I - De acordo com o art. 165.º do CPP, a apresentação da prova documental deve ser feita nas fases processuais de inquérito e de instrução, admitindo-se que possa ocorrer na fase da audiência, até ao seu encerramento, caso a junção ao processo não tenha sido possível antes ou tratando-se de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos.
II - Em instrução, a apresentação e produção de qualquer prova só se justificam até ao encerramento do debate instrutório. Prolatada a decisão instrutória, com o que fica esgotado o poder jurisdicional do juiz instrutor, é inadmissível a apresentação de prova de qualquer natureza, incluindo a documental, mesmo havendo recurso dessa decisão.
III - Os recursos têm por exclusiva finalidade a sindicância das decisões recorridas e não a prolação de decisão sobre matéria nova, pelo que essa apreciação deve ser feita a partir dos elementos processuais na base dos quais a decisão impugnada foi proferida.
IV - Resulta da hermenêutica do art. 26.º do CP que co-autor é o que executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou com outros, ou determina outrem à prática do mesmo.
V - Daqui que deva ser considerado co-autor aquele que realiza uma parte da execução do plano criminoso, ainda que com a sua conduta apenas contribua com um acto não típico, mas essencial para a realização da decisão comum. Na co-autoria cabe a actividade, mesmo parcelar, na realização do objectivo acordado, ainda que não entre formalmente no arco da acção típica, desde que seja essencial à execução do concerto criminoso.
VI - Assim sendo, são de imputar a cada um dos co-autores, como próprios, os contributos de outro ou dos outros para o facto, como se todos os tivessem prestado.
VII - Deste modo, a arguida pode e deve ser considerada como co-autora da defesa apresentada pelo seu mandatário e marido no âmbito de um processo disciplinar, caso os factos consubstanciadores da defesa sejam considerados penalmente relevantes.
VIII - Enquanto no n.º 1 do art. 30.º do CP se estabelecem critérios relativos à problemática do concurso de crimes tout court, no n.º 2 deste preceito pretendem-se regular situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unificou em um só crime ─ o chamado crime continuado.
IX - Pretendem-se aqui regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, quer por violação repetida do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários tipos legais de crime, o legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-las como se um só crime houvesse ocorrido.
X - Na base do crime continuado encontra-se um concurso de crimes, mas exige-se também que esse concurso seja executado por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
XI - Perante culpa significativamente diminuída, entende o legislador ser apenas admissível um só juízo de censura, e não vários, como seria de fazer, o que se alcança mediante a unificação em um só crime (continuado) de comportamento ou comportamentos que violam diversas normas incriminadoras ou a mesma norma incriminadora mais de uma vez.
XII - Não se detecta a ocorrência de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa quando, num caso, os factos inserem-se na defesa apresentada pela arguida, acto elaborado fora do processo, subscrito pelo seu mandatário e nele integrado de forma escrita, enquanto, no outro, os factos tiveram lugar em acto ocorrido no processo, ou seja, intra-processualmente, em procedimento presidido pelo inspector judicial.
XIII - A ilicitude da conduta dos arguidos só pode ser afastada pelas causas de exclusão previstas nas als. b) e c) do n.º 2 do art. 32.º do CP, quando perante a colisão de direitos (direito à honra do assistente versus direito de defesa da arguida e dever de patrocínio do arguido) se entender que o direito de defesa e o dever de patrocínio foram devida e legitimamente exercidos, ou seja, quando a sua utilização se mostre necessária à defesa da causa, quando se revele adequada e essencial.
XIV - Como os factos, as afirmações e os juízos de valor não se mostram indispensáveis para a defesa da causa, os arguidos devem ser pronunciados como co-autores de um crime de difamação p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, 182.º, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do CP.
O Tribunal é competente.
Alegam, em suma: a factualidade cerne do ilícito de difamação assacado é a vertida no ponto II da Defesa apresentada em 3 de Outubro de 2011 no PD 269/2011, que o Assistente “não podia ignorar” ser da autoria do Arguido BB; o Assistente foi notificado da correspectiva certidão por ofício datado de 05/12/2011; em 28/03/2012, apresentou queixa apenas contra Arguida AA; e só em 05/12/2012, veio a manifestar o propósito de procedimento criminal também contra o Arguido BB, quando já “há muito” havia decorrido o prazo de 6 meses previsto para o exercício do direito de queixa.
Cumpre decidir.
Mostram os autos:
- a requerimento do Assistente e em cumprimento de despacho de 05/12/2011, foi-lhe emitida e entregue certidão do ponto II da mencionada Defesa dos Arguidos[2], donde não consta qualquer assinatura ou rubrica legível (fls. 70-88, 581-599 do proc. principal[3]; 1095-1096 do Anexo A, vol. 4º);
- em 28/03/2012, o Assistente apresentou queixa apenas contra a Arguida AA (fls. 1-69);
- em 05/12/2012, o Assistente deu entrada do requerimento de fls. 577-579, através do qual expressa queixa contra “todos os autores dos factos ilícitos-típicos (…), especialmente contra o Advogado e marido da denunciada (…)”.
Não oferece dúvida a natureza semi-pública do crime de difamação assacado ao Arguido BB[4] (artº 188º, nº1, al. a), do CP) nem a necessidade de apresentação da correspectiva queixa no prazo de 6 meses (artºs 115º, nº1, do CP e 49º, nº1, do CPP).
Porém, o referido prazo conta-se “da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores”[5] e os elementos deste processo não permitem concluir que o Assistente sabia da comparticipação do Arguido BB na feitura do articulado em causa.
Dito de outro modo, a ilação dos Arguidos que o Assistente “não podia ignorar” semelhante autoria é meramente conjectural porque destituída de suporte probatório: a certidão entregue ao Assistente continha tão-só parte da “Defesa” e era omissa em matéria de identificação do respectivo signatário.
Por outro lado, a circunstância de o Assistente saber que o Arguido BB havia subscrito outras peças em representação da Arguida AA e que interviera em diligências na mesma qualidade[6] não chega para se afirmar, com a necessária certeza, que também era do seu conhecimento a identidade do subscritor da Defesa cuja certidão parcial detinha.
Em consequência, julga-se improcedente a alegada “caducidade do direito de queixa”.
Inexistem outras questões prévias ou incidentais bem como nulidades de que cumpra conhecer.
Em instrução, foi junta a documentação de fls. 1797 a 2003.
Cumpre apreciar e decidir.
- em co-autoria material, um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, alínea a), e 184.º, este por referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do Código Penal;
- à 1ª Arguida, mais um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, alínea a), e 184.º, este por referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do Código Penal;
- a ambos, um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, alínea b), do Código Penal; e
- a ambos, um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 192.º do Código Penal.
Em termos sintéticos, o núcleo da factualidade[8] que lhe serve de fundamento cinge-se à defesa que, “saída da sua lavra e mente”, os Arguidos apresentaram no processo disciplinar 269/2011, a qual se desdobrou em 2 momentos-chave: a peça intitulada “Defesa”[9] enviada em 03/10/2011 e a inquirição de 6 testemunhas levada a cabo no dia de 07/11/2011; com os propósitos, entre ambos concertados, queridos e conseguidos, de ofender a honra e consideração do Assistente enquanto homem e magistrado judicial em termos que facilitaram a sua divulgação pública, de devassar a sua vida privada e de que contra ele fosse instaurado procedimento disciplinar.
“Por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele. Porém, para a pronúncia, não é preciso ter uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que lógicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”[10].
O nosso sistema processual penal consagra inequívoco entendimento de apreciação valorativa dos indícios no sentido de não sujeitar o arguido a vexames e despesas inúteis, cabendo também ponderar que eventuais situações de “non liquet” devem ser valoradas a favor do arguido, por força do princípio in dubio pro reo, princípio geral de incidência probatória mesmo nesta fase instrutória, enquanto emanação do princípio da presunção de inocência[11].
82. No aludido inquérito criminal, foi proferido despacho de arquivamento quanto à aqui arguida AA, a qual não foi constituída arguida. (artº 50º)
83. Consta, designadamente, daquele despacho que:
- "sendo certo que a mesma falsamente (ou contrariamente à verdade) declarou que o referido Dr. EE assistiu ou esteve presente aquando do contacto telefónico atrás referido e que ocorreu no dia 13 de Setembro de 2010, (o que permitiria imputar-lhe a co-autoria do referido crime) certo é, igualmente, que tais declarações foram produzidas quando a mesma foi interrogada (no âmbito do processo disciplinar n° 333/2010) na qualidade processual de arguida". (artº 51º)
- "a mesma não pode ser criminalmente censurada como autora de falsas declarações produzidas em processo em que figura como arguida, pela simples razão de que o arguido é livre de produzir as declarações que entender sem estar sujeito à obrigação de falar verdade".
- "não pode a denunciada Dr. AA ser censurada criminalmente como co-autora desse ilícito, por não ter ocorrido, por parte daquela, a prática de qualquer ato que exprima o domínio do facto na sua fase de execução".
- "independentemente da qualificação do falso depoimento ou testemunho como ilícito de mão própria afigura-se certo que a intenção normativa não pode ser a de comunicar a qualidade de testemunha à pessoa que tem a qualidade de arguido no processo em que o depoimento foi prestado, dada a absoluta incompatibilidade dos respectivos estatutos processuais". (artºs 51º-54º - fls. 1797-1800)
84. O recurso da decisão de não pronúncia do Juiz de ..., Sr. Dr. EE, interposto pelo Ministério Público, foi decidido no sentido do não provimento, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15 de Maio de 2013. (artº 55º - fls. 1802-1813)
85. Não resulta do elenco dos factos provados (1 a 114) que a arguida AA tivesse solicitado ou determinado o Juiz ..., EE, a prestar o depoimento objecto de censura disciplinar. (artº 57º - fls. 1141-1162 do Anexo A, 4º vol.)
86. No respectivo nº 72, consignou-se que: (o Dr. EE) “… sugeriu e insistiu para que a Drª. AA o arrolasse como testemunha, a fim de que…”. (artº 58º - fls. 1148 Anexo A, 4º vol.)
87. O processo disciplinar nº 269/2011 não teve como objecto a apreciação da relevância disciplinar da prestação do referido depoimento. (artº 60º)
88. No processo disciplinar 269/2011, quanto às afirmações vertidas no incidente de recusa, o Conselho Superior da Magistratura “sufragou plenamente” a tese dos serviços de inspecção de que "a arguida não pode ser sancionada disciplinarmente pelos factos praticados, pelo seu advogado, tanto mais que não há qualquer facto provado que possa ser imputado à arguida sobre essa matéria". (artº 64º - cf. acórdão, a fls. 1424vº do Anexo A, 5º vol.)
89. O Assistente também apresentou participação disciplinar contra o Arguido BB, a qual foi arquivada por decisão do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados. (artº 67º -fls. 217-219, anexo A, 1º vol.)
90. Consta da citada decisão de arquivamento que "Lidos os termos do Incidente de Suspeição verificamos que os mesmos não são simpáticos para com o Participante. Mas, acrescentamos, nem o poderiam ser. De facto um incidente como este surge quando existem motivos, sérios e graves, adequados a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade do "suspeito". (. . .) No incidente TÊM que ser alegados factos demonstrativos da desconfiança. E foi isto que o participado fez. E tal é indispensável à defesa da causa. Pelo que não é ato ilícito. O Participado foi duro e crítico da actuação do Participante. Como tinha que o ser. Não cumpre a este Conselho de deontologia averiguar da bondade (ou falta dela) dos argumentos aduzidos pelo participado no incidente de suspeição que deduziu contra o participante. Pelo que não o fará. Basta-lhe verificar que naquela peça processual o participado quer nos termos quer nos fundamentos que invoca nunca excedeu os limites que lhe estão deontologicamente impostos. Nomeadamente pelos art. 90° e 105° do EOA. Assim, por inexistência de infracção, devem os autos ser arquivados". (artº 68º)
91. Na participação disciplinar que deu origem ao PD n.º 269/2011, o Assistente escreveu "Insistiu a Srª Juiz afirmando que talvez fosse possível evitar o procedimento contra o Dr. EE se do processo fosse retirada a notificação para o envio da certidão". (artº 73º - nº 94, a fls. 12, Anexo A, 1º vol.)
92. Na diligência realizada nesses autos em 7 de Setembro de 2011, no âmbito desses mesmos autos, o aqui Assistente disse que "a Dra. AA lhe sugeriu ser possível evitar o procedimento disciplinar contra o Dr. EE. Tendo o Sr. Inspector referido o seguinte: A Dra. AA insistiu que era possível não haver perseguição disciplinar ao Dr. EE desde que este não tivesse que responder ao teor do oficio que lhe enviara, ao que o Inspector retorquiu que, para tanto seria necessário retirar do processo a notificação efectuada, e que isso nem ao meu filho faria". (artº 74º - fls. 477, Anexo A, 2º vol.)
93. Provou-se no processo 269/2011PD: “Após a conversa a sós, a arguida foi conduzida, pelo participante, até ao portão exterior do Tribunal Judicial de... e despediu-se dela com dois beijos”. (artº 80º - ponto 2.1.211, fls. 1409vº, Anexo A, 5ºvol.)
94. No “auto de declarações complementares” de 7 de Setembro de 2011, o Assistente respondeu "as regras da educação mandam que assim faça". (artº 82º - fls. 482, Anexo A, 2º vol.)
95. O assistente afirmou ainda "o sentimento que assolou o ora respondente foi de total revolta por ter aceite receber a arguida no seu gabinete de trabalho, face ao teor da proposta que lhe acabara de ser feita. Oportunamente, se for caso disso, demonstrará a revolta com testemunho presencial e imediato". (artº 83º - fls. 483, Anexo A, 2º vol.)
96. O requerimento em causa foi ditado para a acta pelo arguido BB, no início de diligência efectuada em 13.09.2011, nas instalações do Tribunal Judicial da Comarca de ..., não se encontrando presente a arguida AA. (artº 87º - fls. 527-528, Anexo A, 2º vol.)
97. A matéria alegada relativamente à personalidade e prestação profissional na arguida AA ficou provada como consta dos nºs 2.1.212 a 2.1.267 do acórdão do CSM. (artº 98º - fls. 1409vº-1411, Anexo A, 5º vol.)
98. O que consta do "auto de declarações complementares" é que ao Assistente foi perguntado "a que propósito é que foi abordado o princípio do in dubeo pró reo. Tendo a arguida questionado o participante se ele lhe disse que ela não estava numa relação igualitária em relação ao Dr. DD". (artº 116º - fls. 484, Anexo A, 2º vol.)
99. Tendo este respondido que "a única coisa que disse à ora arguida é que para descredibilizar um inspector judicial, porque exerce funções administrativas no seio do CSM, tem de haver razões sérias e convincentes para ser descredibilizado, e que no confronto com a arguida esta não estaria numa situação de igualdade, tendo depois corrigido para superioridade". (artº 117º - fls. 484, Anexo A, 2º vol.)
100. No nº 23 da participação, o Assistente consignou que “não é de ânimo leve que se pode descredibilizar as declarações de quem quer que seja, "especialmente de um Inspector Judicial. Como é óbvio.". (artº 120º - fls. 25)
101. O Assistente, depois de recusado, remeteu um ofício confidencial directamente dirigido à arguida AA, acompanhado de cópia de despacho no qual consignou que:
"O Instrutor dos presentes autos, que está em missão de serviço no Tribunal Judicial de ..., foi confrontado com um e-mail remetido pelo ilustre mandatário da arguida, Dr.ª AA, para o endereço electrónico do Secretário de Inspecção.
Muito se estranha o envio de um e-mail a suscitar incidente de recusa por canais não oficiais.
O que nada abona a favor de um Magistrado Judicial (…)". (artº 128º)
102. No mesmo despacho, o Assistente determinou o seguinte:
"(…) Por ora, importa esclarecer, sem margem para qualquer dúvida, tudo o que é referido entre fls. 1 e 4 do requerimento. Para tanto, pronuncie-se o Senhor Secretário sobre tudo o que vem alegado nas ditas folhas, designadamente:
1. O que consta de fls. 76, 78 e 79 e a sua correspondência com o original;
2. Se algo corresponde a situação não clara;
3. As razões das rasuras;
4. Se algo foi retirado do processo ou acrescentado;
5. Se recebeu o Senhor Secretário alguma ordem ou instrução do Inspector para retirar do processo seja aquilo que for ou para lhe aditar algo que não corresponda à realidade processual.
6. Neste caso, se alguma vez lhe foi pedido ou ordenado que ocultasse seja aquilo que for". (artº 130º)
103. Ainda nesse despacho, o Assistente escreveu que:
"O requerimento de recusa do Instrutor do processo contém afirmações altamente ofensivas da sua honra e consideração pelo que serão objecto da correspondente participação disciplinar e criminal.
Vem apenas subscrito pelo Exmo. Mandatário da arguida.
Porque se tratará de comparticipação criminosa, notifique pessoalmente a Senhora Juiz, ora arguida, por carta registada com AR, confidencial, para esclarecer se subscreve na íntegra, o conteúdo do requerimento.
Deverá ainda esclarecer se o mesmo foi elaborado com a sua colaboração e se corresponde à sua vontade e querer.
A ausência de resposta no prazo de 5 dias para o Tribunal de Trabalho. de ..., será entendida como acordo expresso na elaboração e remessa do requerimento por parte da arguida." (artº 131º - fls. 144-145, Anexo A, 1º vol.).
104. Por requerimento dirigido ao Conselho Superior da Magistratura e datado de 10 de Abril de 2011, o Assistente pediu escusa, declarando, além do mais, que ''passou a ser inimigo, figadal, da Arguida". (artº 132º - nº 2.1.207, fls. 1408vº, Anexo A, vol. 5º)
105. No despacho de 09/04/2011, no processo disciplinar nº 333/2010, o Assistente verteu os seguintes considerandos relativamente à arguida AA:
- "(…) nada abona a favor da competência de quem o faz ";
- "Tudo o mais alegado resume-se a fait divers, que a Senhora Juiz nem sequer se propõe provar e que só servem para tornar o processo complexo, em coerência com a estratégia da defesa, que pretende tapar o sol com a peneira. Talvez à espera que o prazo prescricional ocorra! ... ";
- "Por isso mesmo até já indicou o nome da testemunha que, na sua verdade (será igual à anterior?!), testemunhou o telefonema";
- "A Arguida limita-se a semear confusão";
- "A Arguida, fazendo uso da sua fértil imaginação, dispara em todas as direcções" ;
- "Mais uma vez a Arguida dispara em todas as direcções, sempre na tentativa (aqui sem qualquer sombra de dúvida) de intimidar o Instrutor";
- "Quando se afirma que (…), só é entendível face à ignorância demonstrada ". (artº 134º - fls. 150-180, Anexo A, 1º vol.)
106. Foi noticiado na comunicação social: que o cidadão em causa foi condenado em 20 anos de prisão; que “um juiz”, durante o julgamento, exigiu ao arguido que exibisse as palmas das mãos; que, por estas não se mostrarem suadas, “o Juiz CC” concluiu pela “personalidade fria e calculista” do arguido. (artº 174º - fls. 854, Anexo A, vol. 3º, nº 2.1.178, fls. 1408, Anexo A, vol. 5º)
107. Em 07/10/2008, o CSM deliberou “reiterar aos referidos Exmºs Juízes o teor da recomendação deste Conselho” no sentido de que é “desaconselhável a sua participação nos órgãos de disciplina do ... profissional, dadas as consequências negativas que, com frequência, daí resultam para a imagem dos magistrados junto dos cidadãos.”
108. Pelo Vogal, Prof. Doutor ..., foi proferida a seguinte declaração de voto, subscrita pelo Vogal Sr. Dr. ...: “Face à comunicação feita e levada a Plenário considero que os Srs. Juízes jubilados que aceitaram integrar o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de ..., contrariando uma recomendação do C.S.M., acatada pelo juízes, contribuem para a ideia cada vez consolidada de que a manutenção do estatuto dos magistrados para os jubilados só é compatível com a assumpção plena por estes dos ónus e deveres que são impostos ou consensualmente aceites pelos magistrados judiciais no seu conjunto.
A recomendação do C.S.M. ignorada pelos Srs. Juízes jubilados tinha motivações e argumentos abundantemente expressos. Considero, por isso, que os Srs. Juízes ao aceitarem tais cargos contribuem para o desprestígio e vulgarização da nossa magistratura junto da comunidade. Era isso que a recomendação pretendia evitar.
Finalmente considero que os Srs. Juízes, por razões estritamente pessoais, podem ter prestado um mau serviço à nossa magistratura e à possibilidade de resolução pela via legislativa, como é necessário, do problema estrutural da designada “justiça desportiva”.
Cobrem assim com a sua capa de magistrados, contra o parecer do C.S.M., formas de funcionamento da justiça desportiva, que já provaram não funcionarem nem serem próprias da titulatura por magistrados judiciais, mesmo que jubilados (…)”. (artºs 180º e 181º - ponto nº 18 da Acta nº 23/2008, acessível no site do CSM)
109. Os Arguidos juntaram ao PD nº 269/2011 certidão contendo também cópia integral da sentença proferida no proc. 101/01.8TABGC, permitindo aos destinatários da defesa identificar o objecto e os sujeitos no processo. (artº 190º - Anexo A, 3º vol., fls. 647-659)
110. Ao aí arguido era imputada a prática de um crime de difamação agravado, de natureza semi-pública, sendo ofendido nesses autos o Assistente. (artºs 191º e 192º)
111. Os Arguidos juntaram ao PD nº 269/2011 certidão contendo cópias da queixa, acusação particular e pedido de indemnização cível deduzidos e do auto de interrogatório e subsequente despacho judicial de arquivamento proferido no proc. 162/04.8TABGC, permitindo aos destinatários da defesa identificar o objecto e os sujeitos no processo. (artº 200º - Anexo A, 3º vol., fls. 661-674)
112. Os Arguidos juntaram ao PD nº 269/2011 certidão contendo também cópia integral da sentença proferida no proc. 884/06.9TABGC, permitindo aos destinatários da defesa identificar o objecto e os sujeitos no processo. (artº 212º - Anexo A, 3º vol., fls. 676-708)
113. Os Arguidos juntaram ao PD nº 269/2011 certidão contendo cópia integral da acusação particular e pedido de indemnização cível deduzidos no proc. 773/07.0TABGC, permitindo aos destinatários da defesa identificar o objecto e os sujeitos no processo. (artº 219º - Anexo A, 3º vol., fls. 710-719)
114. No processo nº 457/10.1TABGC, o Senhor Desembargador CC assumiu a posição de Assistente. (artº 234º)
115. Os Arguidos juntaram ao PD nº 269/2011 certidão contendo cópia integral de várias peças do proc. 310/09.1YFLSB, permitindo aos destinatários da defesa identificar o objecto e os sujeitos no processo. (artº 238º - Anexo A, 3º vol., fls. 721-803)
116. Na certidão junta a fls. 623-626 do Anexo A, vol. 3º, respeitante à sociedade “II – Sociedade Industrial de Estanhos, Lda.”, o Assistente figura como "TITULAR" de uma "QUOTA ( ... ) EM COMUM E SEM DETERMINAÇÃO DE PARTE OU DIREITO". (artº 242º)
117. O Assistente assinou um escrito, intitulado "Declaração" e datado de 10 de Fevereiro de 2008, no qual se diz "Os abaixo assinados, CC, .., QQ, XX e CC são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada «II - Sociedade Industrial de Estanhos e Trabalhos Aéreos, Limitada, que tem a sua sede (…)". (artº 248º - Anexo A, 3º vol., fls. 773) .
118. Consta da "Acta Avulsa nº 1/2008 de Assembleia-Geral” da referida sociedade que foi “nomeado Secretário o sócio CC". (artº 249º - Anexo A, 3º vol., fls. 727)
119. Na queixa criminal que apresentou no processo nº 310/09.1YFLSB, o Assistente juntou cópia da Acta, consignando tê-la lavrado. (artº 250º - Anexo A, 3º vol., fls. 741)
120. Diz-se na queixa que:
"Efectuado o reabastecimento de combustível em Zaragoza, queixou-se o participante do preço, que era de quase 2,00€ por litro, muito superior ao praticado em Portugal.
O ... aconselhou o participante, na presença de seu pai, a registar a aeronave a favor de uma firma que tivesse denominação social e no objeto a expressão «serviços aéreos», ou equivalente, para poder beneficiar de redução do preço do combustível em Espanha.
O pai do participante, que estava a ouvir a conversa, voltando-se para este, sugeriu: "porque não pões o avião em nome da nossa sociedade?!", constituída apenas pelo pai (90%) e pelo participado (10%), conquanto a quota do pai esteja hoje registada em comum e sem determinação de parte a favor dele próprio e dos 4 filhos.
Foi ponderada a sugestão.
Concluindo, como concluiu, que não havia prejuízo fosse para quem fosse, como não há, e ainda porque se trata de uma sociedade exclusivamente familiar, entendeu o participante dever encetar diligências no sentido de obter o acordo de todos os sócios, pais e irmãos, para poder efectuar o registo da aeronave a favor da sociedade familiar.
No Sábado, dia 1 de Março, de 2008, cerca das 10 horas, deslocou-se o participante ao armazém do participado, sito no Bairro da Estação, em ..., por razões da vida familiar de ambos.
A este foi dado a conhecer a sugestão do ... e do pai, tendo-lhe sido afirmado que se com ela concordasse, fazia-se a adaptação da firma e objecto social - necessária para poder constar do cartão de pessoa colectiva a expressão «serviços aéreos» ou equivalente, condição sine qua non para poder beneficiar de combustível mais barato em Espanha, e apenas aí - e, na sequência da alteração do pacto social, o registo da aeronave a favor da sociedade.(…)
Face a tal consulta, ficou o participante a saber, e só agora (!...) que, conjuntamente com a irmã, ... e o irmão XX, também era sócio da sociedade (. .. ).
Depois de alguma troca de palavras, pergunta: «mas há um segundo documento?»
O participante respondeu afirmativamente e disse-lhe que o tinha ele, participado, nas mãos, que também teria de ser assinado para garantia de que a firma não era responsável por qualquer problema da aeronave, antes o era o verdadeiro dono". (artº 266º - Anexo A, 3º vol., fls. 740-744)
121. O documento aludido foi junto com a queixa do Assistente, lendo-se no mesmo que:
"Por questões do foro pessoal do sócio CC, que se prendem, essencialmente, com os preços mais baixos do combustível em Espanha, quando as aeronaves pertencem a firmas que tenham no seu objecto social o exercício de trabalhos aéreos, como é o caso da referida firma, foi autorizado que a aeronave ligeira marca Cessna, modelo 172, matrícula ... fique registada a favor da dita firma.
Porém, todos reconhecem, unanimemente que a aeronave é de exclusiva propriedade do sócio CC e do Sr. YY, (…)". (artº 267º - Anexo A, 3º vol., fls. 773)
122. No nº 69 da queixa, o Assistente escreveu "(…) nos 2 anos em que o avião foi do ora Participante, nunca este, Participante, voou para Espanha (…)". (artº 286º - fls. 30)
123. Na queixa que apresentou no processo nº 310/09.1YFLSB, disse o Assistente:
"Em Fevereiro de 2008 o participante adquiriu uma aeronave ligeira ao Sr. ... e à firma AMF.
Em 12 de Fevereiro de 2008, transportou o pai do participante a Zaragoza-Espanha, para visitar a feira da Agricultura.
Tendo consciência da sua curta experiência aeronáutica, pediu ao Sr. ..., piloto de linha aérea, que o acompanhasse nessa viagem, ao que ele acedeu". (artº 287º - Anexo A, 3º vol., fls. 740)
124. Na “Declaração” junta com a queixa, assinada pelo Assistente e datada de 10 de Fevereiro de 2008, consta que a aeronave ligeira marca Cessna, modelo 172, matrícula CS-DBN "é de exclusiva propriedade do sócio CC e do Sr. YY, (…)". (artº 288º - Anexo A, 3º vol., fls. 773)
125. O Assistente consignou no nº 122 da queixa: “Nunca abasteceu o avião de combustível em Espanha precisamente porque para aí nunca voou enquanto foi de sua propriedade”. (artº 294º - fls. 35)
126. Os Arguidos juntaram ao PD n° 269/2011 certidão de registo comercial, donde consta que a cessão de quota da esposa do Assistente foi inscrita em 2000. (artº 297º - fls. 932, Anexo A, 4º vol.)
127. Na diligência ocorrida em 7 de Novembro de 2011, no âmbito do PD 269/2011, o Assistente declarou, referindo-se ao cidadão LL , que "nunca com ele privou". (artº 300º - Anexo A, 4º vol., fls. 939)
128. No Processo Comum Singular n° 884/06.9TABGC, do 1° Juízo do T.J. de ..., o Assistente apresentou queixa e deduziu pedido de indemnização cível contra MM, NNs (filho de LL) e OO. (artº 301º)
129. Na acusação e pedido cível deduzidos, escreveu o Distinto Mandatário do Assistente que:
- "(. . .) o demando MM, quando detido nos Estados Unidos da América, ao ser interrogado no âmbito da investigação criminal para averiguação da sua actividade delituosa de tráfico de estupefacientes, no processo 245H-MM-99899, em 8 de Abril de 2003, em Miami, no gabinete e na presença do Procurador- Adjunto ..., sito nas instalações do Tribunal Federal dos Estados Unidos da América do Norte e ainda perante os agentes policiais especiais do FBI, ... e ...., o seu próprio advogado ... e da tradutora ..., imputou ao ora Demandante, os seguintes factos «... has insinuated to MM that he is protected by judge ... in is ilegal undertakings» (LL insinuou a MM que goza da protecção do Juiz CC nas suas actividades ilegais)".
- "Tendo tomado conhecimento das declarações do MM, a que antes se faz alusão, e bem ciente da falsidade da pretensa protecção nela referida, e da má fé da correspondente insinuação, o Demandado NN, em 8 de Junho de 2006, Sexta-Feira, nas instalações do IRS, nesta cidade, onde se tinha deslocado para tratar de assuntos relacionados com a concessão do RAVE ao seu pai, LL, que estava preso no EP de LLL, pediu para falar pessoalmente com a esposa do Demandante, a testemunha TT, que dirige aquela delegação do IRS".
- "Levado à sua presença, disse-lhe que era justo conceder aquele regime ao seu pai uma vez que o MM já estava em liberdade condicional, ele que era um grande sacana" e que "Acrescentou que o MM tinha dito e continuava a afirmar que o Dr. CC era um grande traficante de droga". (artºs 302º-304º - fls. 1218-1231)
130. O arguido NN apresentou contestação no aludido processo criminal, acompanhada de documentos (artº 305º - fls. 1232-1251).
131. Nessa contestação, alegou que
- "(…) de facto, e porque tal corresponde à realidade, o Dr. CC sabe que desde há muito, há cerca de 20 anos, existia uma convivência amistosa, de respeito e interesses mútuos, entre o arguido e pai deste e o Dr. CC e esposa".
- "Não é por acaso, e a título de exemplo, que o Dr. CC acompanhou o arguido na sua boda de casamento, em 21 de Abril de 2002, onde apenas participaram as famílias dos nubentes e respectivos amigos de ambos, como bem se vê dos documentos juntos sob os números 1, 2 e 3 e que aqui se dão por reproduzidos e integrados para todos os efeitos legais, em cujas fotografias figura o Dr. CC".
- "É que desde há muito que havia interesses mútuos entre o Dr. CC, e esposa, e o pai do ora arguido no ramo da construção civil e automóvel".
- "Não é por acaso, de resto, que a Drª. TT, esposa do Dr. CC, e o irmão e cunhado deste serem sócios, tal como o pai do arguido, LL, da Imobiliária ... Lda, cujo objecto era a construção civil, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim - Cfr. Documento que se junta sob o n. o 4 e que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais".
- "Mas eloquente é o facto de o queixoso, Dr. CC, após a esposa haver cedido a sua quota, passar ele próprio, com dois amigos, a participar, com a sociedade de que o arguido era sócio, na construção de dois prédios urbanos sitos à Av. ..., depois de haverem adquirido os respectivos lotes".
- "Tendo os três, Dr. CC, Dr. ... e ... vendido, posteriormente, depois de negociações várias, a sua participação a ..., passando este, a partir daí, a acompanhar a construção desses dois prédios e venda das respectivas fracções".
- "Não deixa de ser eloquente, por fim, o facto de ser o queixoso quem acompanhava todo o processo contabilístico da construção dos dois identificados edifícios, sendo ele mesmo que anotava, com o seu próprio punho e letra, os movimentos numa ficha própria (. . .) E acompanhando o evoluir das obras e emitindo opiniões". (artºs 306º-312)
132. Os arguidos juntaram aos autos cópias de 5 cheques sacados sobre a conta da sociedade "Imobiliária ... Lda.", com datas de 2001, um deles emitido à ordem do Assistente. (artºs 314º-315º - fls. 1286-1290)
133. No âmbito do Processo Comum Colectivo n° 251/02.3JELSB, LL foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 9 anos de prisão, por factos de 2002 e 2003, mediante decisão de 20/10/2004, transitada em julgado em 04/11/2004[22]. (artº 322º - fls. 1826-1868, 1353-1355)
134. O Assistente foi convidado e compareceu no casamento do filho de LL, N celebrado no dia 21 de Abril de 2002. (artº 324º - fls. 1240-1241, 1291)
135. No depoimento que prestou na audiência de julgamento realizada no Processo Comum Singular n° 884/06.9TABGC, o Assistente referiu:
"Para que não restem dúvidas eu quero dizer que conheci o Sr. LL há cerca de quinze anos, por intermédio de uma pessoa amiga e que o Sr. LL foi sempre uma pessoa comigo educada, correcta, leal, respeitadora, honesta, íntegra e, por isso mesmo, eu tinha pelo Sr. LL uma admiração e uma consideração muito acima da média.
Afastei-me do Sr. LL ... porque nunca tive uma relação de convívio com ele... eu disse relação de consideração, não disse relação de convívio, porque relação de convívio não existia. Mas havia uma relação de consideração se nos encontrássemos tomávamos café, se ... uma vez ou duas por ano, se ou se fosse caso disso também íamos almoçar ou jantar ... não tinha qualquer tipo de problemas, nem daí vinha mal ao mundo.
Afastei-me do Sr. LL a partir do preciso momento em que soube que estava indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes e isto por uma questão de princípio e porque eu abomino os traficantes porque, tal como o Papa João Paulo II, eu considero que eles são traficantes da morte.
Portanto, efectivamente, a partir daí a minha relação parou, terminou completamente, eu suponho que isto haverá para aí uns cinco anos ... seis anos ... em termos de datas exactas não posso reproduzir, mas por aí ...
Portanto, a relação que eu tinha, a relação de consideração que eu tinha com o Sr. MM era uma relação de consideração, como disse, e que, efectivamente, houve interesses económicos em comum e em conjunto que foram tratados sempre com lealdade, transparência e honestidade ... por parte de uma sociedade que a minha mulher era sócia e também depois uma outra ... uma outra sociedade feita com o Sr. ... ... ... ... perdão ... com o Sr. ... de quem eu tinha também um contrato de associação de associação ... essa sociedade já se lhe passaram as quotas para aí há onze anos". (artº 325º - CD, a fls. 1869).
136. Em 20/03/2012, o Assistente apresentou queixa-crime contra QQ, a qual deu origem ao Inquérito n° 134/12.9TABGC. (artº 327º - fls. 1870-1880)
137. No nº 42 da queixa, o Assistente consignou: " Na sequência, os restantes irmãos, a irmã por intermédio do marido e o ora Participante por intermédio da esposa (que não precisa ser testa de ferro já que está casada com o Participante em regime de comunhão de adquiridos), passaram a ser sócios da dita sociedade, a Imobiliária..., Lda.". (artº 330º)
138. No dia 7 de Novembro de 2011, foi perguntado ao Assistente "Se relativamente ao processo em que era arguido o Sr. QQ, irmão do aqui participante, se admite ao não que o Juiz que iria presidir ao julgamento, caso esse se tivesse concretizado, era seu inquilino?", tendo respondido: "É verdade que é meu inquilino e ainda verdade que não tem qualquer tipo de relacionamento pessoal com o Sr. Juiz". (artºs 341º-342º - fls. 944, Anexo A, vol. 4º)
139. No pedido de escusa formulado no proc. nº 310/09.1YFLSB, o Senhor Juiz nada referiu quanto à circunstância de o Assistente ser seu senhorio (artº 343º - fls. 800-801, Anexo A, vol. 3º).
140. À “pergunta dois”, o Sr. Dr. ZZ respondeu:
"No âmbito do referido processo e porque constam do mesmo foi feito requerimento, salvo erro em 29 de Agosto de 2010, em que, após ter tomado conhecimento da posse como inspector judicial do Sr. Desembargador CC, com gabinete instalado, salvo erro, no Tribunal de Trabalho de ..., vim requerer em nome do meu constituinte, fundamentando na falta de confiança na isenção dos Srs. Juízes (por mais respeito que merecessem e merecem), para não ser julgado, genericamente, por todo e qualquer juiz que pudesse vir a ser classificado pelo Sr. Juiz Desembargador CC.
Como também consta dos autos a uma senhora juiz do tribunal de ... é deferido o seu pedido de escusa, não o sendo ao Sr. Magistrado do 1º Juízo. No entanto, estranhamente, aquando da marcação de uma data para a audiência de julgamento, ao consultar os autos, verifico que o meu requerimento de 29 de Agosto de 2010 não subira ao Tribunal da Relação do Porto, isto é, não fora alvo de qualquer decisão sobre o meu requerimento.
Inconformado com o facto da não subida do requerimento ao Tribunal da Relação do Porto, dois dias antes da data da audiência de julgamento reclamo de tal facto, tendo obtido uma resposta do magistrado, negando-me as minhas razões. Porém, no dia da audiência de julgamento e também por insistência do mandatário do assistente, Dr. ..., o Mmº. Juiz terá decidido adiar a audiência de julgamento, determinando a subida do requerimento do arguido, de 29 de Agosto de 2010. O Tribunal da Relação do Porto não considerou os fundamentos da recusa, sujeitando-se o arguido a ser julgado no pretérito dia 6 de Outubro de 2011. Em momento algum destes autos de pedidos de escusa e recusa foi referida ou sequer indiciada a qualidade de inquilino do Sr. Magistrado do 1º Juízo relativamente ao Sr. Juiz Desembargador. No dia 6 de Outubro de 2011 o arguido foi confrontado com eventual desistência da queixa, tendo dado conhecimento ao depoente que nesse dia soubera que o Sr. Juiz era inquilino do assistente, Sr. Juiz Desembargador CC. Então, o depoente aconselhou o arguido a certificar-se da verdade de tal afirmação, pois que se assim fosse e como o julgamento iria decorrer em dois dias, viria requerer a recusa do Sr. Juiz. Tal já não foi necessário pois que o arguido aceitou a desistência de queixa já agastado com o decurso do processo, com receios de alguma decisão desfavorável e, também, pelos custos processuais que mediu caso o julgamento fosse feito e viesse a ser condenado, o que temeu, não porque não lhe assistisse razão, mas pelas vicissitudes processuais com que já se debatera e temia vir a continuar". (artº 344º - fls. 952-953, Anexo A, 4º vol.)
141. O Assistente inspeccionou o Juiz que proferiu a sentença no processo nº 884/06.9TABGC. (artº 347º - fls. 1075, Anexo A, 4º vol.)
142. À “pergunta dois”, o Sr. Dr. ... respondeu: "Sou advogado há trinta e muitos anos e nunca receei que qualquer douto julgador decidisse senão em consciência. Conhecia bem o Dr. EE e sabia que ele era suficientemente superior para não se deixar influenciar. Não senti qualquer tibieza por parte desse douto julgador.
Mais refiro que é do domínio comum que não é correto que um juiz nascido e vivido nesta terra seja juiz na comarca muitos anos e que fique instalado nesse mesmo tribunal na qualidade de inspetor.
Acrescenta ainda que o depoente sempre se opôs a que tivesse sido revogada a Lei do Sexénio". (artº 348º - fls. 961, Anexo A, 4º vol.)
143. À “pergunta quatro”, o Sr. Engº. AAA respondeu:
"1- Tenho o dever de confiar na magistratura;
2- Considero totalmente impróprio que um Sr. Dr. Juiz possa promover acções próprias em tribunais sob os quais exerce inspecção;
3 - Entendo que os órgãos superiores de magistratura deveriam impedir situações desta natureza". (artº 353º - fls. 958, Anexo A, 4º vol.)
144. À “pergunta dois”, o Sr. BBB respondeu: "Eu penso que agi correctamente, até porque quando o Sr. Juiz deixou a aeronave fora do hangar garanti-lhe todas as medidas de segurança.
Eu temo o seguinte: Como eu agi correctamente não tenho a temer nada da justiça. Mas, estou ciente que no caso de dúvida do Sr. Juiz que me for julgar, penso que será normal proteger quem o vai classificar e não a mim que não conhece de lado nenhum". (artº 358º - fls. 971, Anexo A, 4º vol.)
145. PPfoi também constituído arguido no inquérito nº 166/08.1 TABGC, ainda pendente aquando da inquirição de 7 de Novembro de 2011. (artº 363º)
146. À “pergunta dois”, o Sr. PP respondeu:
"Como é evidente não sinto confiança em que se faça justiça e não tenho qualquer dúvida que a justiça será pressionada pela intervenção do Dr. CC. Quem o conhece como eu conheço e a cidade conhece bem, não tem qualquer dúvida de que a vontade dele tem que prevalecer, doa a quem doer e a qualquer preço. Ai daquele que tenha que julgar e não satisfaça os seus desejos. A sua personalidade manifesta-se sempre pela conquista, não olhando a meios e a formas para atingir os seus objectivos". (artº 365º - fls. 966, Anexo A, 4º vol.)
147. À “pergunta dois”, o Sr. QQ respondeu:
"Eu pesei os prós e os contras. Um comerciante reformado, perante um processo desencadeado pelo senhor inspector; tendo como juiz um inquilino seu, debaixo da sua alçada, certamente que o prato da balança não me seria favorável, muito embora o Sr. Juiz já tivesse pedido escusa nesse processo, tendo-lhe sido indeferida pelo Tribunal da Relação". (artº 371º - fls. 975, Anexo A, vol 4º)
148. À “pergunta cinco”, o Sr. Engº ... respondeu: "Enquanto Presidente da Câmara Municipal tenho respeitado e feito respeitar totalmente as situações de incompatibilidade. Fiquei perplexo com a qualidade de gestor de negócios do Sr. Juiz Desembargador. Eventualmente, por desconhecimento meu, do âmbito das incompatibilidades existentes no quadro da magistratura". (artº 380º - fls. 958, Anexo A, vol. 4º)
149. À “pergunta dez”, o Sr. Engº PP respondeu: "Gravíssimo e escandaloso. Aliás o exigir, seja a jogar às cartas, seja numa taberna ao mais simples cidadão que o tratem por juiz é prática corrente.
Quando recebi esta carta em papel timbrado da Relação do Porto, embora escandaloso, para mim não foi novidade, pois o Dr. CC o usar o património colectivo para questões pessoais não é de estranhar". (artº 381º - fls. 968, Anexo A, vol. 4º)
150. Na diligência realizada em 7 de Novembro de 2011, à “Pergunta 1 – No pedido de escusa que formulou o Exmº. Participante confessou-se inimigo figadal da arguida. Quantos são os inimigos figadais do Exmo. Participante e em que lugar posiciona a arguida nessa escala?", o Assistente respondeu "alguns. Lugar cimeiro ". (artº 389º - fls. 937, Anexo A, vol. 4º)
151. À pergunta "acreditaria nas declarações produzida pelo Sr. Desembargador quando este se reportasse a alguém que confessa ser seu inimigo figadal em lugar cimeiro", a testemunha Dr. ZZ respondeu "que não acreditaria. Afirma ainda que o considera pelo que conhece dos processos em que o Dr. CC é parte, ser uma pessoa afecta ao conflito". (artº 391º - fls. 955, Anexo A, vol. 4º).
152. À pergunta "É capaz de mentir para perseguir um inimigo figadal?", a testemunha BBB respondeu: "É capaz de mentir para perseguir um inimigo figadal. Que já aconteceu comigo". (artº 391º fls. 972, Anexo A, vol. 4º)
153. À pergunta "(…) Acha que nestas circunstâncias, quando o seu irmão se refere à minha pessoa, só falará a verdade, ou acha-o capaz de mentir para perseguir uma inimiga figadal que ele próprio coloca num lugar cimeiro?", a testemunha QQ respondeu: "O carácter dele leva-me a ter a certeza que tudo fará, inclusive mentir e levar as testemunhas a mentir, como fez no meu processo, (…)". (artº 393º - fls. 978, Anexo A, vol. 4º)
154. Nas declarações que, na qualidade de Assistente, prestou no Processo Comum Singular nº 593/11.7PBBGC, disse o ora Assistente:
"Tomam posse os novos membros dos órgãos sociais da direcção e a primeira proposta que o Doutor ... faz é esta: que me debitassem as horas de voo que eu tinha feito no Raid Ibérico, esquecendo-se que eu tinha ido a Chaves... a Évora duas vezes no meu carro sem um tostão debitado ao aeroclube, que tinha ido à Covilhã sem um tostão debitado ao aeroclube, mas, enfim ... eu devia pagar porque o Senhor Engenheiro..., que levou a mulher e o Doutor ...o, que não fizeram trabalho dum ... de absolutamente nenhum para o Raid Ibérico, esses então tinham direito a integrar o Raid Ibérico sem contrapartida e, mais, ainda pagando o combustível ao Doutor.... E então, a direcção, sim senhor, debita-me ... delibera debitar-me essas horas de voo". (artº 404º)
155.Relatou ainda, mais adiante:
"Por mensagem, por mensagem dirigida a este Senhor, mandei-lhe uma mensagem e disse: Vocês ou anulam a asneira que fizeram relativamente às horas de voo ou eu, com uma frequência de três em três dias, vou começar a fazer participações contra o autor da proposta, que era o Doutor ..., contra o executor, que era o PP, contra o ... a ... contra o ... a ... o ... Aeroclube e, depois, contra vocês todos (…).
Não me levaram a sério. Não me levaram a sério e as participações começaram a entrar. Começaram a entrar nas finanças, contra o ..., depois, aqui no Ministério Público, a pedir que anulasse o negócio de ... o negócio simulado de compra e venda do avião dele, depois aqui no ... no Tribunal também contra o Doutor ... por falsificação de documentos, depois contra o Engenheiro ... por ... no, no INAC, depois contra o Engenheiro ... no ... aqui no Tribunal e ... fomos andando nisso (…)". (artº 405º - CD, a fls. 1882, fls. 1891-1893)
156. A testemunha ZZ, Advogado, afirmou que "(…) era público e notória a relação de intimidade entre o Sr. Juiz Desembargador CC e o Sr. LL, também conhecido por SS. (…)". (artº 409º)
157. Mais referiu: “(…) corria pela cidade a existência de interesses comuns na construção imobiliária, direta ou indiretamente e que numa reunião da assembleia municipal de .... Realizada na gestão do Dr. ..., há relativamente 15 ou 16 anos quando se discutiam assuntos de urbanismo, o Dr. ..., ao referir-se a um loteamento na zona do Plantório, terá falado no loteamento do juiz, referindo-se ao Dr. CC". (artº 410º - fls. 954, Anexo A, vol. 4º)
158. A testemunha ..., Presidente da Câmara Municipal de ..., relatou: “Adquiri nesse edifício um apartamento (…). A aquisição foi feita ao Sr. SS ou empresa de que era proprietário, tendo reunido, em momento que não sei precisar, nesse âmbito, com o Sr. SS e o Sr. Dr. Juiz CC, desconhecendo o motivo da sua presença". (artº 411º - fls. 959, Anexo A, vol. 4º)
159. A testemunha ..., Advogado, referiu: “(…) sabe que os dois eram conhecidos e amigos". (artº 413º - fls. 962, Anexo A, vol. 4º)
160. O Assistente afirmou: “(…) Estive sozinho no casamento, e da cerimónia me ausentei logo que pude". (artº 414º - fls. 941, Anexo A, vol. 4º)
161. A testemunha PP afirmou: "(…) A cumplicidade, a amizade, os negócios entre CC e SS têm mais de vinte anos. Eu próprio, a pedido do Dr. CC, sabendo das minhas amizades com o Eng o ..., Secretário de Estado do Ordenamento do território, na altura, foi-me pedido para interceder junto dele a fim de desbloquear o processo de loteamento do Bairro do Plantório. Telefonei ao Engº ... que me marcou reunião para três dias depois na Comissão de Coordenação da Região Norte. Desloquei-me ao Porto na companhia do CC e SS. Esperaram-me no Hall da comissão, reuni com o Eng" ..., explicando tecnicamente que o problema do alvará era solúvel, tendo o mesmo concordado com as minhas opiniões, o que levou a despacho favorável do respectivo alvará cerca de oito dias depois". (artºs 415º-416º - fls. 966-967, Anexo A, vol. 4º).
162. Mais referiu: "(…) Esse prédio foi construído pelo Sr. ..., SS, Sr. e com ligações, que sempre existiram com o CC. Esse prédios, aí construídos resultaram da demolição de várias casas contíguas, onde umas estavam já devolutas e outras ocupadas. Foi um bom negócio que exigiu a intervenção de disponibilizar as casas velhas, obrigando a acções de despejos ou a acordos para libertas as mesmas casas. A intervenção e gestão dessas mesmas coisa envolveu a intervenção do Dr. CC". (artº 417º - fls. 967, Anexo A, vol. 4º)
163. A testemunha QQ, irmão do participante, referiu: "Se bem me lembro, e se a memória não me atraiçoa - o participante - teve sociedade do loteamento no Plantório, em ..., terreno que compraram aos herdeiros de.... Teve sociedade no empreendimento da Ava. Sá Carneiro, onde foram «sócios» a irmã ..., o irmão ..., o Sr. ..., o Sr. ..., já falecido, e o Sr. .... Foi sócio também do prédio da rua 5 de Outubro, onde foi sócio o Sr. ... através do seu genro comandante Freixo, na altura comandante da PSP de ..., (…). Teve também negócios com um prédio na Avª das Forças Armadas, onde entrou também nesse negócio o Sr. .... Teve negócios na firma ...o, instalada no armazém das ..., construído por mim e pelo meu irmão ....". (artº 418º - fls. 975-976, Anexo A, vol. 4º)
164. Relatou ainda: "Esse prédio, já velho, morava lá um senhor reformado da PSP, senhor ..., que se recusou a negociar a saída com o Sr. SS e com o Sr. ..., tendo estes movido a acção de despejo com base que o dito ... tinha a sua morada em .... Essa acção de despejo foi julgada pelo actual inspector CC, que se deu ao cuidado numa noite ir a ... confirmar se era verdade ou não que o inquilino ali morava". (artº 419º - fls. 976, Anexo A, vol. 4º)
165. Acrescentou: “(…) durante a construção do prédio da Ava das Forças Armadas, o Sr. Inspector protelou por cerca de duas horas um julgamento porque no gabinete que ocupava neste Tribunal, esteve a negociar com a firma ..., Lda os materiais de construção". (artº 420º - fls. 977, Anexo A, vol. 4º)
166. A comunicação do Desembargador, Sr. Dr. FF, que esteve na origem da instauração do Inquérito disciplinar nº 85/2012, no qual o Assistente foi visado, é do seguinte teor:
"I - Lendo e relendo os depoimentos prestados no dia de ontem, 7 de Novembro de 2011, remetem-se certidão dos mesmos ao Venerando Conselho da Magistratura para os efeitos tidos por convenientes.
II - Cerca das 23:45 horas e após se proceder à inquirição da testemunha QQ, esta saiu das instalações do Tribunal e, passados cerca de dez minutos, e quando nos dirigíamos para o veiculo automóvel a testemunha apareceu, no parque de estacionamento do tribunal, a sangrar da face esquerda, referindo ter sido agredida pelos seus irmãos, entre eles o Senhor Desembargador CC.
É o que cumpre informar o Venerando Conselho Superior da Magistratura, remetendo para tanto cópia deste despacho". (artºs 421º-422º - fls. 1010 do Anexo A, 4º vol.)
167. No dia 12 de Outubro de 2011, a Arguida fez entrar no Conselho Superior da Magistratura uma participação disciplinar contra o Assistente, assente nos mesmos fundamentos que integraram o ponto II) da sua defesa no PD 269/2011, a qual deu origem ao processo administrativo nº 2011-706/D2. (artº 425º - fls. 1931-1940).
168. Na Sessão Plenária de 14 de Novembro de 2011, o Conselho Superior da Magistratura tomou a seguinte deliberação:
“Ponto n° 2.1- procº 2011-706/D2 e 2008-296/D2
Apreciado o expediente apresentado pela Exmª. Juiza de Direito do Tribunal Judicial de ..., Drª. AA e pelo Exmº Sr. QQ, em que é visada a actuação do Exmº. Juiz Desembargador, Inspector Judicial, Dr. (…), foi deliberado, proceder a inquérito, sobre os factos constantes das respectivas participações, não devendo, porém o mesmo incidir sobre factos já apreciados por este Conselho.
O inquérito será realizado por Inspector Judicial Extraordinário, a designar pelo Exmº Sr. Vice Presidente, enviando-se ao Inspector Judicial Extraordinário que vier a ser indigitado os autos arquivados relativamente a factos que penderam neste Conselho contra o Exm ° Sr. Inspector Judicial, Dr. (…).
Mais foi deliberado, com votos a favor de todos os presentes, com excepção do Exmº Sr. Dr. ..., que votou contra, que tendo em conta a especificidade das funções de inspecção e no intuito de preservar a imagem e idoneidade das mesmas e, bem assim, as do Senhor Desembargador, suspender o exercício de tais funções enquanto se encontrarem pendentes os procedimentos actualmente existentes, regressando o Senhor Desembargador ao exercício de funções no âmbito do Tribunal da Relação (. . .).
Mais foi deliberado nomear um Inspector Judicial Auxiliar para substituir o Exmº Sr. Desembargador, Dr. (…), enquanto este estiver suspenso do exercício das funções de Inspector Judicial, a designar pelo Exmº Sr. Vice-Presidente.
O Exmo. Sr. Dr. ... proferiu a seguinte declaração de voto:
Voto contra a deliberação de suspensão do senhor inspector, por entender que, face à matéria contida nas participações contra o mesmo, quer por parte da Dr.ª AA quer por parte do Sr. QQ, a retirada ao senhor Inspector apenas da área da comarca de (…) seria suficiente, a meu ver, para satisfazer as necessidades de Isenção, Imparcialidade e Independência pretendidas pelo Conselho Superior da Magistratura.”. (artº 425º - fls. 1941-1954)
169. Para o Inquérito Disciplinar n° 418/2011, visando a actuação do Assistente, foi designado o Inspector Extraordinário, Conselheiro Santos Cabral. (artº 426º)
170. Em reunião do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 14 de Fevereiro de 2012, foi deliberado "concordar com o teor da proposta constante do Relatório do Exmº Sr. Inspector Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., que aqui se dá por inteiramente reproduzido, e converter o mesmo em processo disciplinar, constituindo aquele sua parte instrutória, nos termos do art. 135º nº1 do E.MJ.". (artº 427º - fls. 1955-1966)
171. Ao processo disciplinar veio a ser atribuído o n° 85/2012, também instruído pelo Conselheiro Santos Cabral. (artº 429º)
172. Em reunião do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 15 de Janeiro de 2013, apreciou-se ainda o seguinte ponto:
"Proc. n° 2012-85/PD - Processo Disciplinar - Juiz Desembargador (…) - Não obteve acolhimento o projeto do acórdão do Ex.mo Vogal Dr. Tibério Silva que, após votação, obteve o seguinte resultado, 12 (doze) votos no sentido do Plenário aplicar uma pena superior à proposta, dos Exmºs Presidente, Vice-Presidente, Dr. ..., Dr. ..., Prof. Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Drª ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ... e Dr. ..., e de 2 (dois votos) contra esta pretensão, dos, Exmºs Srs. Drs. ... e Dr. ....
Pelo que atenta a votação, foi deliberado proceder à redistribuição dos autos, indicando-se para seu relator o Exmo Sr. Prof. Doutor ...". (artº 430º - fls. 1967-1988).
173. Na sessão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 19 de Fevereiro de 2013, foi proferida a seguinte deliberação:
"( .. .) Proc. n° 2012-85/PD - Processo Disciplinar - Juiz Desembargador ( .. .) - Foi deliberado por maioria, aprovar o projecto de acórdão do Exm° Vogal Prof Doutor ... - "pena de 10 (dez) dias de multa".
Seguidamente, passou-se a apreciar a tabela adicional de contencioso adiado de 11.12.2012.
Proc. n° 2012-851PD - Processo Disciplinar - Apreciada a proposta de deliberação no sentido de cessar a comissão de serviço, enquanto Inspector Judicial, do Exmº Sr. Juiz Desembargador (…), procedeu-se a votação, que obteve o seguinte resultado, a favor da cessação, 15 (quinze) votos, dos Exmºs Srs. Presidente, Vice-Presidente, Dr. ..., Prof. Doutor ..., Prof. Doutor ..., Prof. Doutor ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Drª ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ... e Dr. ..., e com 1 (um) voto contra a cessação, do Exm° Sr. Dr. ....
Pelo que foi deliberado, cessar a comissão de serviço, enquanto Inspector Judicial, do Exmº Sr. Juiz Desembargador (…), com a observância do prazo de 30 (trinta) dias e com o regresso deste ao respectivo Tribunal, onde, aliás, por força da suspensão decretada, tem vindo, ultimamente, a exercer funções.
(…) O Exmº Sr. Dr. ..., proferiu a seguinte declaração de voto:
"Votei contra, por continuar a entender que face aos factos, bastava-lhe ser retirada a área da comarca de Bragança.". (artº 431º - fls. 1989-2003)
174. Em 2008, o Assistente foi mencionado na imprensa regional a propósito dos conflitos com o Presidente da Câmara Municipal de ... relativos à hangaragem da sua aeronave; anteriormente, havia sido referido a propósito da candidatura às autárquicas de 2005. (artºs 437º, 440º - fls. 1295; Anexo A, 4º vol., fls. 910-912)
175. No nº 1243 do jornal "Acção Socialista”, de 04/05/2005, pode ler-se, na pág. 10, sob o título "CC compromete-se a criar 500 postos de trabalho", que o Assistente é identificado como "juiz desembargador" e "magistrado". (artº 442º - fls. 794-813)
176. E quem aceder ao sítio da internet através do endereço electrónico ..., depara-se com retratos do Assistente, associado ao Partido Socialista e à campanha autárquica de 2005. (artº 444º)
177. Na edição de 27 de Outubro de 2011 do jornal "Público", lê-se que o Assistente disse, referindo-se às queixas apresentadas pela Arguida, que "É «vindita privada» (substituição à justiça), resume o magistrado, afirmando que o comportamento da juíza se explica como reacção ao facto de este lhe ter instruído um processo disciplinar por suspeitas de recurso a uma prova falsa". (artº 448º - fls. 948, Anexo A, 4º vol.)
178. Na edição de 4 de Novembro de 2011 do semanário "Sol", lê-se que o Assistente disse "Eu apurei coisas gravíssimas em relação a essa magistrada e, por isso, ela está ressabiada. Espero e desejo que seja expulsa da magistratura, na sequência dos factos que já participei ao Conselho. Mas garanto que este vasculhar da minha vida privada vai dar processo". (artº 449º - fls. 951, Anexo A, 4º vol.)
179. Na edição de 11 de Novembro de 2011 do semanário "Sol", no uso do “direito de resposta”, o Assistente escreveu: "Apenas uma senhora juiz, ressabiada com o inspector que lhe instruiu um processo disciplinar no qual veio a apurar factos muito graves relativamente à conduta da senhora juiz, apresentou participação contra o respondente. E fê-lo devassando a vida privada e distorcendo os factos, sempre com o objectivo de se vingar do inspector (…) Os critérios de apreciação da ética de um magistrado não são, felizmente, aqueles que presidiram à actuação da senhora juiz no decurso do processo disciplinar que o ora respondente instruiu. Por isso, sem surpresa, a fazer fé nas declarações do senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, tem esta proposta a pena de demissão. Para bem da magistratura portuguesa e do país ". (artºs 450º-451º - fls. 1117, Anexo A, 4º vol.)
180. Na edição de 12 de Novembro de 2011 do diário "Correio da Manhã", lê-se que o Assistente disse: "Movi um processo de difamação contra quem me acusou. E agora a juíza, que voltou a falar nisso, terá de provar as acusações que fez”. (artº 452º - fls. 1122, Anexo A, 4º vol.)
181. Na edição de 13 de Novembro de 2011 do mesmo diário, lê-se que o Assistente disse: "Isto é tudo uma teia urdida por uma juíza de Famalicão". (artº 453º - fls. 1121, Anexo A, 4º vol.)
182. Na edição de 15 de Novembro de 2011, do diário "Público", lê-se que o Assistente anunciou "Vou processar tudo e todos". (artº 454º fls. 1120, Anexo A, 4º vol.)
183. Na edição de 15 de Novembro de 2011 do diário "Jornal de Notícias", lê-se que o Assistente “afirmou que é alvo de uma «vingança pessoal», por ser o inspector responsável pela instrução de um processo disciplinar em que AA é suspeita de ter arrolado uma testemunha falsa”, e disse "Eu não a conhecia de lado nenhum, e só após a dedução da acusação é que se queixou. Está num desespero e faz pressão sobre a imprensa". (artº 455º fls. 1119, Anexo A, 4º vol.)
184. Na edição de 21 de Novembro de 2011 do "Diário de Notícias", lê-se que o Assistente disse "«O que a doutora AA quer é vingar-se de mim, vasculhar a minha vida privada e distorcer tudo» diz o juiz da Relação. Na sua versão, em causa está um processo instaurado à magistrada por ter chamado mentiroso a um inspector, que a processou. «Ela arrola como testemunha um colega, dizendo que estaria junto dela a ouvir a conversa e que ela não proferiu qualquer insulto. Mas eu descobri que ela estava na mesma altura a presidir a um julgamento. Ora, com o dom da ubiquidade só conheço Deus»". (artº 456º fls. 1123, Anexo A, 4º vol.)
- a pedido da arguida (artº 7º - os elementos probatórios concretamente indicados não permitem semelhante afirmação, decorrendo realidade diferente da apontada “declaração” do Juiz Pedro Rodrigues de fls. 122-124 do Anexo A, 1º vol.; nem tal resultando da inquirição do Denunciante, fls. 298-299, ou sequer do acórdão proferido no 2011-179/PD, fls. 1141-1162 do Anexo A, vol. 4º)
- saído da lavra e da mente de ambos os arguidos (artº 10º - não se vê fundamento probatório para tanto, trata-se de requerimento subscrito tão-só pelo Arguido BB)
- Perante a negativa do assistente Dr. CC…, de acordo com a sua estratégia…, também saído da lavra e da mente de ambos os arguidos (artº 12º - não há prova de semelhante ilação, desde logo porque já antes, 2 dias antes, havia sido expressamente anunciado o incidente, assim como não se sabe se o mesmo foi gizado também pela Arguida – v.g., a “declaração” de fls. 411, Anexo A, 2º vol.)
- em comum acordo com a arguida (artº 23º - não se vê prova de tal, já que no auto de inquirição em causa não consta a presença da Arguida e o despacho a propor a demissão só lhe foi notificado por carta registada de 09/09/2011, 6ª feira, cf. fls. 514, 527-528 do Anexo A, 2º vol.)
- desprovida de qualquer assinatura ou rubrica do seu autor – o que levou o Senhor Instrutor do processo disciplinar a notificar a arguida Dra. AA (artº 29º - a defesa vinha “subscrita” pelo Arguido BB, como resulta do despacho do Sr. Inspector de fls. 880 do Anexo A, 3º vol., pelo que não foi por isso que se ordenou a notificação quanto à “fidedignidade”, como daquele também decorre)
- da iniciativa da arguida Dra. AA, que, concertada com o arguido Dr. BB (artº 30º - os requerimentos foram subscritos apenas pela Arguida, ignorando-se se partiram de si e ou em concerto com o Arguido, tanto mais que este entretanto adoeceu e esteve internado pelo menos, 3 dias, fls. 610 e 900 do Anexo A, vols. 3º e 4º)
- visavam os arguidos Dra. AA e Dr. BB, também como retaliação ao facto do assistente Dr. CC se ter recusado em aceitar não perseguir disciplinarmente o Juiz de Direito EE, a troco da já aludida desistência da estratégia de defesa da arguida, tal como esta lhe propusera... (artº 38º - representa adesão à perspectiva do Assistente, a que se não pode aderir por falta de sustentáculo probatório objectivo)
- à falta de quaisquer outros válidos argumentos que coubessem no âmbito da defesa dos interesses da arguida Dra. AA e a essa sua defesa fossem necessários, iria ser concretizado, como foi e quiseram os arguidos, por meio de imputações, algumas sob a forma de suspeita, de factos, ou de formulação de juízos que pusessem, como puseram, em causa a dignidade, a honradez, o bom nome e o crédito do Assistente Dr. CC, enquanto pessoa e Magistrado Judicial, o que também quiseram os arguidos (artº 39º - não se afigura curial semelhante interpretação, perante os elementos objectivos reunidos ao longo do vasto processado que compõe estes autos)
- … o que fizeram em conjugação de esforços, perfeita identidade de fins e em obediência a um plano que ambos urdiram para concretização dos atrás enunciados propósitos (artº 41º - não se vê prova de semelhante concertação absoluta nem de que a Arguida tenha participado na execução material da peça)
- …tendo os arguidos plena consciência de que com tal actuação iriam pôr em causa, como puseram, a dignidade, a honradez, o bom nome e o crédito do Assistente Dr. CC, enquanto pessoa e Magistrado Judicial, o que também quiseram (artºs 42º e 43º - trata-se da afirmação de uma vontade intencionalmente dirigida cujos alicerces se não vislumbram)
- a aludida conversa travada entre a arguida Dra. AA e o assistente Dr. CC, não ter sido informal (artº 46º - não é possível sustentar que a conversa não foi “informal” quando não consta do processo respectivo o registo em auto mas antes e tão-só uma cota do Secretário de Inspecção, que a não presenciou, cf. fls. 113 do Anexo A, 1º vol.)
- Esta realidade, apesar de bem conhecida dos arguidos, não obstou a que eles omitissem, o que quiseram, a correcção efectuada, para assim darem um sentido distorcido à frase e, por via desse estratagema e da simultânea adulteração que conferiram ao relato efectuado pelo Assistente (artº 49º - não é curial atribuir semelhante propósito aos Arguidos quando outros, absolutamente “insuspeitos”, redigiram da mesma forma a afirmação do Assistente, cf. o Facto Apurado nº 2.1.124 do acórdão do CSM, fls. 1403vº do Anexo A, vol. 5º)
- para assim, como foi propósito dos arguidos, deixarem dúvidas, lançarem suspeitas… (artº 56º - é interpretação que não decorre da literalidade do texto, para mais complementado em muitos segmentos com certidões extraídas dos processos citados e outros documentos)
- bem sabiam os arguidos que os factos por eles assim inscritos ou reproduzidos nos identificados artigos da defesa (35.º a 65.º e 67.º a 95.º), não eram, na sua maioria e essencialidade, verdadeiros, parte deles deturpavam, distorciam ou omitiam a realidade das coisas e, noutros casos, não passavam de meras insinuações ou suspeitas… (artº 59º - não se vislumbra sustentáculo probatório do afirmado “conhecimento perfeito” dos Arguidos, anotando-se apenas que muito do que se consignou naquele articulado aparece plasmado no acórdão do CSM de 10/04/2012, em sede de Factos Apurados, cf. fls. 1403vº-1408 do Anexo A, vol. 5º)
- sabendo que tal não correspondia à realidade e por forma a começarem a inculcar a ideia de um magistrado que esteve envolvido em actos desonrosos que se repercutirem na sua vida pública e que se revelavam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções (artº 62º - não se vê prova desse conhecimento por parte dos arguidos, face ao teor do documento de fls. 614 do Anexo A, vol. 3, e até no acórdão do CSM de 10/04/2012, em sede de Factos Apurados, se consignou a “demissão”, cf. nº 2.1.127, fls. 1403vº do Anexo A, vol. 5º)
- para além de terem reeditado, com consciência da sua falsidade, as imputações que o aludido ...[25]ousara fazer em relação à pessoa do assistente, as quais, … eram atentatórias da imagem social e profissional do assistente, omitiram os arguidos, o que também quiseram, para assim deixaram dúvidas quanto à verdadeira actuação do assistente Dr. CC no julgamento e sua relação com o aludido ..., a parte essencial da sentença proferida… (artº 73º - não se vê sustentáculo para semelhante interpretação, desde logo porque o Arguido BB apenas transcreveu partes da sentença, consignando expressamente o teor do depoimento prestado pelo Assistente, como, aliás, consta do anterior artigo da Acusação, começando por mencionar o teor da condenação sofrida pelo aí arguido JJ, cf. artº 61º da Defesa, a fls. 558 do Anexo A, vol. 2º)
- … para assim deixarem dúvidas quanto ao relacionamento que existia entre o Dr. CC e o LL, designadamente quanto à insinuada protecção que o Dr. CC daria às actividades ilegais do LL … mas antes, …. o que os arguidos intencionalmente omitiram, para assim fazerem crer que só aquelas razões levaram à desistência da queixa, e, deste modo, manterem as suspeitas quanto ao envolvimento/protecção do Dr. CC nas actividades ilegais do LL, nomeadamente as relacionadas com o tráfico de produtos estupefacientes… apesar da assim confessada falsidade dessa declaração e dos efeitos jurídicos que dela derivaram…, os arguidos, bem sabendo também que essas mesmas imputações eram falsas e gravemente atentatórias da honra, consideração e integridade do assistente Dr. CC, quer como pessoa, quer, especialmente, como magistrado,… com o propósito de manterem as suspeitas quanto ao envolvimento/protecção do Dr. CC nas actividades ilegais do LL, nomeadamente as relacionadas com o tráfico de produtos estupefacientes, … não se coibiram de renovar essas imputações… (artºs 80º, 82º, 84º, 85º, 87º - não se vê da redacção dos correspondentes artºs da Defesa, 32º, 53º-56º e 79º, que o Arguido BB pretendesse insinuar qualquer “envolvimento” ou “protecção” do Assistente nas actividades de tráfico de droga de LL; o que daquela decorre – objectivamente analisada e complementada com a certidão junta, para a qual remete – é o propósito de salientar o tipo de relacionamento entre ambos, para além da descriminação inicial dos processos em que o Assistente “figurava” como sujeito processual)
- … ao restringirem o seu descritivo … ao ponto n.º 1 da matéria fáctica assente na sentença…assim procederam para deixarem dúvidas, por mais uma vez, como foi seu propósito, quanto à veracidade daquela matéria, designadamente quanto às já aludidas suspeitas do envolvimento/protecção do assistente Dr. CC nas actividades de tráfico de estupefacientes do LL… (artº 94º - de novo, não se vislumbra sustentáculo adequado à formulação de tal desiderato por banda dos Arguidos, salientando que imediatamente antes do referido “descritivo”, aparece consignada a condenação do dito arguido MM; e quer se queira quer não, o dito descritivo é que permite perceber a essência da calúnia, logo, do facto criminoso em discussão; por outro lado, não se afigura realista exigir ao Arguido BB que transcrevesse os “demais 39 pontos da factualidade provada”, considerados pelo Ministério Público “a parte mais relevante da sentença”, v. artº 97º da Acusação)
- …apenas se limitaram a inscrever as palavras de índole injuriosa que foram dirigidas ao Assistente – «Estes estatutos foram elaborados por um ditador, que se queria perpetuar no poder» – e o valor do pedido de indemnização cível …(artº 101º - bastará ler o artº mencionado artº 64º da Defesa para concluir que se não circunscreve às “palavras de índole injuriosa”)
- … para assim, como foi seu propósito, deixarem dúvidas sobre a completa verdade dos factos e a sobre a honorabilidade e consideração social do Assistente – que o Dr. CC, logo no início da audiência de julgamento, aceitara as explicações oferecidas pelo arguido PP– que disse «que não pretendeu, em momento algum, referir-se à pessoa ou personalidade do Assistente, que respeita e considera como cidadão integro e com dignidade irrepreensível…» –, desistindo, em consequência, quer da queixa-crime, quer do pedido de indemnização civil deduzido nos autos (artº 102º - não se vê como possível apontar um propósito de lançar “dúvidas” quando apenas se transcreve o que o próprio Assistente afirma no processo)
- … como os arguidos bem sabiam, todos aqueles factos, …(artºs 123º e 125º - para além de se não compreender a que concretos “factos” se refere a Acusação, também não há prova do afirmado “conhecimento” dos Arguidos acerca de parte do circunstancialismo a propósito narrado, como por exemplo, a “desistência da queixa” por banda do Assistente – ocorrida dias depois da apresentação da Defesa -, muito menos da correspondente “prévia intenção”, ou o conhecimento do conteúdo e desfecho do processo n.º 08-296/D2, anotando-se que o documento de fls. 914-916 do Anexo A, 4º vol. só foi junto pela Arguida na diligência de 07/11/2011, cf. fls. 936-937 do mesmo Anexo e vol.)
- … para além do projectado negócio ser real e traduzir a vontade das partes…(artº 130º - não se vislumbram elementos probatórios mínimos do assim alegado, nem sequer de natureza pessoal - veja-se que as inquirições do Assistente e da testemunha XX são omissas nessa matéria, cf. fls. 298-299, 458-460)
- os arguidos assim procederam para, dessa forma, fazerem crer, o que quiseram, que o assistente Dr. CC, quer no desempenho das suas funções como juiz, quer no seu relacionamento com a sociedade, designadamente na privacidade do relacionamento familiar, … (artº 131º - não é possível atribuir semelhante intuito principal, para mais de forma assaz lata e abrangente)
- apesar de bem saberem que essas imputações inscritas na carta subscrita pelo QQ, não eram verdadeiras e que pela sua formulação… - por expressamente ter admitido que elas continuam expressões que atingiam a honra do seu irmão, as quais retirou, declarando-se arrependido de assim ter actuado – …já havia o QQ apresentado no processo um pedido de desculpas ao seu irmão Dr. CC… (artº 133º - relembra-se que as “desculpas” e o “arrependimento” foram manifestados em 06/10/2011, enquanto que a Defesa foi enviada em 03/10/2011, como, aliás, consta da própria Acusação, cf. artº 28º)
- Assim procederam de forma a, uma vez mais, premeditada e obstinadamente, associarem o assistente Dr. CC ao identificado SS (...),… assim criarem a convicção/suspeita, de que o assistente estaria envolvido, designadamente como protector, nas actividades ilícitas do SS, nomeadamente as relacionadas com o crime tráfico de estupefacientes…, quiseram dar a aparência de que o era… (artºs 135º, 136º, 137º, 138º - afigura-se interpretação subjectiva, não apoiada no texto da defesa, sobretudo se globalmente analisado)
- … a identificada sociedade já se encontrava inactiva desde o ano de 1995 (artº 140º - não se vê prova suficiente de tal data, que a própria testemunha LL não logrou “precisar”, cf, fls. 484; sendo certo que também os autos não revelam que os Arguidos pudessem ou devessem ser conhecedores de tal facto)
- …com a anuência de todos os participantes… (artº 142º - ignora-se se assim foi, pois nada consta a esse respeito nos autos das diligências de 07/11/2011, ao contrário do que antes havia ficado consignado, em diligência do mês de Setembro anterior, cf. fls. 481, Anexo A, vol. 2º)
- … com o objectivo de, uma vez mais, denegrir a imagem social e profissional do assistente Dr. CC, decidiu formular perguntas, na sua maioria sugestivas e direccionadas, em que passou a fazer afirmações e insinuações que bem sabiam serem ofensivas da honra e consideração devidas ao assistente, quer como pessoa, quer como magistrado e que também punham em causa, necessariamente, a sua isenção, integridade e imparcialidade enquanto Juiz e enquanto Inspector Judicial, …pois que tais perguntas, pelas sugestões e dizeres nelas contidos, criavam a ideia e geravam a desconfiança de que o assistente, pelo facto de exercer funções inspectivas na área do Tribunal Judicial de ..., condicionava e influenciava, em seu favor e com descrédito para a Justiça e suas instituições, a livre, justa e independente actuação e decisão dos magistrados judiciais que ali exerciam as suas funções, podendo ser alvo de acções inspectivas do assistente Dr. CC… Com tal objectivo e no prosseguimento dos atrás enunciados propósitos… (artºs 143º, 144º, 145º - não se vê apoio para semelhantes ilações, salientando-se que as perguntas foram formuladas em actos presididos pelo Instrutor do processo disciplinar; ora, se o escopo das inquirições tivesse sido o da mera ofensa e as perguntas direccionadas, sugestivas ou impertinentes, seguramente que o Desembargador ... – Magistrado absolutamente insuspeito - não as teria autorizado, como era seu dever)
- facto este que era do total conhecimento da arguida, mas que ela intencionalmente ocultou para assim, com a fingida pendência daquele processo crime, o que falsamente fez crer, dar sentido à sua pergunta – (artº 145º, E) – o atribuído intento doloso não faz sentido perante a existência-pendência de outro processo referenciado na Defesa, com o nº 166/08.1TABGC, aliás, anteriormente mencionado na Acusação, cf. artºs 103º-106º)
- … actuando sempre com os mesmos propósitos e sabendo do carácter ilícito da sua conduta, veio a arguida Dra. AA a formular outras perguntas às testemunhas…, perguntas essas que, pelas suas sugestões, dizeres e modo como foram formuladas, deixavam subentendido, o que quis, sabendo que não correspondia à verdade, que o assistente Dr. CC se servia das funções para usar e obter meios a que não tinha direito (artºs 146º e 147º - trata-se de interpretação que nem o teor do auto nem a prova produzida nestes autos permitem sufragar; desde logo, como já se anotou, porque mal se compreenderia que o Desembargador incumbido da direcção da diligência não agisse perante tal “ilicitude”)
- A arguida sabia que era assim que as coisas se processavam, mas apesar disso, assim procedeu de forma a criar, como criou, a suspeita de que o assistente se servira de meios que não lhe estavam funcionalmente disponibilizados, que assim procedera, também como acto de pura manifestação de vaidade e com o fito de tentar obter, pela mera anunciação do seu título profissional, benefícios ou favores a que não tinha direito. (artº 149º - não se vê prova de tais intuitos nem do conhecimento imputado à Arguida da forma “como as coisas se processavam” na 2ª Instância e em particular, na Relação do Porto)
- Actuando com os mesmos propósitos, desta feita para fazer crer que o assistente Dr. CC – quer como pessoa, quer como magistrado – era capaz de faltar à verdade dos factos quando estivesse em causa alguma pessoa com quem se encontrasse desavindo ou que lhe fosse hostil, … (artº 151º - não se vê que se possa, ou deva, interpretar assim as perguntas em causa)
- A arguida Dra. AA sabia que assim punha em causa, o que quis, a honestidade e integridade moral e intelectual do assistente Dr. CC, criando nas pessoas, designadamente nas testemunhas a quem formulou aquelas perguntas, a dúvida quanto à veracidade dos factos que fossem declarados ou exarados em auto pelo assistente e no exercício das funções judiciais que lhe estavam cometidas, … assim pondo gravemente em causa, o que quis – pois que lançou a suspeita de que ele poderia ser um juiz mentiroso –, a honestidade e integridade do assistente Dr. CC para o exercício da função judicial… Actuando sempre com o mesmo propósito, desta feita também de forma a insinuar que o assistente Dr. CC agia na sua vida particular e profissional, designadamente quando accionava processos de natureza criminal, por razões meramente políticas e com intuitos persecutórios para com aqueles que foram seus opositores, … ao assim sugerir que ele actuou com tais motivações…, punha em causa… (artºs 153º, 154º, 155º, 159º - não se vê que se possa, ou deva, interpretar assim as perguntas em causa, até porque se não deve olvidar nem o seu contexto nem as respostas dadas pelas testemunhas)
- A arguida sabia que tais processos não tinham as sugeridas motivações e intuitos, …. que o assistente, o que também sabia, dado o seu carácter, personalidade e integridade moral e profissional, não agia com tais motivações e intuitos persecutórios, ….(artºs 157º e 158º - não se vislumbra sustentáculo probatório que permita assacar à Arguida um conhecimento próprio acerca das “motivações e intuitos” do Assistente ao despoletar ou intervir nos processos em causa, menos ainda do respectivo “carácter” e “personalidade”; e as testemunhas inquiridas a essa matéria no processo disciplinar não foram abonatórias)
- Actuando com os mesmos propósitos, desta feita também de forma a, uma vez mais, premeditada e obstinadamente, lançar a suspeita de que o assistente Dr. CC estaria envolvido, protegendo-as, nas actividades ilícitas do identificado SS (...), nomeadamente as relacionadas com o crime tráfico de estupefacientes… (artº 160º - não se vê que se possa, ou deva, interpretar assim as perguntas em causa, até porque se não deve esquecer nem o contexto em que foram formuladas nem as respostas dadas pelas testemunhas)
- … (pressupõe que foi o ora Participante a julgar a acção de despejo que teria servido para remover o obstáculo legal) (artº 172º, B) - parênteses inserido na 1ª pergunta transcrita, cujo sentido se não descortina e que não consta do auto respectivo, cf. fls. 967 do Anexo A, 4º vol.)
- A arguida Dra. AA bem sabia que as insinuações, suspeitas, sugestões e afirmações contidas nas perguntas que assim formulou … Sabia também que essas imputações, ainda que algumas vezes feitas sob a forma de suspeita, não correspondiam à verdade. … sabia também a arguida Dra. AA que não lhe era lícito…fazer as afirmações que fez, tirar as conclusões que tirou ou as insinuações e suspeitas que gerou sobre o assistente (artºs 162º, 163º, 164º - não se vê que se possa, ou deva, interpretar assim as perguntas em causa, fora de contexto e sem as relacionar com as respostas dadas; e a haver “ilicitude” na actuação da Arguida, certamente o Instrutor do processo teria intervindo)
- … o que era do conhecimento da arguida… sabia também a arguida que tal relacionamento cessara …(artºs 165º - não se vê qualquer prova, directa ou indirecta, do atribuído conhecimento dos referidos aspectos de relacionamento e convívio entre o Assistente e Duarte Rodrigues)
- … o assistente Dr. CC conhecera, por volta do ano de 1987, o LL… tendo com ele travado algum estreito relacionamento e convívio de normal estima e consideração, que eram recíprocas, certo é que tal relacionamento se veio a reduzir a breves e episódicos encontros e trocas de cumprimentos a partir do momento em que cessou a ligação da esposa do assistente à sociedade… (artº 165º - não se vê que, nestes autos, se tenha logrado prova de tais factos, nem sequer através dos próprios, cf. autos de fls. 298-299, 483-484)
- … sempre com vencimento, … (artº 167º - o proc. n.º 162/04.8TABGC terminou por desistência da queixa e o nº 884/06.9TABGC também, quanto a 2 dos arguidos, como, aliás, consta da Acusação)
- … como os arguidos bem sabiam, nenhuns outros factos existiam que pudessem legitimar a arguida Dra. AA a formular as já transcritas perguntas às testemunhas, nelas deixando a menção, de forma bem explicita ou subentendida, como foi seu propósito, que o assistente Dr. CC estava ou poderia estar envolvido em negócios ilegais com o LL (SS), designadamente de tráfico de estupefacientes… assim actuou a arguida com plena consciência da falsidade dessas imputações/insinuações… (artºs 169º, 170º - mais uma vez, não se vê prova do dito propósito; não se percebe a menção aos “arguidos” quando o Arguido não esteve presente nas inquirições de 07/11/2011; e a conduta da Arguida na formulação das perguntas está “legitimada”, relembra-se, pelo Magistrado que àquelas presidiu, que os autos não revelam ter-lhes posto qualquer entrave)
- …Prosseguindo com os mesmos propósitos, desta feita também com o intento de fazer crer que o relacionamento entre o assistente Dr. CC e o identificado SS…, tocava também aspectos interesses relacionados com negócios imobiliários e de compra e venda de veículos automóveis, com a fuga ao pagamento dos respectivos impostos e até mesmo com decisões judiciais subscritas pelo assistente enquanto juiz de direito no Tribunal Judicial de Bragança e a ilícito favor daqueles negócios, de que também seria beneficiário, …. (artº 171º - não se descortina a prova de tais propósitos, nas questões efectivamente postas)
- Sabia também que essas imputações, ainda que algumas vezes feitas sob a forma de suspeita, não correspondiam à verdade (artº 174º - não se encontra alicerce, mesmo que circunstancial, para o atribuído conhecimento)
- Ao formular as já transcritas perguntas, sabia também a arguida Dra. AA que não lhe era lícito,… que intencionalmente descontextualizou e deturpou, para assim, dentro dos seus propósitos, lhes dar a aparência de verdades insofismáveis –, fazer as afirmações que fez, tirar as conclusões que tirou ou as insinuações e suspeitas que gerou sobre o assistente e seu envolvimento nos atrás citados negócios (artº 175º - afigura-se interpretação claramente subjectiva; mais uma vez, quanto à falada “ilicitude”, os autos não mostram que o Magistrado que presidiu às diligências tenha impedido a Arguida de efectuar qualquer pergunta, ou tentado sequer)
- Como a arguida também bem sabia…, o assistente Dr. CC nenhum interesse tinha, de forma directa ou por intermédio da sociedade em que sua esposa era sócia…, com o negócio do prédio que foi construído no terreno onde estava implantada a casa objecto da acção de despejo por si decidida. (artº 177º - nada sustenta esse conhecimento por parte da Arguida, não se percebendo porque é a mesma se devia ter dado por completamente esclarecida apenas com as respostas da referida testemunha Júlio da Costa Carvalho)
- … com o persistente propósito de associar o assistente Dr. CC a negócios ilegais e a actos corruptivos, não deixou a arguida Dra. AA… de procurar fazer crer que o prédio construído no local onde estava a casa que foi objecto de despejo decretado pelo assistente, havia sido construído pela sociedade de que a esposa do assistente fora sócia, o que, como bem sabia, não correspondia à realidade… como a arguida também bem sabia, a verdade dos factos… era outra, bem distinta,…(artºs 179º, 181º - não se vê como poderia deter a Arguida esse conhecimento, em momento prévio às perguntas, nem a prova produzida o revela, por qualquer forma)
- Nem o assistente nem a esposa, de forma directa ou indirecta, tiveram rigorosamente nada a ver com a construção do prédio… nem a esposa do assistente nem ele próprio receberam fosse o que fosse do eventual lucro… (artºs 189º, 190º - a prova produzida é manifestamente insuficiente para comprovar factos, negativos, de semelhante amplitude)
- … no pleno conhecimento desta realidade, ao associar o assistente a um hipotético fenómeno de corrupção ou a uma decisão judicial consciente e contra direito e no seu próprio interesse ou de terceiros… (artº 192º - não se afigura razoável semelhante construção interpretativa, desde logo porque se não encontra prova do afirmado “pleno conhecimento” da realidade relativa à vida do Assistente)
- Ainda no prosseguimento da sua conduta criminosa, a arguida, bem sabendo que tal não era verdadeiro, procurou fazer crer que o assistente, em infracção ao do seu estatuto profissional, se dedicaria a actividades empresariais, porventura geridas por si directamente… e com esse objectivo… ainda com os mesmos propósitos… (artºs 195º, 196º, 197º - não se vê prova dos atribuídos propósitos e conhecimento do que não era verdadeiro)
- A arguida Dra. AA sabia que as perguntas que assim formulou se revelavam absolutamente desnecessárias e em total despropósito com os interesses da sua defesa na acção disciplinar em que era visada, defesa essa que, como quis, … ao proferir as afirmações transcritas, ao fazer as insinuações referidas e ao questionar as testemunhas da forma que o fez, a arguida Dra. AA quis, o que conseguiu, pôr em causa a honra e consideração que são devidas ao assistente enquanto homem e enquanto Magistrado Judicial (artºs 198º e 199º - não se vislumbra prova de tal propósito nem parece legítimo concluir pelas apontadas desnecessidade e despropósito das perguntas efectuadas; se assim fosse, certamente que o Instrutor do processo se manifestaria no sentido de as impedir, o que não fez)
- Sempre, tal como o arguido Dr. BB através da factualidade descrita nos artigos 1.º a 140.º desta acusação, com a finalidade última, previamente concertada entre ambos os arguidos, e conseguida, de denegrir a imagem social e profissional do assistente …(artº 200º - “finalidade” ou intuito sucessivamente repetido ao longo da Acusação, em muitos dos seus artºs - v.g., 40º, 43º, 51º, 86º, 143º, 159º - que se considera indemonstrado)
- E ainda com a finalidade, comum e querida por ambos os arguidos, de que ao assistente fosse instaurado processo de natureza disciplinar pelo Conselho Superior da Magistratura, como o foi… o que também quiseram os arguidos com a conduta descrita, assim alcançando os seus objectivos (artºs 201º e 204º - não há prova nenhuma da imputada vontade de provocar a actuação do CSM por intermédio do processo disciplinar 269/2011 e do seu Instrutor, nem sequer da representação da actuação disciplinar sobre o Assistente como consequência necessária da apresentação da Defesa, uma vez que os elementos documentais demonstram realidade antagónica com tal desiderato e/ou previsão segura: a Arguida AA efectivamente veio a “participar” disciplinarmente do Assistente, mas directa e autónomamente, o que com certeza não faria se soubesse que aquilo que havia sido transmitido no proc. 269/2011 redundaria em procedimento visando a conduta funcional daquele, cf. fls. 1932-1940 e Anexo O, fls. 5vº)
- … perante a gravidade de todas as descritas imputações… em 14.11.2011, deliberou mandar averiguar os factos, instaurando inquérito disciplinar.. (artº 203º - não é isso que consta nem do despacho do Inspector Judicial nem do depoimento que prestou, donde se extrai, com clareza, que o que levou aquele Magistrado a ordenar a remessa de certidão ao CSM foi o teor de “alguns dos depoimentos”, cf. fls. 465 e o Anexo A, vol. 4º, fls. 1010; também o indicado Anexo O não revela que a dita deliberação do CSM tenha tido origem na certidão enviada pelo Desembargador ... mas antes em “participações” de QQ e da Arguida, como decorre expressamente do “Relatório Final” elaborado pelo Cons. Santos Cabral, cf. fls. 5 e vº do Anexo O)
- … com as descritas imputações, que na sua generalidade sabiam serem falsas, dessa falsidade tendo plena consciência…. Como bem sabiam os arguidos, os factos, insinuações e as perguntas descritas não eram compagináveis nem necessários à defesa da arguida no processo disciplinar, nada justificando ou explicando sequer que tais necessidades impusessem, ou exigissem a utilização de expressões e insinuações… (artº 206º - não é possível concluir pela “falsidade” da “generalidade” do alegado na Defesa apresentada, muito menos, do correspectivo conhecimento pelos Arguidos; igualmente se não pode comungar do juízo sobre a desnecessidade da Defesa produzida pelos Arguidos)
- … as circunstâncias em que os arguidos praticaram os factos … facilitaram, como bem sabiam e quiseram os arguidos, a sua fácil e pública divulgação, nomeadamente através dos órgãos de comunicação social… (artº 210º - não foi reunido um único elemento probatório que permita afirmar que foi por acção dos Arguidos, ou até da sua vontade, que saíram as relatadas notícias na comunicação social; e é impossível perfilhar a tese de que apresentar um articulado, ou mais peças, e arrolar testemunhas para serem ouvidas num processo disciplinar, logo, de natureza confidencial, cf. artº 113º do EMJ, constitui circunstancialismo potenciador da propagação pela imprensa)
- Os arguidos agiram com a intenção de denegrirem a imagem social do assistente Dr. CC enquanto homem e magistrado, com o objectivo atingido de que, contra ele, fosse instaurada acção disciplinar, e de divulgarem, sem o seu consentimento e com intenção de devassarem a sua vida privada e familiar, factos que só à sua vida privada diziam respeito. O que foi por eles querido, podendo e devendo ter agido em conformidade com a lei, o que especialmente se lhes impunha, atendendo à sua qualidade profissional (artº 211º e 212º - trata-se de conclusões insusceptíveis de alicerçar perante os factos efectivamente indiciados, numa sua análise objectiva e desapaixonada).
Estatui o artº 30º, nº1, do CP: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
“Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções”[26], afigurando-se pacífico que só uma pluralidade de resoluções poderá dar lugar a uma hipótese de concurso real de crimes.
Ora, ainda que se tivesse logrado a prova de todos os factos descritos na acusação, sempre se não veria alicerce para a atribuição à arguida de 2 crimes de difamação: mesmo naquela versão dos acontecimentos, teriam sido cometidos com base e na sequência de uma única resolução criminosa, pré-anunciada (a “reformulação” ou “alteração” da sua “estratégia de defesa”) e que se desdobrou em 2 momentos distintos, mas próximos, configurando a inquirição de testemunhas (em 07/11/2011) mera execução do que antes havia sido delineado por escrito (no articulado de 03/10/2011).
Ora, havendo um só desígnio criminoso, o crime contra a honra imputado à Arguida havia de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ofensivo de idêntico bem jurídico.
Dito de outro modo, “haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação sem serem determinados por nova motivação”[27], o que, a vingar a delimitação factual nos exactos termos acusatórios, sempre teria ocorrido.
O quadro legal indicado no libelo acusatório é constituído pelos seguintes artºs do CP:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou, (…)
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão de governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas;
Por honra, “deverá entender-se o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade de cada um”. Por consideração, “deverá entender-se o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública”[28].
Para integrar o elemento subjectivo, cimentada está a opinião de que basta o dolo genérico, em qualquer das suas formas (directo, necessário ou eventual – artº 14º do CP).
A CO-AUTORIA –
Alegam os Arguidos, em suma, que a Defesa “foi elaborada e remetida aos autos pelo arguido BB” e que “a arguida AA não praticou qualquer facto que se possa subsumir a uma qualquer forma de comparticipação” (artºs 26º a 36º do RAI).
Estatui o artº 26º do CP: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”
“III - A co-autoria, nos termos do art. 26.º do CP, é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante «quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas», na doutrina de Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, II, pág. 283.
IV - E, uma vez que cada co-autor age com e através de outro, são de imputar a cada um, como próprios, os contributos do outro para o facto, como se ele próprio os tivesse prestado.”[29]
Ou, no ensinamento do Prof. Faria Costa: “…, para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro ou outros. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente de se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica...”[30].
É certo que não foi produzida qualquer prova[31] que permita afirmar que a Arguida AA redigiu ou participou na concreta redacção da peça em causa (em qualquer dos seus segmentos); também é verdade que a responsabilidade criminal “não se transmite por procuração”.
Porém, os elementos probatórios recolhidos[32] já indiciam, com a necessária suficiência, que a Defesa (mormente, o seu nº II[33]) foi também idealizada pela Arguida AA: o que é revelado com clareza pelo duplo anúncio (unicamente) por si assumido de alteração da estratégia de defesa, cujos termos são detalhados e claros (especialmente, no e-mail de 26/09/2011 - decidiu…, mercê do grande volume de trabalho que a tem absorvido todos os dias, incluindo as sextas-feiras, na sequência das informações que lhe foram prestadas, só ontem foi possível à arguida, acompanhada do seu ilustre mandatário, consultar os processos tendentes a confirmar essas informações, no âmbito dos quais requereu a extracção de certidões de várias peças processuais que considerou relevantes… tais certidões são necessárias para a própria alegação dos factos novos em que a arguida pretende estribar a sua estratégia de defesa).
Aliados a outros também registados no âmbito do processo disciplinar 269/2011 (v.g., a junção de documentos pertinentes, alegadamente demonstrativos de Factos alegados no ponto II da Defesa), aqueles escritos concludentes permitem atribuir-lhe o “domínio do facto” e a correspectiva co-autoria da peça processual em causa.
A PUBLICIDADE –
Não ficou minimamente comprovada – em parte alguma dos autos – a responsabilidade dos Arguidos na pública divulgação pelos órgãos de comunicação social de algum ou alguns dos factos objecto de discussão no âmbito do processo disciplinar; aliás, nem se retira por qualquer forma da redacção das notícias vindas a lume[34] que teriam sido os Arguidos quem lhes deu azo.
Diga-se, aliás, que mal se compreende a fórmula utilizada na Acusação (artº 210º) como supostamente “facilitadora” da pública difusão, quando se trata de actos praticados no âmbito de um processo sigiloso, destinado a ser apreciado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Logo, fica excluída a hipótese de agravação das atribuídas condutas difamatórias, nos termos da al. a) do nº1 do artº 183º do CP.
A ILICITUDE –
Entendem os Arguidos, em síntese, que “as condutas que a douta acusação considera lesivas da honra, caluniosas ou violadoras da privacidade do Assistente não preenchem a tipicidade dos crimes que são imputados aos arguidos” porque se inscrevem “no exercício de um direito; o direito de defesa da arguida AA, enquanto visada num processo sancionatório - P.D. n° 269/2011 -, que tinha por objecto o teor de uma conversa particular mantida com o Assistente” (artºs 462º-463º do RAI).
E mais adiante “Ora, atendendo: a) À pena manifestamente desproporcionada proposta pelo instrutor do processo disciplinar n." 269/2011 - demissão; b) Ao valor probatório reforçado que a testemunha Dr. CC, atribuía ao seu próprio depoimento, dizendo que "para descredibilizar um inspector judicial, porque exerce funções administrativas no seio do CSM, têm de haver razões sérias e convincentes e que no confronto com a ora arguida esta não estaria numa situação de igualdade"; c) E à circunstância de tal valor probatório ser secundado pelo instrutor do processo; a defesa não tinha outra alternativa que não a de alegar fatos e produzir meios de prova relativos à credibilidade da testemunha única, cujo depoimento vinha sendo considerado pelo instrutor como "prova suficientemente robusta" para sustentar a proposta de aplicação daquela pena” (artº 469º do RAI).
Afirmam ainda os Arguidos: “o critério para a admissibilidade da prova, neste caso, é o da necessidade para a boa decisão da causa. Ora, terá sido certamente por essa razão - aliás, boa razão - que o instrutor do processo disciplinar admitiu o segmento da defesa consubstanciado na alegação dos factos que integram o Ponto II, tendentes a descredibilizar o depoimento do Assistente, bem assim como a produção de prova sobre esses mesmos factos. Sendo certo que o Exmo. Instrutor que presidiu à diligência não colocou nenhum óbice à formulação das mesmas, designadamente advertindo a arguida ou retirando-lhe a palavra - como seria seu dever de ofício se tais perguntas fossem impertinentes.” (artºs 472º, 473º e 521º do RAI).
Dispõe o artº 31º do CP, sob a epígrafe “Exclusão da ilicitude”:
1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2 – Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
Parece “pacífico que a enumeração de causas de exclusão da ilicitude contida no nº 2 do normativo transcrito é exemplificativa e não exaustiva, conforme pode inferir-se da locução «nomeadamente» inserida no respectivo proémio.
A qualificação como causas de exclusão da ilicitude de situações factuais diferentes das tipificadas no nº 2 do art. 31º do CP dependerá necessariamente da virtualidade, que essas circunstâncias possam apresentar, de exprimir que a conduta em apreço não é repudiada pelo conjunto da ordem jurídica e não é, a esse título, merecedora de censura penal, conforme disposto no nº 1 do mesmo artigo.”[35]
“A confiança do público nos Tribunais é sustentada pela conduta ética dos juízes: dos juízes se exigem determinados standards de comportamento, tanto dentro como fora do Tribunal, bem como que manifestem sentimento de honra e que imponham público respeito pela sua profissão. (…) honestidade intelectual, respeito e observância da lei, condução prudente de assuntos financeiros, diligência e cuidado no desempenho dos deveres judiciais, discrição nas relações pessoais, nos contactos e nas actividades sociais. (…) é imperativo que os juízes evitem situações, públicas ou mesmo da sua vida privada, que possam razoavelmente causar menos respeito pela sua profissão ou dúvidas sobre a sua imparcialidade, tanto em casos presentes como mesmo futuros, como frequentemente sucede, por exemplo, quando ocorrem, ou podem suscitar-se, conflitos de interesses”[36]
“«A justiça é discreta e não clamorosa», «…implica uma certa austeridade de postura de todos os seus agentes», devendo a sua linguagem «ser sóbria, precisa, técnica e comedida. Não deve ser panfletária, nem chocarreira, nem jocosa, nem bombástica, nem despeitada, nem odiosa, nem impaciente (…)»[37]. (…) assume particular relevância, a «promoção de uma cultura judicial, enquanto parte da cultura jurídica, que incentive o desenvolvimento das virtudes judiciais – sentido da justiça, valentia, modéstia ou auto-restrição e certa capacidade de ver o mundo e os outros, com distância e simpatia ao mesmo tempo, que constitui um dos ingredientes fundamentais da prudência, da fronesis».
Um juiz alterado pela emoção, ou pela irritação, um juiz deselegante, incorrecto, descontrolado, disparatado, agressivo, corresponde a uma machadada fatal na imagem que se pretende que a sociedade tenha da sua Justiça e dos seus Juízes: o caminho não pode ser nunca esse, pois, a seguir-se, mais cedo ou mais tarde, acaba por fazer-nos naufragar a todos(…)”[38] (ac. do Conselho Permanente do CSM de 09/11/2004, «Sub Judice», 32, Jul-Set 2005, pp. 127-156).
Não vivemos num mundo perfeito, onde todos cultivem as “virtudes judiciais” e os processos disciplinares aqui documentados são disso exemplo (revelando – a par da elevada preparação técnica e de “excelentes qualidades de trabalho” no desempenho da função de julgar[39] - uma propensão da Arguida AA para despoletar conflitos com alguns dos Inspectores Judiciais com que se cruzou[40]).
Porém, é absolutamente indiferente a estes autos (nem tal competiria ao Tribunal) aquilatar do eventual desrespeito de deveres gerais ou especiais decorrentes das funções e múnus exercidos pelos sujeitos processuais.
O que aqui releva, e tão-só - é a vertente criminal dos factos praticados pelos Arguidos no âmbito de um processo disciplinar.
Parece inquestionável que a Defesa exercida pelos Arguidos no âmbito do processo disciplinar 269/2011 contém – para utilizar a fórmula da protecção jurídico-penal - a imputação de factos e a formulação de juízos ofensivos da honra e consideração devidas ao Assistente.
Como, aliás, reconhecem os Arguidos, ao afirmarem “Estava em causa, isso sim, a veracidade dos factos relatados pelo Assistente enquanto testemunha de acusação num processo disciplinar” e que “o segmento da defesa consubstanciado na alegação dos factos que integram o Ponto II, … bem assim como a produção de prova sobre esses mesmos factos” eram “tendentes a descredibilizar o depoimento do Assistente” (v.g., os artºs 398º, 473º, do RAI).
São “expressões ofensivas destas pessoas aquelas que tendem a negar as qualidades indispensáveis ao regular desempenho das suas funções (…) Assim a atribuição de parcialidade, que não ofende a honra comum a todos os indivíduos é um fato ofensivo das pessoas aqui mencionadas e tanto mais ofensivo se deve considerar, quanto maior for a obrigação que a pessoa tem de ser imparcial, atingindo essa obrigação o seu ponto mais elevado na pessoa de um juiz.”[41]
Por outras palavras, atacar a “credibilidade” do Assistente (desígnio confessado pelos Arguidos), sendo este Magistrado Judicial[42], significa necessariamente um enxovalho à sua honra.
O direito pessoal ao bom nome e à reputação encontra protecção constitucional no artº 26º, nº1, da CRP, assim como o direito de defesa do arguido em qualquer processo sancionatório (artº 32º, nº10, da CRP).
Sobre a problemática da “colisão de direitos”, dos limites à liberdade de expressão no âmbito de processo, valerá a pena reproduzir alguma da jurisprudência e doutrina produzidas, ainda que em casos de contornos sempre diferentes daquele que nos ocupa (mas cuja principialidade sempre trará algum contributo válido).
“I- O direito de participar criminal e disciplinarmente é um direito dos cidadãos, podendo até, em certos casos, constituir um dever.
II- Tendo, em primeira linha, em oposição um direito à denúncia ou participação, criminal ou disciplinar, não se têm suscitado dúvidas sobre a prevalência do direito de denúncia sobre o direito à honra do denunciado que, por via dela, sai ferido.
III- O problema da licitude da denúncia coloca-se numa segunda linha, isto é, no confronto entre o direito ao bom nome e reputação com o conteúdo e modo de apresentação da denúncia.
IV- Remete-se, aqui, para a ponderação da necessidade e proporcionalidade entre os elementos vertidos na participação e a sua adequação, em função das expressões utilizadas, como instrumento vulnerante da reputação do visado, sendo a este nível, que não já no direito de denunciar, que se coloca o problema de saber se, em concreto, há conflito entre os dois direitos e, consequentemente, a harmonizar, ou se, mesmo em momento logicamente anterior, não deve considerar-se que a conduta do denunciante é de tal forma injustificada que acaba por não corresponder realmente ao exercício do direito com o qual formalmente se apresenta o direito de denúncia, por com ele se não identificar o respectivo conteúdo”[43].
“1. A lesão da personalidade é, em princípio, ilícita.
2. A ilicitude da lesão torna-se, no entanto, problemática, sempre que a conduta do lesante corresponda ao exercício de um direito ou ao cumprimento de um dever.
3. Neste caso, há que fazer uma ponderação de interesses que têm de ser sopesados uns em face dos outros.
4. Aquela excepção de exercício de um direito ou de cumprimento de um dever é frequente em casos de ofensas à honra e à privacidade, nomeadamente nos casos em que os lesados são titulares de cargos públicos ou pessoas com notoriedade.
5. Em qualquer destes casos, o juízo de ilicitude não prescinde de uma apreciação concreta.
6. No exercício do patrocínio, um advogado tem a obrigação de velar pelos interesses dos seus constituintes utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
7. E assim, ao deduzir um pedido de recusa de um magistrado, pode e deve invocar os factos que motivavam esse pedido de recusa.
8. Essa invocação não pode ser vista como atentatória à honra e consideração do magistrado uma vez que, processualmente, não estava impedido de o fazer”[44].
“I - Toda a participação ou queixa criminal contém, em regra, objectivamente, uma ofensa à honra, por comunicar a prática de factos configuradores de um comportamento criminoso. A denúncia de um crime, quando identificado o seu autor ou o suspeito de o ter cometido, objectivamente, atinge a honra do denunciado. Apesar disso, é evidente que ninguém pode ser impedido de participar um facto delituoso.
II - Ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como via necessária de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos do denunciante, direito constitucionalmente consagrado – art. 20.º da CRP. Num Estado de direito é impensável, pois, impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que em consequência da participação ir-se-á lesar a honra do participado.
III -A lei substantiva penal prevê expressamente, aliás, situações em que a lesão de um determinado bem ou interesse penalmente tutelado é considerada, em concreto, lícita. São os casos previstos pelas normas que regulam as causas de justificação. Quando alguém tem de agir numa das situações tipicizadas nessas causas de justificação não comete crime, por não ser considerada ilícita a lesão do bem ou interesse em causa, dado que o legislador, apreciando a situação de conflito, indicou um interesse como prevalente, cuja tutela quer ver salvaguardada. Só assim se pode encontrar uma solução para as hipóteses de conflito e simultaneamente dar realização a uma exigência de justiça. Há uma ideia, a ideia de proporção entre os interesses em conflito, que paira e domina sobre as normas que disciplinam as causas de justificação. O legislador entende que os interesses em conflito devem ser ponderados entre si, já que a desproporção ou as soluções por ela ditadas repugnam à própria essência do direito, que é proportio hominis ad hominem e, portanto, justiça nas relações intersubjectivas.
IV -Daí que as causas de justificação expressamente previstas possam e devam estender-se, por aplicação analógica ou apelando para um princípio geral de direito. É que as normas penais não estão sob a alçada do princípio da proibição da aplicação por analogia legis ou por analogia juris, na medida em que não são normas restritivas da liberdade como as normas incriminatórias, nem são normas excepcionais. Elas gravitam em torno da ideia de que, em caso de conflito de interesses, um deles deve sempre prevalecer, pois seria absurdo consentir no sacrifício de ambos.
V -Trata-se evidentemente do princípio da ponderação de interesses, o qual se acha sempre subjacente a todas as situações de conflito, constituindo o fundamento último da justificação do facto.
VI -Ora, como o STJ vem decidindo, o direito de denúncia prevalece sobre o direito à honra, visto que como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos. “Quase irrestrita” por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com a consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos, os quais devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado.
VII - No caso dos autos inexiste prova indiciária de que o arguido agiu com consciência da falsidade das imputações constantes da participação que apresentou contra a assistente e das declarações que prestou no âmbito do respectivo inquérito criminal. Por outro lado, o texto da participação e o conteúdo das declarações prestadas não contêm asserções nem juízos de valor desnecessários ou desproporcionados.
VIII - Nesta conformidade, impõe-se concluir que, quer a denúncia apresentada quer as declarações prestadas pelo arguido, conquanto objectivamente lesivas da honra e consideração da assistente, se devem ter por justificadas nos termos do art. 31.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP.”[45]
“A característica funcional do direito penal, que, no dizer de WELZEL, (ZStW,1939, p. 514) não pode representar os bens jurídicos como “peças de museu, zelosamente guardadas em vitrinas, fora do alcance de influências lesivas, e só acessíveis ao olhar dos espectadores”, explicita uma fragmentaridade de tutela típica, que sempre norteada pelos princípios de dignidade e carência de tutela penal, proporcionalidade e subsidiariedade, remete os bens jurídico pessoais da honra, privacidade e intimidade, palavra e imagem, para a categoria de bens jurídicos socialmente vinculados quer quanto à estrutura axiológico-material, quer quanto ao enquadramento normativo (COSTA ANDRADE, … ).
Os tipos legais dos crimes contra a honra, perspectivados pelo efeito recíproco, terão de ser interpretados a partir do âmbito da área de tutela (da liberdade de expressão) e dos limites (…). A liberdade de expressão terá, por isso, de ser considerada já ao nível do tipo e não apenas em sede de justificação” (BRAUM, … )
Como diz ROXIN, …, (citado por COSTA ANDRADE, …), é a ilicitude que “do ponto de vista do proibido ou do permitido (neste caso como exclusão do ilícito) contém uma valoração dos conflitos de interesses que emergem de interacção social.”
A doutrina tende abstractamente a distinguir entre a justificação dos atentados contra a honra e perpetrados, respectivamente, sob a forma de juízo de valor ou de imputação de factos.
“Os juízes de valor ofensivos da honra podem buscar a justificação na derimente geral do Exercício de um direito, concretização dogmático-normativa da ponderação de interesses como princípio comum de justificação. Diferentemente, as imputações de factos terão preferencialmente de encontrar a justificação numa derimente específica e típica – a Prossecução de interesses legítimos – em que, a par da ponderação de interesses, avulta também o princípio do risco permitido.”(idem, ibidem, p. 274)
Sendo certo que, com frequência os juízos de factos aparecem entremeados (associados ou misturados) com juízos de valor.
Releva então a questão de saber de que forma o exercício do direito, ao traduzir a liberdade de expressão, pode ou não derimir a ilicitude penal de um juízo de valor ofensivo da honra.
Surge o binómio de confronto dialéctico da honra e da liberdade de expressão, ambos de dignidade constitucional.
Tudo terá de decidir-se “no contexto de uma ponderação de interesses mediatizada pelo círculo hermenêutico centrado sobre as singularidades do caso concreto.”[46].
“A questão de saber se a responsabilidade criminal constitui uma alternativa constitucionalmente superior ou inferior só pode ser respondida em concreto e não em tese geral. Do ponto de vista substantivo, deve ter-se em conta que a conotação do direito penal com a protecção do mínimo ético da vida social tende a diminuir a pertinência deste ramo do direito num contexto em que as possibilidades de lesão dos direitos de personalidade são cada vez mais um elemento estruturalmente inevitável de uma esfera de discussão pública desinibida, robusta e amplamente aberta. … enquanto o direito penal se ocupar da defesa do bom nome e da reputação, o mesmo deve ser estruturado e interpretado em conformidade com a Constituição e com a promoção das finalidades substantivas associadas às liberdades de comunicação, ficando reservado para os casos mais graves e flagrantes. (…)
… os juízes não se encontram absolutamente condicionados pela interpretação subjectiva dos factos dada pelo ofendido, a despeito da sua inegável relevância indicativa, devendo procurar um ponto de vista impessoal de ponderação do conteúdo efectivamente expresso e do seu presumível impacto no universo dos possíveis destinatários.
… o cuidado de que deve rodear-se o recurso ao tipo-de-ilícito criminal, na medida em que o mesmo pode facilmente apresentar uma malha demasiado apertada, susceptível de capturar condutas expressivas que o direito constitucional pretende deixar em liberdade.
… relevo prático da já referida distinção entre afirmações de facto e juízos de valor, tomados estes em sentido amplo de forma a abranger opiniões, crenças, sentimentos, convicções morais e convencimentos pessoais, inclusive sobre situações de facto. Apesar de o legislador penal proceder à sua equiparação, do ponto de vista da realização do tipo de ilícito, de um modo geral tende a reservar-se uma maior margem de manobra para os segundos, na medida em que os mesmos decorrem de uma apreciação subjectiva ineliminável, de um elemento de tomada de posição, de reacção ideológica, emocional, moral ou estética, ao passo que as imputações de facto ou são verdadeiras ou falsas, surgindo naturalmente como carecidas de prova. Num contexto de confronto de ideias e opiniões em plena autonomia, a expressão de juízos de valor é justamente um dos objectivos pretendidos, assumindo o maior relevo,…”[47].
Vejamos o caso concreto e o respectivo entorno.
No processo 2011-269/PD disciplinar, a Arguida AA foi acusada (em 07/07/2011) de uma infracção disciplinar por violação dos deveres de lealdade e correcção, tendo por objecto, “mormente”[48] os respeitantes a uma conversa mantida no dia 18 de Março de 2011, “a sós”, com o Assistente, nela indicado (naturalmente) como “testemunha”[49]. Dois meses depois (despacho de 08/09/2011), o Instrutor Judicial concretizou a pena proposta como sendo a de demissão[50].
A testemunha arrolada, ora Assistente, havia sido alvo de “incidente de suspeição” suscitado pela Arguida no âmbito de outro processo disciplinar (333/2010), na sequência do qual viera pedir “escusa” junto do CSM, manifestando-se “revoltado e indignado com o teor das acusações que lhe são feitas” e declarando que “por isso, passou a ser inimigo, figadal, da Arguida”[51].
Depois de pedidos de prorrogação do prazo e do anúncio da “alteração da estratégia de defesa”, a Arguida AA, representada pelo Arguido BB, seu marido e Advogado constituído, veio a apresentar (em 03/10/2011) a “Defesa” escrita e, sem a assistência daquele, a inquirir (em 07/11/2011) as 6 testemunhas supra-identificadas, bem como o próprio Assistente.
O clima de animosidade entre a Arguida e o Assistente foi subindo de tom desde aquela “suspeição”, tornando-se patente nas diligências em que ambos intervieram[52] e culminando na imprensa, com supostas declarações do Assistente a propósito da Arguida e do seu futuro profissional[53].
Perante isto, será mister concluir que o “ambiente” do processo disciplinar 269/2011 – na perspectiva do relacionamento Arguida / Assistente – foi dominado por uma “atmosfera” carregada de “emotividade e conflitualidade”[54].
Analisada a forma como veio a ser exercida a defesa dos Arguidos, à luz desse circunstancialismo, não se vê que se possa ter como ilícita, por dever prevalecer a protecção da honra do Assistente.
Concorde-se ou não com o seu teor[55], afigura-se que a Arguida AA tinha o direito, e ao Arguido BB (enquanto seu Mandatário) incumbia o dever (artº 92º, nº2, e 95º, nº1, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados[56]), de desacreditar o depoimento prestado pelo Assistente, testemunha da acusação contra si deduzida, faculdade inserida nas garantias de defesa legal (artº 121º do EMJ[57]) e constitucionalmente conferidas.
Diversamente do Digno Magistrado do Ministério Público, não se consegue divisar o objectivo, principal ou acessório, de “retaliação” sobre o Assistente, as “insinuações” sucessivas ou as tortuosas intenções de manipulação em cada facto mal ou inexactamente alegado pelos Arguidos.
Nem nos parece que à propalada “alteração da estratégia de defesa” possa ser atribuído outro alcance que não o anúncio do exercício legítimo de mudança de rumo perante a pesada espada da mais grave sanção disciplinar, a demissão.
Objectivamente analisada a peça denominada “Defesa” – com 328 artigos divididos em 4 grandes capítulos[58] -, particularmente ponderada no capítulo intitulado “Do valor probatório pleníssimo atribuído às imputações do Exmº Inspector Judicial, aqui participante” mas também no contexto global do demais ali escrito, não se vê que se possa concordar com a grande maioria das ilações expressas e subentendidas na Acusação.
De tal leitura atenta e impessoal, constata-se estarmos perante escrito meridianamente claro, redigido sem ambiguidades e, por isso, insusceptível de criar constantes “dúvidas”, “suspeitas” e “insinuações”, conjecturadas na Acusação muito para além daquilo que a sua literalidade permite.
Não nos parece, por exemplo, que se possa dele extrair a vontade de criar “suspeitas” de associação do Assistente a LL na vertente de “protecção” do tráfico de droga que levou à sua condenação, a imputação mais grave ali atribuída.
A enunciação dos 8 processos, “alguns dos quais ainda pendentes”[59], as mais das vezes explicitados através da reprodução de alguns dos seus conteúdos[60], destina-se a sustentar e ou a salientar as alegadas “actuação belicosa” e “animosidade”[61] do Assistente bem como a “inadequação” do exercício da actividade de Inspector na área do Tribunal Judicial de ...[62].
Juízo este formulado pelos Arguidos mas que outros, Magistrados Judiciais insuspeitos, sufragam, como se pode ver dos seguintes trechos dos depoimentos das testemunhas ... (“de modo algum aceitaria inspeccionar uma área onde tivesse processos pendentes, …”) e ... (“jamais concorreria a tal área…”)[63].
Também outras das imputações – a do “negócio simulado e fraudulento” narrado pelo Arguido BB[64] - já em 06/09/2008, merecera do Cons. Salreta Pereira a opinião assim plasmada no Relatório que elaborou[65]: “A compra do avião e a pretensão de o registar em nome da sociedade familiar com alteração dos respectivos objecto e designação sociais, para obter um subsídio do Estado Espanhol para a respectiva gasolina, a que não tinha direito, não é um acto edificante e compaginável com a dignidade e o prestígio da Magistratura Judicial, sendo mesmo susceptível de integrar um ilícito criminal. (…)”[66], cf. fls. 3vº do Anexo O).
Porém, nem sempre tal acontece, apresentando a Defesa alguma factualidade sem sustentáculo probatório, tal como: nem todos os identificados processos partiram da iniciativa do Assistente ou se relacionaram “com conflitos emergentes das suas actividades políticas, associativas ou empresariais”; e o Assistente não apresentou a sua demissão de Vogal do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de ...[67].
Mas são “pormenores” sem ressonância criminal ao nível do atentado à honra.
Contém também palavras duras, ainda assim admissíveis no domínio da acutilância processual com o nível de conflitualidade que o processo 269/2011 veio a atingir, sob pena de restrição intolerável da liberdade de expressão (que o nosso texto fundamental não permite – artº 37º da CRP).
“«É necessário não esquecer que um processo é uma luta, quase sempre viva e apaixonada, de interesses ou sentimentos e que nem sempre é possível manter nessa luta uma atitude de extrema correcção e de impecável urbanidade».
E o Prof. Dr. Alberto dos Reis escreve na citada Revista, ano 59, pags. 49, 50 e 51:
«O direito rasgado e franco de o Advogado exprimir o seu pensamento, de apreciar, discutir, e criticar tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho do seu mandato e até onde lhe pareça necessário ao triunfo da causa que está a seu cargo, é uma garantia absolutamente imprescindível da advocacia.».
«O Advogado tem uma alta missão a cumprir: fazer valer o direito do seu constituinte. E para cumprir com êxito e com denodo precisa de ter a palavra e a mão inteiramente livres, precisa de desviar os obstáculos que se opõem ao triunfo da sua causa.»
Por outro lado, no Acórdão do Supremo Tribunal, de 15 de Maio e 1917, Gaz. da Relação de Lisboa, ano 31.°, pág. 85, lê-se o seguinte passo: «A faculdade que às partes compete de alegarem com toda a liberdade, por meio dos seus advogados, tudo quanto julgarem aproveitável à defesa os seus direitos é um sagrado e essencial direito indispensável à boa administração da justiça». (…)
Todavia, por pacífico entendimento, documentado na prática diária e acolhido em todas as instâncias, não se entende que o direito protege a imoralidade e todos consideram que é função do mandatário qualificar também moralmente os factos.
Daqui resulta que, realmente, o problema essencial, em matéria de mandato, é o da necessidade ou não necessidade da alegação feita, porque, admitida tal necessidade, a qualificação tem de ser admitida, qualquer que ela seja.
Dentro do campo da necessidade da alegação nem sequer se levanta o problema de uma possível responsabilidade criminal do advogado: ela só surge para além dessa necessidade, e daí que seja nesse campo que o "animus defendendi" vem a desempenhar uma função penal importante; é realmente o "animus defendendi" que, no campo da desnecessidade da alegação, garante a impunidade e marca o limite da liberdade que a conveniência pública manda que se garanta ao advogado. (…)
O mais elementar senso da técnica processual não pode deixar de levar o jurista para a solução de entregar ao juiz da causa a decisão sobre o problema da necessidade ou não necessidade da alegação; de entregar ao juízo disciplinar os excessos cobertos pelo "animus defendendi", que porventura exijam repreensão corporativa; de só, finalmente, entregar ao tribunal ordinário o conhecimento da questão, quando seja evidente que a relevância jurídica dos factos ultrapassa os limites antes definidos.
A particular matéria de que se trata leva, portanto, a estabelecer entre os vários juízes que poderão eventualmente intervir, uma divisão funcional de competência, que se gradue da menos grave para a mais grave. É o princípio da economia processual que o recomenda; é a dignidade do advogado que o exige; é a conveniência pública que mostra indispensável essa solução.”[68]
“Ora, nem sempre a defesa de determinadas posições consideradas legítimas é totalmente compatível com uma linguagem de punhos de renda, de cariz inteiramente formal, à prova de qualquer conflito com os deveres de correcção ou de respeito. O perigo de ocorrerem excessos verbais é maior quando é o próprio interessado a assumir a defesa da sua posição, situação em que o “calor da refrega” ou a personalidade do indivíduo podem deixar escorregar a linguagem para zonas interditas.
Mas, principalmente no caso de auto-patrocínio, há que usar, em meu entender, de maior moderação na avaliação dos reflexos de natureza jurídico-disciplinar, pois que, apesar de serem injustificadas algumas afirmações, não deixam de ser humanamente compreensíveis” [69].
“… existem determinadas situações que nalguns ordenamentos jurídicos são vistas como conferindo um privilégio absoluto ou qualificado à liberdade de expressão. Os exemplos típicos do primeiro são as afirmações feitas… no contexto de um processo jurisdicional… no processo judicial, deve ser reconhecida a função de válvula de escape da liberdade de expressão, a justificar uma maior deferência para com exageros formais e substanciais in facie curiae, de alcance difamatório e injurioso.
Uma sociedade democrática e aberta deve saber viver com os excessos discursivos, que frequentemente trazem em si mesmos a sua própria condenação.”[70]
Em suma, o contexto específico em que o texto incriminado foi produzido deverá, em nosso entender, reconduzir-se ao exercício de um direito, o de defesa, e ao cumprimento de um dever estatutário (quanto ao Arguido BB, seu Mandatário), de sensível superioridade face aos valores da honra, da consideração e do bom nome do Assistente; e porque não excede as exigências de idoneidade, proporcionalidade e necessidade, verificadas estão as causas de exclusão da ilicitude, nos termos do artº 31º, nºs 1 e 2, als. b), e c), do CP, não constituindo, por isso, ilícito criminal.
Relativamente às diligências de inquirição das testemunhas ..., ..., ..., ..., PPe QQ, levadas a cabo pela Arguida AA, não podem revestir a pretendida ressonância criminal.
“(…) a pergunta representa uma “categoria semântica autónoma” face ao juízo de valor e à imputação de factos. Na sua expressão arquetípica e pura, a pergunta não adianta um qualquer juízo de valor ou de facto: ela visa apenas provocar uma resposta, esta sim, valendo como asserção, com coeficientes maiores ou menores e mais ou menos explícitos de valoração ou de afirmação de factos. Mas nem sempre as perguntas obedecerão a este modelo extremado. Mais: talvez isso raramente aconteça. O mais natural é que a pergunta tenha atrás de si supostos básicos subjacentes mais ou menos expostos, com o conteúdo de juízos de valor ou de facto sobre as pessoas, as coisas ou os eventos que a suscitam. Na medida, porém, em que de autêntica pergunta se trate, ela não é, em si, e ao contrário do que se passa com as imputações de factos, verdadeira ou falsa. (…) “uma vez que quem pergunta quer saber o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso e na medida que está aberto a várias respostas, não pode a pergunta ser aferida segundo os critérios da verdade ou inverdade (…)”[71].
Ainda que se possa defender que as “perguntas” documentadas nos 6 “autos de inquirição” em apreço não foram pela Arguida formuladas na sua “expressão arquetípica e pura” (como, aliás, ocorre constantemente nos tribunais, por parte de magistrados e advogados), ainda assim, elas consubstanciam interrogações.
E não podem ser “desgarradas” nem do contexto nem do momento em que foram postas, numa determinada relação quer com a pergunta e resposta anteriores quer com as respostas já anteriormente ouvidas da testemunha em questão e da ou das antecedentes.
É certo que as ditas testemunhas produziram depoimentos não favorecedores, nalguns aspectos, da pessoa do Assistente mas nada indica que tal tenha ocorrido por influência das perguntas e muito menos, poderá a Arguida ser responsabilizada pelas respostas delas obtidas.
Por outro lado, a conduta da Arguida aparece irrevogavelmente legitimada pela “anuência” do Juiz Desembargador Instrutor do processo, o qual, competindo-lhe a direcção daqueles actos, nunca a advertiu ou lhe cortou a palavra, ou obstaculizou qualquer pergunta, o que seguramente teria feito, como era sua estrita obrigação, no caso de perguntas sugestivas, impertinentes, desnecessárias, e, por maioria de razão, na hipótese de afirmações insultuosas “disfarçadas” de perguntas.
Nesta medida, merece a nossa concordância a asserção dos Arguidos de que é “certo que o Exmo. Instrutor que presidiu à diligência não colocou nenhum óbice à formulação das mesmas, designadamente advertindo a arguida ou retirando-lhe a palavra - como seria seu dever de ofício se tais perguntas fossem impertinentes” (artº 521º do RAI).
Permita-se-nos deixar um apontamento último.
O Assistente é Magistrado Judicial há mais de 3 décadas, quase sempre classificado com a mais alta notação (Muito bom), ascendeu à categoria de Desembargador em 01/09/2000, tendo já sido graduado, em 8º lugar, no concurso de acesso ao STJ, ex aequo com o candidato do 6º lugar, circunstâncias reveladoras de um desempenho altamente meritório e de um prestígio profissional que se afirmam por si[72] (fls. 56 e vº do Anexo O).
Nessa perspectiva, não será despiciendo dizer-se e concluir-se, como faz a Desemb. ...[73], em conhecido caso envolvendo prestigiado Juiz, “que o elevado perfil pessoal e profissional do assistente seria garantia da desconformidade da crítica e seria o perfil deste a retirar à potencial ofensa a gravidade que conduziria à tipicidade da conduta… Não será assim qualquer tentativa de ridicularizar ou de ostracizar que pode abalar a reputação de quem a tem.”
Estatui o artº 192º do CP, disposição legal mencionada na Acusação:
1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
…
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
A propósito do sentido e alcance das noções de “privacidade/intimidade”, discorre o Prof. Costa Andrade: “(…) não é possível definir a privacidade e a intimidade como espaços de conteúdo material estabilizado e fixo e, como tal, estanque face ao domínio da publicidade. A isso se opõem, desde logo, a consabida relatividade histórico-cultural da privacidade e as oscilações da fronteira entre o privado e o público, ao ritmo das transformações civilizacionais. (…) Além do mais, a privacidade/intimidade é sempre função da conduta, do papel e do estatuto social do respectivo portador.”
E mais adiante: “(…) enquanto objecto de tutela penal a privacidade/intimidade assume o “carácter próprio do segredo”. Compreende “aquela parte da vida pessoal, da acção pessoal e do pensamento pessoal de que ninguém – ou quando muito só um círculo rigorosamente delimitado de pessoas em quem expressamente se confia – pode ter conhecimento”. A tutela jurídica (…) visa, assim, emprestar consistência à linha de fronteira definida pelo indivíduo e atrás da qual ele se entrincheira com o universo das vivências, experiências e pessoas que quer preservar contra os ruídos e irritações do mundo ambiente.” [74]
Na generalidade dos países democráticos, o princípio da publicidade dos actos processuais é considerado como um dos elementos estruturantes do Estado de Direito Democrático; no nosso processo penal, vigora, como regra, o princípio da publicidade dos actos processuais, mormente os que decorrem na fase de julgamento (artºs 86º, 87º, 321º, do CPP).
Fora das situações excepcionais consagradas na lei (v.g., no artº 87º, nº3, do CPP), “prevalece o princípio da publicidade, o qual pela sua própria natureza, tem como resultado inevitável o abaixamento do «muro da vida privada». (…) os cidadãos objecto de processo judicial, quer na qualidade de partes, quer na de arguidos, quer na de ofendidos, sofrem as limitações à reserva da intimidade da sua vida privada, que resultam da aplicação do princípio da publicidade da justiça (…)”[75]
De acordo com a Acusação, a factualidade subjacente ao tipo criminal em causa parece ser tão-só (apesar da utilização do advérbio “nomeadamente”) a inscrita nos respectivos 116º a 140º, que tem subjacente ocorrências entre o Assistente e o seu irmão QQ no âmbito do processo nº 310/09.1YFLSB; processo este que veio a terminar por desistência da queixa depois de aberta a audiência de julgamento[76].
O Assistente “é uma figura pública na comunidade com projecção na vida social e profissional”[77].
Não nos parece que se possa considerar que a tutela jurídico-penal da privacidade/intimidade deva abranger os factos objecto de tal processo de natureza pública e que a sua revelação assuma a forma de um “delito de indiscrição”[78].
Todavia, temos por certo que, no caso concreto, não ocorreu sequer a modalidade de conduta típica consubstanciada na “divulgação”.
Divulgar significa “tornar conhecido do público, publicar, propagar”[79]; ora, utilizar a informação legitimamente obtida dos autos 310/09.1YFLSB[80] no âmbito de um processo disciplinar, de natureza confidencial (artº 113º do EMJ), não consubstancia semelhante acção típica.
E mesmo que assim não fosse, sempre se deveria ter por excluído o elemento subjectivo: o artº 192º do CP faz depender a punibilidade da “intenção de devassar a vida privada das pessoas” e “tudo parece abonar em favor da doutrina claramente maioritária, que afasta a punibilidade do dolo eventual”[81].
Indemonstrado ficou, nas circunstâncias do caso concreto, o dito intuito por parte dos Arguidos.
Prevê o artº 365º, nºs 1, 2 e 3, al. b), do CP:
1 - Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
3 - Se o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova, o agente é punido:
b) No caso do n.º 2, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O legislador português “propôs-se aderir à chamada doutrina da inculpação (…), reportando a falsidade ao juízo de suspeita(…) e não aos fundamentos da suspeita(…).
A falsidade não tem de ser total, bastando que atinja o conteúdo essencial da imputação, isto é, que no essencial ela se afaste da verdade. Serão irrelevantes os meros exageros, empolamentos ou deturpações, bem como o aditamento ou omissão de pormenores que não contendam com aquele conteúdo essencial. (…)
O facto só é punível a título de dolo. Trata-se, aliás, de um dolo qualificado por duas exigências cumulativas: por um lado, o agente terá de actuar «com a consciência da falsidade da imputação»; por outro lado e complementarmente, terá de o fazer «com intenção de que contra ela se instaure procedimento».
A consciência da falsidade significa que, no momento da acção o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita. O que equivale a excluir nesta parte a relevância do dolo eventual, não preenchendo o tipo aquele que age admitindo a possibilidade da falsidade dos factos. Por seu turno, o erro afasta o dolo nos termos gerais, também não preenchendo o tipo o agente que actua convencido da verdade dos factos.”[82]
Em primeiro lugar, a prova produzida contraria o facto narrado na Acusação da utilização da defesa exercida pelos Arguidos no processo 269/2011 como meio ou instrumento de lograr que contra o Assistente viesse a ser intentado procedimento disciplinar, fim “querido” por ambos, ainda que a título de dolo necessário; se assim fosse, caberia perguntar por que razão elaborou a Arguida várias participações, uma delas entregue ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura e com conhecimento a todos os Vogais[83].
Mas mesmo que semelhante propósito quedasse transparente, outro obstáculo se depararia que impede o preenchimento do tipo de ilícito: a ausência de prova da consciência por banda dos Arguidos de que a factualidade que descreveram no nº II da Defesa era falsa.
Notifique».
É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada pelo Ministério Público:
«A) Pelo facto de a instrução visar a comprovação judicial da decisão de acusação ou de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento, e tendo sido recolhidos indícios suficientes, de se ter verificado os crimes e de quem foram os seus agentes – art.ºs. 283º e 308º, nº 1 do C.P.P. – considera-se que os autos estão em condições de prosseguir para a fase de julgamento, por se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma sanção criminal.
B) Com efeito, pelo facto de existir suficiente indiciação, o que significa a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar - com um juízo de certeza e não de mera probabilidade - os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder - Ac. do STJ, de 10.12.92, proc. nº 427747 – entende-se que devia a douta “Decisão Instrutória” ter pronunciado os arguidos Dr.ª AA e Dr. BB pela prática, em co-autoria de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este com referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do C. Penal e a arguida Dr.ª BB, em concurso real, a prática de um outro crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este com referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do C. Penal, daí que não o tendo feito violou os preceitos supra referidos.
C)- Efectivamente, os juízos de valor, as expressões utilizadas e as imputações feitas pelos arguidos Dr.ª AA e Dr. BB, conforme se conclui da matéria dada como indiciada, que aqui se reproduz, são indícios mais do que suficientes de que os arguidos ao assim actuarem quiseram denegrir a pessoa do Assistente Dr. CC, quer na vertente pessoal, mas principalmente abalar de forma ofensiva a sua credibilidade, honorabilidade e dignidade como Magistrado Judicial, entendendo que a douta “Decisão Instrutória” ao decidir da maneira que decidiu não explicou devidamente os motivos de facto e de direito dessa decisão, em nítida violação do art.º 97.º, n.º 5 do C.P.P. e art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa.
D) Esta conduta dos arguidos que foi considerada praticada em co-autoria de acordo com o que consta a fls. 53 a 55 da douta “Decisão Instrutória”, que aqui se dá por reproduzida, está em total desacordo com a matéria considerada suficientemente indiciada, nomeadamente sob os n.ºs 11.º, 12.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, 42.º, por se ter entendido, conforme consta na parte da douta “Decisão Instrutória” que tem por epígrafe “E nada mais se apurou, com nível indiciário suficiente e de relevante para a decisão a proferir, nomeadamente, por reporte aos seguintes trechos da acusação” que os escritos apresentados haviam “saído da lavra e da mente de ambos os arguidos”.
E) Efectivamente, se foi decidido pela existência de co-autoria, entre os arguidos, de acordo com o que é definido no art.º 26.º do Código Penal, que refere «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.», como é que se pode depois decidir que a conduta dos arguidos não foi “saído da lavra e da mente de ambos os arguidos”; ou há conjugação de esforços e um plano arquitectado em conjunto ou não; duas decisões antagónicas, é que não é possível.
F) Pelo que, ao ter-se decidido que a conduta dos arguidos não foi “saído da lavra e da mente de ambos os arguidos”, não só se violou o disposto no art.º 26.º do Código Penal, como se contrariou a própria decisão proferida.
G) Na acusação, foi imputada à arguida Dr.ª AA a prática, em concurso real, de dois crimes de difamação agravada, enquanto na douta “Decisão Instrutória” foi considerado que a arguida Dr.ª AA tinha cometido um único crime de difamação agravada por se ter entendido que:
«Ora, ainda que se tivesse logrado a prova de todos os factos descritos na acusação, sempre se não veria alicerce para a atribuição à arguida de 2 crimes de difamação: mesmo naquela versão dos acontecimentos, teriam sido cometidos com base e na sequência de uma única resolução criminosa, pré-anunciada (a “reformulação” ou “alteração” da sua “estratégia de defesa”) e que se desdobrou em 2 momentos distintos, mas próximos, configurando a inquirição de testemunhas (em 07/11/2011) mera execução do que antes havia sido delineado por escrito (no articulado de 03/10/2011).
Ora, havendo um só desígnio criminoso, o crime contra a honra imputado à Arguida havia de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ofensivo de idêntico bem jurídico.
Dito de outro modo, “haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação sem serem determinados por nova motivação”, o que, a vingar a delimitação factual nos exactos termos acusatórios, sempre teria ocorrido.».
H) Ao contrário desta douta decisão, e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que estamos perante dois crimes distintos, praticados igualmente em momentos distintos, pois como se refere no art.º 30.º, n.º 1 do C. Penal que:
«1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.», o que significa, que existem tantos crimes quantas vezes a norma jurídica é violada, tantos quantas as decisões formadas de violar aquela norma.
I) Ora, da análise da matéria dada como indiciada de factos 10 a 69 inclusive e de factos 70 a 80 conclui-se, perfeitamente que a arguida Dr.ª ..., cometeu em concurso real, como consta da acusação deduzida, dois crimes de difamação agravada.
J) Efectivamente, a arguida Dr.ª AA resolveu cometer um crime de difamação contra o Assistente, Dr. CC quando, em Outubro de 2011, arquitectou a sua defesa por escrito, integrando estes factos o primeiro crime de difamação agravado imputado e posteriormente, formou novo desígnio criminoso de ofender a dignidade e a honra do Assistente quando, em 7 de Novembro de 2011, teve lugar a diligência de tomada de declarações às testemunhas arroladas e lhe foi deferido o seu pedido pelo Sr. Inspector, o Exm.º Sr. Juiz Desembargador Dr. FF, de efectuar ela própria o interrogatório das testemunhas, em vez de as mesmas serem interrogadas pelo seu Ilustre Mandatário.
L) Ao decidir-se que a arguida Dr.ª AA não cometeu em concurso real dois crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este por referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º do C.P. mas apenas um, contrariou-se a matéria dada como suficientemente indiciária e o disposto no art.º 30.º do Código Penal.
M) Na acusação deduzida contra os arguidos entendeu-se, e bem, que os crimes imputados haviam siso cometidos com publicidade, tendo na douta “Decisão Instrutória” se entendido em sentido contrário, apesar de ter sido considerado suficientemente indiciado o facto 81, no qual se refere que «os órgãos de comunicação social fizeram pública divulgação de alguns dos factos….», considerando-se, na parte que tem por epígrafe “A PUBLICIDADE”, estar excluída a agravação da alínea a) do n.º 1 do art.º 183.º do C. Penal, por não se encontrar minimamente comprovada a responsabilidade dos arguidos na pública divulgação pelos órgãos de comunicação social de algum ou alguns dos factos objecto de discussão no âmbito do processo disciplinar.
N) No citado art.º 183.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal refere-se:
«1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,», o que significa que ofensa pode ser feita através de meios que facilitem essa divulgação, ou podem existir circunstâncias que facilitem essa mesma divulgação.
O) Na parte inicial do facto 210.º da acusação contra os arguidos deduzida, refere-se que:
«Por outro lado, as circunstâncias em que os arguidos praticaram os factos, atendendo designadamente à qualidade profissional das pessoas envolvidas, à natureza e função dos órgãos que as tutelavam e às várias pessoas e instituições chamadas a intervir e a dirimir o conflito, facilitaram, como bem sabiam e quiseram os arguidos, a sua fácil e pública divulgação, nomeadamente através dos órgãos de comunicação social, que fizeram pública divulgação dos factos, dessa difusão se salientando, entre várias outras, as que ocorreram:….».
P) Desta análise conjugada conclui-se que na acusação não se imputa directamente a qualquer arguido a prática de determinado facto com a finalidade de dar a conhecer aos órgãos de comunicação social, os factos que se encontravam a ser objecto do respectivo processo. Aquilo a que se faz referência e faz toda a diferença é que foram todas as circunstâncias que rodearam a situação em análise que facilitaram essa divulgação, nomeadamente, pelo número de testemunhas arroladas, algumas delas ligadas de forma negativa ao Assistente, o facto de ser uma pessoa conhecida pelos diversos cargos que exerceu, bem como por ter sido candidato à Câmara Municipal de ... e pertencer a uma família conceituada, naquela zona, e principalmente pelo facto com maior relevância que é o das partes envolvidas pertencerem à Magistratura Judicial, e estarem em litígio aberto.
Q) Ora, foram estas circunstâncias que rodearam a actuação concertada dos arguidos que chamaram a atenção da comunicação social, pois as imputações atentatórias da honra do assistente foram feitas, não só verbalmente, mas também por escrito, perante pessoas que, quer por razões funcionais, quer pelo facto de conhecerem o Assistente, por com ele se terem cruzado devido às funções que exerceu, facilmente permitiriam que os factos ofensivos fossem difundidos e levados ao conhecimento de um número alargado de pessoas, como o tinham previsto e pretendido os arguidos. (vide neste sentido Prof. Faria da Costa, in Comentário Conimbricense, Parte Especial do C. Penal, Tomo I, Págs. 640/1 e Ac. do T.R. de Coimbra proferido por Brízida Martins em 18 de Fevereiro de 2009, no Proc. n.º 617/06.0TAPBL.C1).
R) É que a razão de ser da agravação da pena prevista no tipo legal de crime de difamação reside precisamente no perigo de difusão alargada da ofensa, dado que os efeitos nefastos para a honra e consideração da vítima dependem também dessa mesma difusão. Pelo que tendo em conta o número de jornais, com divulgação nacional que deram conta dos factos temos de concluir, como já o fizemos, que as circunstâncias citadas, não só são susceptíveis de permitir uma ampla divulgação, como o foram em concreto. Daí que se conclua pela existência daquela agravação, e pela violação, na douta “Decisão Instrutória”, do disposto no art.º 183.º, n.º 1, alínea) do Código Penal.
S) Resta agora analisar o que sobre a epígrafe “ILUCITUDE” se referiu, dando-se aqui, por totalmente reproduzida essa parte dada a sua relevância, pois é da conclusão a que se chegar do ponto de vista doutrinal que se conclui terem ou não os arguidos praticado os crimes de difamação agravada imputados, entendendo, como iremos demonstrar, que ao assim se ter decidido se violou o disposto nos art.ºs 180.º n.º 1 e 2 e 31.º todos do Código Penal.
T) Refere o art.º 180.º n.º 1 do Código Penal que comete o crime de difamação:
«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.», não sendo essa conduta punível, se nos termos do seu n.º 2, alíneas a) e b):
-A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
- O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.».
U) Para defenderem a licitude da sua conduta os arguidos referem não ter cometido qualquer crime pelo facto de apenas terem tido em vista a defesa da arguida Dr.ª AA enquanto visada num processo sancionatório, tendo a douta “Decisão Instrutória”, concordado com essa posição quando refere que:
«… afigura-se que a Arguida AA tinha o direito, e ao Arguido BB (enquanto seu Mandatário) incumbia o dever (artº 92º, nº2, e 95º, nº1, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados ), de desacreditar o depoimento prestado pelo Assistente, testemunha da acusação contra si deduzida, faculdade inserida nas garantias de defesa legal (artº 121º do EMJ ) e constitucionalmente conferidas. ».
V) Ora, nesse processo sancionatório foram imputados à arguida Dr.ª AA factos susceptíveis de integrarem a prática de infracções disciplinares violadoras dos deveres de lealdade e correcção, processo esse que foi instaurado com base na participação que o Assistente havia apresentado no Conselho Superior da Magistratura e que deu origem ao processo disciplinar n.º 269/2011, tendo sido nomeado como seu Instrutor o Exm.º Sr. Juiz Desembargador Dr. FF, tendo sido pelo facto de se ter entendido que a arguida Dr.ª AA havia infringido o dever de lealdade, que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço, bem como o dever de correcção, que consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos é que foram instaurados os autos citados, que foi contra si deduzida acusação.
X) Na sequência da acusação contra si deduzida competia à arguida Dr.ª AA contradizer os factos que lhe eram imputados demonstrando ser uma Magistrada Judicial que procura desempenhar as suas funções com subordinação aos objectivos do órgão e serviço a que pertence, bem como que era uma Magistrada Judicial que sempre pautou a sua vida por tratar com respeito, não só aqueles que recorrem aos serviços, onde presta funções, mas também aos restantes trabalhadores e, principalmente aos seus superiores hierárquicos, devendo ao contrário do que fizeram, não usarem de expressões injuriosas ou difamatórias ou desnecessariamente violentas ou agressivas, fazendo ou incitando a que fossem feitos comentários ou explanações sobre assuntos alheios ao processo e que nada serviam para o esclarecer, entendendo-se que os factos apresentados pela defesa em nada demonstraram que a imputação efectuada pelo Sr. Inspector Instrutor não correspondia à verdade.
Z) Com efeito, os arguidos limitaram-se de uma forma concertada e pormenorizada a apresentar situações, que sabiam não ter qualquer influência na marcha dos processos referidos e onde tinha tido intervenção, no legítimo exercício das suas funções, o Assistente Dr. CC, pretendendo, como se refere na acusação, apresentar uma “defesa” que apenas tinha o «propósito de descredibilização e de falsidade, à falta de quaisquer outros válidos argumentos que coubessem no âmbito da defesa dos interesses da arguida Dra. AA e a essa sua defesa fossem necessários, iria ser concretizado, como foi e quiseram os arguidos, por meio de imputações, algumas sob a forma de suspeita, de factos, ou de formulações de juízos que pusessem, como puseram, em causa a dignidade, a honradez, o bom nome e o crédito do Assistente Dr. CC, enquanto pessoa e Magistrado Judicial, o que também quiseram os arguidos.».
Aa) A este propósito referiu Alfredo Gaspar que:
«Para que os escritos dos advogados e procuradores se julguem criminalmente difamatórios e injuriosos, não basta atender à significação própria das palavras, sendo necessário verificar se servem ou não para provar a intenção das partes, isto é, se são exigidos pela defesa ou apenas manifestam a intenção criminosa de ofender alguém na sua honra e consideração. (In Revista de legislação e Jurisprudência, Ano 35, pág. 262).», sendo que «A honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege “é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora (Tragër) de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência (Geltung) deles decorrentes, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal (Personenwürde) que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a Lei Fundamental reconhece no artigo 1.º (….). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas (…) – Prof. Faria da Costa, in “Comentário Conimbricense do C. Penal, tomo 1,pág. 607.
Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública.» (Ac. da Rel. de Guimarães de 6/12/2004, in Proc. n.º: 1327/04-1).
Bb) Para que a difamação não seja punida é necessário que, para além da realização de um interesse legítimo, a imputação do facto desonroso seja verdadeira, ou quando, embora não verdadeira, o agente a considerou como tal, depois de colhidas as informações que, nas circunstâncias, se impunham e era possível obter, o que significa que cabe ao agente da ofensa a prova, quer do interesse legítimo, quer da verdade ou verosimilhança da imputação, tendo-se no douto acórdão a que se faz referência a fls. 73 da douta “Decisão Instrutória” (proferido em 18/12/2012, no Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Proc. n.º 5816/11.0TDLSB.L1-5, sendo Relatora Margarida Bacelar) dito o seguinte:
«Efectivamente e pese embora o referido pelo arguido, as expressões que utilizou quando se referiu à decisão do Assistente, no decurso da entrevista que concedeu à SIC, que constitui o objecto dos autos, relativa às medidas de coacção que aquele tinha aplicado, excedem em muito o direito de crítica de qualquer decisão, mormente de decisões judiciais e são susceptíveis de atingir a honra e consideração devidas ao Assistente.
A liberdade de expressão constitui um direito inalienável e é um pilar fundamental de um Estado direito e de uma sociedade democrática. A liberdade de expressão é um direito fundamental, de qualquer cidadão e a crítica das decisões judiciais é um direito legítimo de qualquer pessoa mormente de quem exerce a função de bastonário da ordem dos advogados, contudo tal liberdade como qualquer outra, tem de ser exercida com ponderação, rigor, objectividade e com respeito pelos demais direitos.
A personalidade do arguido, as circunstâncias em que se indicia que o arguido proferiu as declarações que constituem o objecto dos presentes autos, na sequencia da emoção que foi gerada na sociedade portuguesa, pelos factos que deram origem ao processo em que foi proferida a decisão a que acima se faz referência, face à forte cobertura mediática que teve, a provarem-se em audiência de julgamento, apenas serão relevantes para determinação da medida da culpa do arguido e consequentemente da pena, não se indiciando que são de molde a justificar a ilicitude da sua conduta.»( veja-se, igualmente, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 19/12/2012, no Proc. n.º: 96/11.0TAGRD.C1, em que foi Relator Jorge Jacob, e o douto acórdão do T.R. de Lisboa, proferido em 01/06/2006,no Proc. n.º 3713/2006-9, relatado por Almeida Cabral).
Cc) Nos presentes autos, e tendo em conta a matéria considerada suficientemente indiciada, conclui-se que os arguidos construíram a sua defesa fazendo as imputações que fizeram, não com a finalidade de defenderem um interesse legítimo, pois fizeram essas imputações com base em dados que sabiam estar errados, dados esses que não provaram, sabendo perfeitamente que os mesmos eram falsos, pretendendo com a sua conduta apenas descredibilizar e denegrir a imagem do Assistente, pelo facto de o mesmo no seu legítimo direito ter apresentado participação contra a arguida Dr.ª AA, a qual foi considerada conter elementos suficientes para instaurar processo de inquérito por ordem do Conselho Superior da Magistratura e, posteriormente, ser contra aquela arguida deduzida acusação pelo Sr. Inspector Instrutor que havia sido nomeado para dirigir o processo.
Dd) Com efeito, o Assistente Dr. CC ciente de que a conduta da arguida integrava a prática de ilícito disciplinar havia apresentado a competente queixa, a qual não foi considerada falsa, nem apresentada com qualquer outra finalidade que não fosse a de apurar se efectivamente a conduta da arguida Dr.ª AA integrava ou não a prática de ilícito disciplinar, o que efectivamente se verificou corresponder à verdade, tendo contra a mesma sido deduzida acusação pelo Sr. Inspector Instrutor.
….
…., não tinha o mesmo arguido necessidade alguma de recorrer à “crítica pessoal”, invocando o nome de quem para ali não era chamado, designadamente, imputando-lhe práticas e formulando juízos de todo estranhos aos atrás referidos interesses (sublinhado nosso).».
Ff) Para demonstrar que efectivamente a ilicitude da conduta dos arguidos não se encontra excluída por terem exercido um legítimo direito, basta indicar os factos considerados suficientemente indiciados e que a nosso ver ilustram convenientemente esta questão e que constam dos números: 11.º, 12.º, 36.º, 38.º, 40.º – que está em nítida oposição ao facto n.º 38.º, sob o n.º 25 – 41.º a 69.º quanto ao primeiro crime de difamação e 70.º a 80.º, relevando-se de extrema importância o artigo 72.º, através do qual se conclui que as perguntas efectuadas tinham uma finalidade específica, tendo até em conta o relacionamento das mesmas com o Assistente.
Gg) Da análise conjunta dos factos dados como suficientemente indiciados, nomeadamente sob os n.ºs 11.º, 12.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, 42.º, fica-nos a certeza de que os arguidos em conjunto arquitectaram toda uma estratégica, para deliberadamente denegrirem a pessoa do assistente Dr. CC, não se compreendendo como é que com a evidência que estes factos revelam se pode dar como não apurado “com nível indiciário suficiente” a totalidade dos factos constantes da acusação e que fundamentaram a correcta e comprovada conclusão que os arguidos Dr.ª AA e Dr. BB actuaram em conjugação de esforços e que todo o plano de defesa foi criado em conjunto e em estreita colaboração de ambos, sendo certo que essa douta decisão se nos afigura, salvo o devido respeito por opinião contrária, estar aliás em completa contradição, com o que se decidiu quando se considerou e ao contrário do defendido pelos arguidos, de que tinham actuado em co-autoria (fls. 53 a 55).
Hh) Por outro lado, tendo em conta a matéria dada como suficientemente indiciada, nomeadamente sob os n.º s 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º e 69.º, em confronto com os factos constantes do n.º 38.º conclui-se facilmente que os arguidos apresentaram a documentação e elementos ali referidos, com a finalidade de suscitarem dúvidas sobre a integridade moral do assistente, como pessoa, e principalmente como Magistrado, procurando descredibilizar a sua imagem, sabendo perfeitamente as condições em que tinham sido tramitados aqueles processos e como haviam terminado, bem como que o Assistente Dr. CC não tinha tido, nos mesmos, a intervenção, por eles arguidos, apontada.
Ii) Também de acordo com a matéria suficientemente indiciada e que consta dos factos 70.º a 78.º, entendemos que aqueles, para além de nada contribuírem para contrariar os factos constantes da acusação, uma vez que nenhum deles integra um facto concreto de onde se pudesse retirar a conclusão que a arguida Dr.ª AA tinha sempre pautado a sua vida profissional com total respeito pelos princípios da lealdade e correcção, não podem também servir como suporte de defesa de uma pessoa, seja ela quem for, já que a defesa não pode ser construída sob a imputação de factos e juízos que objectivamente têm de ser considerados à luz dos mais elementares princípios constitucionais e criminais como ilícitos e tanto mais ainda quando se está perante arguidos que, pela sua formação académica e desempenho profissional, têm redobrada obrigação de saber distinguir o que é lícito do que é ilícito e onde começa e acaba a defesa e se passa à ofensa.
Jj) Com efeito, a arguida Dr.ª AA, conjuntamente com o seu Ilustre Mandatário e marido Dr. BB tinham outras formas de actuação, nomeadamente apresentando testemunhas e documentação que demonstrassem que pela personalidade, maneira de ser e desempenho profissional, nunca a arguida poderia ter tido a conduta imputada, violadora dos deveres de lealdade e correcção, em vez de terem, de uma forma acintosa e reiterada, como resulta dos factos indiciados, denegrido a imagem do Homem e principalmente a de Magistrado, imputando-lhe condutas que nenhuma conexão têm com a matéria objecto do processo, pelo que não só é lícito e compreensível que o Assistente se tenha sentido ofendido na sua honra e dignidade, como essa conduta é penalmente punível por ter extravasado e ultrapassado os limites do direito de defesa, legalmente protegidos.
Ll) É que o direito de defesa não pode ser entendido em termos puramente subjectivos, com o alcance de nele caber tudo o que o arguido entenda, mesmo que sem qualquer conexão, razoável e objectiva, com os factos, objecto do processo, sendo certo que o direito de defesa acaba quando se transforma em ataque gratuito, desnecessário e ofensivo da honra e consideração de outrem, como foi claramente o caso concreto, em que nada é invocado que possa contrariar a credibilidade do assistente sobre a matéria objecto da queixa por ele apresentada.
Mm) Conclui-se, assim que a douta “Decisão Instrutória” deve ser substituída por outra que pronuncie os arguidos Dr.ª AA e Dr. BB pela prática, em co-autoria de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este com referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do C. Penal e à arguida Dr.ª AA, em concurso real a prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este com referência à alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do C. Penal».
Na sua motivação de recurso o assistente CC concluiu:
«1ª Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos pela prática de dois crimes de difamação agravada, um crime de denúncia caluniosa e um crime de devassa da vida privada.
2ª É entendimento do assistente que erradamente se decidiu a matéria de facto dada como não indiciada, tal como inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa relativamente à conduta dos arguidos, pelo que estes devem ser sujeitos a julgamento pelos factos e crimes constantes da acusação.
3ª Quanto à matéria de facto a decisão recorrida violou o princípio da livre apreciação da prova, julgando os factos contra o que se encontra indiciado e contra as regras da experiência comum.
4ª Na verdade, a decisão recorrida contradiz-se nos seus próprios termos ao afirmar, por um lado, que os arguidos agiram em co-autoria e, por outro, ao dar como não provados os factos conducentes a tal conclusão.
5ª É de concluir que o requerimento referido no artº 10º da acusação é saído da lavra e da mente de ambos os arguidos, sendo que a consideração de tal expressão como não provada, está em contradição com o afirmado na decisão recorrida a fls. 54 onde reconhece que os arguidos agiram em comparticipação criminosa.
6ª Acresce que, apesar de o documento de suporte de tal factualidade vir assinado pelo arguido BB no exercício do seu mandato, aí se anuncia uma intenção que é da arguida AA, tendo ambos os arguidos formação jurídica, e, por outro lado, “o mandato geral só compreende os actos de administração ordinária” – artº 1159º nº1 do Código Civil - sendo “o mandatário obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo instruções do mandante.”
6ª Não decorrendo dos autos, nem sendo alegado no requerimento de abertura da instrução – sendo certo que, ainda que viesse alegado, nenhuma prova foi produzida relativamente ao mesmo -, que o arguido BB exercesse o mandato sem instruções da mandante ou que, de alguma forma tenha violado os seus deveres enquanto mandatário, tal factualidade deveria, quanto mais não fosse, por apelo às regras da experiência comum, ser dada como indiciariamente assente.
7ª O mesmo se deve dizer quanto ao incidente de recusa aludido no artº 12º da acusação, tal factualidade foi dada como assente no acórdão do CSM constante do Anexo A, Vol. 5, nos pontos 2.1.81 e seguintes, e, por outro lado, foi a arguida que fez a inquirição das testemunhas directamente, mesmo estando presente o seu mandatário, como sucedeu na acareação de Vila Nova de Famalicão, o que anunciou de antemão, alterando a estratégia de defesa e fazendo requerimentos remetidos do seu endereço electrónico (artº 24 da acusação).
8º Daí que, da mesma forma, quanto mais não fosse, por apelo às regras da experiência comum, tal factualidade deveria ser dada como indiciariamente assente.
9º Da mesma forma e pelos mesmos argumentos se deve dar como assente que o requerimento arguindo a nulidade insuprível do processo disciplinar por não se descriminar a pena proposta foi gizado por ambos os arguidos, sendo que como consta de fls. 514 do anexo A, 2º Vol., quer a arguida, quer o arguido, seu mandatário, foram notificados do despacho que propunha a pena de demissão, sendo certo que, ainda que se considerasse que a arguida não tinha, ainda, sido notificada, tendo a inquirição das testemunhas tido início pelas 10 horas do dia 13/9/11 – fls. 521 do anexo A, vol. 2 -, o requerimento de arguição de nulidade foi efectuado nesse mesmo dia, pelas 14 horas – fls. 527 do anexo A, 2º Vol -, pelo que o arguido teria tido sempre tempo para comunicar com a arguida, transmitir-lhe o teor do despacho e gizarem o requerimento em conjunto.
10ª Pelo exposto, sempre tal matéria deveria ter sido dada como indiciariamente assente.
11ª Deve também considerar-se indiciado que a defesa apresentada no processo disciplinar (artº 24º) não vinha subscrita pelo arguido e que, como tal, foi notificada a arguida para atestar da sua fidedignidade, resultando tal conclusão do douto despacho de fls. 880 do anexo A, Vol. 3, tendo o e-mail com a defesa reformulada (fls. 545 e ss do anexo A, vol. 3) sido enviado no dia 3/10/11 para o CSM através do e-mail profissional da Ordem dos Advogados do arguido.
12ª Sendo um e-mail, como é evidente, a defesa não vinha “subscrita” ou “rubricada” por ninguém, daí que, tendo em conta a missiva datada de 17/10/11 constante de fls. 610 do anexo A, Vol. 3, enviada aos autos pela arguida, esta foi notificada para atestar da sua fidedignidade, o que esta, nos termos do despacho, fez a fls. 886 do anexo A, 3º Vol, pelo que também tal factualidade resulta demonstrada.
13ª Deve, do mesmo passo, considerar-se indiciado que o requerimento de fls. 611 a 879 do anexo A, 2º Vol. foi da iniciativa dos dois arguidos, dado que tendo sido a defesa gizada por ambos os arguidos, na sequência do que se diz na decisão instrutória e tendo a arguida se deslocado a Bragança para consultar os processos de que se extraíram as certidões (cfr. as declarações da arguida fls. 315 do 2º Volume), a junção de documentos que se protestaram juntar com a defesa faz parte da estratégia de ambos os arguidos e foi, naturalmente, concertada entre ambos os arguidos, pelo que também nesta parte o artº 30º da acusação deveria ser dado como assente.
14ª A intenção de os arguidos retaliarem relativamente ao facto de o assistente ter recusado a “proposta” feita pela arguida (artº 38º da acusação) deve ser dada como assente, quanto mais não fosse pelas declarações do assistente e pela queixa, inexistindo qualquer contra-indício, nem sendo avançado pela decisão instrutória.
15ª O artº 39º da acusação deveria também ser dado como indiciado, porquanto a arguida afirma que a sua estratégia, a partir da apresentação da segunda defesa, era desacreditar o assistente.
16ª Os arguidos não se cingiram às circunstâncias do caso concreto, abandonando por completo o objecto do processo para se centrarem tão-só na vida do assistente enquanto juiz e enquanto cidadão, achincalhando-o e vexando-o, através da alegação de factos falsos e meias-verdades e convocando para os coonestar testemunhas que sabiam estar em contencioso com o assistente.
17ª É patente a mudança de rumo entre a defesa apresentada em 27/7/11 – cfr. fls. 272 e ss do anexo A, 2º Vol. – e a defesa apresentada a 4/10/11 – cfr. fls. 546 e ss do mesmo anexo e mesmo volume - destacando-se nesta última um ataque feroz ao aí participante e não uma defesa que se cinja ao objecto do processo.
18ª Indicia-se da mesma forma que a defesa no processo disciplinar saíu da lavra e da mente de ambos os arguidos, tendo-o feito em conjugação de esforços, perfeita identidade de fins e em obediência a um plano que ambos urdiram para concretização do propósito de atingirem o assistente na sua honra.
19ª De facto, por requerimento constante de fls. 527 do anexo A, Vol. 2, em 13/9/11 o arguido BB, no exercício do mandato conferido pela arguida AA afirma que a sua constituinte irá alterar a estratégia de defesa, sendo que por requerimento de fls. 532/533, do mesmo anexo e volume, enviado por e-mail pela arguida, em 19/9/11, esta afirma, desta vez por si própria ponderar “reformular a estratégia de defesa, o que poderá implicar a necessidade de obtenção de certidões”.
20ª Nesse mesmo requerimento, a arguida sugere “ser notificada do despacho que vier a recair sobre este requerimento, através do seu e-mail, comprometendo-se a arguida a acusar a notificação efectuada”, sendo por despacho de fls. 535 deferida parcialmente a prorrogação de prazo, atentos os fundamentos invocados.
21ª Em novo e-mail datado de 23/9/11, constante de fls. 539 do anexo A, 2º Vol., a arguida acusa a recepção da notificação, dispensando notificação ao mandatário, sendo que a fls. 540 do mesmo anexo e volume consta novo requerimento de prorrogação de prazo para apresentação de defesa, datado de 23/9/11, feito pela própria arguida, no qual se afirma entre o mais que:
a) “ (…) a arguida decidiu alterar por completo a sua estratégia de defesa”;
b) “(…) só ontem foi possível à arguida, acompanhada do seu ilustre mandatário, consultar os processo tendentes a confirmar essas informações, no âmbito das quais requereu a extracção de certidões de várias peças processuais que considerou relevantes.”
c) “(…) tais certidões são necessárias para a própria alegação dos factos novos em que a arguida pretende estribar a sua estratégia de defesa. (sublinhado nosso).
22ª Decorre do supra exposto que a arguida acompanhada do arguido não só gizou “a estratégia de defesa”, como nela participou activamente, consultando processos e requerendo certidões e, mais do que isso, solicitando ao CSM que fosse notificada dos despachos, prescindindo, inclusivamente, da notificação ao seu mandatário, sendo que, ainda por outro lado, por requerimento de fls. 608/609 do 3º volume do anexo A, é a própria arguida a requerer o aditamento ao rol de uma testemunha e a indicar as correspondentes perguntas a fazer-lhe; por requerimento de fls. 610 do 3º Volume, anexo A, é a própria arguida a comunicar que as instâncias às testemunhas serão levadas a cabo por si; a fls. 611 é a arguida que subscreve o requerimento juntando 17 documentos; é a arguida que junta com tais documentos as perguntas a que hão-de responder as testemunhas (fls. 873 a 876).
23ª Os artºs 42º e 43º da acusação devem, do mesmo passo considerar-se indiciados, porquanto o dolo, como elemento do foro interno, que é, só pode extrair-se da materialidade provada. Quando os arguidos confessam que querem descreditar o assistente, quando se servem de depoimentos de testemunhas que estão em contencioso com este, quando distorcem, truncam, fazem juízos de valor altamente pejorativos, é óbvio que bem sabem que iriam pôr em causa, como puseram, a dignidade, a honradez, o bom nome e o crédito do Assistente Dr. CC, enquanto pessoa e Magistrado Judicial, o que também quiseram.
24ª O mesmo juízo se deve fazer do artº 46º, uma vez que o que seja ou não uma conversa formal não depende da circunstância de esta estar ou não relatada no processo disciplinar.
25ª A arguida tentou “trocar” a não perseguição disciplinar da sua testemunha EE pela não adopção de uma determinada estratégia de defesa (cfr. o auto de acareação constante de fls. 475 e seguintes do anexo A, Vol. 2), pelo que não se conhecendo o assistente e a arguida previamente, necessariamente tal conversa foi formal no sentido corrente do termo, assim se devendo dar como indiciado.
26ª O artº 49º da acusação deve ter-se por indiciado, porquanto este se refere ao “auto de declarações complementares” constante do processo disciplinar e dos presentes autos – cfr. fls. 466 e seguintes do anexo A, Vol. 2, designadamente fls. 469 – e não, como erradamente se refere no facto 2.1.124 da decisão do processo disciplinar movido contra o assistente, pendente de recurso, ao “auto de acareação”, sendo que, como se pode ver de fls. 469 do anexo A, vol. 2, apenas se compreende tal menção na matéria de facto assente na decisão disciplinar por contágio relativamente às alegações da arguida.
27ª O artº 56º da acusação deve ser considerado indiciado tal como se diz quanto ao artº 49º, a omissão da correcção e de outro elementos dos autos não é ingénua e integra-se na “nova estratégia de defesa” urdida pelos arguidos no sentido de apoucar e ofender o assistente na sua honra e consideração.
28ª O artº 59º da acusação é acertado, decorre do conjunto da prova carreada para os autos e bastaria sempre o “mero conhecimento” para que se encontrasse perfectibilizado o tipo de crime.
29ª Por outro lado, se “muito do que se consignou naquele articulado aparece plasmado no acórdão do CSM de 10/04/2012, em sede de Factos Apurados, cf. fls. 1403v°-1408 do Anexo A, vol. 5°”, pelo menos uma parte não se escreveu em tal decisão, sendo necessário extrair as devidas consequências.
30ª E os arguidos sabiam que tais factos não eram verdadeiros, sabia a arguida pela sua testemunha, Dr. ..., que redigiu o contrato e teve intervenção na acção de despejo, que o assistente nada tem que ver com o prédio objecto da acção de despejo e sabiam os arguidos que as insinuações são proibidas por lei (vide item 79 da defesa da arguida no processo disciplinar, transcrita no n.º 58 da acusação, insinuação que é bem grave, e está interpretada de acordo com a teoria da impressão do destinatário nos n.ºs 80 e 81 da acusação).
31ª Sabiam, naturalmente, os arguidos que a deturpação dos factos não é permitida e que o uso de juízos de valor pejorativos, só por si, é punível, tendo estes feito juízos de valor sobre o carácter, a personalidade e o perfil do assistente, imputando-lhe atitudes de ódio, soberba e vingança, juízos altamente pejorativos (item 92 da sua defesa, transcrito no n.º 58 da acusação), sendo que para além disso, os arguidos reproduzem imputações, o que a lei proíbe (vide item 81 da defesa, transcrito no n.º 58 da acusação).
32ª O artº 62ª corresponde à prova carreada para os autos quanto ao “Caso ...”, sendo que os arguidos agiram sabendo que o assistente não se tinha demitido por causa desse caso.
33ª O “documento” de fls. 614 do anexo A, vol. 3 é um print de um blog consultável em vexataquaestio.blogspot.com. Blog esse que se afirma, como se constata de fls. 613, como um “Blog de informação, reflexão e conspiração jurídicas…”, pelo que é evidente que os arguidos não poderiam ter tal informação como credível.
34ª Aliás, o que em tal blog se pode ler é que o assistente renunciou ao seu cargo no Conselho de Justiça da FPF, o que não sendo verdade, também não é o que consta do artº 25º da defesa apresentada pelos arguidos, sendo a afirmação de que este se demitiu na sequência do “Caso ...”, totalmente gratuita, infundada e desmentida pelo depoimento de ... constante de fls. 570 dos autos, 2º Volume quanto a esta matéria.
35ª Por outro lado, ainda que se entendesse, erradamente, que a afirmação teria algum respaldo na decisão disciplinar contra o assistente proferida – decisão essa muito posterior à apresentação da defesa no processo disciplinar (proferida em 12/4/12) -, sempre se dirá que nos factos assentes dessa decisão no ponto 2.1.127 consta apenas que o assistente “Foi vogal do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de ..., tendo apresentado a demissão, juntamente com os restantes magistrados judiciais que integravam o referido órgão.”, ou seja, não consta de tal decisão que o assistente se tenha demitido por causa do “Caso ...”, o que os arguidos alegaram sendo falso.
36ª Mas, ainda que assim não fosse, a ilicitude apenas é excluída relativamente a imputações quando o agente tiver fundamento sério para, em boa fé, a considerar verdadeira quando tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação – artº 180º nº4 do Código Penal -, o que no caso não sucedeu.
37ª Por indiciado se deve dar também o artº 73º da acusação, embora quanto a este facto há um erro patente na acusação.
38ª Na verdade, o JJ é que terá afirmado que por causa do ..., o assistente o ameaçou de que o poria na rua. O assistente não era o Presidente do Colectivo e, como é de lei, não tinha poderes para tal e não tinha qualquer relacionamento com o ..., apesar de ser seu conterrâneo e muito menos é seu primo.
39ª Tal matéria foi dada como assente na sentença proferida nesses autos constante de fls. 18 e seguintes do anexo F, como aliás, consta da acusação no artº 73º, pelo que a menção que se fez à imputação feita pelo ... e ao depoimento do assistente é insuficiente para se descrever o que se passou nos autos, sendo que tal insuficiência e omissão foi querida pelos arguidos que não fizeram constar da defesa – artºs 61º e seguintes -, quer os factos dados como provados, quer a fundamentação da sentença.
40ª Deixaram, assim, os arguidos, de caso pensado, de fora da transcrição que fizeram “partes essenciais” da sentença proferida, como se afirma na acusação, pelo que também este facto deveria ser considerado indiciado.
41º Os factos narrados nos artºs 80°, 82°, 84°, 85°, 87º da acusação correspondem ao indiciado nos autos, porquanto os arguidos omitiram ostensivamente na sua defesa que no referido auto de declarações constante de fls. 15 do anexo C aos presentes autos, o referido ... declarou que “é completamente falsa a declaração constante da acusação, uma vez que nunca teve qualquer conversa com MM sobre a pessoa do queixoso/assistente, pelo que qualquer declaração do mesmo é da sua única responsabilidade, pois, refere mais uma vez, ser totalmente falsa qualquer declaração em desabono do queixoso/assistente” e que foi nesta sequência que o assistente desistiu da queixa apresentada e não na sequência do parágrafo que os arguidos colocaram na sua defesa, desgarrado e descontextualizado.
42ª O artº 79 da defesa (n.º 58 da acusação), afirmam: “tendo esta cedido a participação ao mesmo, pouco tempo antes deste ser preso pelo crime de tráfico de droga”, sendo que como decorre dos autos, a cedência, para além de ter sido efectuada pela esposa do assistente, tinha ocorrido mais de 3 anos antes, sendo que nesse mesmo artigo, os arguidos querem fazer crer que este tem uma relação de “intimidade” com o traficante.
43ª Conjugado este facto com a pergunta três formulada ao Dr. ... (artº 161-A da acusação), com a pergunta quatro formulada ao Dr. ... (artº 161-B da acusação), e com a pergunta oito formulada ao ... (artº 161º-C da acusação), conclui-se que, efectivamente, os arguidos pretendiam “fazer” uma ligação de amizade entre o assistente e o aludido LL e que o queriam envolver nas actividades ilícitas do LL, pois que, se assim não fosse, não se perguntaria, designadamente ao Engº ...: “Os negócios do Dr. CC com o SS só têm a ver com a sua vertente lícita?
44ª Por outro lado, é inequívoco o depoimento da arguida constante de fls. 314 quanto a esta matéria, pelo que tais factos se devem considerar indiciados.
45ª O mesmo que se disse na precedente conclusão aplica-se ao artº 97º da acusação, dado que se o intuito era comprovar a pendência do processo, bastava-lhes juntar certidão narrativa das partes, eventualmente da acusação e de que ainda não havia decisão transitada em julgado.
46ª No entanto, exigia-se aos arguidos, enquanto juristas, que, na posse da sentença, analisassem a fundamentação da matéria de facto da qual consta que o individuo negou em julgamento o que afirmou nos EUA. Ou seja, que constatou ele próprio a gravidade da afirmação. Tal afirmação foi reproduzida pelos arguidos, o que, só por si, é punível, pelo que também nesta parte os factos devem considerar-se indiciados.
47ª Quanto ao artº 101º da acusação, mais uma vez, os arguidos, no que é essencial e relevante, não dizem que o arguido pediu desculpa e afirmou que nunca pretendeu ofender o assistente, como deveriam ter feito em abono da verdade.
48ª Os arguidos recortam das peças processuais, o que se encontra escrito em desabono do assistente, para assim melhor o atingir na sua honra e consideração social, sendo que se o artº 64º da defesa não contém “apenas” palavras de índole injuriosa, certo é que “também” as contém, não permitindo a leitura da decisão instrutória que se passe em claro pelo facto de, efectivamente, os arguidos escreverem tais factos, sem que digam qual foi o desfecho do processo que consta a fls. 11 a 14 do anexo B, pelo que também esta parte da factualidade constante da acusação deveria ser tida como indiciada.
49ª O artº 102º deve ser lido em conjugação com o anterior artigo da acusação, sendo que a omissão deixa conduzir à ideia de que, apesar de ser chamado de “ditador”, o assistente aceitou tal facto. Ou, pelo menos, que alguém considera o assistente “ditador”.
50ª A estratégia de defesa é precisamente a mesma e não outra. Devem os artºs 101º e 102º da acusação serem dados como indiciados.
51ª Ao contrário do que se diz na decisão recorrida, o contexto dos artºs 123º e 125º é claro. Trata-se dos factos consignados nos artºs 116º a 122º, ou seja, os referentes ao processo 310/09.1YFLSB.
52ª Quanto a estes era obrigatório os arguidos terem conhecimento do facto quando estão em posse de certidão que obtiveram de todo o processo, como é relatado nos autos, sendo que o que está em causa nos artºs 116º a 122º não é a desistência da queixa, é o arquivamento do processo relativamente ao assistente e esse foi proferido em 2/3/09, como se diz no artº 118º da acusação!
53ª E nessa data, como o irmão do assistente Amílcar afirmava, já se encontravam com este, em ..., uma vez que foi ele que lhes forneceu os elementos que fizeram constar da defesa, de forma errada, truncada, sob a forma de insinuação. Deve, assim, do mesmo passo, julgar-se indiciado que os arguidos sabiam do arquivamento dos autos crime relativamente ao assistente.
54ª Dá-se como não indiciado erradamente que o negócio a que se reporta o artº 130º é real e traduzir a vontade das partes, dizendo na decisão instrutória. Ora, as testemunhas respondem ao que lhes for perguntado, sendo certo que apenas deve ser inquirida sobre factos de que tenha conhecimento pessoal (artº 128º nº1 do Código de Processo Penal), sendo que os negócios não se presumem simulados, presumem-se, antes, celebrados de acordo com a vontade real, segundo o princípio da boa fé, pelo que inexistindo contra-indícios, designadamente o depoimento dos arguidos, tal factualidade deve ser considerada indiciada.
55ª Diz-se na decisão recorrida que não se indicia que os arguidos assim procederam para, dessa forma, fazerem crer, o que quiseram, que o assistente Dr. CC, quer no desempenho das suas funções como juiz, quer no seu relacionamento com a sociedade, designadamente na privacidade do relacionamento familiar, ... (art° 131° - não é possível atribuir semelhante intuito principal, para mais de forma assaz lata e abrangente).
56ª Ora, a ser assim como se entende na decisão instrutória, fica sem qualquer explicação o porquê de se falar em empresas, sociedades e associações. É óbvio que os arguidos quiseram associar o assistente a negócios que não tem, com o objetivo evidente de que lhe fosse aberto processo disciplinar.
57ª É evidente também que com a imputação da simulação do negócio, os arguidos pretendiam afirmar que o assistente Dr. CC, quer no desempenho das suas funções como juiz, quer no seu relacionamento com a sociedade, designadamente na privacidade do relacionamento familiar, pelo que tal matéria deve ser considerada indiciada.
58ª Afirma-se também não indiciado o facto de os arguidos saberem que essas imputações inscritas na carta subscrita pelo QQ, não eram verdadeiras e que pela sua formulação... – por expressamente ter admitido que elas continuam expressões que atingiam a honra do seu irmão, as quais retirou, declarando-se arrependido de assim ter actuado - ...já
havia o QQ apresentado no processo um pedido de desculpas ao seu irmão Dr. CC...
59ª Do que aqui se trata é da reprodução das imputações injuriosas que nada tem que ver com a desistência de queixa ou com o arrependimento. Reitera-se aqui o que acima se referiu quanto aos artigos 123 e 125 da acusação, pelo da mesma sorte tal factualidade deve considerar-se indiciada.
60ª Os artºs 135º a 138º da acusação são dados como não indiciados, uma vez que se entende que os arguidos não pretenderam associar o assistente como protector, nas actividades ilícitas do SS, nomeadamente as relacionadas com o crime tráfico de estupefacientes..., quiseram dar a aparência de que o era... (art°s 135°, 136°, 137°, 138° - afigura-se interpretação subjectiva, não apoiada no texto da defesa, sobretudo se globalmente analisado).
61ª Dá-se, quanto a esta matéria por reproduzido o que supra se diz, sendo certo que consta dos autos a fls. 314 e seguintes do 2º Volume as declarações da arguida no âmbito do Proc. 14/11.5 YGSLB no seu ponto 18 nas quais diz o seguinte:“Naturalmente que o denunciante percebeu pelo teor das instâncias que a declarante protagonizou, que aquela diligência teria por objecto, entre o mais, o apuramento daquelas ligações perigosas entre o então inspector judicial e o cidadão condenado pelo crime de tráfico de droga, sua ligações à maçonaria, etc.
62ª Tanto basta, em conjunto com a questão nº9 colocada à testemunha ..., descrita no artº 172º C da acusação, para se concluir que, efectivamente existia a vontade dos arguidos de ligar o assistente ao crime de tráfico de estupefacientes, pelo que indiciada se deve considerar tal factualidade.
63ª Dá-se como não indiciada a inactividade da Imobiliária de ... desde 1995, sendo certo que quanto mais não fosse nas declarações do assistente e, designadamente, na queixa apresentada (vide nota de rodapé 16, pag. 13) tal factualidade tem, efectivamente, respaldo, porquanto este afirma que a sociedade ficou inactiva em 1995, sendo certo que a opção dos arguidos por não prestarem declarações não pode ser valorada em seu desfavor, nem pode ser valorada a seu favor.
64ª No entanto, o que releva é que a esposa do assistente e os irmãos cederam as quotas formalmente (vide certidão junta aos autos) em 1999 e o ... foi preso em 2003, por factos de Dezembro de 2002. Ou seja, enquanto foram sócios, nunca se soube que o LL pudesse traficar.
65ª Estes factos eram do conhecimento dos arguidos que, inclusivamente, obtiveram certidões da Conservatória. Indiciada se deve também considerar tal matéria.
66ª Quanto ao artº 142º deve considerar-se indiciado que a arguida fez as instâncias com a anuência de todos os participantes, pois que se assim não fosse tal não seria possível, porque esta não pode não pode representar-se a si própria, pelo que indiciada se deve considerar tal factualidade.
67ª Quanto às questões colocadas nas inquirições deve considerar-se assente a factualidade dos artºs 143 a 145º. Na verdade, o escopo das questões colocadas, apenas quem as faz saberá.
68ª Sendo certo que a conduta do Sr. Inspector não as cauciona, dado que cada juiz terá a sua forma de dirigir os trabalhos de uma audiência ou de uma inquirição.
69ª Acresce que, não podia o Tribunal recorrido abster-se de julgar tal matéria escudando-se no instrutor, dado que tal factualidade resulta do teor das perguntas feitas, bem sugestivas e direccionadas, indiciando-se que a arguida bem sabia as respostas que iriam ser dadas ou que pretendia que fossem dadas, sendo certo que nenhuma das respostas serviria para infirmar o teor da acusação que era movida à arguida.
70ª Por fim, dir-se-á que quanto às questões colocadas à testemunha ... é a própria arguida, como supra se disse que afirma qual era o seu propósito.
71ª Quanto ao artº 145º E a arguida obteve certidão do processo, a requerimento seu, e se, como é óbvio, omitiu a desistência da queixa, então é também óbvio que omitiu tal facto porque quis. E, desta forma, conseguiu que a resposta tivesse o sentido pretendido: que a população desconfiava da justiça pelo facto de o assistente exercer funções na 4ª área de inspecção. Demonstrada, assim, indiciariamente tal factualidade, tal como pelos mesmos motivos enunciados e pelo facto de irrelevar a condução dos trabalhos pelo Sr. Inspector se deve considerar indiciada a matéria dos artºs 146º e 147º da acusação.
72ª Quanto ao uso de papel timbrado da Relação do Porto – artº 149º da acusação resulta dos autos que o assistente não dirigiu à Câmara, como a defesa afirma, qualquer requerimento em papel timbrado da Relação, embora tenha usado sempre o título apenas para identificação, como é de lei. O assistente usou papel distribuído aos Desembargadores para seu uso pessoal numa missiva em que quis refutar o “enxovalho” que se pretendia fazer ao apelidá-lo de “piloto”.
73ª Apesar de ser esta a realidade, a arguida quis passar a ideia de que o assistente se servira de meios que não lhe estavam funcionalmente disponibilizados. Como resulta inequivocamente da pergunta formulada. Por isso é absolutamente correcto o que consta do artigo da acusação em causa.
74ª A decisão recorrida dá por não indiciado que a arguida colocou as perguntas às testemunhas referidas nos artºs 152º e seguintes da acusação com o intuito de fazer crer, quer como pessoa, quer como magistrado, era capaz de faltar à verdade dos factos quando estivesse em causa alguma pessoa com quem se encontrasse desavindo ou que lhe fosse hostil.
75ª Ora, este o objectivo confessado da arguida, o de desacreditar o aqui assistente. A arguida então teria de “pôr” as testemunhas a dizer que o assistente era capaz de mentir para perseguir um inimigo figadal. Daí que a todas elas a arguida faça a pergunta sugestiva: “acredita nas declarações produzidas pelo Senhor Desembargador quando este se reportasse a alguém que considera seu inimigo figadal”? (...); É capaz de mentir para perseguir um inimigo figadal (..., ... e ...)? A simples pergunta (um Juiz é capaz de mentir) é ofensiva da honra e consideração.
76ª A pergunta, se enxertada no contexto em que a arguida tudo fez para desacreditar o assistente, quando não concretizada em qualquer facto, traduz juízo de valor altamente ofensivo da honra e consideração da pessoa em questão, pelo que indiciariamente demonstrada se deve considerar tal factualidade.
77ª Os mesmos argumentos referidos na precedente conclusão são válidos para os artºs 153º, 154º, 155º e 159º da acusação que deverão ser julgados indiciados.
78º Os artºs 157º e 158º foram erradamente dados como não indiciados, porquanto a arguida tinha conhecimento do que se tratava em tais processos, uma vez que os consultou e obteve certidões, querendo aqui “colar” motivações políticas.
78ª Convinha-lhe, na gizada estratégia de defesa, convencer testemunhas e instrutor que o assistente se movia com intuitos e motivações persecutórias, por forma a alijar responsabilidades. Tais questões, mais uma vez, nada têm que ver com o objecto da acusação e o facto de o Sr. Instrutor permitir tal inquirição não afasta a ilicitude da conduta da arguida.
79ª Quanto ao artº 160º deve ser dado como indiciado tendo em conta a confissão que dos factos faz a arguida no seu depoimento de fls. 314 dos autos, remetendo-se no mais ao supra dito quanto a esta matéria.
80ª Quanto ao artº 173º B da acusação a arguida nem sequer teria que pressupor. O assistente julgou a acção de despejo em que a arguida faz a afirmação/insinuação de corrupção, pelo que tal factualidade deve ser dada como indiciada.
81ª O facto de não se dar como indiciada a matéria dos artºs 162º a 164º comprova que na decisão recorrida não se conjugam indícios.
82ª Não é lícito perguntar se alguém se relaciona de forma íntima com um traficante de droga, nem é lícito perguntar se um Juiz despejou alguém para obter benefício próprio. Tal factualidade é evidentemente ofensiva para o assistente, pelo que mais uma vez errou a decisão recorrida.
83ª Quanto à não indiciação do artº 165º da acusação, a arguida bem sabia que a esposa do assistente cedera a quota em 1999, conforme certidão que obteve. E tinha obrigação de saber, se quisesse informar-se junto de pessoas sérias e responsáveis, que nunca houve qualquer relação de convívio entre o assistente e o LL. Preferiu ignorar para poder fazer as afirmações/insinuações ofensivas, o que convinha à sua estratégia de desacreditação, pelo que se deve considerar indiciada tal matéria.
84ª Ainda quanto ao artº 165º e ao conhecimento por banda do assistente do LL tais afirmações constam da queixa apresentada e do depoimento gravado em Tribunal em 2008. Com efeito, trata-se de declaração do assistente em que afirma que tinha consideração pelo LL, mas que a perdeu no momento em que soube que estava indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Tal depoimento não foi abalado por qualquer prova, pelo que se deve entender como indiciada tal matéria.
85ª Dá-se da mesma sorte como não indiciado que o assistente tenha obtido vencimento nos processos referidos na acusação – artº 167º. Nos casos de desistência da queixa, por pedidos de desculpa ou por explicações aceites; nos restantes casos foram condenados os arguidos. Logo, sempre houve vencimento, no sentido corrente do termo, isto é, as decisões foram de encontro às pretensões do assistente, pelo que indiciada está tal matéria, como resulta dos autos.
86ª Não se indiciou, na versão da decisão de não pronúncia a matéria dos artºs 169º e 170º. Mas, como supra se disse, a defesa foi gizada por ambos os arguidos, sendo certo que consta idêntica insinuação/afirmação na defesa da arguida. Donde a menção aos arguidos esteja correcta (artº 79º da defesa). Quanto à legitimação das questões colocadas remete-se para o que acima se disse sobre o assunto, devendo-se considerar indiciados tais factos.
87ª Quanto ao artº 171º da acusação a decisão recorrida não atentou devidamente nas perguntas três à testemunha Dr. LL, nas perguntas quatro, cinco, seis e sete à testemunha ..., e nas perguntas seis, sete, nove, dez, e catorze à testemunha ..., das quais se conclui inequivocamente que a arguida quis relacionar o aqui assistente com negócios imobiliários e de compra e venda de veículos automóveis, com a fuga ao pagamento dos respectivos impostos e até mesmo com decisões judiciais subscritas pelo assistente enquanto juiz de direito no Tribunal Judicial de ... e a ilícito favor daqueles negócios, de que também seria beneficiário (perguntas quatro, cinco e seis à testemunha ..., perguntas seus, sete e oito à testemunha ...).
88ª Na verdade, de tais questões decorre claramente que foi intento da arguida ligar o assistente a tais negócios e de favorecimento em decisões judiciais relativamente a tais negócios.
89ª Aliás, que a arguida tinha o intuito de achincalhar o assistente com tais questões, esta mesma o confessa nas suas supra referidas declarações, daí que tal matéria deva considerar-se indiciada.
90ª Quanto ao artº 177º da acusação demonstrou-se, inequivocamente, que nunca o aqui assistente foi sócio da testemunha ..., o que a arguida sabia por meio de certidão do registo da sociedade; por meio do depoimento da testemunha, e do depoimento do irmão ... e das próprias declarações do assistente.
91ª Do mesmo passo, demonstrou-se, e inequivocamente, que nunca a sociedade Imobiliária teve que ver com o prédio despejado. Assim o afirmou a testemunha Dr. .... Assim consta das certidões juntas aos autos das quais se vê que o prédio despejado tinha determinada inscrição matricial e determinada descrição e inscrição na Conservatória do Registo Predial, a favor do ... e do ...; que o prédio construído no local onde estava o arrendado foi concluído em 1987 (já nesta data tinha licença de habitação e até havia um contrato de compra e venda visado pelo Tribunal de Contas), e que a sociedade Imobiliária ..., Lda., só foi constituída em Novembro de 1998; que construiu um prédio na Av. Sá Carneiro, cuja inscrição na matriz e cuja descrição na Conservatória do Registo Predial é bem distinta. Daí que erradamente se deu tal factualidade como não indiciada.
92ª Quanto ao artº 175º repete-se aqui e agora o que antes se afirmou. Têm de ser conjugados os indícios e não se retira duma omissão de um Magistrado qualquer consequência quanto á ilicitude, que actua ex ante e independentemente da dita intervenção. Mantém-se, portanto, que tal matéria se encontra indiciada.
93ª Quanto aos artºs 177º, 179º, 181º, 189º e 190º mantém-se que tal conhecimento decorria do pacto social e do registo da Conservatória da sociedade.
94ª Por outro lado, a testemunha ... é a primeira testemunha a ser ouvida à matéria e, apesar das suas afirmações, com conhecimento de causa, a arguida continuou a fazer as perguntas às outras testemunhas, ... e .... Mas também é verdade que já tinha tido acesso ao processo e dele tinha obtido certidão, da qual consta a análise crítica da prova, que não deixa dúvidas a ninguém. A acção foi decidida com base em 4 documentos autênticos e com base no depoimento da testemunha ..., que era Presidente da Junta, corroborado pelo depoimento das duas outras testemunhas do A..
95ª Com base na certidão da sentença, obteve a arguida certidão da CRP e dela pode constar que a Imobiliária ..., Lda. nada tem que ver com a construção do prédio onde se situava o imóvel despejado. Tudo quis ignorar a arguida. Para alcançar os seus intentos de desacreditar o aqui assistente, deixando a insinuação/afirmação de corrupção.
96ª A matéria dos artºs 189º e 190º é confirmada indiciariamente pelas declarações do aqui assistente, pelos depoimentos das testemunhas Dr. ..., ... e ...; pela cópia da acção de despejo; pelo requerimento feito pelos promotores à Câmara Municipal de ... em 1997 a pedir aditamento ao projecto. E requereu-se se oficiasse ao Tribunal de Contas a pedir o contrato por aquela entidade visado em 1997 entre o ... e o ..., por um lado, e a ASRS de ..., por outro.
97ª Para além do exposto, a arguida ao imputar ao assistente tais factos pretendia, do mesmo passo, que fosse aberto processo disciplinar contra o mesmo. Tal matéria deve ser tida por indiciada.
98ª Quanto ao artº 192ª interessa aquela acção de despejo concreta e a conclusão que a arguida podia extrair face aos elementos que já tinha em seu poder (certidão da acção e certidão da CRP; depoimento da testemunha ...). A tentativa de associação a um fenómeno de corrupção é por demais óbvia, pelo que esta matéria deve ser considerada indiciada.
99ª Quanto ao artº 197º dir-se-á que o assistente não pode fazer prova cabal de factos negativos. Não foi junta prova documental que associe o assistente com qualquer actividade empresarial. Foram ouvidos o LL e o XX, sócios gerentes da sociedade, que tal afirmam, pelo exposto tal matéria é de julgar indiciada.
100ª Quanto aos artºs 198º e 199º a arguida estava acusada de ter arrolado como testemunha presencial de um telefonema um Sr. Juiz que, conforme sua retratação, não se encontrava no local do telefonema. Para a defesa é necessário dizer-se que o Inspector que descobriu que a testemunha não estava no local (o que está confessado) é corrupto, convive e dá protecção a traficantes, foge ao fisco e tem actividades empresariais.
101ª Nenhuma linha ou estratégia defesa a arguida perseguia com tais questões, dedicando-se tão-só ao enxovalho ao assistente, como decorre claramente dos autos. Tanto bastará para se concluir que tal matéria deve ser considerada assente.
102ª A co-autoria dos factos é colocada em causa pela não indiciação do artº 200º que remete para os artºs 40º, 43º, 51º, 86º, 143º e 159º. No entanto, mantém-se o que supra se alegou. A arguida, juntamente com o seu mandatário deslocaram-se a ..., sendo ambos que gizaram a estratégia de defesa. É confessada a tentativa de desacreditação, alegando factos que se demonstrou serem falsos. Tal facticidade deve considerar-se indiciada.
103ª Quanto aos artºs 201º e 204º os arguidos tinham tal intenção, sendo certo que não se inibiram de a fazer actuar, por forma a que ou a intervenção do CSM fosse oficiosa ou por via da sua queixa conseguissem os seus intentos.
104ª Na verdade, aqui sabiam os arguidos que a defesa se destinava a processo que corre termos no CSM; sabiam também que imputavam ao aqui assistente factos desonrosos, maxime de ligação ao tráfico de estupefacientes e de corrupção. Por isso, era óbvio que bem sabiam que necessariamente teria de ser instaurado processo contra o aqui assistente. Como foi.
105ª Quanto ao art° 203° da acusação o Sr. Instrutor ao enviar as declarações das testemunhas, necessariamente enviou as perguntas. E do processo disciplinar consta a defesa da arguida que inequivocamente chegou ao CSM e, por isso, estão também na base do processo que corre termos, agora no STJ.
106ª De qualquer das formas, a intenção de que fosse movido processo disciplinar ao assistente é patente, sendo certo que se este efectivamente teve ou não lugar ou se se atingiu o propósito desta ou daquela maneira, irreleva para o preenchimento do ilícito, sendo certo que foi esta que dos factos deu conhecimento ao CSM. Daí que, desta forma, também tal matéria se deve considerar indiciada.
107ª Quanto à não indiciação do art° 206° da acusação e as considerações que aí se fazem se não é possível concluir pela falsidade da generalidade do alegado na defesa, a decisão recorrida deveria dizer, em concreto, o que considera falso e o que não considera.
108ª De qualquer das forma, é falsa a ligação do assistente a traficantes. E possível afirmar que é seguro que nenhum facto corruptivo cometeu o assistente, pelo menos no prédio despejado, que estava em causa. Fez-se prova à saciedade que nada tem que ver o assistente com tal prédio, de fornia directa ou indirecta.
109ª Por outro lado, a desnecessidade da defesa tem que se aferir através do objecto do processo e esta extravasa claramente tal objecto.
110ª De facto, nenhuma necessidade havia para a defesa dizer-se que o participante é traficante, ou ligado a traficantes, ou corrupto, ou que tem actividades empresarias e/ou associativas.
111ª Nenhuma ligação têm tais factos com o objecto do processo, podendo assim afirmar-se que os factos narrados na defesa são falsos e eram desnecessários à defesa quanto ao objecto do processo, pelo que a aludida factualidade se deveria ter por indiciada.
112ª Quanto à não indiciação de terem sido os arguidos a divulgarem perante a comunicação social os factos em discussão no processo disciplinar, é precisamente por se tratar de processo confidencial que se deve concluir que foram os arguidos quem deu conhecimento à imprensa do teor da defesa e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que vieram divulgados. Ninguém mais teria interesse nessa divulgação, sendo que apenas os arguidos conheciam os factos na sua globalidade, pelo que só estes estavam em condições de propalar o seu conteúdo. Tal matéria deve ter-se por indiciada.
113ª A prova dos art°s 211º e 212° decorre de tudo o que acima se acha dito. 114ª Devem, assim, todos os factos supra elencados serem dados como indiciados, bem como toda a matéria factual constante da acusação.
115ª Existe concurso real entre os dois crimes de difamação imputados à arguida (neste sentido o Acórdão Uniformizador de 5/06/2013, tirado no processo 29/04.0JDLSB-Q.S1).
116ª Há que formular um duplo juízo de reprovação: um, pela elaboração da pseudodefesa, que mais não é do que um ataque feroz e soez à honra e consideração devidas ao aqui assistente. O outro, pelo conjunto de perguntas objectiva e altamente ofensivas da honra e consideração que são devidas ao assistente: tentativa de o ligar a fenómeno de tráfico, de corrupção, de actividades proibidas pelo Estatuto dos Juízes, etc…, as quais se não inscrevem da dita defesa. Antes, dela se afastam, embora a complementem. Por isso, fazendo uso das palavras do acórdão supra referido, trata-se de condutas que se fragmentam "na medida em que algumas das suas partes são objecto de um juízo autónomo de censura, adquirindo, portanto, independência e individualidade".
117ª Porque os juízos de reprovação têm de ser desdobrados, a conduta da arguida é subsumível a dois crimes de difamação na medida em que há, citando, "uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente".
118ª Apesar de na decisão recorrida se considerarem os factos ofensivos da honra e consideração do assistente, entende-se que não se indicia que os arguidos quisessem ofender o assistente, pelo contrário, diz-se, que apenas quiseram descreditá-lo.
119ª Ora, o crime de difamação, para se consumar, não carece de dolo directo, bastando-se com o dolo necessário e até com o dolo eventual (assim o Ac da RP de 17/10/2012, processo 30/11.7TAMTS.P1, in www.dgsi.pt: "O tipo objetivo do crime de injúria satisfaz-se com a imputação de «factos ou palavras desonrosos», enquanto o tipo subjetivo exige o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades".
120ª Sendo os arguidos, como são, juristas, é por demais óbvio que ao fazerem constar da defesa, por um lado, e ao fazer afirmações/insinuações/juízos de valor, por outro, sempre ofensivos da honra e consideração que são devidas ao assistente, como se reconhece no despacho de não pronúncia, parece poder concluir-se que, no mínimo, aceitaram a realização dos elementos do tipo objectivo como consequência necessária da conduta, sendo certo que o quiseram perfectibilizando o elemento intelectual e volitivo do dolo.
121ª Ou seja, agiram, pelo menos, com dolo necessário, o que terá de se considerar indiciado. Porque, fazendo uso de palavras do STJ (Ac do STJ de 18-05-2011, processo 24/10.0PAMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt), "A culpa responde à pergunta de saber se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece".
122ª Os elementos probatórios recolhidos já indiciam, com a necessária suficiência, que a Defesa (mormente, o seu n° II) foi também idealizada pela Arguida AA: o que é revelado com clareza pelo duplo anúncio por si assumido de alteração da estratégia de defesa, cujos termos são detalhados e claros (especialmente, no e-mail de 26/09/2011 e no seu depoimento de fls. 314 e seguintes, ponto 7º.
123° Assim, conclui-se que "aqueles escritos concludentes permitem atribuir-lhe
o «domínio do facto» e a correspectiva co-autoria da peça processual em causa".
124ª Por outro lado, a simples consulta dos meios de comunicação indicados na acusação, impõem se conclua que tanto o conteúdo da defesa, considerado difamatório, como as respostas às perguntas formuladas pela arguida foram publicadas pela imprensa.
125ª Apenas duas pessoas (para além do Inspector e do seu Secretário) tinham acesso à defesa e ao conteúdo das perguntas e respostas.
126ª A arguida confessou que tinha uma estratégia de desacreditação do aqui assistente, mas quis também vingar-se dele por ter descoberto factos pelos quais veio a ser condenada por violação do dever de honestidade. Designadamente, no Sol, fala-se no fenómeno da pseudo corrupção.
127ª Conjugando criticamente todos estes factos, conclui-se que os arguidos
foram as fontes dos órgãos de comunicação social.
128a Quanto à ilicitude dos factos e à sua exclusão, a defesa apresentada pela arguida extravasa claramente o objecto do processo, colocando em causa a honra e dignidade pessoais e funcionais do assistente.
129ª Na decisão recorrida reconhece-se que estamos perante factos ofensivos da honra e consideração devidas ao assistente, mas, afirma, a ilicitude está excluída porque o direito de defesa se sobrepõe.
130ª No entanto, não era necessário à defesa atacar ao assistente com base em factos falsos, muito e muito graves para um Magistrado Judicial (ligação a traficante, fenómeno de corrupção), nem era necessário à defesa distorcer os factos, interpretando-os, chegando a afirmar que se trata de conduta "deturpada", que "reage sempre contra aqueles que não respeitem a sua vontade", nem era necessária à defesa formular juízos de valor altamente negativos sobre a personalidade do assistente, apelidando-o de personalidade "soberba", de "falta de recato e de serenidade", de "atitudes de ódio, soberba e vingança", nem era, por fim, necessário à defesa a reprodução de imputações que são criminosas. Isto independentemente de não se negar o direito à defesa obviamente.
131ª Do que a arguida declarou no auto de acareação no sentido de preservar o seu colega e afirmando que tentou perceber se, acaso abdicasse da sua estratégia dura de defesa, tal consistiria ou não uma forma de preservar o Dr. ... (...), conclui-se que a arguida "oferece" ao Inspector o abdicar da sua estratégia de defesa, dois dias antes anunciada (suscitar o incidente de recusa e intentar acção contra o estado por actos praticados no exercício da função administrativa"); em troca pretende obter a não participação contra a testemunha.
132ª O que, obrigatoriamente, passava por "retirar" dos autos o registo do ofício confidencial enviado, isto é, passava pela falsificação dos autos. Foi isto que o assistente comunicou ao CSM, embora traduzindo com fidedignidade o que se passou.
133ª Na sua essencialidade a arguida confessa os factos, pelo que as imputações não eram necessárias à defesa.
134ª Mas, ainda que, em tese, as afirmações/insinuações fossem necessárias à defesa, ainda assim a conduta dos arguidos é punível, porquanto o direito à defesa equipara-se ao direito/dever de denúncia de factos.
135ª O STJ há muito tem jurisprudência firmada no sentido de que o direito de denúncia prevalece, em princípio, sobre o direito à honra, no entanto tem o cuidado de afirmar: "Ora, como o STJ vem decidindo, o direito de denúncia prevalece sobre o direito à honra, visto que como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos. «Quase irrestrita» por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com a consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos, os quais devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado.
136ª Porque, se forem formulados juízos de valor, como foram, a conduta é punível. Ou se os factos forem falsos porque aí o denunciante está também incurso num crime de denúncia caluniosa.
137ª Assim, como reconhece a decisão instrutória, os factos e juízos de valor são ofensivos da honra e consideração devidas ao assistente (pg. 58), são um enxovalho à sua honra (pg. 59), têm os arguidos de ser pronunciados como autores materiais dos mesmos.
138ª Acresce que, tratando-se de direitos, na tese da não pronúncia, o direito à defesa prevalece sobre a difamação (e assim será se não se lançar mão de juízos de valor, como se lançou). Porque assim, então estamos perante factos difamatórios, na sua plenitude, isto é, os arguidos quiseram ofender o assistente. 139ª Se desta forma não for considerado, então não há necessidade de por direitos em confronto, porque a tal se opõem todas as regras da lógica, sendo que em todo o caso, como bem refere a Relação de Coimbra "Sendo a consciência e a vontade de realização de determinado acto matéria de natureza subjectiva, que só o próprio tem o domínio, a sua prova, na falta de confissão, tem que ser feita por meio da chamada prova indirecta, indiciária ou por presunções naturais ou judiciais. Se um ser racional, pensante, não afectado de anomalia psíquica pratica livremente determinado facto não pode deixar de o querer realizar e aceitai' as consequências do mesmo".
140ª Ademais quando estamos a falar de juristas, como acontece in casu, em que, no mínimo, os arguidos aceitaram as consequências dos actos praticados por factos concludentes (cfr. Ac do STJ de 23/09/2010, processo 427/08.0TBSTB.E1.S2, in www.dgsi.pt) A intenção (…) é um facto do foro psicológico, só a ele se chegará através de manifestações exteriores concludentes".)
141ª Dos factos materiais considerados indiciados, constantes também de documentos, resulta inequívoco o dolo, ao contrário do afirmado no despacho de não pronúncia, sendo que "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos". - art° 18º n°2 da CRP
142ª Daí que não se possa recorrer ao instituto da prevalência de direito superior, como fez o despacho recorrido, quando a conduta não é adequada e nem proporcional aos fins tutelados por lei.
143ª Ora, não há lei nenhuma que tutele a calúnia. E ela está bem patente na conduta dos arguidos (ou não é verdade que, no mínimo, os arguidos insinuam que o assistente está ligado a traficantes de droga?; que "vendeu" sentenças?, etc. etc...). Por isso, jamais o instituto jurídico pode operar in casu.
144ª Mas também a conduta não é adequada e nem proporcional: Não é adequada porque o que estava em causa era provar ou não que a arguida arrolou como testemunha presencial de um telefonema um Sr. Juiz que acabou por se retratar dizendo que não estava lá. Por isso, a desacreditação do recorrente seria inútil;
145ª Não é adequada porque o que estava em causa era provar ou não que a arguida em Amarante tentou negociar com o assistente a não comunicação ao CSM do comportamento da dita testemunha e, afinal, ela própria confessa o essencial dessa conversa, como consta do seu depoimento em auto de acareação.
Também a desacreditação aqui é inútil.
146ª E não é proporcional, de todo em todo, porque, querendo os arguidos desacreditar o assistente - e concebe-se que aqui estejamos perante direito necessário à defesa — a desacreditação, se fosse possível, e não era, face às confissões existentes nos autos, bastar-se-ia com a alegação e demonstração de que o assistente não é fiel à palavra. Jamais seria necessário alegar e insinuar que este tinha hipotéticas e falsas ligações a traficantes de droga; que "vende" sentenças; que tem personalidade como aquela que os arguidos indicam. Ou seja, a Defesa deveria ter-se ficado pela desacreditação da palavra e não pela desacreditação da pessoa, com base em calúnias. Como ocorreu in casu.
147ª Por outro lado, dir-se-á, com referência ao que se diz na decisão recorrida que o clima de animosidade entre a arguida e o assistente foi subindo de tom aquela «suspeição», «emotividade e conflitual idade», mas estas não pressupõem ataque á honra, antes exigem educação e respeito acima do normal.
148ª Quanto aos depoimentos dos Drs. ... ou ..., responderam sem conhecerem os verdadeiros pressupostos, como sempre faz a arguida. E quanto á opinião do Cons. Salreta Pereira, desafia-se seja quem for a demonstrar que o Estado Espanhol subsidia a aeronáutica.
149ª Quanto ao crime de devassa da vida privada as afirmações só fazem sentido no contexto da factualidade que a decisão recorrida considerou não indiciada. 150ª Que há uma devassa da vida privada, isso é por demais óbvio: o que tem a arguida a ver com os conflitos do assistente com o seu irmão QQ?
151ª O recorrente não é figura pública, apenas agora se tornando pelos piores motivos, tendo em conta os factos que foram narrados nas notícias constantes dos autos que decorrem de processos dos quais a arguida possuía certidão.
152ª E repare-se que relativamente a este crime não depende aqui da prova, da verdade da imputação ou do fundamento sério para em boa fé, a reputar verdadeira. (...) a justificação assenta aqui apenas no principio geral da ponderação de interesses, não sobrando espaço para a intervenção da ideia e do princípio do risco permitido. " - Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1ª edição, tomo I, pag. 737.
153ª Assim, sendo o interesse preponderante o da protecção da vida privada, os arguidos devem ser pronunciados pelo crime de devassa da vida privada.
154ª Quanto ao crime de denúncia caluniosa os arguidos sabiam perfeitamente que era falso que o assistente tinha relacionamento íntimo (ou longínquo) com traficantes de droga. E sabiam que era falso que o assistente houvesse despejado um PSP reformado e que jamais auferiu qualquer importância relativamente a esse despejo.
155ª Sendo certo que o crime se consuma quando, suposta a idoneidade da denúncia ou da suspeita, esta chega ao destinatário— Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1ª edição, tomo III, pag. 530. 156ª Irreleva, assim, de todo o porquê de o Inspector ter determinado a remessa de certidão do processado para fins de procedimento disciplinar contra o assistente, relevando, apenas, que a denúncia chegou à entidade competente.
157ª Como tal, os arguidos devem ser pronunciados pelos factos e crimes constantes da acusação, tendo a decisão recorrida violado ou feito errada interpretação das normas supra referidas que aqui se dão por reproduzidas e, designadamente, do art° 308° n°l do Código de Processo Penal, porquanto existem indícios da prática dos crimes pelos quais os arguidos foram acusados».
Na contra-motivação apresentada os arguidos formularam as seguintes conclusões:
«I. A douta decisão recorrida não violou o princípio da livre apreciação da prova, pretendendo o Assistente sobrepor a sua opinião à livre apreciação da prova efectuada pelo Venerando Tribunal a quo, sustentando-se em "regras da experiência comum" que nunca esclarece quais são, no seu relato distorcido dos
factos e na interpretação subjectiva que dos mesmos faz;
II. Para que possa concluir pela pronúncia do arguido, o juiz de instrução deve realizar um juízo de prognose antecipada, que tem por base os elementos de prova existentes no inquérito e na instrução, nos termos do qual possa concluir que, a repetirem-se em julgamento, e não sendo abalados ou infirmados por outros aí produzidos, o arguido será seguramente condenado;
III. Os artigos 10.° e 12.° da acusação, na parte em que se considerou não indiciada, não tem nem pode ter qualquer relevância para os presentes autos, já que a mesma é objecto do inquérito n.° 144/11.3TRPRT, no âmbito do qual já foi proferida decisão de não pronúncia relativamente à arguida;
IV. Nenhuma contradição existe na douta decisão instrutória, quando, apesar de entender que os arguidos agiram em comparticipação, não dá como suficientemente indiciada que os requerimentos aludidos nos artigos 10.° e 12.° da acusação pública saíram "da lavra e da mente de ambos os arguidos";
V. Por estarem em causa actos praticados no exercício do mandato forense, não faz qualquer sentido a invocação, dos artigos 1159.°, n.° 1, e 1161.°, al. a), do Código Civil, para fundar uma qualquer "máxima" segundo a qual o mandatário actua, sempre ou por regra, segundo as instruções do mandante;
VI. A matéria dos artigos 23.° e 29.° da acusação, na parte que se considerou não indiciada, não tem qualquer relevância jurídico-criminal, tendo a douta decisão instrutória atentado correctamente no que consta da certidão dos autos de processo disciplinar n.° 269/2011;
VII. A matéria do art.° 30.° da acusação, na parte que se considerou não indiciada, não tem qualquer relevância para os autos, inexistindo qualquer contradição na douta decisão instrutória;
VIII. As "afirmações e declarações" do Assistente, no que concerne à matéria do art.° 38.° da acusação que foi considerada não indiciada na douta decisão instrutória não traduzem o relato de qualquer acontecimento que tenha percepcionado, apenas exprimindo uma convicção pessoal, que não pode ser suficiente para fundar qualquer juízo indiciário por parte do tribunal;
IX. Resulta dos autos de processo disciplinar n.° 269/2011 que o propósito da defesa foi, tão só, o de abalar a credibilidade do depoimento da testemunha CC, não tendo o propósito de retaliar,
designadamente em face dos acontecimentos alegados pelo Assistente;
X. A matéria do art.° 39.° da acusação, na parte que foi considerada não indiciada, tem, em parte, natureza conclusiva e, no restante, não tem sustentação probatória, já que a peça processual aí em causa se limitou a reproduzir afirmações do próprio Assistente constantes de várias participações que apresentou, assim como o essencial do conteúdo dos subsequentes termos processuais;
XI. Não existe qualquer contradição na douta decisão instrutória quando considera não indiciada parte da matéria dos artigos 41.°, 42.° e 43.° da acusação, uma vez que afirmar que os arguidos visaram atacar a credibilidade do depoimento do Assistente e que tal ataque acarreta, necessariamente um enxovalho à sua honra não é o mesmo que dizer que os arguidos quiseram atingir a dignidade, a honradez, o bom nome e o créditodoAssistente, enquanto pessoa e Magistrado Judicial;
XII. "Conversa informal" é toda aquela que ocorra à margem do processo
ou de qualquer acto processual, com um magistrado ou órgão de polícia
criminal, e que, depois, se procura utilizar para fins probatórios e não,
simplesmente, conversa de "estilo informal";
XIII. A conversa a que se refere o art.° 46.° da acusação foi mantida a sós com o Assistente e não foi lavrada qualquer acta registando a ocorrência e o teor dessa conversa, pelo que ocorreu à margem de qualquer acto processual, não podendo ser considerada "formal";
XIV. O exacto teor daquilo que o Assistente disse no auto de declarações complementares consta do ponto 99 da douta decisão instrutória, sendo coisa diversa, que não se pode considerar indiciada, saber se os arguidos propositadamente omitiram parte do que o Assistente disse, para assim darem um sentido distorcido à frase;
XV. O art.° 56.° da acusação, na parte considerada não indiciada, desprezava a circunstância de, para prova da defesa apresentada no processo disciplinar n.° 269/2011, terem sido juntas certidões dos processos nela referidos, das quais constava o essencial quanto ao estado e objecto dos referidos processos;
XVI. Caso os arguidos tivessem o propósito de lançar suspeitas ou dúvidas infundadas sobre a pessoa do Assistente, não teriam junto aos autos de processo disciplinar 269/2011 as referidas certidões, já que os destinatários certamente as leriam, ficando inteirados quanto à pendência e objecto dos processos aludidos na defesa;
XVII. Também no que se refere aos artigos 59.°, 62.° e 73.° da acusação, na parte que se considerou não indiciada, andou bem a douta decisão instrutória, já que, na parte que se refere a processos judiciais pendentes, a defesa se limitou a reproduzir aquilo que consta dos mesmos, conforme certidões que juntou, sendo grande parte do que a esse propósito se escreveu a mera reprodução do que ele próprio, Assistente, escreveu em várias participações que formulou;
XVIII. A expressão "atitudes de ódio, soberba e vingança" encerra uma crítica dirigida a um comportamento do Assistente e não à pessoa, sendo penalmente atípica e não podendo ser considerada desproporcionada quando confrontada com o comportamento a que se refere;
XIX. É irrelevante, na perspectiva da tutela da honra e bom nome do
Assistente, que o mesmo se tenha demitido, renunciado ou levado até ao termo o seu mandato no Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de ... ou que tal tenha qualquer relação com o "caso ..." ou qualquer outro;
XX. No que se refere aos artigos 80.°, 82.°, 84.°, 85.°, 87.°, 97.°, 101.° e 102.°
da acusação, na parte considerada não indiciada, mais uma vez a defesa
apresentada no processo disciplinar n.° 269/2011 limitou-se a reproduzir o que
consta de certidões, que juntou, pelo que a afirmação de que os arguidos
procuraram "renovar imputações" ou insinuar o que quer que seja corresponde
a uma extrapolação do Assistente;
XXI. Os artigos 123.° e 125.° da acusação, na parte considerada não
indiciada, continham uma afirmação absurda, já que a defesa no processo
disciplinar n.° 269/2011 foi apresentada no dia 3.10.2011, pelo que os arguidos
não podiam ter, nessa data, conhecimento de uma desistência de queixa ocorrida
em 6.10.2011;
XXII. O negócio referido nos artigos 130.°, 131.°, 133.° e 135.° a 138.° da acusação preenche, na íntegra, os pressupostos estabelecidos pelo art.° 240.°, do Código Civil, pelo que a parte dos mesmos considerada não indiciada correspondia a extrapolações baseadas apenas nas afirmações do Assistente;
XXIII. A matéria do artigo 140.° da acusação, na parte considerada não indiciada, não tem qualquer sustentáculo probatório, já que estão juntos aos autos cheques emitidos de uma conta titulada pela referida sociedade, com datas de 2001, que o Assistente já assumiu terem sido por si preenchidos;
XXIV. A matéria da acusação relativa às perguntas formuladas pela
arguida na diligência de 7.11.2011, na parte considerada não indiciada, resulta
de uma leitura parcial dessas perguntas, desgarrando-as do contexto das
anteriores perguntas e respostas, bem como na suposição, infundada, de que a
arguida sabia de antemão as respostas que as testemunhas dariam;
XXV. Como referido no art.° 148.° da acusação, a arguida limitou-se a aludir a existência de duas missivas, cujas cópias se encontram juntas aos autos, desconhecendo aquela por completo e nem tendo como saber se tal papel foi distribuído para "uso das necessidades particulares de qualquer magistrado";
XXVI. A arguida AA, porque se viu confrontada com a "inimizade figadal" do Assistente e com as imputações falsas de sua autoria, não podia deixar de, em sua defesa, formular as perguntas que formulou;
XXVII. Só partindo de um preconceito quanto à inquestionável veracidade de tudo quanto afirma o Assistente, quando depõe na qualidade de testemunha, se poderá vislumbrar nas referidas perguntas uma qualquer intenção difamatória;
XXVIII Os arguidos desconhecem, porque não têm como conhecer, quais as motivações subjacentes ao extenso rol de processos despoletados pelo Assistente;
XXIX. A arguida apresentou participação disciplinar visando o
Assistente, com os mesmos fundamentos que constam do ponto II da defesa, pelo que nenhum sentido faz considerar que, com a defesa, se visava obter ou se representava como necessário um resultado que, afinal, decorria de participação autónoma;
XXX. O ofício remetido pelo Instrutor do processo disciplinar n.°
269/2011 ao Conselho Superior da Magistratura teve como causa o teor das respostas das testemunhas e o mais que ocorreu após a diligência de 7.11.2011, não o teor das perguntas formuladas pela arguida;
XXXI. O processo disciplinar movido com base na participação e no ofício acima referidos terminou com a condenação do Assistente e com a cessação da sua comissão de serviço como Inspector Judicial, resultando dos fundamentos da referida decisão que a aludida participação tinha fundamento;
XXXII. O processo disciplinar n.° 269/2011 tinha natureza confidencial,
nos termos do art.° 113.° do EMJ, pelo que a apresentação de defesa escrita e a formulação de perguntas, nesse âmbito, não se podem ter como meios ou circunstâncias idóneos a facilitar a divulgação;
XXXIII. A douta decisão instrutória enuncia os factos que considerou indiciados, os meios de prova constantes dos autos e a apreciação crítica que dos mesmos fez, assim como os fundamentos jurídicos pertinentes, indicando, a propósito de cada um dos factos que considerou não indiciados indicou as razões que motivaram a decisão, pelo que não incorre no vício de falta de fundamentação;
XXXIV. A questão de saber "se a conduta dos arguidos pode ou não ser considerada susceptível de ofender o comum do cidadão" não corresponde a uma questão de facto, que se possa considerar demonstrada ou não demonstrada;
XXXV. A acusação imputa aos arguidos o "arquitectar" de um único
"plano" para denegrir o Assistente, plano esse cuja execução passava pela apresentação da defesa escrita no processo disciplinar n.° 269/2011 e posterior inquirição das testemunhas arroladas, não fazendo, por isso, qualquer sentido falar numa pluralidade de resoluções criminosas;
XXXVI Constando as alegadas imputações desonrosas da defesa escrita e sendo nesta arroladas as testemunhas a inquirir a tal matéria, não pode deixar de se considerar que a posterior inquirição apenas traduz a execução do plano inicial, sem que seja necessária qualquer nova resolução;
XXXVII. As condutas descritas na douta decisão instrutória não preenchem a tipicidade dos crimes que são imputados aos arguidos e inscrevem-se no exercício de um direito: o direito de defesa da arguida AA, enquanto visada num processo sancionatório;
XXXIX. Porque assim é, afigura-se indispensável ao cabal exercício da defesa a concessão de ampla possibilidade de questionar a credibilidade que merece cada uma das testemunhas, que mais se justificava no caso do processo disciplinar n.° 269/2011, atenta a gravidade da pena com que a arguida se via ameaçada, a circunstância de tal pena se fundar exclusivamente no relato da testemunha CC, bem como a confessada "inimizade figadal" que esta dizia nutrir pela arguida;
XL. Por outro lado, o exercício do direito de defesa, num processo em que era proposta a demissão da arguida, apenas com base no depoimento do Assistente, não pode deixar de corresponder a um interesse legítimo, que não pode ser coartado em nome da tutela do seu bom nome, impedindo a alegação de factos e a produção de prova que abalem o seu depoimento;
XLI. O objecto da prova inclui a determinação dos factos relevantes para a verificação da credibilidade das testemunhas, sendo certo que a apreciação da prova testemunhal deve ter especialmente em consideração as relações da testemunha com as partes e com o objecto do processo, a constância e coerência interna do depoimento e a sua verosimilhança decorrente da ausência de contraste com a restante prova produzida, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum;
XLII. A avaliação da credibilidade do testemunho incluí uma apreciação da sua imparcialidade, que visa apurar que relação existe entre as testemunhas e as partes e em que termos é que essa relação influi no sentido do depoimento prestado e também a apreciação da idoneidade cívica da testemunha porquanto esta versa também sobre aspectos volitivos da prestação do testemunho: está em causa a relação entre a testemunha e as partes, sob o enfoque das qualidades pessoais da testemunha;
XLIII. Não pode aceitar-se a perspectiva minimalista dos direitos de defesa segundo a qual aos arguidos em processo penal ou disciplinar apenas assiste o direito de fazer prova abonatória do seu carácter, na esperança de que, por esse meio, convençam o julgador da incompatibilidade entre aquele carácter e os factos que lhes são imputados, sendo-lhes vedado discutir o valor dos meios de prova indicados pela acusação;
XLIV. Os arguidos apresentaram prova e alegaram factos tendentes a demonstrar que a arguida reunia as qualidades que o Ministério Público considera suficientes para contradizer os factos que lhe eram imputados e negaram, sempre, a prática dos factos pelos quais a arguida foi acusada no processo disciplinar n.° 269/2011;
XLV. A natureza confidencial do processo disciplinar impõe-se, seja quem for o arguido, o participante ou as testemunhas, não se podendo afirmar, sem contradição lógica ou inversão valorativa, que um processo confidencial é um meio idóneo para a facilitar a divulgação da ofensa;
XLVI. A transcrição, na defesa, do conteúdo certidões, em conformidade com o que delas consta, não é idónea a preencher a tipicidade objectiva do crime de denúncia caluniosa, pois não se traduz em qualquer imputação falsa;
XLVII. Tal conduta sempre teria que se considerar inidónea para preencher a tipicidade subjectiva do aludido crime, face à remessa à autoridade em causa das referidas em termos que permitiam a esta inteirar-se da totalidade do seu conteúdo;
XLVIII A formulação de perguntas também não pode preencher a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de denúncia caluniosa, "uma vez que quem pergunta quer saber o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso e na medida em que está aberto a várias respostas, não pode a pergunta ser aferida segundo os critérios da verdade ou inverdade;
XLIX. Os arguidos limitaram-se a requerer e a juntar aos autos de processo disciplinar n.° 269/201, de natureza confidencial, certidão de um processo criminal de natureza pública, certidão que obtiveram após prolação do competente despacho judicial transitado em julgado;
XLX. Independentemente da questão de saber se tal certidão contém a narração de factos pertinentes à vida privada do Assistente, foi este quem divulgou esses factos, ao fazer o seu relato na queixa que apresentou no Processo Comum Singular n.° 310/09.1YFLSB.
XLXL. Ao relatar esses factos num processo de natureza pública, o Assistente sabia que os estava a subtrair à esfera de reserva que o art.0 192.° do Código Penal visa proteger, pelo que, a partir desse momento, deixou de existir uma vontade de reserva e um interesse de reserva dignos de tutela penal, consubstanciando a comunicação dos factos pelo próprio Assistente um acordo que afasta a tipicidade do crime de devassa da vida privada;
XLXLI. Quando assim não se entenda - o que não se concede - sempre a ilicitude se deve ter por excluída, em virtude do exercício de um direito - o direito de defesa em processo sancionatório público, que abrange a actividade probatória destinada à demonstração de circunstâncias susceptíveis de abalar a credibilidade do depoimento das testemunhas da acusação».
Com a motivação de recurso foram juntos quatro documentos.
Notificado o arguido da contra-motivação e dos documentos com ela apresentados fez juntar aos autos o seguinte requerimento:
«Nos autos supra referenciados vem o assistente CC, notificado das contra-alegações apresentadas pelos arguidos e dos documentos a estas juntos, expor e requerer o seguinte:
Para além das questões novas colocadas nas contra-alegações apresentadas, às quais o assistente não tem, para já, direito de resposta, porque não prevista legalmente, os arguidos juntam com as suas contra-alegações 4 documentos, a saber: um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, um parecer do Ministério Público junto do STJ, a transcrição de umas declarações do assistente e cópias de uns cheques.
Fazem-no ilegal e extemporaneamente, como já o fizeram antes da realização do debate instrutório realizado nos presentes autos.
Com efeito, a apresentação de documentos, nos termos do disposto no artº 165º nº1 do Código de Processo Penal deve ser feita no decurso do inquérito ou da instrução, sendo certo que o momento processual para apresentar documentos, designadamente o debate instrutório, já foi realizado, não servindo o recurso para conhecer de questões ou documentos novos não sujeitos a contraditório.
Assim, tais documentos servem apenas para desviar as atenções do essencial e "pressionar" o Tribunal de recurso a decidir no sentido que os arguidos propugnam.
A junção de prova documental tem, contudo, regras a que é preciso obedecer, pelo que devem os documentos juntos pelos arguidos nas suas contra-alegações serem desentranhados dos autos, com as necessárias consequências.
Quando assim não se entenda, requer-se respeitosamente a V. Exas. se dignem ordenar a notificação do assistente para se pronunciar, querendo, sobre os mesmos».
O Ministério Público entendeu responder ao recurso interposto pelo assistente, o que fez da seguinte forma:
- um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.°, n.º 1,182.°,183.°, n.º 1, alínea a) e 184.°, com referência à alínea I) do n.º 2 do art.º 132.°, todos do C. Penal;
- um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.°, n.ºs 1,2 e 3, alínea b) do C. Penal; e
- um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192.°, n.º 1, alínea d) do C. Penal; e
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu o seguinte parecer:
«I – Inconformados com a decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos BB e AA pelos crimes que lhe tinham sido imputados (difamação agravada, denúncia caluniosa e devassa da vida privada), pretendem os recorrentes o reexame de tal decisão, concluindo o primeiro (assistente) pela indiciação de todos os crimes constantes da acusação, enquanto o segundo (Ministério Público), aceitando a decisão no que respeita aos demais crimes, propugna pela pronúncia dos arguidos quanto aos de difamação.
II – Antecipando a conclusão final, propendemos para a aceitação da decisão recorrida e núcleo essencial da fundamentação da mesma.
1. Brevitatis causa, e tal como a Ex.ma recorrente, cremos não subsistirem dúvidas razoáveis sobre a correcção do afastamento (não pronúncia) dos crimes de devassa da vida privada e denúncia caluniosa.
A fundamentação da decisão recorrida, à qual nada se nos oferece acrescentar, justifica integralmente o sentido da mesma.
2. Ficam-nos, pois, os dois crimes de difamação, um deles em co-autoria com o arguido, mandatário (e marido) da arguida.
Relativamente à co-autoria, e sem cuidar de, por ora, apreciar a verificação do preenchimento dos elementos do tipo de crime, cumpre chamar à colação o que foi decidido por este STJ no recente acórdão de 18 de Junho de 2014[84], que se debruçou sobre um recurso de uma decisão instrutória, que tinha pronunciado o advogado da ora arguida (o aqui arguido) e não pronunciado a mesma arguida pela prática de crime de difamação materializado no requerimento de recusa do assistente, instrutor, avançado no processo disciplinar n.º 333/2010, movido contra a arguida, precisamente o que está na génese dos factos ora em apreço.
Aí se decidiu, aliás, de acordo com o Ministério Público no STJ, não se mostrar «suficientemente indiciado que, por qualquer forma, a arguida participou ou colaborou relevantemente na redacção do texto daquele requerimento. É que, para tal se concluir, ao contrário do defendido pelo assistente CC, não basta ter-se por indiciado, tendo em vista a relação conjugal existente entre a arguida e o co-arguido BB, bem como as actividades profissionais por ambos exercidas, que a primeira transmitiu ao segundo parte ou a totalidade dos factos vertidos naquele requerimento ou que o mesmo dialogou sobre esses factos tout court. Essencial àquele juízo conclusivo seria, também, a ocorrência de indícios sobre a existência de um plano comum ou de um acordo na elaboração e entrega do requerimento, o que, manifestamente, não se verifica.»
E, na intervenção posterior em causa – apresentação da Defesa -, subscrita pelo arguido BB, nada de novo se indiciou que permita retirar conclusão diferente da reportada ao incidente de recusa.
Como referiu a Ex. ma PGA no parecer proferido, «O assistente… não consegue demonstrar que da instrução do inquérito resultam sinais evidentes de que a arguida AA tivesse atuado directa e expressamente ou até tacitamente na feitura do requerimento/…».
Também nós não vislumbramos qualquer fundamentação jurídica para que a indiciação da co-autoria decorra, sem mais, do estado marital entre mandante e mandatário, quando, no exercício do mandato o advogado está obrigado a agir de forma a defender os interesses legítimos do mandante, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
É certo que a decisão instrutória encontra tais indícios no «duplo anúncio (unicamente) por si assumido de alteração de estratégia de defesa, cujos termos são detalhados e claros…
Aliados a outros também registados no âmbito do processo disciplinar 269/2011 (v.g., a junção de documentos pertinentes, alegadamente demonstrativos de Factos alegados no ponto II da Defesa), aqueles escritos concludentes permitem atribui-lhe o “domínio do facto” e a correspectiva co-autoria da peça processual em causa».
Porém, o seu evidenciado propósito de alterar a estratégia da defesa e mesmo colher elementos que considerou relevantes para a mesma, não é de molde, a demonstrar, com segurança, ter participado na elaboração da peça processual em causa.
3. Relativamente à alegada difamação concretizada na inquirição das testemunhas efectuada pela arguida no processo disciplinar, ocorrida no dia 7 de Novembro de 2011, e sem prejuízo de acompanharmos a Ex. ma recorrente no que respeita à não unificação desta conduta na anterior Apresentação da Defesa, propendemos, como inicialmente avançamos, para, na ponderação do equilíbrio entre os interesses em causa – direito de defesa versus honra e consideração do Ex. mo assistente –, a entender que o teor das perguntas efectuadas se comportam na amplitude daquele direito de defesa, justificando o facto.
Como refere a decisão recorrida, no enquadramento e fundamentação jurídica da solução tomada, após citação de jurisprudência pertinente para o caso:
«No processo 2011-269/PD disciplinar, a Arguida AA foi acusada (em 07/07/2011) de uma infracção disciplinar por violação dos deveres de lealdade e correcção, tendo por objecto, “mormente”[85] os respeitantes a uma conversa mantida no dia 18 de Março de 2011, “a sós”, com o Assistente, nela indicado (naturalmente) como “testemunha”[86]. Dois meses depois (despacho de 08/09/2011), o Instrutor Judicial concretizou a pena proposta como sendo a de demissão[87].
A testemunha arrolada, ora Assistente, havia sido alvo de “incidente de suspeição” suscitado pela Arguida no âmbito de outro processo disciplinar (333/2010), na sequência do qual viera pedir “escusa” junto do CSM, manifestando-se “revoltado e indignado com o teor das acusações que lhe são feitas” e declarando que “por isso, passou a ser inimigo, figadal, da Arguida”[88].
Depois de pedidos de prorrogação do prazo e do anúncio da “alteração da estratégia de defesa”, a Arguida AA, representada pelo Arguido BB, seu marido e Advogado constituído, veio a apresentar (em 03/10/2011) a “Defesa” escrita e, sem a assistência daquele, a inquirir (em 07/11/2011) as 6 testemunhas supra-identificadas, bem como o próprio Assistente.
O clima de animosidade entre a Arguida e o Assistente foi subindo de tom desde aquela “suspeição”, tornando-se patente nas diligências em que ambos intervieram[89] e culminando na imprensa, com supostas declarações do Assistente a propósito da Arguida e do seu futuro profissional[90].
Perante isto, será mister concluir que o “ambiente” do processo disciplinar 269/2011 – na perspectiva do relacionamento Arguida / Assistente – foi dominado por uma “atmosfera” carregada de “emotividade e conflitualidade”[91].
Analisada a forma como veio a ser exercida a defesa dos Arguidos, à luz desse circunstancialismo, não se vê que se possa ter como ilícita, por dever prevalecer a protecção da honra do Assistente.
Concorde-se ou não com o seu teor[92], afigura-se que a Arguida AA tinha o direito, e ao Arguido BB (enquanto seu Mandatário) incumbia o dever (artº 92º, nº2, e 95º, nº1, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados[93]), de desacreditar o depoimento prestado pelo Assistente, testemunha da acusação contra si deduzida, faculdade inserida nas garantias de defesa legal (artº 121º do EMJ[94]) e constitucionalmente conferidas.
(…)
Contém também palavras duras, ainda assim admissíveis no domínio da acutilância processual com o nível de conflitualidade que o processo 269/2011 veio a atingir, sob pena de restrição intolerável da liberdade de expressão (que o nosso texto fundamental não permite – artº 37º da CRP).
(…)
Mas, principalmente no caso de auto-patrocínio, há que usar, em meu entender, de maior moderação na avaliação dos reflexos de natureza jurídico-disciplinar, pois que, apesar de serem injustificadas algumas afirmações, não deixam de ser humanamente compreensíveis” [95].
“… existem determinadas situações que nalguns ordenamentos jurídicos são vistas como conferindo um privilégio absoluto ou qualificado à liberdade de expressão. Os exemplos típicos do primeiro são as afirmações feitas… no contexto de um processo jurisdicional… no processo judicial, deve ser reconhecida a função de válvula de escape da liberdade de expressão, a justificar uma maior deferência para com exageros formais e substanciais in facie curiae, de alcance difamatório e injurioso.
Uma sociedade democrática e aberta deve saber viver com os excessos discursivos, que frequentemente trazem em si mesmos a sua própria condenação.”[96]
Em suma, o contexto específico em que o texto incriminado foi produzido deverá, em nosso entender, reconduzir-se ao exercício de um direito, o de defesa, e ao cumprimento de um dever estatutário (quanto ao Arguido BB, seu Mandatário), de sensível superioridade face aos valores da honra, da consideração e do bom nome do Assistente; e porque não excede as exigências de idoneidade, proporcionalidade e necessidade, verificadas estão as causas de exclusão da ilicitude, nos termos do artº 31º, nºs 1 e 2, als. b), e c), do CP, não constituindo, por isso, ilícito criminal.
Relativamente às diligências de inquirição das testemunhas ..., ..., ..., ..., PPe QQ, levadas a cabo pela Arguida AA, não podem revestir a pretendida ressonância criminal.
(…)
Ainda que se possa defender que as “perguntas” documentadas nos 6 “autos de inquirição” em apreço não foram pela Arguida formuladas na sua “expressão arquetípica e pura” (como, aliás, ocorre constantemente nos tribunais, por parte de magistrados e advogados), ainda assim, elas consubstanciam interrogações.
E não podem ser “desgarradas” nem do contexto nem do momento em que foram postas, numa determinada relação quer com a pergunta e resposta anteriores quer com as respostas já anteriormente ouvidas da testemunha em questão e da ou das antecedentes.
É certo que as ditas testemunhas produziram depoimentos não favorecedores, nalguns aspectos, da pessoa do Assistente mas nada indica que tal tenha ocorrido por influência das perguntas e muito menos, poderá a Arguida ser responsabilizada pelas respostas delas obtidas.
Por outro lado, a conduta da Arguida aparece irrevogavelmente legitimada pela “anuência” do Juiz Desembargador Instrutor do processo, o qual, competindo-lhe a direcção daqueles actos, nunca a advertiu ou lhe cortou a palavra, ou obstaculizou qualquer pergunta, o que seguramente teria feito, como era sua estrita obrigação, no caso de perguntas sugestivas, impertinentes, desnecessárias, e, por maioria de razão, na hipótese de afirmações insultuosas “disfarçadas” de perguntas…»
Com toda a consideração por diferente entendimento, acompanhamos este juízo assertivo».
«1. A CO-AUTORIA
No parecer emitido, o Ministério Público começa por afastar a co-autoria relativamente ao conteúdo da defesa apresentada em sede de processo disciplinar pela arguida com base no acórdão proferido no Proc. nº 114/11. 3 TRPRT.S1 e no facto de não bastar a relação marital estabelecida entre ambos para se concluir pela co-autoria.
Ora, não é a relação marital que traz aos autos indícios da co-autoria no teor da defesa apresentada.
De facto, como se diz no recurso outros indícios existem de assim ter acontecido.
Com efeito, repare-se que, por requerimento constante de fls. 527 do anexo A, Vol. 2, em 13/9/11 o arguido BB, no exercício do mandato conferido pela arguida AA afirma que a sua constituinte irá alterar a estratégia de defesa.
Por requerimento constante de fls. 532/533, do mesmo anexo e volume, enviado por e-mail pela arguida, em 19/9/11, esta afirma, desta vez por si própria, a arguida requer a prorrogação do prazo de defesa, uma vez que pondera “reformular a estratégia de defesa, o que poderá implicar a necessidade de obtenção de certidões”.
Nesse mesmo requerimento, a arguida sugere “ser notificada do despacho que vier a recair sobre este requerimento, através do seu e-mail, comprometendo-se a arguida a acusar a notificação efectuada”.
Por despacho de fls. 535 é-lhe deferida parcialmente a prorrogação de prazo, atentos os fundamentos invocados.
Em novo e-mail datado de 23/9/11, constante de fls. 539 do anexo A, 2º Vol., a arguida escreve “Conforme me comprometi, acuso a notificação via e-mail, no pretérito dia 20 de Setembro, do despacho do Sr. Inspector que deferiu parcialmente o meu pedido de prorrogação de prazo, considerando-me devidamente notificada (dispensando outra forma de notificação, à sua pessoa ou ao seu mandatário constituído).”
A fls. 540 do mesmo anexo e volume consta novo requerimento de prorrogação de prazo para apresentação de defesa, datado de 23/9/11, feito pela própria arguida, no qual se afirma entre o mais que:
a) “ (…) a arguida decidiu alterar por completo a sua estratégia de defesa”;
b) “(…) só ontem foi possível à arguida, acompanhada do seu ilustre mandatário, consultar os processo tendentes a confirmar essas informações, no âmbito das quais requereu a extracção de certidões de várias peças processuais que considerou relevantes.”
c) “(…) tais certidões são necessárias para a própria alegação dos factos novos em que a arguida pretende estribar a sua estratégia de defesa. (sublinhado nosso).
Termina “solicitando a notificação por e-mail do despacho que venha a recair sobre este requerimento, comprometendo-se a arguida a acusar a sua notificação”.
Decorre do supra exposto que a arguida acompanhada do arguido não só gizou “a estratégia de defesa”, como nela participou activamente, consultando processos e requerendo certidões e, mais do que isso, solicitando ao CSM que fosse notificada dos despachos, prescindindo, inclusivamente, da notificação ao seu mandatário.
E prescindiu de tal notificação porque, como também é evidente, ela própria se encarregaria de lhe transmitir, não fossem os arguidos marido e mulher.
Ora, no dia 4/10/11 é remetido pelo e-mail do arguido BB a defesa da arguida, que esta coonesta, quando notificada para tal (fls. 545 e seguintes e 886, na sequência do despacho de fls. 880).
Acresce que:
a) por requerimento de fls. 608/609 do 3º volume do anexo A, é a própria arguida a requerer o aditamento ao rol de uma testemunha e a indicar as correspondentes perguntas a fazer-lhe;
b) por requerimento de fls. 610 do 3º Volume, anexo A, é a própria arguida a comunicar que as instâncias às testemunhas serão levadas a cabo pela “própria arguida”;
c) por requerimento de fls. 611 é a arguida que subscreve o requerimento juntando 17 documentos;
d) é a arguida que junta com tais documentos as perguntas a que hão-de responder as testemunhas (fls. 873 a 876).
Tendo em conta este manancial probatório deve concluir-se que os arguidos agiram em co-autoria.
2. A EXCLUSÃO DA ILICITUDE
Defende também o Ministério Público que a arguida agiu no exercício do direito de defesa e o arguido agiu no âmbito de um dever estatutário de “sensível superioridade face aos valores da honra e consideração e do bom nome do assistente” não excedendo as exigências de idoneidade, proporcionalidade e necessidade do uso das expressões, juízos de valor e imputação de factos.
O assistente mantém o que se alegou nas conclusões de recurso.
Os arguidos fizeram juízos de valor altamente pejorativos relativamente ao assistente. Juízos de valor esses que nada que tinham que ver com o objecto do processo disciplinar e que ultrapassarm, em muito, o seu âmbito, como não pode deixar de se concluir da mera leitura da acusação no processo disciplinar, da defesa apresentada e das questões colocadas às testemunhas.
Nenhuma razão existia para os arguidos chamarem à colação factos enunciados por terceiros que foram alvo de processos movidos pelo assistente, factos esses na sua maior parte desmentidos a posteriori pelos mesmos e alvo de retractação, para emitirem juízos de valor não suportados por quaisquer factos ou para reproduzirem factos, suspeições e juízos de valor.
E a eventual pusilanimidade de quem dirigia a inquirição em nada pode aproveitar aos arguidos, uma vez que, independentemente da forma como se dirigiram as inquirições, a intenção dos arguidos era a de difamar, sendo certo que o crime de difamação não é um crime de resultado.
No mais, o assistente mantém integralmente o alegado nas alegações de recurso».
No exame preliminar, por razões de economia e de celeridade processual, relegou-se para conferência a decisão sobre a junção aos autos de documentos pelos recorridos na contra-motivação apresentada.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
*
Começando por apreciar a questão atinente à junção ao processo de documentos pelos recorridos na contra-motivação, dir-se-á[97].
Em matéria de prova documental a lei adjectiva penal estabelece no n.º 1 do artigo 165º do Código de Processo Penal, que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
A apresentação da prova documental deve ser feita, pois, nas fases processuais preliminares de inquérito e de instrução, admitindo-se que possa ocorrer na fase de audiência, até ao encerramento desta, caso a junção ao processo não tenha sido possível antes ou tratando-se de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos. Trata-se de imposição necessária à correcta tramitação do processo e à disciplina dos actos processuais. A apresentação e produção de qualquer prova tem a sua sede natural e própria nas fases preliminares, inquérito e instrução, fases processuais destinadas à averiguação e recolha dos factos e respectivas provas.
Relativamente à instrução, consabido que a apresentação e produção de qualquer prova visa habilitar o juiz à prolação da decisão instrutória, decisão a proferir após o encerramento do debate instrutório (artigo 307º, n.º 1, do Código de Processo Penal), certo é que a apresentação e produção de qualquer prova só se justificam até ao encerramento do debate instrutório. Prolatada a decisão instrutória, com o que fica esgotado o poder jurisdicional do juiz instrutor, é pois inadmissível a apresentação de prova de qualquer natureza, incluindo a documental[98], mesmo havendo recurso daquela decisão. Os recursos, como é sabido, têm por exclusiva finalidade a sindicação das decisões recorridas, e não a prolação de decisão sobre matéria nova, sindicação que, por isso, terá de ser feita a partir dos elementos processuais na base dos quais a decisão impugnada foi proferida.
Termos em que não se admite a junção ao processo dos documentos apresentados pelos recorridos na contra-motivação de recurso, os quais serão retirados dos autos e entregues aos apresentantes se e quando pedidos.
*
Entrando no conhecimento dos recursos verificamos, do exame das respectivas motivações, que o assistente CC pretende seja revogada a decisão instrutória, sendo por outra substituída, que pronuncie os arguidos AA e BB, tal qual foram acusados pelo Ministério Público, sob a alegação de que a matéria probatória constante do processo é suficientemente indiciadora da prática pelos arguidos, em co-autoria, de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, n.º 1, 182º, 183º, n.º 1, alínea a), 184º e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, e de um crime de devassa da vida privada, previsto e punível pelo artigo 192º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, bem como da prática pela arguida AA, em concurso real, de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 180º, n.º 1, 182º, 183º, n.º 1, alínea a), 184º e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal; o Ministério Público, por sua vez, sob a mesma alegação, pretende sejam os arguidos pronunciados pela co-autoria de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a), 184.º e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, e a arguida AA, em concurso real, pela autoria de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelas mesmas disposições legais.
Como se consignou na decisão instrutória, em termos sintéticos, o factualismo denunciado pelo assistente CC, que constitui o núcleo do objecto do processo e subjaz aos recursos interpostos, resulta da defesa apresentada pela arguida AA, subscrita pelo arguido João Ribeiro, seu mandatário e marido, no processo disciplinar n.º 269/2011, do Conselho Superior da Magistratura, processo no qual a arguida figurou nessa qualidade, bem como da inquirição de seis testemunhas efectuada pela arguida no âmbito daquele procedimento, instrumentos processuais (segundo a acusação deduzida) ofensivos da honra e da consideração do assistente, e que os arguidos utilizaram com a intenção de lesarem aqueles direitos do assistente, enquanto homem e magistrado judicial, e de contra o mesmo fosse instaurado procedimento disciplinar, bem como com o propósito de devassarem a sua vida privada.
Para além da questão de saber se do inquérito e da instrução realizados decorrem ou não indícios suficientes da prática pelos arguidos dos crimes objecto da acusação pública deduzida, outras se colocam, situadas a montante que, por isso, devem ser previamente apreciadas e decididas, quais seja a de saber se a arguida AA pode e deve ser considerada como co-autora da defesa apresentada no referido processo disciplinar e se os factos consubstanciadores daquela defesa e os que resultaram da inquirição das testemunhas operada naquele procedimento, a considerarem-se penalmente relevantes, configuram um só crime de difamação, um crime continuado de difamação ou, ao invés, integram dois crimes de difamação.
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Começando por conhecer a questão relativa à co-autoria verificamos ser do seguinte teor, sob a epígrafe de autoria, o artigo 26º, do Código Penal:
«É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução»[99].
Da hermenêutica deste preceito resulta que co-autor é o que executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo[100] ou juntamente com outro ou outros[101], ou determina outrem à prática do mesmo, suposta, obviamente, a ocorrência de execução ou início de execução.
Como refere Jescheck, sintetizando as consequências da assunção da teoria do domínio do facto[102], será autor:
- Quem executa por si próprio todos os elementos do tipo;
- Quem executa o facto utilizando outro como instrumento;
- Quem realiza uma parte necessária da execução do plano global, ainda que não seja um acto típico em sentido estrito, desde que o acto protagonizado se integre na decisão comum.
Daqui que deva ser considerado co-autor aquele que realiza uma parte da execução do plano criminoso, ainda que com a sua conduta apenas contribua com um acto não típico em sentido literal, no entanto, essencial para a realização da decisão comum; na co-autoria cabe pois a actividade, mesmo parcelar, na realização do objectivo acordado – concerto criminoso –, ainda que não entre formalmente no arco da acção típica, desde que essencial à execução daquele objectivo[103].
Assim sendo, são de imputar a cada um dos co-autores, como próprios, os contributos do outro ou dos outros para o facto, como se todos os tivessem prestado[104].
Por outro lado, do ponto de vista subjectivo, como já se deixou exarado, à comparticipação como co-autor subjaz a existência de acordo, expresso ou tácito, para a realização do facto, ou, nos casos de cooperação, a consciência de cooperação na acção comum.
Como expressamente consignou o assistente CC na resposta apresentada ao parecer emitido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto:
«... repare-se que, por requerimento constante de fls. 527 do anexo A, Vol. 2, em 13/9/11 o arguido BB, no exercício do mandato conferido pela arguida AA afirma que a sua constituinte irá alterar a estratégia de defesa.
Por requerimento constante de fls. 532/533, do mesmo anexo e volume, enviado por e-mail pela arguida, em 19/9/11, esta afirma, desta vez por si própria, a arguida requer a prorrogação do prazo de defesa, uma vez que pondera “reformular a estratégia de defesa, o que poderá implicar a necessidade de obtenção de certidões”.
Nesse mesmo requerimento, a arguida sugere “ser notificada do despacho que vier a recair sobre este requerimento, através do seu e-mail, comprometendo-se a arguida a acusar a notificação efectuada”.
Por despacho de fls. 535 é-lhe deferida parcialmente a prorrogação de prazo, atentos os fundamentos invocados.
Em novo e-mail datado de 23/9/11, constante de fls. 539 do anexo A, 2º Vol., a arguida escreve “Conforme me comprometi, acuso a notificação via e-mail, no pretérito dia 20 de Setembro, do despacho do Sr. Inspector que deferiu parcialmente o meu pedido de prorrogação de prazo, considerando-me devidamente notificada (dispensando outra forma de notificação, à sua pessoa ou ao seu mandatário constituído).”
A fls. 540 do mesmo anexo e volume consta novo requerimento de prorrogação de prazo para apresentação de defesa, datado de 23/9/11, feito pela própria arguida, no qual se afirma entre o mais que:
a) “ (…) a arguida decidiu alterar por completo a sua estratégia de defesa”;
b) “(…) só ontem foi possível à arguida, acompanhada do seu ilustre mandatário, consultar os processo tendentes a confirmar essas informações, no âmbito das quais requereu a extracção de certidões de várias peças processuais que considerou relevantes.”
c) “(…) tais certidões são necessárias para a própria alegação dos factos novos em que a arguida pretende estribar a sua estratégia de defesa. (sublinhado nosso).
Termina “solicitando a notificação por e-mail do despacho que venha a recair sobre este requerimento, comprometendo-se a arguida a acusar a sua notificação”.
…
Ora, no dia 4/10/11 é remetido pelo e-mail do arguido BB a defesa da arguida, que esta coonesta, quando notificada para tal (fls. 545 e seguintes e 886, na sequência do despacho de fls. 880).
Acresce que:
a) por requerimento de fls. 608/609 do 3º volume do anexo A, é a própria arguida a requerer o aditamento ao rol de uma testemunha e a indicar as correspondentes perguntas a fazer-lhe;
b) por requerimento de fls. 610 do 3º Volume, anexo A, é a própria arguida a comunicar que as instâncias às testemunhas serão levadas a cabo pela “própria arguida”;
c) por requerimento de fls. 611 é a arguida que subscreve o requerimento juntando 17 documentos;
d) é a arguida que junta com tais documentos as perguntas a que hão-de responder as testemunhas (fls. 873 a 876)».
Os factos acabados de transcrever, factos que na sua generalidade correspondem ao que efectivamente consta dos autos, tal qual se decidiu na decisão instrutória recorrida, permitem concluir, obviamente do ponto de vista indiciário, pela ocorrência de co-autoria.
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Passando à apreciação da questão da unidade/pluralidade de infracções, verificamos que na decisão instrutória se considerou a este propósito:
«Estatui o artº 30º, nº1, do CP: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
“Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções”[105], afigurando-se pacífico que só uma pluralidade de resoluções poderá dar lugar a uma hipótese de concurso real de crimes.
Ora, ainda que se tivesse logrado a prova de todos os factos descritos na acusação, sempre se não veria alicerce para a atribuição à arguida de 2 crimes de difamação: mesmo naquela versão dos acontecimentos, teriam sido cometidos com base e na sequência de uma única resolução criminosa, pré-anunciada (a “reformulação” ou “alteração” da sua “estratégia de defesa”) e que se desdobrou em 2 momentos distintos, mas próximos, configurando a inquirição de testemunhas (em 07/11/2011) mera execução do que antes havia sido delineado por escrito (no articulado de 03/10/2011).
Ora, havendo um só desígnio criminoso, o crime contra a honra imputado à Arguida havia de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ofensivo de idêntico bem jurídico.
Dito de outro modo, “haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação sem serem determinados por nova motivação”[106], o que, a vingar a delimitação factual nos exactos termos acusatórios, sempre teria ocorrido».
Entendem, porém, Ministério Público e assistente CC, que o comportamento da arguida AA, ao contrário do decidido, integra a prática, em concurso real, de dois crimes de difamação agravada, para tanto tendo alegado o Ministério Público:
«…da análise da matéria dada como indiciada de factos 10 a 69 inclusive e de factos 70 a 80 conclui-se, perfeitamente que a arguida Dr.ª ..., cometeu em concurso real, como consta da acusação deduzida, dois crimes de difamação agravada.
J) Efectivamente, a arguida Dr.ª AA resolveu cometer um crime de difamação contra o Assistente, Dr. CC quando, em Outubro de 2011, arquitectou a sua defesa por escrito, integrando estes factos o primeiro crime de difamação agravado imputado e posteriormente, formou novo desígnio criminoso de ofender a dignidade e a honra do Assistente quando, em 7 de Novembro de 2011, teve lugar a diligência de tomada de declarações às testemunhas arroladas e lhe foi deferido o seu pedido pelo Sr. Inspector, o Exm.º Sr. Juiz Desembargador Dr. FF, de efectuar ela própria o interrogatório das testemunhas, em vez de as mesmas serem interrogadas pelo seu Ilustre Mandatário.
L) Ao decidir-se que a arguida Dr.ª BB não cometeu em concurso real dois crimes de difamação agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, este por referência à al. l) do n.º 2 do art.º 132.º do C.P. mas apenas um, contrariou-se a matéria dada como suficientemente indiciária e o disposto no art.º 30.º do Código Penal».
O tribunal a quo, como decorre do atrás o transcrito segmento da decisão recorrida, optou pela qualificação dos factos como um só crime, com o fundamento de que houve da parte da arguida AA uma única resolução criminosa, um só desígnio criminoso.
O Código Penal regula esta concreta problemática no último artigo do Capítulo II do Título II do Livro I, sob a epígrafe de «Concurso de Crimes e Crime Continuado», traduzindo o pensamento desde há muito expresso pelo saudoso Professor Eduardo Correia, na sua obra Unidade e Pluralidade de Infracções.
Do exame sumário do referido preceito (artigo 30º), na sua globalidade, verifica-se, no entanto, que o mesmo não regula esta matéria de forma «abrangente e esgotante», na medida em que as soluções ali indicadas se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de infracções.
Trata-se pois de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência caberá, em última análise, encontrar as soluções mais adequadas, tendo em vista a multiplicidade de situações que se prefiguram.
Certo é que enquanto no nº1 do artigo 30º se estabelecem critérios relativos à problemática do concurso de crimes «tout court», no n.º 2 pretendem-se regular situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unifica em um só crime. Neste último caso estamos perante o chamado crime continuado, bem como face a outros casos de unificação jurídica (crime único com pluralidade de actos ou acções).
Vejamos, pois, se no caso ora submetido à nossa apreciação e julgamento estamos perante uma pluralidade de crimes subsumível ao conceito constante do n.º1, do artigo 30º (concurso de crimes) ou, ao invés, estamos face a um só crime ou perante uma pluralidade de crimes subsumível ao conceito constante do n.º 2, daquele artigo (crime continuado).
Deste modo, comecemos por analisar o texto do n.º1, do artigo 30º.
É o seguinte o seu teor textual: «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
Do exame e análise do texto transcrito decorre que o mesmo contém duas partes, ambas se referindo a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente.
Na primeira parte, estatui-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos (... pela conduta do agente); na segunda parte, declara-se que o número de crimes (também) se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Estabelecem-se aqui, pois, as situações em que ocorre pluralidade de crimes, pressupondo um só agente (situação que subjaz ao caso dos autos), o que claramente decorre da parte final do respectivo texto, mediante a utilização da expressão «pela conduta do agente».
Na primeira situação estamos face ao apelidado «concurso heterogéneo» (realização de diversos crimes - violação de diversas normas incriminadoras). Na segunda estamos perante o chamado «concurso homogéneo» (realização plúrima do mesmo crime - violações da mesma norma incriminadora).
Quer na primeira quer na segunda situação, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos (naturais) ou várias acções. Com efeito, a partir de um só facto ou uma só acção podem realizar-se diversos crimes, por violação (simultânea) de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora[107], tal como a partir de vários factos ou várias acções pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação (repetida) da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras.
Em qualquer dos casos, estamos, no entanto, perante concurso de crimes, já que este ocorre sempre desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer através de vários factos.
Não basta, porém, a ocorrência deste concreto condicionalismo (objectivo) para que se conclua, sem mais, estar-se perante «concurso de crimes».
Vejamos.
Como é sabido, o crime é um facto humano, tipicamente ilícito e culpável. O mesmo facto ou a mesma acção, como já vimos, pode simultaneamente realizar um ou mais «tipos de crime». Mas o «tipo de crime» realizado abarca o conteúdo global da norma incriminadora, isto é, o tipo legal, objectivo e subjectivo. Toda e qualquer infracção criminal é constituída por três elementos, quais sejam, o facto típico, a culpabilidade e a punibilidade.
Deste modo, não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento jurídico de cada uma. É indispensável que relativamente a cada crime concorrente se verifique vontade culpável. É preciso que cada crime seja doloso ou culposo, e como tal punível – nulla poena sine culpa – (artigo 13º, do Código Penal).
Assim sendo, certo é que a expressão «tipos de crime» utilizada no n.º1, do artigo 30º, tem o significado de «tipo legal objectivo e subjectivo», a significar que a vontade culpável, como dolo ou como negligência, por um só acto de vontade ou por actos plúrimos da vontade, deve ter por objecto todos os crimes concorrentes, que serão dolosos ou culposos, consoante a vontade tomar quanto a cada um deles a forma de dolo ou de negligência[108].
Fixado o sentido da norma do n.º1, do artigo 30º, passemos ao exame e análise do seu n.º2.
É o seguinte o seu teor textual: «Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente».
Como já se referiu e claramente decorre do respectivo texto, pretendem-se aqui regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, quer por violação repetida do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários tipos legais de crime, o legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-las como se um só crime houvesse ocorrido.
Na base do instituto do crime continuado, como revela a primeira parte do respectivo dispositivo, encontra-se assim um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na «realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico (...)». No entanto, uma diferença desde logo se salienta. A diferença está em que, no caso de «concurso heterogéneo» se limita o campo próprio do crime continuado à violação de várias normas incriminadoras que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, o que equivale a dizer que, por outro lado, se alarga a noção de «concurso homogéneo» consoante resultaria da distinção feita nas 1ª e 2ª partes do n.º1, do artigo 30º.
Na realidade, o «concurso homogéneo», para efeitos do n.º2, do artigo 30º, compreende não só a plúrima violação da mesma norma incriminadora, mas também a violação de diversas normas incriminadoras, desde que sejam da mesma espécie, isto é, protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico[109].
Certo é, porém, que o instituto do crime continuado exige, obviamente, algo mais, para além da ocorrência de um concurso de crimes, com o âmbito e conteúdo já referidos.
Como se vê da segunda parte do n.º 2, do artigo 30º, exige-se que aquele concurso (realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes) seja executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Deste modo, verifica-se que, fundamentalmente, são razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime continuado. É a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam aquele para o crime, e não em razões de carácter endógeno.
Perante culpa significativamente diminuída, entende o legislador apenas ser admissível um só juízo de censura, e não vários, como seria de fazer, o que alcança precisamente mediante a unificação jurídica em um só crime (continuado) de comportamento ou comportamentos que violam diversas normas incriminadoras ou a mesma norma incriminadora por mais de uma vez.
Aqui chegados parece estarmos agora em condições de apreciar e decidir a questão que nos é colocada.
Primeira observação a fazer é a de que no caso dos autos os factos constantes da acusação pública deduzida não foram executados por forma essencialmente homogénea. Com efeito, enquanto parte dos factos decorrem da defesa apresentada pela arguida AA, peça processual subscrita pelo seu mandatário, a outra parte foi perpetrada pela arguida AA em diligência de prova realizada no decurso do processo disciplinar, mais precisamente em inquirição de testemunhas. Aliás, no caso da defesa apresentada pela arguida estamos perante factos praticados em co-autoria, no outro estamos perante factos cometidos, apenas, pela arguida AA.
Segunda observação a fazer é a de que não se detecta a ocorrência de situação exterior que diminua consideravelmente a culpa da arguida AA, tendo em vista os diversos contextos em que os factos tiveram lugar, bem como as distintas finalidades dos actos processuais que lhes subjazem. É que num caso os factos inserem-se na defesa apresentada pela arguida, acto elaborado fora do processo (subscrito pelo seu mandatário) e nele integrado de forma escrita, no outro os factos tiveram lugar em acto ocorrido no processo, ou seja, intra-processualmente, em procedimento presidido pelo Inquiridor - Inspector Judicial.
Tanto basta, a considerarem-se penalmente relevantes os factos constantes da acusação pública deduzida, para considerar a ocorrência de concurso real.
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Decididas as questões que poderemos denominar de prévias, cumpre agora conhecer a questão nuclear objecto dos recursos interpostos, qual seja a de saber se, conforme alega o assistente CC, os arguidos devem ser pronunciados em consonância com a acusação pública deduzida (crimes de difamação agravada, denúncia caluniosa e devassa da vida privada) ou, como pretende o Ministério Público, sejam pronunciados, a arguida AA, pela prática de dois crimes de difamação agravada, o arguido BB, pela prática de um crime de difamação agravada.
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Crime de Difamação Agravada Cometido em Co-Autoria
Examinando o texto da acusação pública deduzida (fls.1378 a 1424), mais concretamente os artigos 1º a 140º, verificamos que os factos, afirmações e juízos de valor neles vertidos relativos à defesa apresentada pela arguida AA, subscrita pelo arguido BB, seu mandatário e marido, no processo disciplinar n.º 269/2011, do Conselho Superior da Magistratura, processo no qual a arguida figurou como arguida, pese embora a circunstância de se deverem considerar perpetrados por ambos os arguidos no âmbito do direito de defesa da arguida e no âmbito do dever de patrocínio do arguido, enquanto mandatário judicial, não podem, como se entendeu na decisão instrutória, ser tidos por atípicos, ou seja, desprovidos de ilicitude, nos termos do artigo 31º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c) do Código Penal.
É que, ao contrário do que se consignou na referida decisão instrutória, verifica-se que a defesa apresentada pela arguida AA, subscrita pelo arguido BB, excede as exigências de proporcionalidade e de necessidade que a lei impõe no caso de conflito ou colisão entre direitos e valores.
Vejamos.
Dúvidas não há, manifestamente, de que o texto da defesa em questão contém inúmeros factos e expressões ofensivos da honra e da consideração do assistente CC, quer enquanto magistrado judicial, quer mesmo enquanto cidadão.
A título meramente exemplificativo aqui reproduzimos os artigos 67º a 77º, 90º, 92º e 95º da dita defesa:
No caso vertente certo é que a ilicitude resultante da apresentação pelos arguidos da defesa ora em apreço só pode ser afastada pelas causas de exclusão previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 32º do Código Penal, se perante a colisão de direitos e valores daí decorrente – direito à honra do assistente versus direito de defesa da arguida AA e dever de patrocínio do arguido BB –, se entender que o direito de defesa da arguida e o dever de patrocínio do arguido foram devida e legitimamente exercidos.
Em matéria de direito de defesa e de dever de patrocínio, como desde há muito defendemos[110], o uso ou divulgação de factos ofensivos só se deve considerar a coberto do instituto da exclusão da ilicitude, isto é, devida e legitimamente exercidos, quando a sua utilização se mostre necessária à defesa da causa, mais concretamente, quando se revele adequada e essencial. Aliás, é o que claramente decorre do n.º 2 do artigo 154º do Código de Processo Civil, ao textuar:
«Não é considerado ilícito o uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa».
Ora, a verdade é que muitos dos factos, afirmações e juízos de valor consignados pelos arguidos na defesa apresentada não se mostram indispensáveis para a defesa da causa, o que é patente.
Sendo certo que tais factos, afirmações e expressões foram voluntária e conscientemente vertidos pelos arguidos na referida defesa, não podendo os mesmos ignorar a sua ofensividade, certo é que deveriam ter sido pronunciados como co-autores do crime de difamação previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 184.º e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, afastando-se a agravação da alínea a) do artigo 183º, por manifestamente não se poder considerar ocorrer o enquadramento ali previsto (publicidade).
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Crime de Difamação Agravada Cometido pela Arguida AA
Ao invés, do exame dos artigos 141º a 199º da acusação pública, segmento do requerimento acusatório em que o Ministério Público consignou os factos nos quais fundamenta a imputação à arguida AA do crime de difamação agravada que teria perpetrado aquando da inquirição das testemunhas por ela arroladas no processo disciplinar n.º 269/2011, do Conselho Superior da Magistratura, resulta que a eventual ilicitude do comportamento daquela se deve ter por excluída, porquanto entendemos que a arguida AA se limitou, legitimamente, a exercer o seu direito de defesa.
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Crimes de Devassa da Vida Privada e de Denúncia Caluniosa
O crime de devassa da vida privada, facto típico que tutela a privacidade/intimidade da pessoa (artigo 192º, do Código Penal), bem como o crime de denúncia caluniosa que protege a honra e a liberdade da pessoa e a realização da justiça (artigo 365º, do Código Penal), têm por elemento de índole subjectiva o dolo directo. No caso do crime de devassa da vida privada, como resulta do texto legal, a intensão de devassar a vida privada das pessoas; no caso do crime de denúncia caluniosa, como também decorre da letra da lei, a consciência da falsidade da imputação e a intenção de contra a pessoa visada se instaure procedimento criminal, contra-ordenacional ou disciplinar.
No caso dos autos inexiste prova indiciária de que os arguidos AA e BB se comportaram com a intenção de devassar a vida do assistente CC e de que tinham consciência da falsidade das imputações que àquele dirigiram.
Deste modo, relativamente à não pronúncia dos arguidos pela prática destes crimes não merece censura a decisão instrutória recorrida.
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Termos em que se acorda conceder parcial provimento aos recursos, devendo o tribunal recorrido pronunciar os arguidos AA e BB como co-autores de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 184.º e 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, pelos factos consignados nos números 1 a 69 que na decisão instrutória foram considerados suficientemente indiciados, bem como pelos factos vertidos na acusação pública nos artigos 206º (com exclusão do segmento «e as perguntas descritas», aditando-se a seguir à palavra insinuações as palavras «afirmações e juízos de valor descritos»), 207º a 209º, no mais se confirmando a decisão instrutória recorrida.
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Oliveira Mendes (Relator)
Maia Costa
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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os demais que se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[2] Não se vê prova do facto alegado pelos Arguidos (e já antes, pelo Ministério Público – v.g., pág. 2, §1º, do despacho final) de que a certidão terá sido entregue ao Assistente “por ofício datado de 05/12/2011”, o que nem seria possível porque consta ter sido passada em “12 de Dezembro de 2011” – cf. fls. 70 e 581 dos autos principais.
[3] E a que, doravante, sempre se referirão as fls. que não tenham menção suplementar.
[4] P. e p. nos termos das disposições mencionadas na acusação, em “A” (da pág. 51).
[5] Artº 115º, nº1, do CP.
[6] Documentadas nos autos, é certo – v.g., fls. 90, 95, 114, 126-143, 145, 147-149 do Anexo A, 1º vol.
[7] E não “Gomes”, como, obviamente por lapso, consta do despacho acusatório.
[8] É claro que a Acusação contém muitos outros factos sem ressonância criminal aparente, percebendo-se que a sua inclusão teve por objectivo uma melhor compreensão de todo o circunstancialismo envolvente, sendo certo que alguns deles serão até objecto de outros processos, v. g. o artº 14º.
[9] Doravante sempre assim designada.
[10] Ac. da RC de 26-6-63, in JR, 3, 777, com plena actualidade apesar de formulado no domínio de legislação processual penal há muito revogada.
[11] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pp. 211 e ss., e Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, t. II, p. 316.
[12] A prova-rainha é, neste caso, de natureza documental, até pela própria natureza dos factos imputados e da sua envolvência, onde tudo (ou quase tudo) fica registado; e seguir-se-á o método adoptado pelo Ministério Público, anotando os elementos determinantes logo a seguir ao(s) factos correspondentes, quer da Acusação quer do RAI.
[13] Os artºs entre parênteses correspondem aos “originais”, constantes do libelo.
[14] Só pode ser lapso o ano de “2010” inscrito quer na Acusação quer no Acórdão em apreço.
[15] Não de “escusa” como por lapso se diz na Acusação.
[16] Segue-se a reprodução do texto, tal como apresentado, respeitando-se os “sublinhados” e “negritos”.
[17] Texto cujo nº II se entendeu dever transcrever integralmente, “ipsis verbis”, dada a sua importância para o preenchimento de dois dos tipos criminais.
[18] A data inscrita no artº 103º da Acusação padece de manifesto lapso.
[19] A data inscrita no artº 106º da Acusação padece de manifesto lapso.
[20] A referência ao proc. “884/09”, ínsita quer na Acusação quer no Auto de inquirição do processo disciplinar, configura manifesto lapso.
[21] Doravante, abreviadamente designado “RAI” (requerimento de abertura de instrução). Os artºs entre parênteses correspondem aos “originais”, constantes do requerimento.
[22] Menção esta entrecortada no artº 166º da Acusação.
[23] Quer a Acusação quer o RAI estão entremeados com conclusões, repetições, considerações várias e reproduções documentais, que nada têm de factual, mas que se procurou extirpar apenas na medida do absolutamente desnecessário.
[24] Em itálico, contendo entre parênteses, o(s) artº(s) da Acusação a que se reportam e uma breve explicação a propósito da formação da nossa correspondente “convicção”.
[25] Nome inscrito por lapso, já que o autor das imputações foi “...”, como dos autos consta.
[26] Maia Gonçalves, CP Português Anotado, 2ª ed., 1998, p. 152.
[27] Ac. do STJ de 15/05/91, CJ, XVI, t. 3, p. 16.
[28] Ac. da RL de 06/02/96, CJ, XXI, t. 1, p. 156.
[29] Ac. do STJ de 04/01/2007, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro no proc. 06P2675, www.dgsi.pt.
[30] In «Formas do Crime», Jornadas de Direito Criminal, Revista do CEJ, pp. 169 e ss.
[31] Pelo menos, passível de ser, ou vir a ser, utilizada contra a Arguida, o que não será o caso do depoimento documentado a fls. 314-319, em especial no “ponto nº 10” (junto pelo Assistente), pois que foi prestado no âmbito de outros autos, na qualidade de testemunha, perante Técnico de Justiça Principal e em momento anterior à sua constituição de Arguida no âmbito deste processo – v. os artºs 58º, nºs 1, 2, 4, 5, 61º, 357º, do CPP.
[32] Identificados, por exemplo, nos Factos Indiciados 24 e 26.
[33] O único a que a Acusação dá relevância.
[34] Enunciadas no Facto Indiciado 81.
[35] Ac. da RE de 18/10/2011, relatado pelo Desemb. Sérgio Corvacho no proc. 283/07, www.dgsi.pt.
[36] Juiz Cons. Álvaro Reis Figueira, recenseando o Código de Conduta australiano, «Ser, dever ser e parecer», Sub Judice, 32, 2005, p. 18.
[37] Citações de Eduardo Lourenço e Vasco Graça Moura, respectivamente.
[38] Ac. do Conselho Permanente do CSM de 09/11/2004, Sub Judice, 32, Jul-Set 2005, pp. 127-156.
[39] Como documenta o Relatório de Inspecção Ordinária de 29/04/2011 elaborado pelo Desemb. ...o, a fls. 338-408 do Anexo A, 2º vol.
[40] Veja-se ainda o documento de fls. 187.
[41] Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, 1923, p. 166.
[42] A acrescida “qualidade” de Inspector Judicial nada acrescenta, nesta vertente.
[43] Ac. do STJ de 17/04/2012, relatado pelo Cons. Alves Velho no proc. civil 4797/07.9TVLSB.L2.S1, www.dgsi.pt.
[44] Ac. do STJ de 04/12/2008, relatado pelo Cons. Oliveira Vasconcelos no proc. civil nº 08B3672, www.dgsi.pt; citado pelos Arguidos e junto a fls. 805-813 do Anexo A, 3º vol.
[45] Ac. do STJ de 23/05/2012, relatado pelo Cons. Oliveira Mendes no proc. 1/09.3YGLSB, www.dgsi.pt.
[46] Ac. do STJ de 23/05/2012 relatado pelo Cons. Pires da Graça no proc. 6/09.4TRGMR.S1, www.dgsi.pt.
[47] Jónatas. E. M. Machado, «Liberdade de Expressão», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2002, pp. 776-778, 786-787.
[48] Advérbio utilizado na Acusação, fls. 243 do Anexo A, 1º vol.
[49] Nela se explicando de forma transparente a “razão” da credibilidade atribuída ao “depoimento do Participante”, obviamente, testemunha única dos factos em apreço, fls. 244 do Anexo A, 1º vol.
[50] Anexo A, 2º vol., fls. 490.
[51] V. o nº 2.1.207 do acórdão do CSM de 12/04/2012, a fls. 1408vº do Anexo A, 5º vol.
[52] Veja-se, a título de exemplo, o episódio da recusa de cumprimento registado no “auto de acareação” de 07/09/2011 – fls. 475, Anexo A, 2º vol.; o relato do Inspector Judicial ... sobre “uma azeda troca de palavras”, fls. 465; ou a assunção de “conflito pessoal” pela Arguida em requerimento dirigido à CADA, reproduzido a fls. 748.
[53] Com afirmações como “ela está ressabiada” e “Espero e desejo que seja expulsa da magistratura” – cf. Facto indiciado 178.
[54] Aproveitando a expressão do RAI, artº 477º.
[55] O que não constitui nossa tarefa nem nos cumpre ajuizar.
[56] Aprovado pela Lei 15/2005, de 26.01.
[57] Aprovado pela Lei 21/85, de 30.07.
[58] Os 3 ausentes da Acusação foram assim denominados I. DO CARACTER MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONADO DA PENA PROPOSTA, III. DA IRRELEVÂNCIA DISCIPLINAR DA CONDUTA DA ARGUIDA CONSUBSTANCIADA NA DEDUÇÃO DO INCIDENTE DE RECUSA, IV. DA FALTA DE PROVA QUE SUSTENTE A IMPUTAÇÃO Á ARGUIDA DE RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR PELO CONTEÚDO DE UMA CONVERSA INFORMAL.
[59] Artº 32º respectivo.
[60] Donde se não retira mais do que um “animus narrandi”, complementado na sua maioria via “certidões”.
[61] Artºs 83º e 84º.
[62] V.g., artº 31º.
[63] V. fls. 901 e 902 do Anexo A, 4º vol.
[64] V. artºs 36º a 47, 75º-77º.
[65] No processo mencionado no Facto indiciado 67.
[66] Cf. fls. 3vº do Anexo O.
[67] Cf. Factos indiciados 40-42.
[68] Ac. da RL de 07/07/2009, relatado pelo Desemb. Santos Rita no proc. 7123/07.3TDLSB.L1-5, www.dgsi.pt.
[69] Voto de vencido do Vogal Sr. Dr. ... no ac. do Plenário do CSM de 17/03/2005, «Sub Judice», 32, Jul-Set 2005, pp. 173-174.
[70] Jónatas Machado, ob. cit., pp. 790-791.
[71] Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, 1996, pp. 276-277.
[72] Aliás, nem o crédito do seu depoimento sofreu qualquer beliscadura, como se vê do acórdão do CSM, fls. 1424vº.
[73] Ac. da RL de 18/12/2012, proc. 5816/11.0TDLSB.L1-5, www.dgsi.pt.
[74] Ob. cit., pp. 94vº e 101.
[75] Ricardo Leite Pinto, Liberdade de Imprensa e Vida Privada, «Revista da Ordem dos Advogados», 1994, p. 138.
[76] Cf. fls. 2329-2331 do Anexo A, 9º vol.
[77] Fls. 12vº do Anexo O.
[78] Costa Andrade, Comentário Conimbricense do CP, t. I, 1999, p. 733.
[79] Cândido de Figueiredo, Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, Bertrand Editora, 20ª ed., p. 497.
[80] Através de certidão – v. fls. 721 do Anexo A, 3º vol.
[81] Costa Andrade, ob. cit., pp. 734-735.
[82] Costa Andrade, ob. cit., pp. 536, 540, 548.
[83] V. o documento de fls. 1932-1940.
[84] Processo 144/11.3TRPRT.S1
[85] Advérbio utilizado na Acusação, fls. 243 do Anexo A, 1º vol.
[86] Nela se explicando de forma transparente a “razão” da credibilidade atribuída ao “depoimento do Participante”, obviamente, testemunha única dos factos em apreço, fls. 244 do Anexo A, 1º vol.
[87] Anexo A, 2º vol., fls. 490.
[88] V. o nº 2.1.207 do acórdão do CSM de 12/04/2012, a fls. 1408vº do Anexo A, 5º vol.
[89] Veja-se, a título de exemplo, o episódio da recusa de cumprimento registado no “auto de acareação” de 07/09/2011 – fls. 475, Anexo A, 2º vol.; o relato do Inspector Judicial ... sobre “uma azeda troca de palavras”, fls. 465; ou a assunção de “conflito pessoal” pela Arguida em requerimento dirigido à CADA, reproduzido a fls. 748.
[90] Com afirmações como “ela está ressabiada” e “Espero e desejo que seja expulsa da magistratura” – cf. Facto indiciado 178.
[91] Aproveitando a expressão do RAI, artº 477º.
[92] O que não constitui nossa tarefa nem nos cumpre ajuizar.
[93] Aprovado pela Lei 15/2005, de 26.01.
[94] Aprovado pela Lei 21/85, de 30.07.
[95] Voto de vencido do Vogal Sr. Dr. ... no ac. do Plenário do CSM de 17/03/2005, «Sub Judice», 32, Jul-Set 2005, pp. 173-174.
[96] Jónatas Machado, ob. cit., pp. 790-791.
[97] - São oito os documentos apresentados, concretamente, cópia de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, cópia de um parecer do Ministério Público emitido em recurso penal que correu termos neste Supremo Tribunal, cópia da transcrição de declarações prestadas pelo assistente CC em processo criminal no qual figurou como assistente e demandante civil e cópia de cinco cheques.
[98] - A menos, obviamente, que o processo siga para julgamento, caso em que a lei, como já se consignou, admite essa possibilidade até ao encerramento da audiência, quando se tenha mostrado inviável a junção do documento em momento anterior.
[99] - Segundo a doutrina e a jurisprudência nacionais dominantes, a nossa lei substantiva penal, em matéria de autoria, perfilha a denominada teoria do domínio funcional do facto, doutrina que, porém, não corresponde ao domínio do acto ou ao domínio da realização do tipo legal. Como refere Figueiredo Dias a propósito do domínio do facto – Direito Penal – Sumários e Notas das Lições ao 1º ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de 1975-1976 –, conquanto a co-autoria exija uma contribuição objectiva conjunta para a realização típica, é muito duvidoso, porém, relativamente a certas acções saber se elas fazem ou não parte da “execução” do facto (caso do condutor do automóvel onde se deslocam os assaltantes do banco).
Sendo exigível que o co-autor contribua objectivamente para a realização típica, não é exigível um domínio efectivo e pleno do facto, antes e tão só um domínio do processo que conduz à realização do tipo, ou seja, um “domínio funcional do facto” ou “domínio finalístico do acto”, que existirá quando o contributo do agente – segundo o plano conjunto – “põe, no estádio da execução, um pressuposto indispensável à realização do evento intentado”.
Trata-se de posição com origem no finalismo (teoria do domínio do facto), inicialmente assumida por Bruns, Weber, Horn e Welzel, posteriormente defendida por Roxin (domínio finalístico do acto), conforme nos dá conta Figueiredo Dias, a que Eduardo Correia já se referia no seu Direito Criminal, II, 248, citando aquele insigne catedrático de Munique – Täterschaft u. Tatherrschaft (1993), e que é dominante actualmente na doutrina alemã.
[100] - O acordo tanto pode ser expresso como tácito, como pode ser firmado antes da realização do facto ou entre o seu início e o seu término (co-autoria sucessiva), sendo que à decisão conjunta basta a existência e a vontade de colaboração de duas ou mais pessoas na realização do tipo de crime – cf. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 02.04.11 e de 02.10.24, proferidos nos Processo n.ºs 485/02 e 3211/02.
[101] - Havendo cooperação na execução do crime não se torna necessária a existência de acordo, no entanto, na ausência de acordo é essencial que os comparticipantes tenham consciência de cooperarem na acção comum – cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, 283.
[102] - Tratado de Derecho Penal – Parte General (4ª edição), 898 e ss.
[103] - Neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de 04.10.06 e 06.10.18 e 07.01.04 proferidos nos Recursos n.ºs 1875/04 e 2812/06 e 2675/06, respectivamente.
[104] - Como refere Wessels, Direito Penal, Parte Geral (1976), 121 e 129, o co-autor é co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes. Neste preciso sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 07.01.14 e 09.04.15, proferidos nos Processos n.ºs 2675/06 e 0583/09.
[105] Maia Gonçalves, CP Português Anotado, 2ª ed., 1998, p. 152.
[106] Ac. do STJ de 15/05/91, CJ, XVI, t. 3, p. 16.
[107] - Que assim é dúvidas não há, como doutamente demonstra Eduardo Correia, ibidem, 121 e sgs.. Segundo refere aquele saudoso Mestre, um só comportamento, uma só «expressão da vida», tanto pode preencher um só crime como vários crimes. Por outro lado, como refere também, nem sempre se pode fazer derivar a afirmação de que só um tipo de crime é aplicável a uma dada situação concreta, da circunstância de um só preceito, uma só norma ou artigo de lei lhe corresponder na parte especial dos códigos ou, de maneira geral, nas leis criminais. É que certas disposições legais descrevendo aparentemente um só tipo, descrevem efectivamente um número indeterminável de figuras de crime, na medida em que um dos seus elementos constitutivos tem de se considerar tomado pela lei concreta e individualmente. Este é seguramente o caso das disposições que visam proteger bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, a liberdade, uma vez que se trata de bens jurídicos que se não podem desligar da personalidade, que apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir. Quando a lei pune de certa maneira aquele que voluntariamente mata outrem ou sujeita a cativeiro algum homem livre, tudo se deve passar e entender como se tais disposições dissessem: aquele que voluntariamente matar ou sujeitar a cativeiro A, B, C… Com tais normas deve-se considerar visada a protecção da vida e da liberdade, não como valores comuns, mas como valores encarnados nas pessoa de A, B, C, etc. Se tal especificação não é feita expressamente... isso deve-se tão só a razões de economia e viabilidade técnico-legislativa, que de nenhuma maneira podem impedir, mas até justamente exigir, que se faça a interpretação de que estes preceitos carecem.
Os tipos legais descritos em tais disposições desdobram-se, assim, em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a protecção da lei. Só uma apressada visão das coisas pode, pois, levar a dizer que quem matou A, B, C e D praticou um mesmo crime, porque só preenche com a sua actividade (mesmo que única) um tipo legal.
[108] - Cf. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 1992, 537/538, obra que, aliás, temos vindo a seguir de perto na abordagem de toda esta problemática.
[109] - Cf. Cavaleiro de Ferreira, ibidem, 541/542.
[110] - Cf. O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, (Almedina-1996), 78/95.