VIOLAÇÃO
AMEAÇA
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I - O critério da escolha da pena prevista em alternativa encontra-se estabelecido no art. 70.º, do CP, onde se dispõe que o tribunal deve dar preferência à aplicação de pena de multa, em detrimento da pena de prisão, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no art. 40.º, do CP.
II - Face ao contexto do caso concreto, encarado na sua globalidade, não se estando face a uma conduta isolada, a um único crime, sendo o ora em questão (ameaça agravada) cometido em acto seguido ao mais grave (violação agravada), não é de optar pela aplicação de pena de multa, pelo que bem andou o acórdão recorrido.
III - Observados os critérios legais, não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras de experiência comum, é de manter as penas parcelares aplicadas - de 7 anos de prisão pela prática de 1 crime de violação agravada e de 1 ano de prisão pela prática de 1 crime de ameaça agravada -, não havendo lugar a intervenção correctiva do STJ.
IV - No caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os dois crimes de violação e de ameaça, consubstanciados em prática de acto sexual e a subsequente intimidação. Estamos perante um quadro de dois crimes, com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosas. Valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 7 a 8 anos de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, é de concluir por um elevado grau de demérito da conduta do recorrente, não sendo o caso de justificar-se intervenção correctiva por parte do STJ.

Texto Integral


No âmbito do processo comum colectivo n.º  181/15.9JAFAR, da Instância Central de Portimão, Tribunal Judicial da Comarca de Faro, 2.ª Secção Criminal – J3, foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, empregado de limpeza, nascido em 9-02-1982, natural de …, residente na Urbanização …, n.º …, …, Albufeira, preso preventivamente à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional de …, desde 18-06-2015.


Por acórdão de 27 de Janeiro de 2016, constante de fls 464 a 475, depositado no mesmo dia, conforme fls. 477, foi deliberado condenar o arguido, pela prática, em autoria material, de:

 - Um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 5 (actual n.º 6 com as alterações introduzidas pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

 - Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

Efectuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.   



****


Inconformado com a deliberação judicial, o arguido, dizendo recorrer de facto e de direito, interpôs recurso a fls. 488, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação  de fls. 489 a 493, que remata com as seguintes conclusões:

- Dando por provada a prática dos crimes imputados ao Arguido, ora Recorrente, o douto Colectivo “a quo” julgou procedente, por provada, a douta Acusação de Fls, e para determinação das penas concretas, considerou o disposto nos artigos 70º, 71º e 40º, e, aplicando as penas de 7 anos, e 1 ano, de prisão, para, respectivamente, os crimes de Violação Agravada, e Ameaça Agravada.

- Com a devida vénia, e considerando as molduras penais abstractas e aplicáveis, entende o Arguido, ora Recorrente, que se mostram excessivas as penas concretamente aplicadas, considerando, por isso, merecer provimento o presente Recurso, havendo que, consequentemente, ser reduzida  cada uma das penas, com efeitos no Cúmulo Jurídico, que não deverá ultrapassar a pena única de cinco (5) anos de prisão.

- Tendo-se dado por provado que o Arguido está bem inserido, social e familiarmente, e não registando antecedentes criminais, a aplicação de pena tão gravosa, como aquela de que ora se recorre, não permite crer que o respectivo cumprimento proporcione, designadamente, a reintegração do agente na sociedade, particularmente quando se sabe da incapacidade de ressocialização nas cadeias, e da reacção social de carácter negativo resultante do cumprimento de longa pena de prisão, pelo que se tem por violado o disposto nos artigos 40º nº 1, 70º e 71º nº 1 do Código Penal,

- resultando menifesto o excesso da punição, quando, perante os factos provados, numa moldura penal abstracta, entre 4 anos e 13 anos e 4 meses de prisão, se aplica a pena concreta de 7 anos de prisão, e, noutra, punida com multa, se aplica a pena, efectiva, de 1 ano de prisão, havendo, por isso, que reduzir cada uma das penas, fixando-se a pena única em não mais de cinco anos de prisão.

- Assim o não tendo entendido, e aplicando penas parcelares, e pena única, excessivas, que comprometem a reintegração do Arguido na sociedade, e mostrando-se violados os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, merece, o presente Recurso, integral provimento, havendo, consequentemente, que revogar o douto Acórdão em crise, a substituir por outro que, julgando a douta Acusação procedente, condene o ora Recorrente em não mais de 5 anos de prisão, como pena única, ponderando-se, então, se tal pena deverá ser suspensa na sua execução.

Termina dizendo,

 “a não haver reenvio do processo, para repetição do julgamento, deverá o acórdão ora recorrido ser revogado e substituido por outro que condene o arguido nas penas parcelares próximas do mínimo abstracto, e na pena única entre os 4 e os 5 anos de prisão, admitindo-se que existam fundamentos para que tal pena única seja suspensa na sua execução, assim merecendo provimento o presente Recurso.


***


O recurso foi admitido por despacho de fls. 494.

***


O Ministério Público junto da 2.ª Secção de Portimão da Instância Central Criminal da Comarca de Faro apresentou resposta, de fls. 497 a 499, considerando serem justas e adequadas as penas parcelares e a pena única, tendo em conta o quadro geral de actuação do arguido e as suas repercussões e a personalidade do arguido manifestada no cometimento dos crimes, não devendo ser provido o recurso.

***


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, de fls. 510 a 515, emitiu douto, fundamentado e circunstanciado parecer, defendendo, no que toca à escolha da pena pelo crime de ameaça agravada, mostrar-se acertada a opção por pena privativa da liberdade, convocando o acórdão deste STJ, de 4-02-2016, proferido no processo n.º 26/13.4GGIDN.S1-5.ª e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, pág. 154, pronunciando-se no sentido de não se justificar intervenção correctiva quanto à pena aplicada pelo crime de violação agravada bem como da aplicada pelo crime de ameaça agravada, e no que toca à pena do concurso, defende ser de manter, concluindo que na improcedência do recurso, é de confirmar o veredicto condenatório proferido.

***


Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.

***


Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

*****


Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*****


Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98 da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

 


******


          

Questões propostas a reapreciação e decisão

 

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.

As questões suscitadas são:


Questão I – Escolha da espécie de pena prevista para o crime de ameaça agravado – Opção – Pena de prisão/Pena de multa? – Conclusões 1.ª a 5.ª.

Questão II – Medida das penas parcelares e única – Conclusões 1.ª a 5.ª.



*****


 

Apreciando. Fundamentação de facto.


Factos Provados


Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.


Factos provados

1. No dia 12.06.2015, a menor BB, nascida a 22.02.2001, encontrava-se de férias em casa da sua tia CC, sita na Urbanização …, Lt …, 1-D, em Albufeira, local onde também residia o arguido AA, companheiro da tia da menor.

2. Cerca das 15 horas desse mesmo dia 12.06.2015, BB saiu do banho embrulhada numa toalha tendo-se dirigido para o quarto onde dormia para se vestir.

3. Nessa altura, o Arguido trancou as portas da residência a fim de impossibilitar qualquer pessoa de aí entrar, dirigiu-se ao quarto onde se encontrava a menor e, fazendo uso da força, arrancou a toalha do corpo da mesma, atirou-a para cima da cama, despiu os calções que envergava e introduziu o seu pénis erecto na vagina daquela mantendo uma relação sexual de cópula completa durante alguns minutos, ejaculando de seguida, tudo enquanto a menor gritava pedindo que parasse.

4. Após, o Arguido obrigou a menor a tomar a pílula contraceptiva da sua tia, dizendo-lhe que se contasse a alguém que a mataria e que mataria a sua tia e a filha menor da tia e do Arguido.

5. O Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o conseguido propósito de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que agia contra a vontade da menor BB e que esta tinha apenas 14 anos de idade.

6. Ao dizer à menor BB que a mataria a si, à sua tia e à filha do Arguido e da tia daquela pretendeu o Arguido impedi-la, por medo, de contar o sucedido, ocultando desta forma o crime que contra aquela praticara.

7. O Arguido actuou da forma supra descrita sempre com o conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se apurou que

8. À data da sua prisão, em 16 Junho de 2015, AA mantinha vida em comum com CC. Haviam-se fixado em Albufeira cerca de dois anos antes, com vista a mudar para um meio diferente, tido como mais atraente. O casal encetou união de facto em 2011, em Sines, onde cada um tinha vida organizada. Em 2014, já em Albufeira, nasceu a única filha de ambos. A relação foi descrita como gratificante de parte a parte, com propósitos de continuidade, até à data da ocorrência dos factos na base do processo em apreço.

9. AA provém de um contexto sócio-económico desfavorecido, do interior do Baixo-Alentejo - Barrancos. Cresceu em contexto de família natural, numerosa, ocupando o ante-penúltimo lugar de uma fratria de sete. Por necessidade deixou a escola e viu-se obrigado a uma precoce entrada no mundo do trabalho e dos adultos, sem ter prosseguido a escola além do 1º ciclo. Foi mantendo actividade laboral de cariz indiferenciado, ligado à construção civil, agricultura, padaria e montagem de andaimes e hotelaria. Quando tinha cerca dos 25 anos de idade, mudou-se de Barrancos para Sines, onde eram maiores as possibilidades de trabalho. Basicamente sempre se capacitou para assegurar as próprias despesas, sem a necessidade de dependência de terceiros/apoios sociais.

10. A vida afectiva-relacional afigura-se marcada por relações de cariz ocasional e superficial ou recurso a prestação de serviços sexuais, à excepção de um namoro estável, dos 18 aos 24 anos, que terminou por uma alegada infidelidade da parceira e à união de facto com a companheira CC. Do ponto de vista do Arguido, esta relação proporcionou-lhe uma maior estabilidade afectiva, afastando-o de comportamentos de risco, como consumos ocasionais de cocaína e a frequência de estabelecimentos de diversão nocturna.

11. O conhecimento da vítima identificada decorreu da circunstância de ser sobrinha de CC, havendo uma maior proximidade nas férias de verão, depois da mudança para …, alturas em que a jovem permanecia no domicílio do casal.

12. O confronto com o sistema de justiça assumiu um forte impacto, foi determinante da desestruturação da vida familiar do Arguido, na medida em que, para além da permanência deste em meio prisional, conduziu ao corte relacional e regresso da companheira com a filha para Sines. Os projectos de futuro do casal são ainda confusos, designadamente porque não houve qualquer contacto desde a prisão do Arguido.

13. O Arguido tende a neutralizar a sua culpa com argumentos alusivos às atitudes provocatórias da vítima e às suas próprias dificuldades em fazer face à situação.

14. Revela como factores de risco, a oportunidade, a facilidade de relacionamentos sem implicações afectiva/sexo impessoal, as distorções cognitivas quanto ao amor e às necessidades do outro e o baixo sentido empático, em particular para com a Ofendida.

15. Da ficha biográfica do Arguido nada consta em termos de registo de infracções disciplinares no Estabelecimento Prisional de ….

16. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.



***



Apreciando. Fundamentação de direito


Antes de avançarmos, dir-se-á que o presente recurso se cinge a apreciação de matéria de direito.

O recorrente inicia o recurso dizendo recorrer de facto e de direito, e no final, refere possibilidade de reenvio e repetição de julgamento.

O recorrente não coloca qualquer questão relativa a matéria de facto, caso em que competente seria o Tribunal da Relação, só havendo lugar a reenvio em caso de verificação de algum dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, cognoscíveis oficiosamente, o que não ocorre no caso presente.


O recorrente questiona, de forma longínqua, a opção pela pena de prisão aplicada pelo crime de ameaça agravada e discorda da medida das penas, parcelares e conjunta, que considera excessivas, como ressalta do início da motivação e do exposto ao longo desta, convocando as disposições dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, e claramente pelo teor das conclusões.



Questão I – Escolha da espécie de pena prevista para o crime de ameaça agravado – Opção – Pena de prisão/Pena de multa?


Em causa a escolha da pena de prisão aplicada pelo crime de ameaça agravada.

Como bem assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no início do douto parecer emitido, a que já fizemos referência:

2.1.1 – Quanto à questão da escolha e medida da pena pelo crime de ameaça agravada:

Embora de forma totalmente inepta, e sem adiantar sequer qualquer fundamento, que não apenas a convocação genérica do art. 70.º do Código Penal, parece lícito concluir da motivação oferecida que o recorrente pretenderia, no mínimo, sugerir que, quanto ao crime de ameaça agravada, deveria o Tribunal ter optado pela pena de multa, em detrimento da prisão, consabido que o crime nesta parte em equação, como de resto o anota o acórdão recorrido, é punido com uma pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.


O recorrente refere o ponto de forma perfunctória e sem qualquer fundamento, aludindo a pena de multa na conclusão 4.ª e reportando o artigo 70.º do Código Penal nas conclusões 1.ª, 3.ª e 5.ª. Nada mais.


Analisando.

Como vimos supra, ao crime de ameaça agravada, nos termos conjugados dos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, cabe a moldura penal de pena de prisão até dois anos ou pena de multa de 10 a 240 dias.

Esta previsão de pena de prisão em alternativa com pena de multa concita a questão da escolha da pena.


A escolha da pena 

   

O critério da escolha da pena prevista em alternativa encontra-se estabelecido no artigo 70.º do Código Penal, o qual sob a epígrafe “Critério de escolha da pena”, dispõe que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

As finalidades da punição são, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, a partir da revisão de 1995, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Conforme explicita Figueiredo Dias em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha (entre penas alternativas) e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.

Quanto à função – inteiramente distinta – que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este Autor que «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração» (ob. cit., § 500, págs. 332-333).


No caso presente – é a questão que se coloca – será ajustada, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa?


No caso presente, o preceito incriminador, com base no qual foi aplicada a pena de prisão de um ano, ora questionada, prevê uma dualidade de punição, não em registo cumulativo, como acontecia com as antigas penas compósitas (ou penas mistas, prevendo cumulativamente penas de prisão e de multa complementar) herdadas do regime punitivo anterior, mas sobreviventes ainda em 1995 (e daí a necessidade da norma transitória do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março), mas antes em disjuntiva, ou em alternatividade, sendo tal novidade introduzida com a 3.ª alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, entrado em vigor no dia 1 de Outubro seguinte, com o abandono das penas mistas ou compósitas, em cumulação de penas de prisão e de multa, e com a adopção de outras medidas tendentes a reforçar o respectivo campo de aplicação, como a impossibilidade de suspensão da sua execução - artigo 50.º do Código Penal - mesmo nos casos em que subsistiam penas compósitas.

Como se vê da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15 de Setembro, de onde emergiu a reforma de 1995 e a 3.ª alteração ao Código Penal, de entre as soluções preconizadas estava a valorização da pena de multa; a primazia da pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; em todos os tipos legais de crime, eliminar a prescrição cumulativa das penas de prisão e de multa e, sempre que esta houvesse de se articular com a prisão, sê-lo-ia como alternativa e a consagração como princípio geral da previsão da multa como alternativa da prisão até 3 anos, tudo conforme artigo 2.º, alínea c) e artigo 3.º, n.º s 36, 86 e 87 e para além das disposições transitórias dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95.

Ora tal alternatividade supõe, necessariamente, uma necessidade – passe o pleonasmo – de escolha entre os dois termos em equação, mais concretamente, no caso ora em apreciação, a opção entre uma pena de prisão de um mês a dois anos, ou de uma pena de multa de 10 até 240 dias.

À luz do critério estatuído no artigo 70.º do Código Penal, sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda (multa como alternativa à pena de prisão, “a forma por excelência de previsão da pena pecuniária”, na expressão de Figueiredo Dias, loc. cit. § 137, pág. 124), sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Perante duas penas principais previstas em alternativa, a primeira operação consistirá na escolha, isto é, em determinar qual das duas espécies de penas eleger no caso concreto, após o que, num segundo momento, consumada a eleição da espécie, competirá proceder à determinação da medida concreta da espécie de pena já escolhida.

Sobre o tema em equação – aplicação do artigo 70.º do Código Penal, com escolha entre pena de multa ou de prisão – a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de uma forma genérica, tem feito recair a opção na pena de prisão.  

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça neste plano, como é bem de ver, ocorre apenas nos casos de recurso directo, com a cognição/possibilidade de pronúncia relativamente a penas inferiores a cinco anos de prisão, sendo que de forma maioritária se propende a defender a competência do STJ para conhecer de penas inferiores a 5 anos de prisão.

Vejamos algumas das soluções.

No acórdão de 24-01-2002, processo n.º 3128/01-5.ª Secção, in CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 188, com dois votos de vencido, afirma-se que por não ter a recorrente antecedentes criminais quando foram proferidos os acórdãos objecto de recursos, a arguida não tinha, no rigor técnico do conceito, antecedentes criminais; no caso, considerou-se possível, dar preferência à aplicação das penas alternativas de multa, por realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Em causa crimes de falsificação de documento e burla, puníveis em alternativa, em concurso com roubo.

No acórdão de 06-01-2005, processo n.º 4204/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 165, em caso de ilícitos fiscais, é defendida a opção por pena de prisão, dadas as fortes razões de prevenção geral e benefício ilegítimo obtido pelo arguido com o correspondente prejuízo para o Estado.    

Do acórdão de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178, extrai-se: “No processo de escolha entre pena de prisão e pena não privativa da liberdade, apenas será de optar por aquela por razões de prevenção especial, nomeadamente, de socialização ligada à prevenção da “reincidência” ou então por razões de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico”. (No caso concreto considerou-se que o arguido à data dos factos apreciados no processo – falsificação e burla – era primário).

No acórdão de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª Secção, em que a opção tem lugar relativamente a aplicação de pena por crimes de coacção, de falsificação de documento e de detenção ilegal de arma, todos puníveis com pena de prisão ou de multa – e todos em concurso real, com um crime de roubo agravado - a escolha recaiu na pena de prisão, por no caso concreto e atenta a frequência da prática criminosa descrita, ser “aquela que se apresenta com maior potencial dissuasor, respondendo ao pragmatismo que lhe é próprio, à protecção dos bens jurídicos violados (art. 40.º n.º 1, do C P), além de desempenhar uma função retributiva, na forma de interiorização do mal causado, sendo a aconselhável em nome de uma incontornável e premente prevenção geral”.

E mais à frente, diz-se que “A prevenção especial cabida no caso não se basta com uma mera advertência sob o modelo da pena de multa, mas antes exige e impõe pena de prisão, como forma de emenda cívica”.

No acórdão de 10-01-2008, processo n.º 3227/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 187 (196), a opção, em caso de crime de subtracção de menor, recaiu em pena de prisão.

Do mesmo relator o acórdão de 10-01-2008, processo n.º 4277/07-5.ª, onde se afirma: “quando são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela gravidade da conduta em causa não se deve optar pela pena de multa na punição do crime de detenção ilegal de arma (usada em assalto).

No acórdão de 19-11-2008, processo n.º 3636/08-3.ª, é afastada a opção de multa em caso de concurso de furto qualificado e falsificação de documento.

No acórdão de 05-02-2009, processo n.º 2385/08-5.ª, refere-se que a regra do artigo 70.º, que se reporta às penas alternativas, vale para as penas substitutivas da pena de prisão, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal. (Sobre o tema, concretizando, cfr. acórdão de 04-11-2004, processo n.º 3502/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 223).

Segundo o acórdão de 12-02-2009, proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção “Sempre que, na pena única conjunta, tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa”.

No acórdão de 08-10-2009, proferido processo n.º 228/08.5JAFAR.S1-5.ª, em caso em que estava em equação a opção por pena de multa, em situação de conjunção de um crime de falsificação de documento e de um crime de roubo, aduz-se que: «Uma vez que a prática do crime de falsificação de documento está intimamente ligada à prática de um crime de roubo, é de repudiar, e em princípio, a aplicação de uma pena efectiva por este crime, e ao mesmo tempo, uma pena alternativa de multa, para aquele, com o qual está em primeiro está uma relação de concurso, formando, assim uma espécie de pena, compósita ou mista, sendo que esta espécie de penas foi arredada do âmbito dos sanções criminais».    

A prevalência pela pena de multa é afirmada no acórdão de 06-01-2010, proferido processo n.º 99/08.1SVLSB.L1.S1 - 3.ª.

No acórdão de 29-04-2015, processo n.º 41/13.8GGVNG.S1 - 5.ª Secção, estava em causa um crime de tráfico de estupefacientes, punido com a pena de 8 anos de prisão, em concurso com um crime de consumo de estupefaciente, punido com 6 meses de prisão, afirmando-se: “a simples pena de multa não satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Acresce que, tratando-se de uma pena que irá ser cumulada com outro crime com ele conexionada (tráfico), na opção pela pena de prisão não poderá deixar de atender-se à situação do concurso e às exigências da prevenção daí decorrentes”.

No acórdão de 4-02-2016, proferido no âmbito do processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, da 5.ª Secção, estavam em apreciação cinco crimes de tráfico de pessoas e um crime de detenção de arma proibida, sendo mantida a pena de 1 ano de prisão aplicada pelo último crime.

Nos acórdãos de 28-11-2007, proferido no processo n.º 3294/07, de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, de 12-9-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 e de 28-10-2015, processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, por nós relatados, a preferência recaiu sobre a pena de prisão.

No primeiro, em causa estava a punição de crime de condução ilegal.

No segundo, a opção colocava-se na punição de crime de detenção de arma proibida, em concurso com roubo qualificado.

No terceiro, foi mantida a pena de 10 meses de prisão por crime de furto simples, em concurso com roubo qualificado.  

No quarto, foi mantida a pena aplicada por crime de ameaça agravado. O arguido após matar a companheira por ciúme, estando convencido de que ela o trairia com o homem que momentos antes telefonara para a mulher que acabava de matar, telefonou para este, ameaçando-o de morte. 

No quinto, optando-se pela pena de prisão em caso de crime de abuso sexual com adolescente, agravado, na forma tentada, a que cabia em alternativa pena de multa.


Voltando ao caso concreto.


O acórdão recorrido abordou a questão, a fls. 471/2, de forma certeira, nestes termos:

“Face à alternatividade das penas previstas para o crime de Ameaça Agravada, antes de mais, optar pela pena a aplicar ao Arguido nesta parte.

O critério de escolha entre a pena de prisão e a pena de multa vem apontado no artigo 70º, do Código Penal que dispõe: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena de prisão e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção”.

Nestes termos, o Tribunal dá preferência à aplicação de uma pena de multa sempre que ela assegurar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º do Código Penal).

A escolha da pena depende, assim, de considerações de prevenção geral positiva e especial, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.

No caso em apreço, apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais ao Arguido, o mesmo revelou uma atitude vitimizada e um baixo sentido empático para com a Ofendida.

Do mesmo modo, os factos praticados pelo mesmo não se podem cindir (sendo que o crime de Ameaça Agravado é praticado na sequência do crime de Violação Agravada e com a intenção de o ocultar) e demonstram uma elevada energia criminosa, desaconselhando veementemente a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade.

Quanto às exigências de prevenção geral, também estas se revelam prementes, dado, designadamente, ao aumento do tipo de criminalidade em causa, o alarme social e o forte sentimento de repulsa na comunidade que provoca, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça.

Não se mostra, pois, possível fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente).

Tudo ponderado e por se entender que a mera sanção pecuniária não se revela suficiente para realizar as finalidades da punição, opta-se pela aplicação de pena de prisão também relativamente ao crime de Ameaça Agravada”.

Como assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido, após a nota introdutória supra citada e transcrever o disposto no artigo 70.º do Código Penal:

“Ora, no caso concreto em apreço, e desde logo pelos fundamentos aduzidos no ponto “E. Da Medida da Pena” do aresto recorrido, fundamentos esses que, note-se, o recorrente não só não enfrentou, como pura e simplesmente ignorou, não pode deixar de concluir-se, com o decidido, que uma pena não privativa da liberdade não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Foi acertada, pois, também em nosso juízo, quer por exigências de prevenção geral, quer especial, a opção por pena privativa da liberdade.

De resto, e convocando aqui a fundamentação a este propósito aduzida no Acórdão do STJ de 4-02-2016, proferido no âmbito do Processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, da 5.ª Secção, (onde estava em apreciação um caso de idênticos contornos), o juízo que importa fazer, sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, é completamente diferente quando, em função da prática de outro ou outros crimes, o arguido esteja inevitavelmente sujeito a uma condenação em pena de prisão. Nesta hipótese, como aqui sucede, a ponderação essencial a fazer prende-se com esta de saber se a punição de um dos crimes com pena de multa não redundará, antes, em pura e simples impunidade. Isto porque, convenhamos, ou a pena é tão leve, face ao património do arguido, que não implica para ele um sacrifício, e então não é pena, ou o condenado, em meio prisional, está impossibilitado de angariar fundos para pagar a multa, com as naturais consequências daí resultantes.

E como ensinam Jescheck[1], citamos, «A finalidade político-criminal da pena de multa, isto é, poupar o autor à aplicação de uma pena de prisão, faz com que, por regra geral, aquela não seja imposta junto com esta».

Na mesma linha, e mais afirmativo ainda, ensina também Figueiredo Dias[2] que, citamos de novo, «uma tal pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão».

Também a esta luz, e tendo desde logo em conta a conexão umbilical que, no caso em apreço, se verifica entre o crime de ameaça e o crime de violação, com o primeiro dos quais visando essencialmente o arguido assegurar a sua impunidade pela prática do segundo, cuja necessidade de tutela penal (do segundo) é hoje particularmente reclamada pela comunidade, temos por certo que as necessidades de prevenção geral, o mesmo é dizer, as expetativas de punição por parte da mesma comunidade, mal se compadeceriam com uma pena de multa.

Não merece pois, pelo sumariamente exposto, qualquer reparo a opção do Tribunal pela pena de prisão. Tal como também não cremos que seja merecedora de crítica a medida concreta efetivamente imposta.(…)”.

 

Como se referiu no acórdão de 12-09-2012: “Ressalta como evidente que a aplicação de uma pena de multa, no contexto da ora apreciada conduta ilícita global, não atingiria, não satisfaria, as finalidades de punição, as necessidades de prevenção geral e especial, já que não se está perante um ilícito único, isolado, de menor dimensão, de uma qualquer “bagatela penal”, sem consequências, sem desvalor de resultado, antes devendo ser contextualizado no âmbito concreto de uma ilicitude maior, na indução de um grau de lesividade de bens jurídicos mais acentuado, porque mais abrangente, em que deixa de estar em causa apenas a feridência da liberdade de decisão e de acção, mas a própria vida, fonte de todos os direitos, impondo-se que a escolha recaia, sem margens para quaisquer dúvidas, sobre a pena detentiva”.

Face ao contexto do caso sujeito, encarado na sua globalidade, não se estando face a uma conduta isolada, a um único crime, sendo o ora em questão cometido em acto seguido ao mais grave, a resposta será negativa.

A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção.

Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no dia 12-06-2015, aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação, aliás, cometida em acto seguido a agressão do arguido à liberdade sexual da sobrinha de sua companheira, que então contava 14 anos de idade.

A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.

A punição a fazer da concreta conduta ora em equação não será certamente nos mesmos moldes em que o seria se se figurasse caso de nada mais estar em julgamento, ou seja, não pode ser descontextualizada da vivência, do trecho de vida do arguido espelhado naquele dia, recaindo a observação – global – sobre ambos os comportamentos, entre si conexionados pela sequência temporal imediata, visando a ameaça a própria vítima da violação e que dão nota da presença de fortes razões de prevenção geral.  

A opção pela pena de multa não daria satisfação aos fins das penas num conjunto de actuações em que após a violação o arguido ameaça a própria vítima, havendo que ter uma visão/consideração da perspectiva global da conduta do arguido.

No caso presente estamos perante uma relação de concurso deste crime com crime de violação punido com pena de prisão efectiva.

O juízo a fazer sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, é completamente diferente quando, face à prática de outro ou outros crimes, seja certo o cumprimento de uma pena de prisão por outro(s) crime(s).

Como assinalou o referido acórdão de 08-10-2009, proferido no processo n.º 228/08.5JAFAR.S1-5.ª, reafirma-se ser de evitar em caso de relação de concurso, a formação de uma espécie de pena compósita ou mista, espécie de penas arredada do âmbito das sanções criminais.

Como resulta do exposto e das posições do acórdão recorrido e do parecer emitido, ressalta como evidente que a aplicação de uma pena de multa, no contexto da ora apreciada conduta ilícita global, não atingiria, não satisfaria, as finalidades de punição, as necessidades de prevenção geral e especial, já que não se está perante um ilícito único, isolado, de menor dimensão, de uma qualquer “bagatela penal”, sem consequências, sem desvalor de resultado, antes devendo ser contextualizado no âmbito concreto de uma ilicitude maior, na indução de um grau de lesividade de bens jurídicos mais acentuado, porque mais abrangente, de direitos de personalidade, de liberdade e autodeterminação sexual, impondo-se que a escolha recaia, sem margens para quaisquer dúvidas, sobre a pena detentiva.

Face ao exposto, havendo que ter em atenção que a opção a tomar não pode deixar de ter em conta os factos no seu conjunto, o ilícito global em apreciação, sendo relevante o contexto em que tudo se passou, e que a pena de prisão aplicada por este crime no caso concreto perderá a sua autonomia e peso específico, integrando-se em cúmulo jurídico a efectuar em função de concurso efectivo com outro crime ora submetido a julgamento, considera-se ser de aplicar pena de prisão, mostrando-se correcta a opção tomada pelo acórdão recorrido.

Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.



Questão II – Medida das penas parcelares e única

 

O recorrente impugna a medida das penas parcelares que considera excessivas nas conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª, pugnando pela aplicação de penas próximas do mínimo abstracto, e redução da pena única, que nas conclusões 4.ª e 5.ª, entende dever fixar-se em não mais do que 5 anos de prisão, e a final, defendendo que deverá ser fixada entre os 4 e os 5 anos de prisão, suspensa na execução. 


Analisando.


A moldura abstracta penal cabível ao crime de violação agravado é a de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.

Ao crime de ameaça agravada cabe a pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.  


Dentro destas molduras funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


***


No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211.

A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.


Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.


Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

 

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

 

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.


No dizer de Fernanda Palma, inAs Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».


Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.


Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.


Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

    

Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.


Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».


Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale  de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.

Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.


Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.

Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».


Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”.

No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   


      A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.


Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».


Revertendo ao caso concreto.


Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar.

Sobre a questão da determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, no segmento E. Da Medida da Pena, a fls. 472/3, nos termos que seguem (e após referir o disposto no artigo 71.º do Código Penal):

“Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168).

Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

É consabido que a natureza dos crimes praticados pelo Arguido, mormente o crime de Violação de menor, o bem jurídico violado nos crimes em questão e a frequência de condutas deste tipo, bem como o conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e que constitui um factor de desestabilização social pela insegurança, com reflexos nas famílias, pelos traumas que gera e pelos valores culturais que ofende gravemente, tornam especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme.

Há ainda a considerar o grau de ilicitude dos factos e a culpa, atendendo ao modo da sua execução, as circunstâncias em que os mesmos foram praticados, a idade da vítima e as suas consequências, sendo certo que inexistem circunstâncias anteriores, ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.

De resto e não obstante o Arguido não registar antecedentes criminais e encontrar-se, à data da prática dos factos, familiar e laboralmente inserido, tal circunstância não obstou à prática dos factos em questão contra a sobrinha da sua companheira, aproveitando-se da oportunidade proporcionada pelo facto desta se encontrar a passar férias na sua casa. De salientar ainda a personalidade do Arguido, onde se assinalam fragilidades afectivo-relacionais, com um historial de relacionamentos ocasionais e superficiais e recurso a prestação de serviços sexuais. Mais revela o Arguido distorções cognitivas quanto ao amor e às necessidades do outro e um baixo sentido empático, em particular para com a vítima.

Deste modo e ponderando todas as considerações numa visão de conjunto, julga-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas:

- 7 (sete) anos de prisão pela prática do crime de Violação Agravada e

- 1 (um) ano de prisão pela prática do crime de Ameaça Agravada”.

 


****


Vejamos se no caso em reapreciação são de reduzir as penas aplicadas pelos crimes de violação agravado e de ameaça agravada, como vem peticionado pelo recorrente.

Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

Na actual sistematização do Código Penal, o crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, entrada em vigor em 15-09-2007 (artigo 13.º), enquadra-se na categoria “Dos crimes contra as pessoas” - Título I, do Livro II – (Parte especial), e mais especificamente, no Capítulo V, “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” – artigos  163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 170.º – e com a agravação constante da disposição comum do artigo  177.º, para além das igualmente comuns normas dos artigos 178.º (queixa)  e 179.º (inibição do poder paternal e proibição do exercício de funções), este actualmente revogado.

Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs  163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção (cfr. solução n.º 115, constante do artigo 3.º- A - Relativamente à parte geral - da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09, rectificada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995).

O crime de violação passou a ser punido mais severamente desde 1995 e é-o em registo sucessivo desde então, com a maior protecção das pessoas “indefesas”, adjectivação substituída em 2009 (Lei de política criminal) por “vulneráveis”.


A agravação do artigo 177.º encontra justificação numa perspectiva de reforço da tutela dos bens jurídicos pessoais e de uma lógica de maior protecção ao menor, introduzido com a 3.ª alteração do Código Penal atenta a sua especial vulnerabilidade.

Assim, de acordo com o n.º 8 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48/95:

“Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual foram objecto de particular atenção, especialmente quando praticados contra menor.

Nessa conformidade, o crime sexual praticado contra menor é objecto de uma dupla agravação. Por um lado a que resulta de elevação geral das molduras penais dos crimes de violação e coacção sexual, quer no limite mínimo, quer no máximo; e por outro, a agravação estabelecida para os casos em que tais crimes sejam praticados contra menor de 14 anos. Donde resulta que o crime praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais severamente que o crime praticado contra um adulto, atenta a especial vulnerabilidade da vítima”.

Nessa lógica dispunha então o n.º 4 do artigo 177.º que “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º e 168.º, são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos”.

(A agravação em função da idade da vítima não estava prevista no substituído artigo 208.º da versão inicial; a cópula ou acto análogo com menor de 12 anos estava prevista no n.º 2 do artigo 201.º, cabendo a pena de 2 a 8 anos de prisão). 

Em função da agravação de 1995, a penalidade passou a ser de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.    

Dizia então Maria João Antunes no Comentário Conimbricense do Código Penal (em 1999, face, pois, à redacção de 1995, pág. 591, e a págs. 892 da edição de 2012) que a agravação encontrava justificação na especial vulnerabilidade do menor, e consequentemente, no maior desvalor do tipo de ilícito.

A norma ficou intocada na revisão da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro e até à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. 

Em 2007 há inovação, passando a estar prevista a circunstância agravante da idade da vítima menor, entre os 14 e os 16 anos, no n.º 5, que estabelece que “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos”. [Actualmente n.º 6].

E para os menores de 14 anos, o n.º 6 do artigo 177.º passou a estabelecer: “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos”. [Actualmente n.º 7].

[Não são de considerar aqui as alterações operadas pela Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto, aos artigos 164.º e 177.º e pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, ao artigo 177.º].


As crianças, a par dos idosos, deficientes ou grávidas, em virtude do especial desamparo e da vulnerabilidade em que pela sua própria natureza se encontram, quer pela sua idade, quer pela sua constituição, quer pelo seu estado, são ou estão por natureza ingénuas, no sentido de desprevenidas: umas porque o são de forma inerente (as crianças e os deficientes mentais), (…) - neste sentido, Teresa Serra, em Homicídios em Série (Jornadas de Direito Criminal, 1995/6, editado em 1998, II Volume), a fls. 154/5.

Em 25 anos, de 1982 a 2007, sucedeu-se maior punição em crescendo (2 a 8 anos - 1982; 4 anos a 13 anos e 4 meses - 1995 e 4 anos e 6 meses a 15 anos - 2007, o que significa que o limite mínimo desde então mais do que duplicou e o máximo aproximou-se da duplicação). 

     

Nesta perspectiva, pode ver-se o enquadramento que é dado pela Lei de política criminal.

A Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009), define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011 (abarcando o período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011), em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprovou a Lei Quadro da Política Criminal, “sucedendo” ao registo similar da antecedente Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto (entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, valendo para o biénio de 2007-2009).

Estabelece o artigo 1.º: «São objectivos gerais da política criminal prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade, promovendo a defesa de bens jurídicos, a protecção das vítimas e a reintegração dos agentes do crime na sociedade».

No artigo 2.º afirma-se constituírem objectivos específicos da política criminal, para além do mais:

  a) Prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, grave ou organizada, incluindo (…) os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual (…)

   b) Promover a protecção de vítimas especialmente vulneráveis, incluindo crianças e adolescentes, mulheres grávidas e pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes.    

Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores integram o lote dos crimes que tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas são considerados crime de prevenção prioritária - artigo 3.º, n.º 1, alínea a).

E tendo em conta a sua gravidade e a necessidade de evitar a sua prática futura são considerados crimes de investigação prioritária - artigo 4.º, n.º 1, alínea a).

No artigo 5.º, na prevenção e investigação dos crimes lesivos da componente pessoal, promove-se, em particular, a protecção de vítimas especialmente vulneráveis, incluindo crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes ou portadoras de deficiência e imigrantes.

Em relação à versão anterior o adjectivo “vulneráveis” substituiu “indefesas” e foi aditado “imigrantes” na alínea b) do artigo 2.º

No Anexo, onde se enuncia a fundamentação das prioridades e orientações da política criminal, pode ler-se o seguinte: “Os crimes violentos contra as pessoas e contra o património merecem tratamento prioritário. As pessoas especialmente vulneráveis - crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes - são os alvos mais fáceis desta criminalidade e justificam o desenvolvimento de programas de prevenção específicos.

[Actualmente está em vigor a Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2015, a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, referindo os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis e os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (artigos 2.º e 3.º)].


O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 164.º do Código Penal é a liberdade de determinação sexual - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 466.

Dito de outra forma, o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, pág. 449 (e pág. 654 na 3.ª edição actualizada de Novembro de 2015).


Como refere Denis Sala, Le délinquant sexuel, in “La Justice e le mal”, ed. Odile Jacob, 1997, pág. 53 e segs., referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2005: «Nos tempos actuais de fragmentação de valores e de referências, os crimes sexuais emergem como verdadeiro mal democrático numa sociedade onde a igualdade de condições conduz à redução da alteridade.

A proximidade emocional própria do universo comunicacional das efervescentes democracias contemporâneas anula a distanciação, transportando fenómenos sociais de exigência intensa na resposta a crimes sexuais; o legislador, interpretando os sinais de sociedade, teve de sublimar e reordenar as imposições sociais na grelha de intervenção do direito e das reacções do sistema penal que tutela os valores mais essenciais da comunidade.

Os crimes sexuais contêm, na imagem das democracias de comunicação, uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural as coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir».


Sendo a liberdade sexual uma das valiosas manifestações da liberdade individual, na sua dimensão multifacetada, a conduta integrante de acto sexual de relevo contra criança, atentatório como é da sua liberdade individual, enquadra-se no conceito de «Criminalidade violenta» previsto no artigo 1.º, alínea j), do o Código de Processo Penal, que na redacção originária considerava criminalidade violenta “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”, sendo que com a redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, a par da já contemplada liberdade pessoal, foi aditada a referência a “liberdade e autodeterminação sexual” (para além de englobar referência a autoridade pública).

  

No que tange ao crime de ameaça, este tipo legal de crime visa proteger a liberdade de decisão e de acção de outra pessoa - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, UCE, Novembro de 2015, pág. 601.

Neste sentido de afectação da liberdade individual, liberdade de decisão e acção, igualmente Conceição Cunha, no Comentário Conimbricense do Código Penal, volume II, em anotação ao artigo 210.º, pág. 160.

Para Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, 1999, Tomo I, § 6, pág. 342 (e § 7, pág. 552, na edição de 2012 da mesma obra, onde se contêm os realces), o bem jurídico protegido pelo art. 153.º é a liberdade de decisão e de acção. As ameaças ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam, naturalmente, a paz individual, que é condição de uma verdadeira liberdade.

No presente caso o crime é agravado duplamente, em função de a ameaça ser com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos e em razão da idade da vítima – artigo 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

        

No caso em apreciação, há que atender ao elevado grau de ilicitude dos factos e também ao intenso dolo, na modalidade de directo.

A resposta a uma maior carga de ilicitude já encontra eco na correspectiva dimensão de definição da moldura abstracta aplicável.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração -  que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tipo de crime de violação, gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.

Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.

É ponto assente que, observados os critérios legais, não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras de experiência comum, é de manter as penas parcelares aplicadas, não havendo lugar a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.

Na verdade, ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, a finalidade gizada (satisfação libidinosa com a violação da menor e procura de impunidade com a ameaça), a desconsideração pela integridade da vítima e pelo contexto relacional, que demandaria um clima de respeito e confiança (para mais sendo o agressor pai de uma criança nascida em 2014), tendo o arguido admitido, no essencial, a prática dos factos, mas procurando desculpabilizar-se com a atitude da menor e atendendo às suas condições pessoais, e às necessidades de prevenção geral e especial, afigura-se-nos não se justificar intervenção correctiva, mantendo as penas aplicadas, as quais não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa –, nem as regras da experiência comum, antes são adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassam a medida da culpa do arguido.

Improcede, pois, a pretensão de redução das penas parcelares.



*


Medida da pena única


Vejamos se, neste plano se justifica intervenção correctiva.


Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e duas modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 2 de Setembro, n.º 40/2010, de 3 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro, n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, n.º 60/2013, de 23 de Agosto, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto, n.º 69/2014, de 29 de Agosto, n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro, Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015, n.º 81/2015, de 3 de Agosto, n.º 83/2015, de 5 de Agosto, n.º 103/2015, de 24 de Agosto e n.º 110/2015, de 26 de Agosto):

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.


O acórdão recorrido, a fls. 473, no segmento F. Do Cúmulo, após referir o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, ponderou:

“Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 8 (oito) anos de prisão e um limite mínimo de 7 (sete) anos de prisão.

Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).

Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt.         

Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, julga-se adequado condenar o Arguido na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão”.

           

No caso presente a moldura do concurso é de 7 a 8 anos de prisão, tendo sido fixada a pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão.

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.

Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

E como referiu o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, a medida da pena única não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração. No mesmo sentido os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª, de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª.

No mesmo sentido, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado (§ 421 págs. 291/2).

       

No caso presente é evidente a conexão e estreita ligação entre os dois crimes de violação e de ameaça, consubstanciados em prática de acto sexual e a subsequente intimidação.

As circunstâncias do caso em apreciação apresentam um acentuado grau de ilicitude global, manifestado na natureza e gravidade dos crimes praticados, nos bens jurídicos violados na área dos direitos de personalidade da menor abusada.

Há que ter em conta o elevado alarme social que este tipo de actuações criminosas suscita na comunidade, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral.

No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido carece fortemente de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito, tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes.

A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e interconexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos que no caso a pluralidade emerge de mera ocasionalidade.

No caso presente estamos perante um quadro de dois crimes, com acentuada gravidade, não se indiciando propensão ou inclinação criminosas.

Na verdade, a facticidade dada por provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a duas condutas, ocorridas em acto seguido, restando a expressão de ocasionalidade procurada pelo arguido.

Há a considerar a ausência de antecedentes criminais, sem grande relevo, atenta a idade.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 7 a 8 anos de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, é de concluir por um elevado grau de demérito da conduta do recorrente, não sendo o caso de justificar-se intervenção correctiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

Ponderados todos os elementos disponíveis, considerando a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, não se estando perante uma situação que espelhe uma “carreira criminosa”, a sequência da prática dos crimes, pondera-se como adequada e proporcional a fixação da pena conjunta em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, assim se confirmando o acórdão recorrido.

Atenta a medida da pena única ora fixada, fica prejudicada a apreciação da pretensão da suspensão da execução da pena, por ultrapassado o limiar previsto no artigo 50.º do Código Penal.



Decisão


Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, no que respeita à medida das penas parcelares e única, mantendo-se o decidido na primeira instância.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Pena.


Lisboa, 23 de Junho de 2016


Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos

__________________
[1] - In “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, 5.ª ed., pág. 827.
[2] - In “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 2005, pág. 154.