmente admissível a não realização daquela diligência.
DD–Ou melhor: o douto juiz a quo não mencionou ou referiu sequer qualquer fundamento para a dispensa de audiência prévia, limitando-se a considerar, em moldes genéricos, que já dispunha de todos os elementos para prosseguir de imediato para a decisão de mérito.
EE–Assim, o despacho saneador-sentença que decidiu o mérito da causa dos presentes autos foi proferido sem que se realizasse a audiência prévia e sem que as Partes tivessem sido previamente informadas da intenção do douto juiz a quo em conhecer o mérito da causa.
FF–Dessa forma, a antecipação do douto despacho saneador-sentença – sem que previamente tivesse sido convocada a audiência prévia das Partes, e sem que estas tivessem sido informadas da intenção do douto juiz a quo em decidir logo no saneador o mérito da causa – promoveu um processo em que se omitiram diligências, atos e formalidades impostas por lei, em violação, inter alias, do disposto nos artigos 3º, n.º 3, 6º, nº 1, 547º, e 591º a 597º do Código de Processo Civil e no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
GG–Dessa forma, o tribunal a quo violou o dever de consulta às Partes, uma vez que o mérito da causa foi decidido em despacho saneador-sentença proferido sem que previamente tenha sido convocada a audiência prévia das Partes.
HH–Sendo que, no caso concreto dos autos, não era legalmente admissível a dispensa da audiência prévia das Partes.
II–Não tendo, ainda, o douto juiz a quo justificado a dispensa da convocação de audiência prévia das Partes com base em algum dos fundamentos legais em que tal omissão seria admissível.
JJ–O douto despacho saneado recorrido enferma então de uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d), in fine, do Código de Processo Civil.
KK–Para mais, padece ainda o despacho saneador-sentença recorrido de nulidade processual inominada, por prolação de uma prévia diligência imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e o mérito da causa, nos termos do artigo 195º e seguintes do Código de Processo Civil e por violação dos artigos 3º n.º 3 e art.º 591, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.
LL–O despacho saneador-sentença de que se recorre é, ainda nulo por violação do princípio do contraditório e emanação de sentença surpresa, nos termos e para os efeitos dos artigos 3º, nº 3, 6º, 195º e seguintes, 201º, 591º, nº 1, al. b) e 615º, nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, bem como por violação dos direitos constitucionalmente consagrados de acesso ao direito, à defesa e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
MM–Efetivamente, a antecipação da prolação do douto despacho-saneador sentença, num momento e em circunstâncias em que não era processualmente admitida ou expectável, surpreendeu as Partes.
NN–Efetivamente, o despacho saneador-sentença de que ora se recorre consubstanciou uma inadmissível decisão surpresa.
OO–Sendo o despacho saneador-sentença que condenou os Requeridos a tramitação processual imediatamente subsequente à suspensão dos autos, as Partes, e sobretudo os Requerentes, foram imprevistamente confrontadas com uma pronúncia judicial que decidiu imediatamente o mérito do litígio, sem que antes tivessem sido convocadas para a audiência prévia, e sem que lhes tenha sido conferida a oportunidade de se pronunciarem quer sobre a supressão dessa diligência, quer sobre qualquer outro tema relacionado com o mérito da causa.
PP–Pelo que o despacho saneador - sentença de que ora se recorre emergiu de um processo em que as Partes não tiveram oportunidade de, subsequentemente à apresentação das suas peças processuais, participar efetivamente no desenvolvimento de todo o litígio, apresentando outros ou novos factos, provas, alegações ou questões de direito.
QQ–Tendo sido as Partes, e sobretudo os Requeridos, confrontadas com uma decisão de mérito, antecipada para um momento processualmente inadmissível, sem que lhes tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório, e sem que lhes tenha sido dada a oportunidade de apresentar todos os elementos de facto e de direito que lhes seriam favoráveis, e que, certamente, influiriam na decisão de mérito proferida.
RR–Efetivamente, as irregularidades processuais e materiais que os Requeridos entendem padecer o douto despacho saneador-sentença recorrido, influenciaram o exame e a decisão da causa.
SS–Assim sendo, entendem os Requeridos que as irregularidades que enfermam o douto despacho saneador-sentença – preterição de atos e formalidades impostas por lei, emanação de decisão surpresa, preterição do princípio do contraditório, violação do direito ao acesso ao direito, à prova e à tutela jurisdicional efetiva – implicam a sua nulidade.
TT–Também nestes vícios a nulidade processual se traduz na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, pelo que vêm os Requeridos arguir a nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do Art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.
UU–De igual forma, o despacho saneador de que ora se recorre viola o disposto no artigo 3º, número 3 do Código de Processo Civil, e de modo geral, o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa que é atentatória do princípio do processo justo e equitativo, garantido no n.º 4 do art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa.
VV–E, nesses termos o despacho saneador-sentença também enfermaria de nulidade processual inominada, por prolação de uma prévia diligência imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e o mérito da causa, nos termos do artigo 195º e seguintes do Código de Processo Civil e por violação dos artigos 3º n.º 3 e art.º 591, n.º 1, al. b).
WW–Em virtude dos vícios de que padece, o douto despacho saneador sentença não conheceu factos, argumentos, provas e questões de direito que influíram na sua decisão.
XX–Nomeadamente, o douto juiz a quo não conheceu nem considerou, porque não concedeu às Partes os devidos meios processuais para o efeito, nomeadamente por omissão de audiência prévia, a declaração de insolvência do Requerido A. por sentença decretada no âmbito do processo 9706/14.6T2SNT, que correu junto do Tribunal de Instrução Central, Secção de comércio, Comarca de Lisboa Oeste-Sintra- Unidade Central.
YY–A declaração de insolvência do Requerido A. por sentença decretada no âmbito do processo 9706/14.6T2SNT exigia a aplicação ao presente litígio dos artigos 1º, 47º, 51º, 1º alíneas e) e f), 81º, 85º, 88º, 89,º 2, 90º e 128º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE).
Nos seguintes termos
ZZ–Por força do artigo 108, nº 2 do CIRE, os créditos sobre rendas vencidas antes da declaração da insolvência são qualificados como dívida da insolvência.
AAA–Por outro lado, o artigo 108, nº 4, al. a) do CIRE impede o pedido de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas anteriores à declaração de insolvência.
BBB–O que significa que a senhoria e ora Requerente B. não podia suscitar a resolução do contrato de arrendamento discutido nos presentes autos com fundamento na falta de pagamento de rendas respeitantes ao período compreendido entre 1 de fevereiro de 2010 e 20 de maio de 2014.
CCC–Contudo, a B. requereu a resolução do contrato de arrendamento com base em rendas compreendidas entre 1 de fevereiro de 2010 e 28 de outubro de 2014.
DDD–Já as rendas vencidas após a declaração de insolvência do Requerido A., decretada em 20 de maio de 2014, constituem um crédito sobre a massa insolvente, enquadrável no artigo 51.º, nº 1 alíneas d) e f) do CIRE.
EEE–Assim, as rendas reclamadas pela Requerente B. posteriores à declaração de insolvência do Requerido A., isto é, posteriores a 20 de maio de 2014, devem ser tidas como um crédito sobre a massa insolvente.
FFF–Por força do artigo 89º, nº 2, em conjugação com os artigos 51.º, nº1 alíneas d) e f) e 108º do CIRE, as ações relativas às dívidas da massa insolvente e ao próprio despejo correm por apenso ao processo de insolvência, pelo que as rendas em dívida desde a data da declaração de insolvência do Requerido A., bem como o próprio pedido de despejo, teriam que ser exigidos em ação que correria por apenso ao processo de insolvência, junto de um outro Tribunal que não o dos autos: em concreto, junto do Tribunal de Instrução Central, Secção de comércio, Comarca de Lisboa Oeste-Sintra- Unidade Central.
GGG–Por essa razão, o Tribunal a quo seria, e é, incompetente em razão da matéria.
HHH–Mais ainda, deveria o douto tribunal a quo ter declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, de acordo com a alínea e) do artigo 277º.
III–Efetivamente, da conjugação dos artigos 47º, 81º, 85º, 89º, nº 2º, 90º e 128º do CIRE resultam regras específicas que se impõem aos credores de devedores declarados insolventes.
JJJ–Em virtude dessa normatividade todo e qualquer credor da insolvência, isto é, aquele que reclama créditos anteriores à declaração de insolvência – como sucede, nos presentes autos com a Requerente B. – tem que, obrigatoriamente, reclamar o seu crédito no próprio processo de insolvência, em conformidade com os preceitos do CIRE.
KKK–Contudo a Requerente B. não demandou os seus créditos, nem requereu a resolução do contrato de arrendamento datado de 1 de fevereiro de 2010, junto do processo onde se julgou a insolvência do requerido A., sob o número 9706/14.6T2SNT, que correu junto do Tribunal de Instrução Central, Secção de comércio, Comarca de Lisboa Oeste- Sintra- Unidade Central, nem requereu que os presentes autos fossem apensados junto desse processo.
LLL–Pelo que o douto tribunal a quo deveria ter declarada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, conforme o que fixou Acórdão uniformizador de jurisprudência de 8 de Maio de 2013, publicado na 1ª série do Diário da República de 25/02/2014:“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do Art. 287 do CPC”.
MMM–Sendo que se deve entender que essa tal inutilidade superveniente da lide inclui não apenas o reconhecimento do crédito, mas também a própria possibilidade de resolver o contato de arrendamento.
Pede assim a procedência do recurso, declarando-se a nulidade do despacho saneador- sentença, por forma a permitir a audição prévia das Partes, reconhecendo-se também a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local Cível de Sintra para conhecer desta causa, bem a inutilidade superveniente da lide.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Mm.ª Juíza que prolatou a sentença final veio a proferir despacho sobre as apontadas nulidades do despacho-saneador sentença com o seguinte teor:
«Os presentes autos de procedimento especial de despejo seguem a tramitação prevista nos artigos 15.º-B e seguintes do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU).
«Prevê o artigo 15.º-H desse diploma:
«“1– Deduzida oposição, o BNA apresenta os autos à distribuição e remete ao requerente cópia da oposição.
«2– Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais, ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório.
«3– Não julgando logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decidindo logo do mérito da causa, o juiz ordena a notificação das partes da data da audiência de julgamento. (…)” (sublinhado nosso).
«No caso concreto, os Requeridos deduziram oposição, tendo os autos sido distribuídos a este Tribunal e, após ter sido assegurado à Requerente o exercício do contraditório quanto á matéria de exceção invocada pelos Requeridos na sua oposição, por despacho de 14.04.2015, transitado em julgado, determinou-se a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 597/14.TVLSB (vd. fls. 461 / Ref.ª 88941332 do p. e.).
«Ora, nas suas alegações de recurso, os Requeridos omitem que, em 17 de Maio de 2018, foi proferido despacho 8com o seguinte teor, que aqui se transcreve (vd. ref.ª 113122711 do p. e.):
«“Ref.ª 2345599 do p. e.: junte ao processo físico a certidão extraída do processo n.º 597/14.8TVLSB e notifique às partes o respetivo teor.
***
«Face ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação que sob o n.º 597/14.8TVLSB correu seus termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa – J20, declaro cessada a suspensão da presente instância (cfr. al. c) do n.º 1 do artigo 276.º e al. c) do n.º 1 do artigo 269.º do Novo Cód. Proc. Civil) e, em consequência, determino o prosseguimento dos presentes autos.
***
«Atenta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e face ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 597/14.8TVLSB, afigura-se que os autos reúnem já os elementos necessários para que seja proferida uma decisão quanto ao mérito da presente causa, nos termos previstos no n.º 3 do Art. 15.º-H da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.
«Contudo, antes de mais, ao abrigo do disposto no n.º 3 do Art. 3.º do NCPC, determina-se a audição das partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de dois dias, quanto a esse mérito, face ao trânsito em julgado daquela decisão.”
«Omitem ainda os Requeridos que esse despacho foi notificado eletronicamente aos seus então mandatários em 18.05.2018 (vd. ref.ªs 113254379 e 113254388 do p. e.) e que, nessa sequência, nada disseram.
«Resulta, assim, dos autos que os Requeridos foram notificados quer da cessação da suspensão da instância, quer da possibilidade de ser apreciado o mérito da causa (em conformidade com o previsto no n.º 3 do Art. 15.º-H da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro), bem como da faculdade de se pronunciarem.
«Note-se, ainda, que o artigo 15.º-H não contempla a realização de qualquer audiência prévia, tendo o procedimento especial de despejo uma tramitação específica face ao processo declarativo comum.
«Resta acrescentar que, na sentença proferida em 04.06.2018, o Tribunal se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pelas partes nos respetivos articulados e cujo conhecimento não ficou prejudicado pela sentença proferida no processo 597/14.8TVLSB, sendo, no mínimo, de lamentar, que tendo o Requerido A. sido declarado insolvente por sentença de 20.05.2014, tenha igualmente omitido esse facto na oposição por si apresentada nos presentes autos em 18.12.2014!
«Pelo exposto, não se verificou qualquer violação do princípio do contraditório, do direito à prova ou à tutela jurisdicional efetiva, nem se verificou a omissão de qualquer diligência legalmente prevista e, consequentemente, não padece a sentença proferida em 04.06.2018 dos vícios previstos na alínea d) do n.º 1 do Art. 615.º do NCPC.
«Face ao supra exposto, considera-se que a decisão recorrida não padece dos vícios apontados, julgando-se improcedentes as nulidades arguidas.»
***
II–QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a)- A nulidade do processado por omissão de atos e formalidades legais relacionados com a não realização de audiência prévia;
b)- A nulidade do despacho saneador-sentença por excesso de pronúncia (Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.) e por falta de especificação dos factos e do direito que justificam a decisão (Art. 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C.); e
c)- A invocação da insolvência do R. e a sua relevância na tramitação do processo, nomeadamente para a competência do tribunal e para a subsistência da utilidade da lide.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.– Por documento particular datado de 1 de Fevereiro de 2010, intitulado “contrato de arrendamento habitacional”, a Requerente, na qualidade de “Senhorio”, declarou dar de arrendamento ao Requerido A., na qualidade de “Inquilino”, o imóvel sito (…), Sintra, inscrito na matriz da freguesia de S. Pedro de Penaferrim, sob o artigo … fração …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número ....
2.– O imóvel aludido em 1. é uma moradia com sete assoalhadas, dois pisos sendo o rés-do-chão composto por cozinha, despensa, lavandaria, wc, sala de refeições, sala de estar, wc social, três suites com respetivos terraços e sendo o primeiro piso composto por biblioteca, suite, pequeno quarto para arrumos e terraço.
3.– Nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula primeira do documento aludido em 1., “o contrato de arrendamento destina-se exclusivamente à habitação (…)”.
4.– Nos termos do n.º 1 da cláusula segunda do contrato aludido em 1., “o contrato é celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data de 01 de Fevereiro de 2010, renovando-se automaticamente, no seu termo e por períodos sucessivos de 3 (três) anos.”
5.– Nos termos da cláusula terceira do contrato aludido em 1.:
“1.- O valor da renda mensal é de 3.160 (três mil cento e sessenta euros).
2.- A renda prevista no número anterior será paga, de forma antecipada relativamente ao período a que disser respeito, até ao dia 8 (oito) de cada mês, por meio de depósito ou transferência bancária para a conta …, na agência do Banco Santander.
3.- Na data da assinatura do contrato, o Inquilino pagará o montante de duas rendas antecipadas (6.320,00), montante que o Senhorio, desde já, declara ter recebido e sobre o qual dá quitação. (…).”
6.- Os Requeridos não procederam ao pagamento das rendas referentes aos meses:
– de Fevereiro a Dezembro do ano de 2010 - no valor de € 34.760 (trinta e quatro mil, setecentos e sessenta euros);
– de Janeiro a Dezembro do ano de 2011 - no valor de € 37.920 (trinta e sete mil, novecentos e vinte euros);
– de Janeiro a Dezembro do ano de 2012 - no valor de € 37.920 (trinta e sete mil, novecentos e vinte euros);
– de Janeiro a Dezembro do ano de 2013 - no valor de € 37.920 (trinta e sete mil, novecentos e vinte euros); e aos meses
– de Janeiro a Outubro do ano de 2014 - no valor de € 31.600 (trinta e um mil e seiscentos euros).
7.– Por notificação judicial avulsa concretizada em 20 de Junho de 2014, a Requerente comunicou aos Requeridos, além do mais, que:
a)- considerava resolvido o contrato ao abrigo do disposto no artigo 1083.º por falta de pagamento de rendas de mais de 2 meses;
b)- os mesmos teriam que desocupar o locado livre de pessoas e bens.
8.–A Requerida A’. intentou ação declarativa contra a Requerente B.., R, J. e o Requerido A., a qual, sob o n.º 597/14.8TVLSB, correu seus termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa – J20.
9.–Na ação aludida em 8., a Requerida A’. peticionava:
a)- que fosse decretada a anulação da denúncia do contrato de arrendamento celebrado em 03.01.2007, por falta de consentimento da aí Autora, e como tal o referido contrato de arrendamento deveria manter a sua validade, por ser essa a vontade das partes.
b)- Não procedendo o pedido anterior, que fosse decretada a nulidade do contrato de arrendamento datado de 01.02.2010, por simulação e da denúncia do contrato inicial (03.01.2007) que deveria manter-se válido, por ser essa a vontade real das partes.
c)- a condenação solidária dos aí Réus no pagamento da quantia de 15.000€ (quinze mil euros) a título de danos morais, acrescidos de juros moratórios desde a data da citação dos aí Réus até integral pagamento.
10.– No despacho saneador proferido na ação mencionada em 8., em 15.06.2015, proferiu-se a seguinte decisão, transitada em julgado:
“Termos em que se julga procedente por provada a exceção de caducidade do direito da A. de anulação, ao abrigo do disposto no art.º 1687º n.º 1 do CC, da denúncia do contrato de arrendamento celebrado a 03 de janeiro de 2007 entre a B., na qualidade de senhorio e A., na qualidade de inquilino e em consequência julga-se improcedente o pedido formulado em a) do petitório.”
11.–Por sentença de 10.01.2017, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.03.2018, transitada em julgado em 02.05.2018, proferidos na ação mencionada em 8., decidiu-se julgar “improcedente os pedidos que restavam apreciar – declaração de nulidade da denúncia do contrato inicial e do contrato de arrendamento, por simulação e a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de €15.000,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora contados desde a citação – e se absolve os RR. de tudo o peticionado.”
12.–Os Requeridos casaram no dia 8 de Maio de 2009, com convenção antenupcial, no regime da separação de bens, lavrada por auto na Conservatória de Cascais no dia 14.04.2009.
13.–O imóvel aludido em 1. constitui a casa de morada de família dos Requeridos.
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Ficou aí ainda consignado que: «com relevância para a boa decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos.»
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Tudo visto, cumpre apreciar.
IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica, começando pela nulidade do processado anterior à decisão recorrida, que é questão prévia relativamente à da nulidade da própria sentença.
1.–Das nulidades do processado relativo à audiência prévia.
Conforme resulta do relatório do presente acórdão estamos perante um procedimento especial de despejo, tal como o mesmo vem regulado no Art. 15.º a 15.º-S do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27/2, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 31/2012 de 14/8 e 79/2014 de 19/12).
A Requerente do procedimento intentou a presente ação com fundamento na falta de pagamento das rendas por parte dos Requeridos arrendatários, nos termos do Art. 1083.º n.º 3 do C.C., pretendendo desse modo obter a confirmação da resolução do contrato celebrado entre as partes em 1 de fevereiro de 2010. Para esse efeito procedeu à prévia notificação judicial dos arrendatários, invocando o não pagamento das rendas relativas aos meses de Fevereiro de 2010 a Outubro do ano de 2014, num total de €180.120,00.
Os Requeridos apresentaram a sua oposição e, entre outros argumentos, invocaram a exceção de litispendência por referência a uma outra ação que, com o n.º 597/14.8TVLSB e entre as mesmas partes, corria termos no Juízo Central Cível de Lisboa, discutindo-se nela a validade do contrato de arrendamento que servia de causa de pedir no presente processo.
Foi a pendência dessa outra ação que motivou o despacho de 14 de abril de 2015, nos termos do qual se determinou a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir naqueles autos.
Sucede que, essa outra ação veio a julgar, por decisão transitada em julgado, que improcedia o pedido de declaração de invalidade do contrato de arrendamento que vinculava as partes.
É assim que, tendo cessado o motivo que justificou a suspensão da instância, o presente processo vem a ter seguimento e na sequência é proferida a sentença de que agora os Recorrentes apelam.
Para esse efeito alegam a nulidade do processado, porquanto sustentam que foi proferida sentença logo após os articulados, sem qualquer outra intervenção ou pronúncia judicial prévia e sem que as partes tivessem recebido qualquer outra notificação ou informação, tendo assim recebido uma decisão final, que julgou validamente resolvido o contrato de arrendamento e determinou o despejo, condenando os Requeridos ao pagamento das rendas reclamadas. Mais invocam que tal situação teria constituído uma situação inesperada com a qual não estavam legitimamente a contar.
Queixam-se assim os Recorrentes, em termo sucintos, que:
1)–As partes não foram previamente informadas de que a suspensão da instância já havia cessado.
2)–As partes não foram convocadas para a audiência prévia;
3)–As partes não foram consultadas ou informadas da intenção do juiz a quo de decidir, desde logo, o mérito da causa.
Entendem os Recorrentes que estamos perante um despacho saneador-sentença surpresa, que deveria ter sido precedido de convocação de audiência prévia, o que constituiria uma violação dos Art.s 3º n.º 3, 6º n.º 1, 547º e 591º a 597º do C.P.C. e Art. 20º da C.R.P..
Essa situação, no seu entender, traduzir-se-ia numa nulidade processual inominada, por preterição de diligência imposta por lei, a qual é suscetível de influenciar o exame e o mérito da causa, como estabelecem os Art.s 195.º e ss do C.P.C., na medida em que não havia sido respeitado o disposto nos Art.s 3º n.º 3 e Art.º 591, n.º 1, al. b), também do C.P.C., não respeitando o princípio do contraditório e os direitos constitucionais de acesso ao direito, à defesa e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no Art. 20º da C.R.P..
Nomeadamente, realçam os Recorrentes, que não puderam invocar oportunamente que o Requerido A. havia sido declarado insolvente em 20 de maio de 2014, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 9706/14.6T2SNT, que correu junto do Juízo de Comércio de Sintra, o que teria repercussões necessárias e relevantes para a decisão de mérito que não foram consideradas pelo Tribunal a quo.
Como já vimos, a Recorrida não apresentou contra-alegações, não tendo assim respondido a estes fundamentos de recurso. De todo o modo, mesmo não sendo este vício uma nulidade compreendida no âmbito de aplicação do Art. 615.º do C.P.C., a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo aproveitou para realçar que:
1.º)–Estamos perante um processo especial que não comporta a formalidade relativa à realização de audiência prévia, atento ao que dispõe o Art. 15.º-H, n.º 3, do NRAU;
2.º)–Foi proferido despacho, datado de 17/5/2018, que foi notificado às partes no dia seguinte, nos termos do qual se decidiu:
a)- A cessação da suspensão da instância que havia sido determinada pelo despacho de 14/4/2015, ordenando a notificação às partes da decisão judicial transitada em julgado no proc. n.º 597/14.8TVLSB;
b)- Advertir as partes que se afigurava, ao juiz do processo, que os autos já reuniam os elementos necessários para que fosse proferida uma decisão quanto ao mérito da causa, nos termos do Art. 15.º-H n.º 3 do NRAU; e
c)- Determinar a notificação das partes para, ao abrigo do Art. 3.º n.º 3 do C.P.C., se pronunciarem, no prazo de 2 dias, quanto ao mérito da causa.
3.º)– O Requerido A., se foi declarado insolvente por sentença de 20/05/2014, omitiu esse facto na oposição por si apresentada nos presentes autos em 18/12/2014.
Apreciando, diremos que os 3 argumentos agora sucintamente sumariados são absolutamente irrebatíveis e seriam só por si suficientes para, se tivéssemos de conhecer efetivamente da nulidade, a termos de julgar necessariamente por improcedente.
É inquestionável que o procedimento especial de despejo pelas suas especificidades e celeridade de procedimentos não compreende na sua tramitação uma “audiência prévia”, pois findos os articulados, e não havendo motivos para aperfeiçoamento dessas peças processuais, são logo decididas as exceções dilatórias, as nulidades ou o mérito da causa, se o processo fornecer elementos suficientes para tanto. Caso contrário, é designada data para audiência de julgamento (Art. 15.º-H n.º 3 do NRAU).
Por outro lado, o Tribunal a quo teve o cuidado de não decidir logo sobre o mérito da causa sem advertir previamente as partes para o efeito, em estrita observância do disposto no Art. 3.º n.º 3 do C.P.C., permitindo assim que as mesmas pudessem “in extremis” invocar qualquer meio de defesa que pudesse ainda então ser atendível.
Finalmente, se o Requerido marido foi declarado insolvente por sentença de 20 de maio de 2014 – facto que não está provado, até porque só foi junta uma mera cópia dessa decisão - cfr. fls 557 a 558 verso –, tinha o ónus de o alegar na oposição que apresentou em 18 de dezembro de 2014 (cfr. fls 100 a 183), sob pena de preclusão desse meio de defesa (v.g. Art. 573.º n.º 1 do C.P.C., aqui aplicável por analogia).
Na verdade, sendo certo que o NRAU não estabelece uma norma semelhante à prevista no Art. 573.º n.º 1 do C.P.C., a sua aplicação ao caso dos procedimentos especiais de despejo afigura-se uma imposição por maioria de razão, dado que este processo só comporta um único articulado para os Requeridos apresentarem a sua defesa, sendo assim lógico que o mesmo esteja subordinado ao princípio da concentração da defesa e, em consequência, ao princípio da preclusão, por ser a outra face da mesma moeda (Vide: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., pág. 566).
Mesmo que assim não fosse, esse meio de defesa, sustentado em prova documental devidamente certificada pelo tribunal competente, haveria se ter sido apresentado, o mais tardar, até ao final da discussão da causa em primeira instância (Art. 425.º do C.P.C.). O que, no caso dos autos, corresponderia ao final do prazo perentório de 2 dias concedido pela Mm.ª Juíza às partes para, querendo, se pronunciarem sobre o mérito da causa, na sequência da notificação do despacho de 17/5/2018 (o qual não foi impresso no processo em papel, mas consta do processo eletrónico no “Citius” com a Ref.ª n.º 113122711 – p.e.).
De todo o modo, antes de qualquer outra consideração, teríamos de ter em conta que o que está em causa é fundamentalmente uma nulidade de procedimento no andamento do processo, tal como é prevista no Art. 195.º n.º 1 do C.P.C..
Nos termos desse preceito, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidades quando a lei o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. A nulidade do processo consiste, assim, num desvio ao formalismo processual prescrito na lei.
A propósito do teor do Art. 201º do C.P.C., que correspondia ao atual Art. 195º, escrevia Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., pág. 484): «O que (neles) há de característico e frisante é a distinção entre infrações relevantes e infrações irrelevantes. Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se ver fica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso — continua o mesmo Autor — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».
Conforme também escrevia Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed., pág. 391): «A nulidade de um ato, apesar da cadeia teleológica que liga todos os atos do processo, só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente.»
A prática do ato inadmissível ou a omissão do ato ou da formalidade prescrita influem no exame ou da decisão da causa quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento (Vide: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3ª Ed., pág. 381).
Ora, é entendimento uniforme que estas nulidades secundárias têm de ser arguidas pela parte através de reclamação (Art. 196º do C.P.C.) no momento em que ocorrer esse vício, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário. Caso não esteja presente, o prazo geral de arguição de 10 dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade o quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – n.º 1 do Art. 199º e Art. 149º n.º 1 do C.P.C..
Acresce que, nos termos do Art. 630.º n.º 2 do C.P.C. não é admissível o recurso de decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do Art. 195.º do C.P.C., salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
Mantem, por isso, a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., pág. 507): «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.»
Luís Mendonça e Henrique Antunes (in “Dos Recursos”, Quid Juris, pág. 52), no mesmo sentido, explicam que: «A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação.
«Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
«Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.»
Igualmente Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 372) afirma que: «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão.» (Vide, no mesmo sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/6/2009, Ondina Alves, Proc. n.º 67/00).
Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 162) também entende que: «As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa.»
Em suma, a decisão proferida sobre a arguição de nulidade é que seria suscetível de recurso mas – ainda assim - com limitações: desde que contendesse com os princípios matriciais da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (Art. 630º n.º 2 do C.P.C.). Ou seja, caberia ao recorrente alegar que a nulidade relativa ocorrida – além de ser essencial por interferir no exame ou na decisão da causa – infringe pelo menos um dos referidos princípios ou contende com a admissibilidade de meios probatórios. A exigência deste fundamento específico para a admissibilidade do recurso é «(…) ainda, um reflexo do princípio da instrumentalidade das formas ou do aproveitamento dos atos processuais, sendo tributária dos princípios da celeridade processual e da estabilidade do processo. Se o ato supostamente viciado não impede a função instrumental do processo – isto é, a declaração do direito substantivo não é prejudicada -, não estando comprometida a natureza equitativa deste, não deve ser admitida a sua destruição.» (Paulo Ramos de Faria in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, II Vol., 2014, pág. 33). Dito de outra maneira, a sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma nulidade secundária está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no Art. 630º, n.º 2 (cfr. Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág.. 60), sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (Art. 641º n.º 2 al. a) do C.P.C.).
De todo o exposto resulta que cabia aos Apelantes, no momento próprio, arguir a nulidade por omissão de realização da audiência prévia perante o Tribunal a quo e só depois, caso essa reclamação viesse a ser indeferida por este, é que caberia recurso dessa concreta decisão sobre a nulidade reclamada. Ora, nada disso se passou no caso concreto, razão pela qual, a existir uma nulidade secundária – o que, como já vimos, não se verificou – a mesma já se havia sanado.
Em suma, não tendo sido arguida a nulidade apontada em via prévia de reclamação apresentada oportunamente perante o Tribunal a quo, não podem os Apelantes vir agora erigi-la em fundamento específico do recurso de apelação. O que determina a necessária improcedência deste fundamento de recurso e de todas as conclusões que se sustentam neste alegado vício, que, como já vimos, de todo o modo também não se verificou no caso concreto.
2.–Das nulidades da sentença.
Os Recorrentes suscitaram a questão da nulidade da própria sentença recorrida, em primeiro lugar, por alegada violação do disposto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., uma vez mais por decorrência duma alegada omissão da convocação de audiência prévia, em transgressão ao disposto nos Art.s 591.º a 593.º, 595.º e 597.º do C.P.C..
A este propósito os Recorrentes, ao longo de páginas sem conta, citam abundante doutrina e jurisprudência sobre o caráter obrigatório da audiência prévia nos processos declarativos e sobre as circunstâncias legais, absolutamente excecionais, em que se admite a dispensa de realização dessa diligência. Trata-se duma recoleção de material fascinante, mas que não tem qualquer aplicação ao caso, porque não estamos perante um processo declarativo comum.
De facto, encontramo-nos no quadro legal do procedimento especial de despejo cuja tramitação consta dos Art.s 15.º a 15.º-S do NRAU, sendo evidente de toda essa regulamentação legal que nele não está prevista qualquer audiência prévia.
É muito claro que o espírito da lei subjacente ao estabelecimento deste tipo de procedimento inculca a ideia duma particular sensibilidade para a necessidade de um processo célere e simplificado que não comporta semelhante formalismo. Portanto, não se pode falar em violação do disposto nos Art.s 591.º a 593.º, 595.º e 597.º do C.P.C., porque o que está em causa é apenas e só o que dispõe o Art. 15.º-H n.º 1 a n.º 3 do NRAU.
Por outro lado, não foi violado o dever de consulta às partes que a lei geral impõe – como, aliás, já tivemos oportunidade de evidenciar –, tendo em atenção o despacho de 17/5/2018, que foi notificado às partes no dia 18/5/2018 (cfr. Ref.ªs n.º 11325379, 11325388, 11325389, 11325390 e 11325391 – p.e.). Nessa medida, não há nulidade a considerar, sendo que também não se consegue vislumbrar no que é que semelhante situação poderia ser enquadrável na previsão da al. d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C..
A Mm.ª Juíza que prolatou a sentença conheceu do mérito da causa porque, em função dos termos do processo, tal como o mesmo se lhe apresentava, os autos forneciam efetivamente todos os elementos para conhecer da pretensão formulada pela Requerente e dos fundamentos de defesa constantes da oposição, sem necessidade de produção de prova. Ao que acresce que as partes foram advertidas previamente para esse efeito e para se pronunciarem, querendo, sobre o mérito da causa. Pelo que, não houve surpresa na decisão final, que apenas se pronunciou sobre factos e direito que as partes expressamente já haviam invocado nos articulados, mostrando-se assegurado plenamente o princípio do contraditório e a possibilidade de, na sequência do despacho de 17/5/2018, ainda assim poderem vir invocar outros meios de defesa que fossem atendíveis e que pudessem influir no conhecimento dos pedidos formulados.
Se a nulidade invocada a propósito do disposto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C. se reporta à circunstância da sentença não ter apreciado os fundamentos relativos à insolvência do Requerido marido, só poderemos dizer que esses factos não foram apreciados, por responsabilidade exclusiva dos Requeridos, que o omitiram por completo na oposição que apresentaram. Omissão essa que se pode dizer reincidente, tendo em atenção que também nada disseram quando foram notificados para se pronunciarem sobre o mérito da causa, na sequência do despacho de 17/5/2018.
O que está em causa, como já tivemos oportunidade de referenciar, é um meio de defesa precludido, que não foi oportunamente invocado pelos Requeridos, não podendo haver omissão de pronúncia sobre factos e fundamentos jurídicos que as partes não alegaram oportunamente. Para mais, quando lhes foram dadas várias oportunidades para o fazerem, quer por interpelação direta do Tribunal, quer porque também o poderiam ter feito mediante apresentação espontânea desses factos e documentos, que eram do conhecimento dos Requeridos há mais de 4 anos!
Os Recorrentes invocam também a nulidade da sentença por violação do Art. 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C., por alegada violação do contraditório e dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
A argumentação expedida nas alegações de recurso é redundante, repetindo uma vez mais de forma extensa tudo o que atrás já tivemos oportunidade de rebater.
Basta assim repetir aqui que: não havia lugar a audiência prévia; não houve decisão surpresa; não foi violado o contraditório; foi permitido às partes discutir o mérito da causa e, se não o fizeram: “sibi imputet”; não foi apreciada a alegada insolvência do Requerido, porque ela não foi alegada oportunamente pelas partes, que sonegaram essa informação ao Tribunal.
Na mesma medida, só podemos concluir que não foi negado às partes o exercício dos seus direitos, nomeadamente aos Requeridos, que tiveram várias oportunidades de, durante 4 anos (!), organizar a sua defesa e apresentar todos os factos relevantes para o conhecimento do mérito da causa.
Não há o mínimo vislumbre de violação do Art. 20.º da C.R.P., mas temos de referir que os termos da defesa assim agora apresentada encontra-se no limiar da litigância de má-fé, porque a omissão de alegação da insolvência do Requerido é exclusivamente imputável ao próprio e é com esse fundamento que agora pretendem pôr em causa uma sentença que evidentemente não poderia apreciar factos e direitos de que não houve alegação oportuna por parte daqueles a quem os mesmos aproveitavam.
Não vemos assim, pelo exposto, como é que a situação concreta se possa traduzir numa violação do disposto no Art. 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C., improcedendo deste modo todas as conclusões que sustentam a nulidade da sentença recorrida.
3.–Da relevância na tramitação do processo da alegada insolvência do Requerido.
Finalmente, os Recorrentes, pretendem a revogação da sentença, por se dever ter em consideração a insolvência do Requerido A., o que teria como consequência a incompetência do Tribunal para apreciar a causa e determinaria a inutilidade superveniente da lide.
De acordo com a sua alegação, partindo do pressuposto que estamos perante uma ação em que se peticionava a resolução do contrato de arrendamento celebrado com o Requerido A., com fundamento na falta de pagamento das rendas respeitantes ao período de 1 de fevereiro de 2010 e 28 de outubro de 2014, deveria ter-se em consideração que este último foi declarado insolvente por sentença de 20 de maio de 2014.
Assim, importaria aplicar ao caso o disposto no Art. 108º do CIRE que estatui o seguinte:
«1–A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o administrador da insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.
«2–Excetua-se do número anterior o caso de o locado se destinar à habitação do insolvente, caso em que o administrador da insolvência poderá apenas declarar que o direito ao pagamento de rendas vencidas depois de transcorridos 60 dias sobre tal declaração não será exercível no processo de insolvência, ficando o senhorio, nessa hipótese, constituído no direito de exigir, como crédito sobre a insolvência, indemnização dos prejuízos sofridos em caso de despejo por falta de pagamentos de alguma ou algumas das referidas rendas, até ao montante das correspondentes a um trimestre.
«3–A denúncia do contrato pelo administrador da insolvência facultada pelo n.º 1 obriga ao pagamento, como crédito sobre a insolvência, das retribuições correspondentes ao período intercedente entre a data de produção dos seus efeitos e a do fim do prazo contratual estipulado, ou a data para a qual de outro modo teria sido possível a denúncia pelo insolvente, deduzidas dos custos inerentes à prestação do locador por esse período, bem como dos ganhos obtidos através de uma aplicação alternativa do locado, desde que imputáveis à antecipação do fim do contrato, com atualização de todas as quantias, nos termos do n.º 2 do artigo 91.º, para a data de produção dos efeitos da denúncia.
«4–O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos:
a)- Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência.»
Em consequência deste normativo as rendas vencidas antes da declaração da insolvência (período compreendido entre 1 de fevereiro de 2010 e 20 de maio de 2014) passam a ser dívidas sobre a insolvência e não dívidas do devedor-arrendatário (Art. 108.º n.º 2 do C.I.R.E.); o senhorio de um arrendatário insolvente não pode requerer a resolução do contrato com base na falta de pagamento de rendas respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência (Art. 108.º n.º 4 al. a) do C.I.R.E.); e as rendas vencidas após a declaração de insolvência são um crédito sobre a massa insolvente, enquadrável no Art. 51.º, n.º 1 al.s d) e f) do C.I.R.E. (nesse sentido: Maria do Rosário Epifânio, in “Manual de direito de Insolvência”, 6.ª Ed., pág. 190; Alexandre Soveral Martins, in “Um curso de Direito da insolvência”, 2.ª Ed., pág. 202; Acórdão da Relação do Porto de 3 de maio de 2011, relatado por Ana Lucinda Cabral, Proc. n.º 2158/07.9TJPRT-B.P1).
Por outro lado, por força do Art. 89.º n.º 2 do C.I.R.E. a presente ação de dívida deveria correr por apenso ao processo de insolvência (neste sentido, o já citado Acórdão da Relação do Porto de 3 de maio de 2011, relatado por Ana Lucinda Cabral, Proc. n.º 2158/07.9TJPRT-B.P1 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de abril de 2008 in C.J., tomo II, pág.s 75 a 77), competindo ao Juízo de Comércio o julgamento desse apenso, nos termos do Art. 128.º n.º 1 al. a) e n.º 3 da LOSJ (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de setembro de 2017).
Em qualquer caso, deveria ser declarada a inutilidade superveniente da lide, nos termos do Art. 277.º al. e) do C.P.C., conjugado com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 8 de maio de 2013 e com os Art.s 85º a 89º do C.I.R.E., que determinam a apensação destas ações ao processo de insolvência (v.g. Acórdão da Relação do Porto de 21 de maio de 2012, relatado por Anabela Luna de Carvalho, Proc. n.º 1170/08.5TVPRT.P1; Luís Menezes Leitão in “Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 4.ª edição, pág.s 127 a 128), sendo os titulares desses créditos tidos como credores da insolvência (Art. 47º nº 1 do C.I.R.E.), não podendo o senhorio exercer os seus direitos senão no quadro do processo de insolvência (Art.s 90.º e 128.º n.º 1 do C.I.R.E.)
Sucede que, como já vimos, os Requeridos, apesar de terem tido oportunidade para invocarem em tempo o facto de o Requerido ter sido declarado insolvente, por sentença de 20 de maio de 2014, a verdade é que nada disseram nos autos e, em consequência, o Tribunal a quo não teve em consideração esse argumento, por razões exclusivamente imputáveis à defesa.
Em consequência, o Tribunal a quo não poderia reconhecer a questão da apensação das ações, da sua competência ou da inutilidade da lide, tal como agora são suscitadas em via de recurso.
Pelas razões expostas, esta questão só se colocou nas alegações de recurso, tratando-se assim de questão nova.
Dito isto, por um lado, estamos perante factualidade que não tendo sido oportunamente invocada pelo Requerido, trata-se de meio de defesa já precludido (Art. 573.º n.º 1 do C.P.C.). Por outro lado, sendo o Tribunal da Relação um Tribunal de Recurso não pode o mesmo conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, pois nestas condições não estaríamos a reapreciar uma decisão proferida, mas sim a decidir “ex novo” (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 107).
É certo que esta questão implica com a competência do tribunal em razão da matéria e com a utilidade da lide, que são exceções dilatórias de conhecimento oficioso (Art.s 576.º n.º 1, n.º 2, 577.º al. a), 578.º, 608.º n.º 2 “in fine” e 663.º n.º 2 do C.P.C.). Mas, na verdade, não está sequer provado nos autos que o Requerido foi declarado insolvente, já que apenas foi junta com as alegações de recurso uma mera cópia de sentença, que se desconhece se sequer se transitou em julgado, sendo que os atos praticados em processos judiciais estão sujeitos ao princípio da tipicidade da prova, só podendo ser demonstrados por certidão judicial emitida pelo tribunal competente.
Os Requeridos não observaram o disposto no Art. 425.º do C.P.C. e, na verdade, não estão sequer reunidos os pressupostos do Art. 651.º do C.P.C. para juntarem agora, em alegações de recurso, certidão da sentença proferida no processo de insolvência com trânsito em julgado.
Resta-nos assim apenas reconhecer que, no momento em que foi proferida a sentença recorrida, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, o Tribunal a quo era competente em razão da matéria e subsistia a utilidade da lide, sendo que no momento em que é proferido o presente acórdão não existem fundamentos para concluir doutro modo.
Em qualquer caso, há ainda que dizer que, a existir insolvência do Requerido desde 20 de maio de 2014 – o que, reafirme-se, não está provado nos autos –, tal não obstaria à procedência do pedido de reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas vencidas depois de 20 de maio de 2014, como os próprios Recorrentes reconhecem (vide, no mesmo sentido: Alexandre de Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência” 2.ª Ed. Revista e atualizada, 2017, pág.202; e Luís Menezes Leitão in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 8.ª Ed., 2015, pág. 166, citando no mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto de 13 de março de 2008 (relator: Carlos Portela) in C.J., Tomo 2, pág.s 181 a 183). Em conformidade, não haveria por isso motivo para revogar a sentença recorrida na sua parte dispositiva que julgou validamente resolvido o contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento de rendas e condenou os Requeridos ao despejo do locado, autorizando a entrada no seu domicílio.
O único “obstáculo processual” reportar-se-ia apenas à condenação no pedido de pagamento de rendas relativamente ao Requerido marido (que não quanto à condenação da Requerida mulher). Mas essa questão tem solução no quadro legal decorrente da simples aplicação das regras a que está subordinado o processo de insolvência. Assim, se o senhorio não reclamou o seu crédito oportunamente no processo de insolvência, não poderá ver o mesmo satisfeito pelas forças da massa insolvente (Art.s 128.º e 90.º do C.I.R.E.). Se houver exoneração do passivo restante, no quadro do processo de insolvência, extingue-se de todo o modo o direito de crédito relativo às rendas em que o Requerido foi condenado (Art. 235.º e ss, v.g. Art. 245.º n.º 1, todos do C.I.R.E.). Na constatação destes efeitos legais se esgotará portanto a utilidade efetiva da condenação em que o Requerido marido foi alvo no presente processo, caso efetivamente tenha sido declarado insolvente.
Fosse como fosse, não existe fundamento para revogar a sentença, nem para declarar a incompetência ou a inutilidade da lide, improcedendo todas as conclusões apresentadas neste sentido.
Julgamos inexistirem razões para deixar de confirmar a sentença recorrida, em face da improcedência da apelação.
***
V–DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
- Custas pelos apelantes (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
Lisboa, 19 de fevereiro de 2019
(Carlos Oliveira)
(Diogo Ravara)
(Ana Rodrigues da Silva)