I - Cabe ao STJ, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão cumulatório, ainda que as penas parcelares sejam iguais ou inferiores a 5 anos de prisão.
II - Na formulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, há que atender ao elemento fundamental e incontornável do trânsito em julgado das condenações pelas infracções potencialmente em concurso.
III - Tendo sido interpostos recursos é de factualizar o facto e o resultado final.
IV - Na fundamentação da decisão de cúmulo, que obedece a um critério especial, concretamente, na descrição da matéria de facto, dever-se-á ter em conta a matéria de facto pertinente às condenações, a descrever de forma muito sucinta, no que respeita aos crimes que integrarão o cúmulo, de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, merecendo reparo a solução de transcrição integral, sem mínimo esforço de síntese.
V - A pena de prisão suspensa na execução, posteriormente declarada extinta, nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, não deve integrar o cúmulo.
VI - A partir da alteração legislativa de Setembro de 2007, atento o disposto nos arts. 78.º, n.º 1 e 80.º, n.º 1, do CP são de incluir no cúmulo jurídico as penas de prisão cumpridas, as quais, como de resto, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, operando o desconto na pena única final.
VII – Serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados a ter em conta.
VIII – É de afastar o cúmulo por arrastamento.
IX - A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
X - No presente caso, face ao trânsito em julgado de 28-03-2011, impõe-se a realização de dois cúmulo jurídicos, em termos não inteiramente coincidentes com o constante do acórdão recorrido, a executar de forma sucessiva, nos termos seguintes.
XI - O primeiro cúmulo engloba as penas aplicadas nos processos (por ordem da data da prática dos factos): comum singular X; comum singular Y; comum singular Z; comum singular A; comum singular B; comum singular C; comum singular D; comum singular E e comum singular F.
XII – O segundo cúmulo integra as penas cominadas nos seguintes processos: comum singular G; comum singular H; comum singular I e ainda do processo J, a pena de 2 anos de prisão aplicada pelo crime de roubo simples cometido em 08-04-2011.
XIII – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.
XIV – À fixação da pena única deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena única.
XV – Para o primeiro cúmulo é fixada a pena única de 9 anos de prisão.
XVI – Para o segundo cúmulo é mantida a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
XVII – À pena única fixada pelo primeiro cúmulo deverá ser descontada a prisão de 2 anos e 9 meses de prisão sofrida pelo recorrente à ordem dos processos X e F.
No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 804/08.6PCCSC, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actualmente, Secção Criminal da Instância Local de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juiz 3 – pela 2.ª Secção Criminal – Juiz 2 – da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, casado, cantoneiro e serralheiro, nascido em ..... de 1982, em Lisboa, freguesia de ......, filho de BB e de CC, residente na Rua ....., n.º ..., ..., ...., Alverca do Ribatejo, actualmente preso em cumprimento de pena, à ordem deste processo, no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, desde 7 de Novembro de 2015, tendo sido, para tanto, desligado do processo n.º 416/08.4GACSC, ut fls. 993/4/5/6/7 e despacho a fls. 1182.
[Na “Declaração” de fls. 1116, emitida em 4-06-2015, consta que o arguido está recluído desde 19-01-2012, encontrando-se no Estabelecimento Prisional de Alcoentre desde 8-01-2013].
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Em 9 de Dezembro de 2015, foi realizada a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal (erroneamente consta da acta de fls. 1008/1010 “Acta de audiência de audição de arguido realizada no âmbito do art. 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal”), tendo-se em vista a elaboração do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido no processo n.º 804/08.6PCCSC e em outros onze processos com condenações anteriores transitadas em julgado, estando o arguido presente e prestando declarações, tendo sido ordenada a prestação de um novo termo de identidade e residência.
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Por acórdão do Colectivo da 2.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Juiz 2, datado de 21 de Dezembro de 2015, constante de fls. 1045 a 1106 do 3.º volume, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 1109, foi deliberado:
A - Julgar verificada a relação de cúmulo jurídico entre os processos comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT; comum singular n.º 804/08.6PCCSC; comum singular n.º 327/11.6GACSC; comum singular n.º 416/08.4GACSC; comum colectivo n.º 145/11.1GACSC; comum singular n.º 812/08.7GACSC; comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC; comum colectivo n.º 1754/10.1GACSC e comum singular n.º 1458/08.5GACSC e condenar o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão.
B - Julgar verificada a relação de cúmulo jurídico entre os processos comum colectivo nº 2087/11.1GASCS; comum singular n.º 1521/11.5GACSC e comum singular n.º 1657/11.2PBCSC e condenar o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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A defensora oficiosa do recorrente requereu escusa do patrocínio, tendo sido nomeadas duas defensoras, sendo dada sem efeito uma das nomeações, ficando a outra a assegurar a defesa do arguido - (fls. 1110, 1117, 1120, 1121, 1124, 1134, 1135, 1136, 1137, esclarecimento de fls. 1140/1, e finalmente, fls. 1162).
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Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso, dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1143), apresentando a motivação de fls. 1143 a 1161, que remata com o que apelida de “conclusões”, mas que na realidade mais não são do que a mera repetição integral de tudo o que foi mencionado na motivação, ipsis verbis, de modo integral, com os mesmos realces, apenas introduzindo agora números a separar os parágrafos, abdicando de qualquer esforço mínimo que fosse no sentido de resumir as razões de discordância com a decisão recorrida, sendo as “conclusões” uma mera 2.ª edição do texto da motivação, não revista nem melhorada.
Eis as “conclusões” (em transcrição integral, incluídos os realces):
« DA VIOLAÇÃO DO DIREITO art. 412º n.ºs 2 alínea a ) e b) do CPP
Dos factos:
1.º
- O arguido AA, foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença proferida em 10 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em 10 de Fevereiro de 2014, por factos ocorrido em 26 de Junho de 2008 pela prática em autoria material de um crime de dano na pena de um ano e nove meses de prisão
2.°
- Após o trânsito em julgado desta condenação, verificou-se que o arguido praticou, anteriormente àquela condenação, outros crimes pelos quais foi condenado por decisão também transitada em julgado.
3.º
- Assim ocorreu nos seguintes processos:
- Comum coletivo n.º 1710/08.0GLSNT, da -instância Local criminal da Comarca de Lisboa - oeste Sintra - J3 - por acórdão transitada em julgado em 28.08.2011, a dois anos de prisão suspensa, por factos praticados em 11.09.2008
- Comum singular 327/11.6 GACSC da Instância Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais –Jl, por sentença transitada em julgado em 13.09.2012, a 9 meses de prisão, por factos praticados em 26.02.2011
- Comum singular n.º 416/08.4GACSC do ex lº Juízo Criminal da Comarca de Cascais por sentença transitada em julgado em 22.01.2013, a 2 anos de prisão, por factos praticados em 20.03.2008
- Comum Coletivo n.º 145/11.1GACSC da Instância central criminal da Comarca de Lisboa Oeste Cascais por acórdão transitado em julgado em 03.05.2013, a 4 anos de prisão, por factos praticados em 27.01.2011
- Comum singular n.º 812/08.7GACSC do ex 1º Juízo Criminal da comarca de Cascais, por sentença transitada em julgado em 08.05.2013, a 2 anos e seis meses de prisão, por factos praticados em 31.05.2008
- Comum Coletivo 1833/10.5GACSC da Instância Central Criminal da comarca Lisboa oeste - Cascais - por acórdão transitado em julgado em 16.09.2013, a 2 anos e oito meses de prisão por factos praticados em 13.11.2010
- Comum Coletivo n.º 1754/10.1GACSC da instância central criminal da Comarca de Lisboa -oeste - Cascais, por acórdão transitado em julgado em 11.11. 20013, a 2 anos e cinco meses de prisão por factos praticados em 30.10.2010
- Comum Coletivo n.º 1458/08.5GACSC do ex 2º Juízo criminal da Comarca de Cascais por sentença transitada em julgado em 18.12. 2013, a um ano e seis meses de prisão por factos praticados em 24.09.2008
- Comum Colectivo n.º 2087/11.1GASCS do ex 1º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais, por acórdão transitado em julgado em 08.05.2013, a cinco anos e oito meses de prisão por factos cometidos em 16.11.2011
- Comum singular n.º 1521/11.5GACSC do ex 1º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais por acórdão transitado em julgado em 22.05.2013, a um ano e seis meses de prisão por factos cometidos em 18.09. 2011
- Comum singular n.º 1657/11.2 PBCSC da instância Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - cascais - Jl por decisão transitada em julgado em 26.09.20013, a quatro anos de prisão por factos praticados em 10.12.2011
4.º
- Após o cálculo dos cúmulo jurídicos o Tribunal “a quo” aplicou ao primeiro cúmulo a pena de prisão de 12 anos
5.º
- E Após o cálculo do segundo cumulo jurídico o Tribunal “a quo” aplicou ao arguido a pena de prisão de 8 anos e seis meses
- DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 77º N.º 2 do código penal -
6.º
- Ora, nos termos do artigo 77.º n.º 2 a regra de punição do concurso é a seguinte: a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes não podendo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicada
7.º
- No acórdão sub iudice, o Tribunal calculou mal as penas, com clara violação do art. 77.º n.º 2 do cpenal,
8.º
- Relativamente ao primeiro cúmulo: o limite mínimo considerado pelo tribunal foi de 4 anos referente ao processo n.º 145/11.1GACASC, e o limite máximo, com clara violação do art.º. 77º n.º 2 do c penal foi de 24 anos e 2 meses, quando na realidade o limite máximo deve ser apenas de deve ser de apenas 15 anos e nunca de 24 anos e dois meses
9.º
- No segundo cumulo o tribunal alega erradamente que a pena mínima a aplicar é a de 5 anos e seis meses, referente ao processo 2087/11.1GACSC, quando na realidade é de cinco anos e oito meses, e quanto à pena máxima o Tribunal "a quo" determina uma pena de prisão de 13 anos e seis meses, quando na verdade são apenas 11 anos e dois meses
10.º
- Logo estando incorretamente calculada os limites mínimos e máximos do transito, a pena no primeiro cúmulo nunca seria de 12 anos,
11.º
- E nem a pena do segundo cúmulo seria de 8 anos e seis meses de prisão.
12.º
- Pelo exposto o tribunal a quo" violou o artigo 77.º n.º 2 do código penal ao determinar mal os limites mínimos e máximos das penas na determinação da punição do concurso, fazendo uma incorreta contagem de tais limites
13.º
- A errada contagem de tais limites, e violação do art.º 77º- n.º 2 do código penal levou assim à aplicação ao arguido de uma pena muito mais gravosa do aquela que lhe seria aplicada se o Tribunal recorrido não tivesse violado a lei.
14.º
- Assim o tribunal recorrido deveria ter aplicado a norma do seguinte modo:
- Relativamente ao primeiro cúmulo: ao limite máximo deveria ter aplicado apenas 15, pois 15 anos é o que resulta das somas concretamente aplicadas aos vários crimes
15.º
- No segundo cumulo para determinação do limite mínimo da pena o tribunal alega erradamente que a pena mínima a aplicar é a de 5 anos e seis meses, quando na realidade é de cinco anos e oito meses, e quanto à determinação do limite máximo a pena a aplicar deverá ser de apenas 11 anos e dois meses
- Da Violação do artigo 77º n.º 1 e art. 78º nº 1 do código penal –
16.º
- O artigo 77º n.º 1 estipula que: quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
17.º
- O artigo 78º n.º 1 estipula que: “se depois de uma condenação transitada em julgado se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crime, são aplicáveis as regras do artigo anterior.....”
18.º
- No relatório da acórdão, vem o tribunal recorrido dizer que o momento temporal decisivo para aplicação das regras de punição do concurso só pode ser a primeira condenação, ou seja a definitiva, valendo como tal a primeira condenação transitada em julgado,
19.º
- E como tal entende o tribunal recorrido que no presente caso concreto deverá haver dois cúmulos jurídicos com a aplicação de duas ou mais penas únicas, autónomas
20.º
- Sendo que no presente caso concreto o primeiro transito em julgado ocorreu com o processo n.º 1710/08.OGLSNT, pelo que todos os factos praticados antes deste transito devem fazer um cumulo
21.º
- Os factos praticados depois daquele primeiro trânsito devem fazer um segundo cúmulo
22.º
- Ora, o Recorrente discorda desta errada aplicação do direito e dos artigos, 77º e 78 n.º 1 e 2 do código penal, isto porque a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro trouxe uma inovação, o que realmente conta é o trânsito em julgado de todas as condenações e não a prática dos factos , ou seja a jurisprudência, com o aplauso de Figueiredo Dias, considera abrangido no mesmo cúmulo jurídico superveniente crime ou crimes cometidos antes do trânsito em julgado da l.ª condenação, mas que tinham sido objeto de condenações posteriores transitadas em julgado.
23.º
- A razão de ser da exigência do trânsito em julgado de todas as decisões reside na circunstância de só com o trânsito em julgado os factos apurados e as penas aplicadas adquirirem o grau de certeza necessário a poderem ser considerados numa outra sentença em que se vai operar o cúmulo jurídico tendente à fixação de uma pena única, cuja moldura penal abstrata é construída a partir das penas aplicadas aos vários crimes, sendo o limite mínimo correspondente à pena parcelar mais elevada e o limite máximo, ao somatório de todas as penas, com a barreira intransponível de 25 anos.
24.º
- É esta a interpretação correta a ser feita aos artigos, 77º e 78º n.º 1 e 2 do código penal pelos motivos acima expostos
25.º
- E não a aplicação errada que o tribunal recorrido fez dos artigos 77º e 78º n.º 1 e 2 do código penal para determinação do cúmulo jurídico
26.º
- Assim sendo, a aplicação correta que deve ser feita do art-77° e 78º n.º 1 e 2 do código é a de aplicar ao presente caso concreto um único cumulo jurídico, por aplicação do trânsito em julgado de todas as condenações e não da prática dos factos, considerar abrangido no mesmo cúmulo jurídico superveniente crime ou crimes cometidos antes do trânsito em julgado da l.ª condenação, mas que tinham sido objeto de condenações posteriores transitadas em julgado.
27.º
- Assim sendo, embora antes do trânsito em julgado do processo 1710/08.OGLSNt o arguido tenha praticado outros crimes a saber: Comum singular 327/11.6 GACSC da Instância Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais - Jl, por sentença transitada em julgado em 13.09.2012, a 9 meses de prisão, por factos praticados em 26.02.2011
- Comum singular n.º 416/08.4GACSC do ex 1º Juízo Criminal da Comarca de Cascais por sentença transitada em julgado em 22.01.2013, a 2 anos de prisão, por factos praticados em 20.03.2008
- Comum Coletivo n.º 145/11.1GACSC da instância central criminal da Comarca de Lisboa Oeste Cascais por acórdão transitado em julgado em 03.05.2013, a 4 anos de prisão, por factos praticados em 27.01.2011
- Comum singular n.º 812/08.7GACSC do ex lº Juízo Criminal da comarca de Cascais, por sentença transitada em julgado em 08.05.2013, a 2 anos e seis meses de prisão, por factos praticados em 31.05.2008
- Comum Coletivo 1833/10.5GACSC da Instância Central Criminal da comarca Lisboa oeste - Cascais - por acórdão transitado em julgado em 16.09.2013, a 2 anos e oito meses de prisão por factos praticados em 13.11.2010
- Comum Coletivo n.º 1754/10.1GACSC da _instância central criminal da Comarca de Lisboa -oeste - Cascais, por acórdão transitado em julgado em 11.11. 20013, a 2 anos e cinco meses de prisão por factos praticados em 30.10.2010
- Comum Coletivo n.º 1458/08.5GACSC do ex 2º Juízo criminal da Comarca de Cascais por sentença transitada em julgado em 18.12. 2013, a um ano e seis meses de prisão por factos praticados em 24.09.2008
- Na verdade todos aqueles factos foram julgados e transitaram em julgado depois daquela primeira condenação, pelo que quanto a estes, e, por maioria de razão aos crimes seguintes, a saber:
- Comum Colectivo n.º 2087/11.1GASCS do ex 1º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais, por acórdão transitado em julgado em 08.05.2013, a cinco anos e oito meses de prisão por factos cometidos em 16.11.2011
- Comum singular n.º 1521/11.5GACSC do ex 1º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais por acórdão transitado em julgado em 22.05.2013, a um ano e seis meses de prisão por factos cometidos em 18.09. 2011
- Comum singular n.º 1657/11.2 PBCSC da instância Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - cascais - Jl por decisão transitada em julgado em 26.09.20013, a quatro anos de prisão por factos praticados em 10.12.2011
28.º
- Deve ser aplicada uma única pena, ou seja feito um único cúmulo jurídico e não dois
- VIOLAÇÃO DO ART.71º DO CÓDIGO PENAL –
29.º
- No acórdão ora em apreço, o tribunal recorrido não aplicou corretamente o artigo 71º n.º 2 do código penal, pois ao aplicar as penas, não valorizou corretamente, o facto do arguido, desde que está detido se ter valorizado profissional e academicamente, bem como não constar do seu cadastro prisional nenhum incidente por mau comportamento.
30.º
- O arguido encontra-se a tirar um curso no estabelecimento profissional e está a estudar
31.º
- Também o facto de o arguido ter casado e ser pai de dois filhos menores de idade, tudo conforme vem especificado no relatório social junto aos autos
32.º
- Era assim de concluir que proceda a um juízo de prognose favorável, e por isso, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias deste, que a prisão, está a surtir os seus efeitos positivos na conduta do arguido, devendo assim também o tribunal ter tido mais em conta tais circunstâncias, atenuantes,
33.º
- Não tendo feito o tribunal recorrido violou também o artigo 71º n.º 1 e 2 e 3 do código penal».
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e em consequência:
«a) Vir a decisão recorrida ser alterada em conformidade com os artigos 71º, 77º e 78 todos do código penal, alterando assim a pena aplicada aos cúmulos jurídicos efectuados
b) Vir a ser aplicado ao arguido apenas um único cúmulo jurídico E
c) Vir a pena aplicada ter em conta os requisitos previstos no art.º 71, n.º1, 2 e 3 do código penal.
- Valor: o do processo». (SIC)
***
Posteriormente, por despacho de fls. 1182, proferido em 20 de Maio de 2016, foi ordenada a subida dos autos “ao Venerando Tribunal da Relação”.
***
O Digno Magistrado do Ministério Público junto da Instância Central – Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, notificado pessoalmente da admissão do recurso em 4 de Abril de 2016, conforme termo de fls. 1171, não apresentou resposta.
***
O processo foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa em 27 de Maio de 2016 (fls. 1188), onde chegou em 6 de Junho, sendo distribuído nesse dia (fls. 1189 e segunda capa do 3.º volume).
***
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa emitiu douto parecer, a fls. 1191, promovendo a declaração de incompetência do Tribunal da Relação, remetendo-se os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser este o competente para apreciação do recurso, considerando as penas aplicadas e que as questões colocadas abrangem apenas matéria de direito e atento o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
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Por despacho manuscrito de 8-06-2016, a fls. 1192, a Exma. Desembargadora, a quem o processo fora distribuído, consignou que o recurso, face à sua temática e às penas impostas, é da competência apreciativa do STJ, face ao disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do C. P. Penal, sendo incompetente para tal escopo o TRL, ordenando a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.
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O processo foi remetido em 9 de Junho e aqui distribuído em 15-06-2016.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, constante de fls. 1199 a 1204, pronunciando-se no sentido de uma única pena conjunta, excluindo a primeira condenação transitada (no processo n.º 1710/08.0GLSNT) e de o acórdão recorrido não ter analisado a eventual interligação da conduta do arguido e como se manifestou a personalidade na maneira de actuar.
Consta do parecer:
“O acórdão recorrido no conhecimento superveniente do concurso considerou haver lugar a dois cúmulos, optando por encontrar a primeira pena única não partindo do acórdão condenatório proferido no processo que originou este julgamento, mas sim do acórdão transitado em 28.03.2011 no proc. nº 1710/08.0GLSNT e do acórdão transitado em 08.05.2013 no proc. nº 2087/11.1GASCS.
O arguido impugna no seu recurso o número de “cúmulos” efetuado pelo acórdão recorrido, defendendo que deverá ser considerada a uma única pena de prisão.
1. Tanto quanto resulta da observação de todos os acórdãos condenatórios e do seu trânsito, tendo neste processo 804/08.6PCCSC em que o arguido AA foi condenado transitado em 10.01.2014, o acórdão transitado em 10.02.2014 e os factos terem ocorrido em 26.06.2008, data anterior a todos os julgamentos e trânsitos das outras 11 (onze) decisões condenatórias, verifica-se, segundo nos parece, concurso superveniente entre todas elas.
É que dos 12 (doze) acórdãos condenatórios, 9 (nove) transitaram em 2013, embora em três delas a decisão tenha sido proferida em 2012.
Os outros três acórdãos foram proferidos em anos anteriores – proc. nº 1710/08.0GLSNT, em 28.02.2011, transitado em 28.03.2011, proc. 327.11.6 GACSC em 27.06.2012, transitado em 03.09.2012 e neste próprio processo onde corre o recurso do último julgamento ocorreu em 10.01.2014 e transitou em 10.02.2014.
Os únicos factos que ocorreram depois de 28.03.2011, do proc. 1710/08.0GLSNT, são os das condenações no proc. 2087/11.1 GACSC, transitado em 08.05.2013, por factos de 16.11.2011, no proc. 1521/11.5 GACSC transitado em 22.05.2013 e por factos de 18.09.2011 e 1657/11.2PBCSC, transitado em 26.09.2013 e por factos ocorridos em 10.12.2011.
Desta exposição que nos parece corresponder ao concurso superveniente que neste processo levou ao julgamento do arguido AA, termos de suscitar a nulidade ao serem efetuados dois cúmulos, não porque violem as regras/pressupostos p. no art. 78º nº 1 do CP, mas porque são as mais desfavoráveis ao arguido e que violam a Constituição nomeadamente o nº 4 do art. 29º e nº 2 do art. 202º.
Estando todas as decisões condenatórias com possibilidade de entrar no concurso superveniente suscitado neste processo onde subiu o recurso, só a condenação no proc. nº 1710/08.0GLSNT, cuja condenação transitou em 28.03.2011, poderá ser excluída porque os factos nos processos 2087/11.1GACSC, 1521/11.5GACSC e 1657/11.2PBCSC, ocorreram em 16.11.2011, 18.09.2011 e 10.12.2011, já depois do acórdão transitado naquele.
É a decisão condenatória deste acórdão transitado em 14.02.2014 que origina o concurso superveniente por isso deverá servir de base para o efetuar.
Se o concurso superveniente estivesse a ser apreciado no referido proc. nº 1710/08.0GLSNT a solução seria a que foi seguida no acórdão recorrido, mas ainda que ali tivesse sido efetuado poderia ser sempre alterado depois de ter sido proferida a decisão condenatória transitada neste processo (nº 804/08.6PCCSC.L1.S1) devido ao concurso das várias condenações.
Por isso parece-nos que o arguido suscita uma questão quase totalmente de acordo com o acima defendido mas a que se deverá excluir a primeira condenação.
2. O julgamento do arguido AA ocorreu em 06.11.2014, tendo o mesmo prestado declarações.
No entanto no acórdão recorrido e na sua fundamentação não é referido o seu teor, não ficando determinada a personalidade atual do arguido, para poder ser encontrada a nova condenação.
Para proceder ao cúmulo resultante do conhecimento superveniente do concurso das condenações, a decisão tem de fazer uma apreciação global dos factos e da personalidade do agente para encontrar uma nova condenação.
Na formulação do cúmulo jurídico resultante do concurso de crimes já julgados e com condenações transitadas em que o arguido AA foi condenado não há “factos novos” a conhecer, e o tribunal recorrido apenas fez previamente a descrição dos factos praticados efetivamente, mas já não apreciou em que circunstâncias e que tipos de crimes haviam sido cometidos.
Na fundamentação para ser encontrada a medida da pena, segundo nos parece, foi referida a personalidade do arguido, devido ao Relatório Social, mas já não a eventual interligação da sua conduta e como se manifestou a personalidade na maneira de atuar (neste sentido o Ac. do STJ de 8/2/2012. p. 8534/08.2 - 5ª sec), nem a sua situação atual.
No entanto, segundo nos parece, não poderão ser apreciadas/discutidas as duas penas únicas aplicadas, pelas razões acima referidas e também defendidas pelo arguido.
Assim parece-nos que deverá ser efetuado novo cúmulo em que seja excluída apenas a única decisão condenatória que colide com as três outras condenações, que entram no cúmulo superveniente efetuado no processo onde foi proferido o acórdão recorrido por lhe ser mais favorável um único cúmulo e na pena autónoma, devendo ser dado provimento parcial ao recurso do arguido AA”.
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Após apreciação preliminar, foi proferido despacho, a fls. 1207, solicitando informações sobre os processos n.º 416/08.4GACSC e n.º 327/11.6GACSC, por se afigurar estarem em causa penas de prisão extintas pelo cumprimento, em ambos os casos não factualizados no acórdão recorrido, e certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que terá apreciado o recurso interposto no processo n.º 1458/08.5GACSC, atenta a distância entre a data do acórdão e a do respectivo trânsito em julgado, respectivamente, 24 de Abril de 2012 e 18 de Dezembro de 2013.
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Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
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Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
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Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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Questões propostas a reapreciação
O recorrente afirma a sua discordância com o decidido no acórdão recorrido, conforme resulta do exposto na motivação e levado em repetição integral às supostas “conclusões”, que deveriam traduzir, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido, que se reconduzem a dois pontos centrais.
O recorrente prescindiu de apresentar conclusões, apresentando como tal, algo que nada tem a ver com as proposições sintéticas em que se deve procurar dar a conhecer as razões de divergência com o decidido.
Como ensinava José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, pág. 359, as conclusões visam habilitar o tribunal a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados.
Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, págs. 320/1 (e 2000, pág. 335) o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Nas conclusões da motivação o recorrente tem de indicar concretamente os vícios da decisão impugnada e essa indicação delimita o âmbito do recurso. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.
As conclusões devem ser «um resumo explícito e claro das questões levantadas pelo recorrente (…). O tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no artº. 684.º, n.º 3, do CPC» - Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, volume II, 2.ª edição, pág. 801.
Segundo o acórdão de 04-02-1993, processo n.º 83281, in CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 140, proferido em sede de acção cível, mas com pleno cabimento aqui, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações; sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões.
Como refere o acórdão do STJ de 11-03-1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.
As conclusões servem para resumir as razões do pedido, para condensar a matéria tratada no texto da motivação – cfr. acórdãos de 15-07-2009, processo n.º 103/09-3.ª e de 5-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª.
O recorrente, de forma óbvia, transpõe para as apelidadas “conclusões”, tudo o que estava na motivação, sem qualquer esforço de síntese.
Face a este quadro e prescindindo-se de formular convite a apresentação de novas e verdadeiras concisas conclusões (passe o pleonasmo), entende-se que as propostas de reapreciação por este Supremo Tribunal reconduzem-se a duas questões, a saber:
Questões a apreciar e a decidir:
Questão I – Realização de um único cúmulo jurídico, com fixação de uma só pena única – Cúmulo por arrastamento – “Conclusões” 1.ª a 28.ª.
Questão II – Medida da pena única – Violação do artigo 71.º do Código Penal (Atendibilidade dos requisitos) – “Conclusões” 29.ª a 33.ª.
Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida traçado pelo arguido, oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência (artigo 434.º do Código de Processo Penal e artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24-10), abordar-se-á, previamente, a questão da definição da competência para cognição do recurso, face ao indevido endereço pelo recorrente e posterior indevida remessa do processo pelo tribunal recorrido, para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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Nota - Antes de avançarmos há que dar conta da existência de lapsos de escrita que constam do segmento 2 – FACTOS PROVADOS (fls. 1049).
Na enumeração dos factos dados por provados no acórdão recorrido, reportando as condenações sofridas pelo arguido, verifica-se existirem erros materiais, lapsos de escrita, que importa corrigir, face a elementos factuais, que, claramente, se contêm em certidões extraídas dos processos onde constam as condenações do arguido nos crimes em concurso, devidamente “convocadas” para a concreta missão em causa, e oportunamente juntas aos autos, consubstanciando as mesmas documentos narrativos e que noutra perspectiva constituem documentos autênticos, com força probatória plena, nos conjugados termos dos artigos 363.º, n.º s 1 e 2, 369.º e 371.º, do Código Civil e artigo 169.º do Código de Processo Penal, tratando-se de prova vinculada, não infirmada, sendo a correcção ora feita de acordo com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo CPP, uma vez que a eliminação dos erros não importa modificação essencial (as alterações das datas em nada colidem com a definição do quadro da relação concursal afirmada no acórdão recorrido).
I - Correcção de lapsos de escrita
1. Data da prática dos factos
Como facilmente se intui, não é despicienda a correcta inserção deste requisito primário, face à relevância que assume para avaliar a existência de concurso e verificar se a prática do crime ocorre ou não após eventual anterior condenação transitada em julgado.
Haja em vista a data da prática dos factos julgados no processo n.º 1754/10.1GACSC, abordada no início do acórdão recorrido, a fls. 1048/9.
Pode ler-se aí: “Constatou-se que no processo comum colectivo n.º 1754/10.1GACSC da Instância Central Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais, pese embora conste, erradamente, do certificado de registo criminal que os factos pelos quais o arguido ali foi condenado ocorreram em 30 de Outubro de 2011, o que significaria que não estariam numa relação de concurso com os processos relativamente aos quais se irá efectuar cúmulo jurídico, mas sendo do conhecimento funcional da relatora do presente acórdão que os factos foram praticados em 30 de Outubro de 2010 [assim é por ter presidido à audiência de julgamento desse processo e relatado o acórdão], o que já os coloca numa relação de cúmulo jurídico, solicitou-se a remessa de certidão com nota de muito urgente.
Foi, por isso, reaberta a audiência de cúmulo para análise do documento”.
Na verdade, do certificado de registo criminal junto a fls. 959 verso, consta erradamente que os factos ocorreram em 30-10-2011, o que demonstra a falibilidade dos boletins de registo criminal na dação de elementos correctos, sendo mais seguro e plausível o recurso à certidão do acórdão condenatório, que podendo eventualmente conter erros, como, aliás, se vê no presente recurso, permite análise e confronto com outros passos do texto, de forma a detectar facilmente o lapso, ao passo que a informação do boletim, sendo isolada, não pode ser confrontada. [O certificado de registo criminal respeitante ao processo n.º 145/11.1GACSC indica a data de 7-01-2011, como data da prática dos factos - fls. 508 e 956 verso -, quando os factos ocorreram em 27 desse mês, como se vê do acórdão, a fls. 768 verso].
No caso, a certidão foi emitida em 21-12-2015, no dia de leitura do acórdão cumulatório, como consta a fls. 1012, junta imediatamente antes do acórdão, sendo dado conhecimento do mesmo à defesa e Ministério Público, como se alcança da acta de leitura, a fls. 1107.
Este lapso ocorreu em dois casos.
1.1 - Processo comum colectivo n.º 1833/10. 5GACSC
No segmento 2 – FACTOS PROVADOS – Condenações sofridas pelo arguido AA, no facto provado (FP) 2.7. Comum colectivo n.º 1833/10. 5GACSC, a fls. 1065, consta como data da prática dos factos submetidos a julgamento o dia “13-11-2010”, o mesmo acontecendo antes, a fls. 1046, in fine, na elencagem dos processos apresentados a concurso.
Neste processo o arguido foi condenado por dois crimes de ofensas corporais simples cometidos num dia e por um crime de roubo simples, cometido quase cinco meses mais tarde.
Acontece que os três crimes foram cometidos em 13-11-2010 (as duas ofensas corporais) e em 8-04-2011 (o roubo).
Compulsada a certidão do acórdão condenatório de fls. 756 a 766, verifica-se que há dois grupos de acções, sendo o primeiro levado a cabo em 13-11-2010, conforme FP I a XVII, a fls. 757 verso e 758, concretizado com introdução na residência do ofendido DD perpetrado pelo recorrente e EE, com agressões pelos dois àquele, e por parte apenas do recorrente, agressões a FF, e depois um outro cometido apenas pelo recorrente em 8 de Abril de 2011, narrado nos pontos de FP XVIII a XXX, a fls. 758 e verso, consubstanciando roubo a GG - cfr. fls. 760 verso.
A referência a 8 de Abril de 2011 foi transcrita no acórdão ora recorrido no ponto 18.º, a fls. 1069.
Resulta do exposto, impôr-se rectificação da narrativa, de jeito que em vez de “13-11-2010”, passe a constar como data da prática dos factos os dias “13-11-2010 e 8-04-2011”.
1.2 - Processo comum colectivo n.º 2087/11.1GACSC
No mencionado segmento, no facto provado (FP) 2.10. Comum colectivo n.º 2087/11.1GACSC, a fls. 1078, consta como data da comissão dos factos julgados o dia “16-11-2011”, o mesmo acontecendo antes, a fls. 1047, na elencagem dos processos apresentados a concurso.
Há erro na indicação do dia e do mês.
Compulsada a certidão do acórdão condenatório de fls. 531 a 588, consta logo no final do relatório, a fls. 534, penúltima linha, a referência a “alguns dias após o ocorrido a 17 de dezembro de 2011”.
Depois já na fundamentação, na enunciação dos factos provados, a fls. 535, a alínea A) refere o “dia 16 de Dezembro de 2011”, a alínea B) reporta o “dia seguinte” e a alínea C) a deslocação dos arguidos à residência de HH, “Nessa madrugada, pelas 04h00m”, momento a partir do qual se desenvolveram os factos julgados.
Referindo o dia 17 de Dezembro de 2011, temos ainda o FNP 7, a fls. 546, e na motivação, o que consta de fls. 550, por duas vezes.
As referências temporais constantes do acórdão condenatório em A), B) e C) foram transpostas para o acórdão recorrido nos pontos 1.º, 2.º e 3.º, a fls. 1078 e fls. 1079.
Dúvidas assim não há, de que os factos descritos ocorreram na madrugada de 17 de Dezembro de 2011.
Face ao exposto, há que rectificar o ponto de facto em causa, de modo a que em vez de “16-11-2011” passe a constar “17-12-2011”.
2. Indicação de processo
Processo comum n.º 1710/08.0GLSNT
No aludido segmento, facto provado (FP) 2.2, a fls. 1051, o processo é apresentado como Processo comum Colectivo n.º 1710/08.0GLSNT, o mesmo acontecendo antes, a fls. 1046, ao cimo, na elencagem dos processos apresentados a concurso.
A indicação de “Colectivo”, como a seguir a referência a “acórdão” são incorrectas, tratando-se de decisão proferida por tribunal singular, no caso, do então Juízo de Média Instância Criminal - 2.ª Secção - Sintra - Juiz 4, da Comarca da Grande Lisboa -Noroeste, actualmente, Instância Local - Sintra - Secção Criminal - Juiz 4 - da Comarca de Lisboa Oeste.
Como resulta da certidão de fls. 853 a 862, repetida a fls. 971 a 980, trata-se de processo comum com intervenção de tribunal singular, constituindo a decisão uma sentença e não acórdão.
Assim sendo, cumpre rectificar o acórdão recorrido, de modo a que em vez de “Processo comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT”, fique a constar “Processo comum singular n.º 1710/08.0GLSNT” e em vez de “acórdão” fique “sentença”.
3. Data de acórdão
Processo comum singular n.º 1657/11.2PBCSC
No mencionado segmento, agora facto provado (FP) 2.12, a fls. 1087, consta como data da decisão o dia “11-06-2013”.
Como se alcança da certidão de fls. 776 a 794, o que é “confirmado” pelo teor dos certificados de registo criminal juntos a fls. 513, 741e 959, a data da sentença é 11-07-2013 e não 11-06-2013.
Daí que se rectifique a data da sentença, de sorte que em vez de “11-06-2013”, passe a constar “11-07-2013”.
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O acórdão recorrido para a elaboração/fundamentação/justificação das penas conjuntas fixadas assentou na seguinte matéria de facto:
2 – FACTOS PROVADOS
Condenações sofridas pelo arguido AA:
2.1. Comum Singular n.º 804/08.6PCCSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença proferida em 10 de Janeiro de 2014, transitado em julgado em 10 de Fevereiro de 2014, por factos ocorridos em 26 de Junho de 2008 pela prática, em autoria material, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.2. Comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por acórdão de 28.02.2011, transitada em julgado em 28.03.2011, e por factos praticados em 11.09.2008, pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, al. ar), 3.º, n.º 2, al. e), 4.º n.º 1 e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por idêntico período.
Por decisão de 15 de Julho de 2015, transitada em julgado, veio a suspensão da execução da pena a ser revogada e determinado o cumprimento da pena.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.3. Comum singular n.º 327/11.6GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença de 27.06.2012, transitada em julgado em 03.09.2012, e por factos praticados em 26.02.2011pela prática, em autoria material, como reincidente, de um crime de ofensa á integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.4.Comum singular n.º 416/08.4GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença de 22.02.2012, transitada em julgado em 22.01.2013, e por factos praticados em 20.03.2008 pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1(um) ano e 8 (oito) meses de prisão; um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.5. Comum colectivo n.º 145/11.1GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por acórdão de 03.04.2013, transitada em julgado em 03.05.2013, e por factos praticados em 27.01.2011pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144.º, al. d) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.6.Comum singular n.º 812/08.7GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença de 08.04.2013, transitada em julgado em 08.05.2013, e por factos praticados em 31.05.2008, pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, als. a) e c) e 132.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão para cada um.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.7. Comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por acórdão de 01.07.2013, transitada em julgado em 16.09.2013, e por factos praticados em 13.11.2010 pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Pena, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.8. Comum colectivo n.º 1754/10.1GACSC
O arguido foi condenado no âmbito destes autos, por acórdão datado de 11 de Outubro de 2013, transitado em julgado em 11 de Novembro de 2013, pela prática, no dia 30 de Outubro de 2010, em co-autoria material e concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.9. Comum singular n.º 1458/08.5GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, sentença de 24.04.2012, transitada em julgado em 18.12.2013, e por factos praticados em 24.09.2008 pela prática, em autoria material, de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
2.10. Comum colectivo nº 2087/11.1GASCS
O arguido foi condenado, por acórdão datado de 04-12-2012, transitado a 08-05-2013, no âmbito do processo comum colectivo nº 2087/11.1GASCS do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais, por factos cometidos em 16-11-2011, pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão e um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
• A quantia de €300 (trezentos);
• Um computador portátil, de marca Accer, no valor de € 500 (quinhentos euros);
• Uns brincos;
• Um fio.
2.11. Comum singular 1521/11.5GACSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por sentença datada de 22-04-2013, transitada a 22-05-2013, por factos cometidos em 18-09-2011 pela prática, em autoria material, de um crime de violência após subtracção, previsto e punido pelo artigo 211.º, com referência ao artigo 210.º, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
FFF e o seu marido, com o propósito de se apropriar de todos os objetos e valores monetários que pudesse transportar e que no interior da mesma se encontrassem;
2.12. Comum singular n.º 1657/11.2PBCSC
O arguido foi condenado no âmbito dos presentes autos, por decisão datada de 11-06-2013, transitada a 26-09-2013, por factos cometidos em 10-12-2011 pela prática, em autoria material, de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
Factos pelos quais o arguido foi condenado:
e propósito de subtrair a GGG e GG os referidos bens e quantias monetárias, apesar de saber que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos respetivos proprietários, que delas foram obrigados a abrir mão.
[outras condenações sofridas que não se mostram numa relação de concurso]
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Apreciando. Fundamentação de direito.
Questão Prévia – Da definição da competência para cognição do recurso
Como se viu, o recurso interposto do acórdão do Colectivo da 2.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais - Juiz 2, foi incorrectamente dirigido pelo recorrente ao Tribunal da Relação de Lisboa, para onde foi encaminhado, sendo que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesse Tribunal (o Ministério Público na Comarca abdicou de oferecer resposta) opinou no sentido da declaração de incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a Exma. Desembargadora a quem o processo foi distribuído, excepcionado a incompetência da Relação para conhecer do recurso, sendo ordenada a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça.
Esta opção determinou que, sendo o despacho de admissão do recurso de 31-03-2016, tivesse sido o processo dirigido para o Tribunal da Relação de Lisboa em 27-05-2016, nada se passando entretanto, até porque nem o Ministério Público apresentou resposta, e tendo chegado o processo ao Tribunal da Relação onde foi distribuído em 8-06-2016, foi expedido para este Supremo Tribunal de Justiça em 9-06-2016, o que significa perda de tempo escusado em processo de preso em cumprimento de pena, para além dos absolutamente dispensáveis encargos.
O problema criado foi resolvido, mas porque não é raro tal acontecer, há que tomar posição expressa, até porque o Tribunal da Relação, em casos como o presente, estando em causa pena única fixada em acórdão cumulatório superior a oito anos de prisão, apreciou mesmo o recurso, quando não tinha competência material no caso concreto, como se verá infra.
Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:
Está em causa um acórdão final proferido por um tribunal colectivo.
As penas únicas aplicadas foram as de 12 (doze) anos de prisão e de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando no fundo a realização de dois cúmulos jurídicos, em vez de um só, com a fixação de uma única pena conjunta, e no que toca à medida da pena única, entende que deve ser valorado o seu comportamento posterior.
Vejamos.
Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”.
É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.
Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri.
Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007.
Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação.
Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência:
«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».
[Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso sujeito ser datado de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso), pode ver-se o acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª].
Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de
Setembro de 2007 (preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima e pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração ao CPP).
O artigo 432.º do Código de Processo Penal passou a estabelecer:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».
Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007:
«2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».
Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.
Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere:
“Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”.
Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”.
No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.
A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 79/14.0JAFAR.S1, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1 e n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, todos por nós relatados.
No acórdão de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas.
Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência.
O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal e não como promovido fora enviado ao tribunal de 1.ª instância para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…)
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”.
No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/14.3T2SNT.E1.S1foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”.
No acórdão de 9-07-2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4-11-2015, por nós igualmente relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que haviam conhecido de recursos em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos recursos.
Como se referiu no acórdão de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”.
No acórdão de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.
A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.
E no acórdão de 7-07-2016, processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada.
Do mesmo modo o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.
Revertendo ao caso concreto
No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de duas penas conjuntas superiores a 5 anos de prisão – uma de 12 anos e outra de 8 anos e 6 meses de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da possibilidade de realização de um único cúmulo jurídico e fixação de uma única pena única e a pretendida redução da medida da pena conjunta, a partir da valoração dos parâmetros do artigo 71.º do Código Penal), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso.
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Do cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de outras condenações transitadas em julgado
Afirmava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1990, proferido no processo n.º 40.593, publicado no BMJ n.º 400, pág. 331, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XV, 1990, tomo IV, pág. 32 e sumariado em Actualidade Jurídica, Ano 2, n.º 12, pág. 4, e em Código Penal Anotado, de Henriques-Leal e Simas Santos, Rei dos Livros, 1995, pág. 614 e de novo, pág. 624, que o conhecimento superveniente pressupõe que já todos os crimes foram julgados por decisões transitadas e daí a necessidade de «nova sentença» para efectuar o cúmulo.
A condenação do ora recorrente no processo comum singular n.º 804/08.6 PCCSC, do então 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – tribunal da última condenação, onde foi realizado pelo Tribunal Colectivo da 2.ª Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais -, o cúmulo jurídico ora questionado – foi a última, decidida em sentença de 10 de Janeiro de 2014, sendo igualmente a derradeira a transitar em julgado, em 10 de Fevereiro de 2014, de uma série de doze condenações por si sofridas, pela prática de vinte e um crimes, cometidos entre 20 de Março de 2008 e 17 de Dezembro de 2011.
Em causa, aqui e agora, está a reapreciação do acórdão cumulatório de 21 de Dezembro de 2015, que por conhecimento superveniente de concurso de crimes, efectuou o cúmulo jurídico ora em equação, abarcando doze condenações impostas ao arguido, em outros tantos processos, pela prática de vinte e um crimes, ao longo de um período temporal situado entre 20 de Março de 2008 (factos julgados no processo n.º 416/08.4GACSC) e 17 de Dezembro de 2011 (factos julgados no processo n.º 2087/11.1GACSC), praticamente, cerca de 3 anos e 9 meses, com interregno/hiato de 25 meses, pois que o recorrente não cometeu crimes entre 25 de Setembro de 2008 e 29 de Outubro de 2010, tendo cometido nove crimes em 2008, de 20 de Março a 24 de Setembro, quatro crimes nos finais de 2010, em 30 de Outubro e em 13 de Novembro e oito crimes em 2011, de 8 de Abril a 17 de Dezembro, sendo um na área de Sintra – o cometido em 11-09-2008, julgado no processo n.º 1710/08.0GLSNT, onde se verificou o primeiro trânsito em julgado – e os restantes em Cascais.
Como se alcança do despacho, do mandado de libertação e da certidão emitida pelo Estabelecimento Prisional de Sintra, de fls. 708, 709 e 710, o arguido cumpriu pena de prisão à ordem dos processos n.º 127/06.5PACSC e n.º 213/07.4GACSC (cujas penas foram cumuladas anteriormente, em sentença de 22-09-2009, proferida no último processo, mas não englobados no presente concurso), de 17 de Fevereiro de 2009 a 15 de Outubro de 2010, concretamente, o arguido cumpriu a pena única então fixada, de 1 ano e 8 meses de prisão (compreendidos/descontados um dia de detenção em cada um dos processos referidos, como consta do despacho proferido em 26-11-2009, no processo n.º 213/07.4GACSC, aqui fazendo fls. 708), sendo colocado em liberdade em 15 de Outubro de 2010.
O arguido esteve preso, ininterruptamente, à ordem do processo n.º 127/06.5PACSC, de 17-02-2009 até 17-11-2009, e a partir deste dia até 15-10-2010, à ordem do processo n.º 213/07.4GACSC.
Aliás, isto mesmo consta do certificado de registo criminal - boletins n.º 12 e 13 - de fls. 317 e 318 do volume I (e fls. 728 e 729 do 2.º volume), em que a data de 15 de Outubro de 2010 é indicada como data de extinção da pena cominada no processo n.º 213/07.4GACSC.
Esse cumprimento de pena foi, inclusive, certificado no FP 22 na sentença de 11-07-2013, proferida no processo comum singular n.º 1657/11.2PBCSC, como se vê a fls. 780 do 2.º volume.
A prática dos crimes em 8 de Abril, 18 de Setembro, e em 10 e 17 de Dezembro de 2011, veio determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de dois anos decretada no processo n.º 1710/08.0GLSNT, aquele em que primeiro transitou a condenação, em 28-03-2011 – cfr. diligências prévias, a fls. 851, 852, 864/5/6, 870/1, 876, 882, e despacho de 15 de Julho de 2015, a fls. 884/5/6 (repetido a fls. 982/3/4), o qual decidiu revogar a suspensão da pena aplicada ao arguido, ordenando o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, tendo transitado em julgado em 30 de Setembro de 2015 – fls. 944 e fls. 971.
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Define o artigo 471.º, n.º 2, do CPP, que é territorialmente competente para proceder ao cúmulo jurídico por conhecimento superveniente o tribunal da última condenação.
Como referia o acórdão deste Supremo Tribunal de 7-11-1996, processo n.º 769/96-3.ª, Sumários do STJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 65, o tribunal competente para proceder ao cúmulo é o da última condenação. A data da condenação e do trânsito, para efeitos de determinar a competência para a realização do cúmulo, são realidades distintas. É inoperante para a determinação da competência para a feitura do cúmulo jurídico, o momento em que as decisões transitem em julgado.
Neste sentido, os acórdãos de 14-02-2013, processo n.º 194/05.9PCLSB.S1-5.ª, 05-06-2013, processo n.º 134/10.3TAOHP.S2-5.ª, de 20-03-2014, processo n.º 1031/10.8SFLSB.L1.S1-3.ª, de 20-03-2014, processo n.º 791/07.8TAMRG.S1-5.ª, de 10-04-2014, processo n.º 540/07.0PCOER-A.S1-3.ª, CJSTJ 2014, tomo 2, pág. 190 (É competente para a realização do cúmulo jurídico o tribunal da última condenação sendo relevante para o efeito a data da decisão e não a do seu trânsito em julgado. Tratando-se de competência funcional e não territorial, a preterição do tribunal competente constitui nulidade insanável, de conhecimento oficioso), de 14-05-2009, processo n.º 6/03.8TBLSB.S1, de 10-09-2014, processo n.º 375/08.3PBCLD.L1.S1-5.ª, de 28-04-2016, processo n.º 27/11.7JBLSB.L1.S1-3.ª (nulidade sanável), de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1-3.ª.
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A “génese”, o ponto de partida, do presente cúmulo jurídico está no despacho de 11-03-2014, a fls. 443, na promoção do Ministério Público, a fls. 487, subsequente despacho de fls. 488, elaborada promoção de fls. 518 a 521, despacho de fls. 522 e verso, solicitando certidão de sentenças com nota de trânsito em julgado e informação sobre os períodos de privação de liberdade sofridos em três processos e ao processo n.º 1710/08 certidão da decisão relativa à suspensão da execução da pena com nota de trânsito em julgado, certidão das sentenças proferidas no processo n.º 213/07 e ainda informação sobre os períodos de privação de liberdade sofridos em dois outros processos, despacho de 15-10-2014, a afirmar realização de cúmulo no processo e a determinar remessa dos autos à distribuição pelos Juízes da Instância Central Criminal de Cascais, a fls. 712, e já na Instância Central, em 17-09-2014, a fls. 716, despacho a ordenar requisição de novos certificados de registo criminal, seguindo-se novas diligências no sentido de esclarecer o ocorrido com a pena suspensa no processo n.º 1710/08.0GLSNT, a fls. 851/2, 863/4/5/6, 870/1, 872/3/4, aguardando decisão sobre o caso, sendo junta a fls. 884/6 certidão do despacho de revogação da suspensão, e após despacho de fls. 945, a afirmar a presença dos requisitos para se proceder a cúmulo jurídico, promoção de fls. 946, no sentido de ser designada data para o cúmulo, despacho de 14-10-2015, a fls. 948, com nova requisição de certificado de registo criminal actualizado, designando-se, então, a fls. 962, para a audiência a que alude o artigo 472.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o dia 9-12-2015.
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O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar, quando posteriormente à condenação no processo de que se trata - o da última condenação transitada em julgado - se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes, que tem ou têm conexão temporal com o último a ser julgado, sem que, entretanto, o sistema de justiça tenha logrado funcionar, de forma, a que, numa atempada, cirúrgica condenação, tenha lançado um alerta, um aviso, uma solene advertência, no sentido de que não valerá prosseguir na senda do crime, sob pena de com a repetição o arguido incorrer na figura da reincidência, ou da sucessão de crimes.
Nestes casos, o concurso efectivo entre os crimes na realidade existe, só que é desconhecido do tribunal, sendo conhecido apenas posteriormente, supervenientemente, já depois de julgado qualquer um dos contemporâneos crimes cometidos.
A necessidade de realização de cúmulo jurídico nestas situações justifica-se, porque a uma contemporaneidade de factos praticados não correspondeu uma contemporaneidade processual, uma resposta imediata, pronta, em cima do acontecimento, do sistema de justiça, a uma pluralidade de infracções simultâneas, ou sucessivas, a curto ou a médio prazo.
Como acentua Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, UCE, 2005, págs. 1324/5, “A formação da pena conjunta simboliza a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando”.
Como se diz no acórdão do STJ de 9 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 3512/06-5.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, em tais casos suplanta-se o normal regime de intangibilidade do caso julgado, por ocorrerem em singulares circunstâncias em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente.
E como dizia o acórdão de 8 de Julho de 1998, proferido no recurso n.º 554/98, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (seguindo de perto o acórdão de 25-10-1990, Colectânea de Jurisprudência XV, tomo 4, pág. 32, no qual se afirmava que o conhecimento superveniente pressupõe que já todos os crimes foram julgados por decisões transitadas), tal cúmulo tem lugar quando, após os múltiplos julgamentos, e com as decisões transitadas, se vem a verificar que deveria haver a aplicação duma pena unitária por força do concurso.
Neste caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
Como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-1996, processo n.º 756/96-3.ª, SASTJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 72, o normativo do artigo 79.º, n.º 1, do CP 1982 (hoje, artigo 78.º, n.º 1) não deve ser interpretado sem ter presente o que dispõe aquele artigo 78.º- 1 (hoje artigo 77.º, n.º 1).
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro (23.ª alteração), n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 2 de Setembro, n.º 40/2010, de 3 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro, n.º 56/2011, de 15 de Novembro, n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (29.ª alteração), n.º 60/2013, de 23 de Agosto (30.ª alteração - rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 39/2013, Diário da República, 1.ª série, n.º 192, de 4-10-2013), Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto (31.ª alteração), Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto (32.ª alteração), n.º 69/2014, de 29 de Agosto (33.ª alteração), n.º 82/2014, de 30 de Dezembro (34.ª alteração), Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro, Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015, n.º 81/2015, de 3 de Agosto, n.º 83/2015, de 5 de Agosto, n.º 103/2015, de 24 de Agosto e n.º 110/2015, de 26 de Agosto - 40.ª alteração):
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (introduzida pela reforma de 1995):
“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o artigo 78.º (intocado nas referidas dezassete posteriores alterações de 2008, 2010, 2011, 2013, 2014 e 2015) passou a ter a seguinte redacção:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
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A opção do Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Juiz 2
No caso em reapreciação há que analisar a opção assumida pelo Colectivo de Cascais ao elaborar o cúmulo jurídico em equação.
Como afirmámos nos acórdãos de 2 de Setembro de 2009, 17 de Dezembro de 2009, 18 de Janeiro de 2012, 29 de Março de 2012, 30 de Abril de 2013, de 15 de Outubro de 2014, de 6 de Maio de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 4 de Novembro de 2015, de 2 de Dezembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, de 7 de Julho de 2016 e de 16 de Novembro de 2016, nos processos n.º 181/03.1GAVNG.S1, 328/06.GTLRA.S1, 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227, 316/07.5GBSTS.S1, 207/12.8TCLSB.S2, 735/10.0GARMR.S1, 9599/14.3T2SNT.S1, 232/10.3GAEPS.S1, 303/08.6GABNV-B.E1.S1, 465/14.3TBLGS.S1, 2317/05.2T8EVR.S1, 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 e 747/10.3GAVNG-B.P1.S1: “Perante uma repetição de conduta criminosa – no presente caso considerando as referidas doze condenações, protraindo-se as condutas por um período que, de forma interpolada, vai de 20 de Março de 2008 a 17 de Dezembro de 2011 – procura proceder-se à unificação das várias penas aplicadas por diversos crimes, que estão entre si numa situação de concurso, havendo previamente que distinguir entre os crimes, que são efectivamente concorrentes e outros em que pode ocorrer, já não uma relação de concurso, mas antes de reincidência ou de sucessão.
O acórdão recorrido efectuou um cúmulo por conhecimento superveniente, havendo antes do mais que indagar se estamos perante uma real situação de concurso efectivo entre todas ou algumas das infracções julgadas nos processos incluídos, já que o cúmulo jurídico não pode ser realizado escolhendo-se algumas condenações – no caso presente foram doze – sendo de questionar se foi correcto o procedimento.
Nestes casos, relativamente à questão de apurar da justeza, proporcionalidade e adequação da concreta medida da pena conjunta fixada no acórdão recorrido, passa a ser objecto do recurso, constituindo um prius, a indagação da necessidade e mesmo da legalidade de proceder a tal cúmulo jurídico nos exactos moldes em que o foi, o que pressupõe por seu turno, a análise da questão de saber se os crimes dos processos englobados se encontram ou não em relação de concurso real ou efectivo, estando no fundo em causa a legalidade do estabelecimento ou da fixação de uma única pena, tal como o foi.
Mesmo que determinadas questões não sejam directamente suscitadas ou sequer afloradas pelo condenado/recorrente, nada impede que se conheça da bondade e acerto da solução jurídica adoptada pelo Colectivo na confecção da pena única, devendo o Supremo Tribunal intervir no sentido de sindicar a aplicação do direito, sendo disso que aqui se trata, por estar em causa a punição de concurso de crimes, nos termos do artigo 78.º do Código Penal.
Estamos perante uma pluralidade de crimes praticados pelo recorrente, sendo de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções e em que seja possível unificar as respectivas penas.
É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
A regra a ter em conta é a de que estando-se perante uma pluralidade de infracções cometidas sucessivamente, estar-se-á perante um concurso real, desde que entre a prática desses crimes não ocorra condenação por algum(ns) deles, transitada em julgado”.
Por outro lado, como referimos nos acórdãos de 19 de Novembro de 2008, de 25 de Junho de 2009, de 2 de Setembro de 2009, de 17 de Dezembro de 2009, de 24 de Fevereiro de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 23 de Novembro de 2010, de 18 de Janeiro de 2012, de 29 de Março de 2012, de 12 de Julho de 2012, de 22 de Janeiro de 2013, de 19 de Junho de 2013, de 1 de Outubro de 2014, de 15 de Outubro de 2014, de 6 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 4 de Novembro de 2015, de 2 de Dezembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, de 7 de Julho de 2016 e de 16 de Novembro de 2016, nos processos n.º 3553/08, n.º 2890/04.9GBABF-C.S1, n.º 181/03.1GAVNG, n.º 328/06.6GTLRA.S1, n.º 655/02.1JAPRT.S1, n.º 23/08.1GAPTM.S1, n.º 93/10.2TCPRT.S1, n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, n.º 316/07.5GBSTS.S1, n.º 76/06.7JBLSB.S1, n.º 651/04.4GAFLG.S1, n.º 515/06.7GBLLE.S1, n.º 1/11.0GCVVC.S1, n.º 735/10.0GARMR.S1, n.º 9599/14.3T2SNT.S1, n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, n.º 465/14.3TBLGS.S1, n.º 2317/05.2T8EVR.S1, n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 e 747/10.3GAVNG-B.P1.S1: “poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.
O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.
A partir desta data, em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o(a) arguido(a) tendo respondido e sido condenado(a) em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito, “cortando” com as anteriores condutas. Persistindo, se se mostrarem preenchidos os demais requisitos, o/a arguido(a) poderá inclusive ser considerado(a) reincidente.
Esta data marca o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única.
A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.
A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, podendo os subsequentes crimes integrar outros cúmulos, formando-se outras penas conjuntas autónomas, de execução sucessiva”.
Nestes casos de cúmulo por conhecimento superveniente há, pois, que ter em consideração o imprescindível requisito do trânsito em julgado, elemento essencial, incontornável e imprescindível, que determina, simultaneamente, o fecho, o encerramento de um ciclo, e o ponto de partida para uma nova fase, para o encetar de um outro/novo agrupamento de infracções, interligadas/conexionadas por um elo de contemporaneidade, o início de um outro/novo ciclo de actividade delitiva, em que o prevaricador - sucumbindo, na sequência de uma intervenção/solene advertência do sistema de justiça punitivo, que se revelará, na presença da repetição, como ineficaz - não poderá invocar o estatuto de homem fiel ao direito.
A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.
Como se extrai da decisão de 6 de Janeiro de 2010, proferida no conflito negativo de competência no processo n.º 98/04.2GCVRM-A.S1, da 3.ª Secção:
“A efectivação da operação de cúmulo jurídico traduz-se efectivamente na realização de um «novo julgamento» com todas as inerentes implicações jurídicas.
Quando o legislador – art. 472.º, n.º 2, do CPP – impõe a tarefa desse novo julgamento, ao foro da “última condenação” tem em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia de condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para a determinação da medida da pena única, por exemplo, a conduta posterior – art.º 71.º, n.º 2, alínea e), do CP) – e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual.
O trânsito em julgado da condenação é um evento neutro para efeitos da aferição da competência do tribunal para a realização do cúmulo jurídico de penas, até porque, ao invés do julgamento e/ou condenação, é um acontecimento jurídico aleatório e imprevisível”.
A interpretação restritiva
Recentemente, a partir de 2010, desenhou-se uma tendência para adopção de uma interpretação restritiva, considerando a mera condenação, e não já o trânsito em julgado, como o momento a que se deve atender para efeitos de verificação de concurso, para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão.
A primeira expressão deste entendimento foi vertida no acórdão de 1 de Julho de 2010, no processo n.º 582/07.6GELLE.S1, da 5.ª Secção, donde se extrai: “O momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o do trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida. O momento a partir do qual os crimes não estão numa relação de concurso, para efeitos de cúmulo de penas, fixa-se com a data da prolação da primeira condenação”.
[O acórdão tem voto de vencido, e desempate, com declaração de voto, pelo Exmo. Presidente da Secção, a favor da Exma. Relatora].
Da mesma forma no acórdão de 17-11-2011, proferido no processo n.º 267/10.6TCLSB.L1.S1, pela mesma Relatora, com a concordância do Exmo. Adjunto, onde se aduz:
“Pressuposto de aplicação do regime de punição do concurso, por conhecimento superveniente, é que o arguido tenha praticado uma pluralidade de crimes, objecto de julgamentos autónomos em vários processos (pelo menos, dois), antes da primeira condenação por qualquer deles. Os crimes praticados posteriormente a essa primeira condenação já não se encontram, com o crime que dela foi objecto, numa relação de concurso mas, antes, de sucessão.
Discute-se qual o momento temporal a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão. Para uns, o momento temporal decisivo é o da condenação que ocorreu primeiro segundo a cronologia das várias condenações, enquanto que para outros, esse momento é o do trânsito em julgado da condenação que ocorreu primeiro.
O STJ tem vindo a sustentar que o “limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar” – cf. Acs. de 12-06-2008, Proc. n.º 1518/08 - 3.ª, de 10-09-2008, Proc. n.º 2500/08 - 3.ª, de 12-11-2009, Proc. n.º 996/04.3JAPRT.S1 - 3.ª, de 09-04-2008, Proc. n.º 3187/07 - 5.ª, de 17-04-2008, Proc. n.º 681/08 - 5.ª, de 25-09-2008, Proc. n.º 1512/08 - 5.ª, de 19-11-2008, Proc. n.º 3553/08 - 3.ª, de 26-11-2008, Proc. n.º 3175/08 - 3.ª, 14-01-2009, Proc. n.º 3856/08 - 5.ª, 14-01-2009, Proc. n.º 3975/08 - 5.ª, 25-03-2009, Proc. n.º 389/09 - 3.ª, e de 10-09-2009, Proc. n.º 181/08.5TCPRT.P1.S1 - 3.ª.
Entende-se que só depois do trânsito em julgado da decisão condenatória é que os factos apurados e a pena aplicada ganham a certeza de questões definitivamente decididas susceptíveis de serem atendidas noutra sentença para determinar a pena conjunta no quadro da moldura abstracta formada pelas penas já aplicadas, segundo as regras do n.º 2 do art. 77.º do CP. Já o momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o do trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida.
Do teor literal do n.º 1 do art. 78.º do CP não se extraem argumentos que contrariem esta interpretação, antes pelo contrário. A norma reclama o trânsito em julgado da condenação para que seja admissível o conhecimento superveniente do concurso, mas não que o crime tenha sido praticado antes do trânsito em julgado dessa condenação.
A prolação de uma condenação constitui, por si mesma, uma advertência ao arguido. A prática de um novo crime, no período que medeia entre a data da condenação e a data do seu trânsito em julgado, significa um desrespeito ou uma indiferença relativamente a essa advertência que não justifica que ao arguido seja conferido o benefício de não cumprir sucessivamente a pena pelo novo crime. Em favor desta posição releva a norma do n.º 2 do art. 471.º do CPP e a interpretação que dela tem sido feita pela jurisprudência. O tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso é o tribunal da última condenação (e não o tribunal da condenação que por último transitou em julgado) como literalmente resulta do preceito. (Sublinhado nosso).
No mesmo sentido, o acórdão de 5-07-2012, processo n.º 134/10.3TAOHP.S1-5.ª, proferido pela mesma Relatora, onde se afirma:
“A aplicação do regime de punição do concurso, por conhecimento superveniente, reclama que o arguido tenha praticado uma pluralidade de crimes, objecto de julgamentos autónomos em vários processos (pelo menos dois), antes da primeira condenação por qualquer deles.
Devem, porém, distinguir-se dois momentos temporais: o momento em que é admissível o conhecimento superveniente do concurso de crimes e o momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão. Quanto ao primeiro a letra do citado art. 78.º, n.º 1, do CP, não deixa dúvida de que, para ser admissível o conhecimento superveniente do concurso, é determinante o trânsito em julgado das condenações. Já quanto ao momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida.
De facto, quanto a este último aspecto, importa referir que a condenação constitui, por si mesma, uma advertência ao arguido. A prática de um novo crime, no período que medeia entre a data da condenação e a data do seu trânsito em julgado, significa um desrespeito ou uma indiferença relativamente a essa advertência que não justifica que ao arguido seja conferido o benefício de não cumprir sucessivamente a pena pelo novo crime”.
Do mesmo modo, refere-se no acórdão de 14-02-2013, proferido no processo n.º 300/08.1GBSLV.S1, ainda da mesma Relatora:
“O momento temporal decisivo a que se deve atender para saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão é o da condenação (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia [dos trânsitos] das várias condenações) e não o do trânsito em julgado (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia dos trânsitos das várias condenações).
O acórdão recorrido foi declarado nulo por omissão de pronúncia, de modo que numa posterior apreciação no âmbito do mesmo processo, agora com a indicação S2 (processo n.º 300/08.1GBSLV.S2), foi proferido acórdão em 12-06-2014, onde se pode ler: “O momento temporal decisivo a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão é o da condenação (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia das várias condenações) e não o do trânsito em julgado (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia dos trânsitos das várias condenações).
Em registo semelhante, o acórdão de 28-02-2013, no processo n.º 7179/04.0TDPRT.S1, da mesma Relatora, com voto de vencido de outro Adjunto, mas não incidindo a discordância neste ponto particular.
No acórdão de 27-02-2014, processo n.º 188/08.2PNLSB-A.S1-5.ª, sendo relator o adjunto dos anteriores, aponta-se como caminho o “identificar a primeira condenação em relação à qual o arguido tenha cometido anteriormente crimes, operando-se então um primeiro cúmulo jurídico englobando as penas dessa condenação e as aplicadas pelos crimes que lhe são anteriores. Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente àquela primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo sempre a referida metodologia”.
Considerando estar perante um erro na aplicação do direito, este deve ser corrigido pelo tribunal de recurso.
Do mesmo relator do anterior, o acórdão de 6-03-2014, proferido no processo n.º 1088/10.1GAVNF.P1.S1, onde se pode ler:
“Como ponto de definição das penas a incluir no cúmulo jurídico deve escolher-se a data da condenação em relação à qual se verifica em primeiro lugar o pressuposto exigido pelo n.º 1 do artigo 78.º do CP: a anterioridade de vários crimes”, defendendo que caso o tribunal recorrido não tenha assim procedido, o tribunal de recurso deve modificar a decisão e aplicar correctamente o direito, sem prejuízo da proibição de reformatio in pejus, sendo apenas interposto recurso pelo arguido.
No mesmo sentido o voto de vencido do relator sobre a questão da definição do momento determinante para afirmar a situação de concurso de crimes, considerando-se que esse momento é o da prolação da decisão condenatória e não o do trânsito em julgado da condenação, no acórdão de 12-06-2014, processo n.º 179/13.1TCPRT.S1-5.ª, publicado na CJSTJ 2014, tomo 2, pág. 217, onde fez vencimento a tese oposta, ao afirmar que “o momento determinante para afirmar a existência do concurso de crimes é o do trânsito em julgado da condenação, e não o da prolação da decisão condenatória”. (A declaração de voto consta a págs. 220/2).
Outras declarações de voto foram juntas aos acórdãos de 3-03-2016, proferido no processo n.º 572/12.7PRPRT.P1.S1 e de 17-03-2016, no processo n.º 7846/11.2TAVNG-B.S1.
[Sobre interpretação restritiva pronunciou-se Vera Lúcia Raposo em comentário ao acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2002, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, a págs. 583 a 599, o que é referenciado mais à frente, a págs. 126/7 deste acórdão].
Como de forma clara afirma o acórdão de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 526/11.0PCBRG.S1, da 3.ª Secção, é de manter a jurisprudência maioritária do STJ que tem elegido a data do trânsito e não a data da condenação, como momento decisivo para a determinação do concurso.
É inaceitável a interpretação restritiva do n.º 1 do art. 77.º do CP, seguida em sentido contrário por alguns acórdãos do STJ, que contende com a clara disposição vertida nesse artigo de eleger o trânsito em julgado, como elemento delimitador do concurso.
É a desobediência à solene advertência para não delinquir, que o trânsito da condenação encerra, que justifica a impossibilidade de integração num concurso, e consequentemente numa pena conjunta, a pena de um crime cometido posteriormente ao trânsito.
A precariedade da condenação não pode ter o efeito de admoestação e de censura que só a consolidação definitiva (isto é, o trânsito) determina e impõe.
O que a interpretação restritiva pretende e determina é a atribuição de relevância punitiva autónoma à simples advertência contida na condenação.
Mas conferir esse efeito à condenação não transitada seria introduzir na lei uma espécie de reincidência mitigada, uma reincidência de grau menor, que a lei comprovadamente não prevê nem permite.
Do mesmo relator, no acórdão de 21-05-2014, processo n.º 1719/07.0JFLSB.S1 pode ler-se: “Para determinar o momento temporal que deve ser considerado para a determinação do concurso de penas, dir-se-á que só o trânsito, com a estabilidade definitiva da decisão condenatória, e não a mera condenação, envolve uma solene advertência ao condenado para não voltar a delinquir, que justifica a impossibilidade de integração num (mesmo) concurso, e consequentemente numa pena conjunta, da pena de um crime cometido posteriormente a esse trânsito. Consequentemente, o concurso inclui todas as penas por crimes cometidos antes da data do trânsito da primeira decisão transitada.
E ainda do mesmo relator, o acórdão de 28-05-12014, processo n.º 959/06.4PBVIS.C2.S1, afirma que “O critério correcto para definição do momento determinante para a fixação do cúmulo é o da data do trânsito da primeira condenação que ocorrer, e não o da data da própria condenação”.
Esta divergência, oposição de julgados, foi resolvida recentemente.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2016, de 28 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 330/13.1PJPRT-A.P1-A.S1, da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 111, de 9 de Junho de 2016, págs. 1790 a 1808, fixou jurisprudência a este respeito nestes termos:
“O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.
O acórdão uniformizador teve dois votos de vencido, justamente, os defensores da interpretação restritiva nos acórdãos acabados de citar.
Em conclusão, e como é dominantemente entendido, poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.
A ter em conta a advertência adveniente da mera condenação há que ter em vista que pode muito bem acontecer que em recurso a condenação imploda e então desaparece a referência de qualquer condenação e pena a integrar no concurso.
O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar/agrupar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.
O trânsito em julgado de uma condenação em pena de prisão, consubstanciando a advertência solene de que há que tomar novo rumo, obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem outras infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, o qual funcionará assim como dique, barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.
Como referimos nos acórdãos de 27-2-2008, processo n.º 4825/07, de 19-11-2008, processo n.º 3553/08, de 25-06-2009, processo n.º 2890/04.9GBABF-C.S1, de 02-09-2009, processo n.º 181/03.1GAVNG e de 17-12-2009, processo n.º 328/06.6GTLRA.S1 “concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá”.
Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.
A partir da decisão condenatória que tiver em primeiro lugar transitado em julgado, os crimes cometidos depois da data do trânsito deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma “primeira fase”, em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes, há que reconhecê-lo, por deficiências, a vários níveis, do sistema de justiça, ganhando assim, o agente, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da oportuna acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um “ciclo novo, autónomo, subsequente”, em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão”.
A perspectiva do Colectivo de Cascais
Vejamos a opção do Colectivo de Cascais quanto aos seguintes pontos:
I – Recursos – Ausência de factualização
II – Fundamentação de facto – Excessiva transcrição – Ausência de esforço de síntese
III – Pena suspensa extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal
IV – Pena de prisão cumprida – Artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal – Ausência de factualização – Tempo de cumprimento – Desconto.
O cúmulo por arrastamento é já questão posta no recurso, porquanto o recorrente pretende a realização de um único cúmulo e a fixação de uma pena única apenas, no que, como vimos, é acompanhado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal.
Analisando.
I – Recursos – Ausência de factualização
Em três dos doze processos cujas penas foram englobadas nos cúmulos jurídicos realizados foram interpostos recursos que não foram referidos, prescindindo o acórdão recorrido de proceder à respetiva indicação, o que convirá fazer, tratando-se de um requisito primário esclarecedor do que efectivamente se passou no processo.
Na ausência de factualização fica por esclarecer a razão do distanciamento entre a data da decisão e a assunção/certificação de definitividade do julgado, não dando o tribunal retrato fiel, a este nível, de tudo o que aconteceu nos diversos processos englobados no cúmulo.
A apreciação recursiva teve lugar em três processos, a saber, nos processos n.º 416/08.4GACSC e n.º 1458/08.5GACSC, ambos englobados no primeiro cúmulo e no processo n.º 2087/11.1GSCSC, integrante do segundo cúmulo.
Não tendo sido factualizados estes recursos, no que respeita ao primeiro e último constam dos autos certidões de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e no que toca ao segundo, foi por nós solicitada certidão do acórdão no despacho preliminar de fls. 1207.
Concretizando.
1. PCS n.º 416/08.4GACSC - Data da decisão: 22-02-2012; Data do trânsito em julgado: 22-01-2013, ou seja, o trânsito ocorre cerca de 11 meses após a decisão.
Da certidão junta a fls. 399 e seguintes, do 2.º volume, de fls. 411 a 417 verso, encontra-se acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro de 2012, transitado em julgado em 22 de Janeiro de 2013 (fls. 399), sendo negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
2. PCS n.º 1458/08.5GACSC - Data da decisão: 24-04-2012; Data do trânsito em julgado: 18-12-2013, ou seja, o trânsito ocorre cerca de 1 ano e mais de 7 meses após a decisão.
Pelo despacho preliminar de fls. 1207, foi por nós solicitada certidão do acórdão proferido pela Relação.
Da certidão oportunamente junta, de fls. 1212 a 1235, do 4.º volume, colhe-se que pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Novembro de 2013, transitado em julgado em 18 de Dezembro de 2013 (fls. 1212), foi negado provimento ao recurso, “confirmando-se, na sua plenitude, a decisão recorrida”.
3. PCC n.º 2087/11.1GSCSC - Data da decisão: 4-12-2012; Data do trânsito em julgado: 08-05-2013, ou seja, o trânsito verifica-se 5 meses após a decisão.
Na certidão junta a fls. 589 a 629, do 2.º volume, repetida de fls. 893 a 913 do 3.º volume, encontra-se acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Abril de 2013, transitado em julgado em 8 de Maio de 2013 (fls. 531), sendo negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão recorrido.
No primeiro processo é evidente a distância que vai da data da condenação, ocorrida em 22-02-2012, à data do trânsito em julgado, verificado cerca de onze meses depois, em 22-01-2013, bem como no segundo processo, aqui de forma mais evidente, sentenciado em 24-04-2012 e transitado em 18-12-2013, ou seja, transcorridos 1 ano e mais de 7 meses, o mesmo acontecendo no terceiro caso, a distância que vai da data da condenação, ocorrida em acórdão de 4-12-2012, à do respectivo trânsito em julgado, verificado em 08-05-2013, ou seja, 5 meses após, o que desde logo deverá (ia) concitar a interrogação sobre o que se teria passado com os processos e a dúvida sobre a fidedignidade dos contornos das condenações apresentadas a concurso.
O mais plausível era que tivesse sido interposto recurso, ou eventualmente, tivessem ocorrido longas demoras na concretização da notificação pessoal da decisão ao condenado (hipótese mais provável num quadro de julgamento in absentia, fora de cogitação no caso presente), cumprindo, no mínimo, indagar o que efectivamente se passara e que pudesse justificar tão desfasados e tardios trânsitos.
É que sendo a demora determinada por interposição de recurso, sempre se deverá colocar a questão de saber se o mesmo foi provido ou não, se ocorreu ou não alteração, e se, a ser confirmada a decisão recorrida, foi ou não mantida na íntegra, se a dupla conforme é total ou parcial, sendo sempre de colocar a dúvida sobre a subsistência da condenação, e neste caso, sobre a manutenção ou não da facticidade apurada e da qualificação jurídica eleita e sobre a efectiva espécie e dimensão da pena a englobar no cúmulo a realizar.
Como se referiu nos acórdãos de 17-10-2012, processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1 e de 30-04-2013, processo n.º 207/12.8TCLSB.S1: “Julgar, englobar em cúmulo jurídico uma pena, ou mesmo pelo contrário, desconsiderá-la, na ausência de conhecimento destes dados definitivos e seguros, imprescindíveis, será sempre uma aposta eventualmente arriscada, pelo que haverá que, previamente, esclarecer a situação, e não fornecendo o tribunal de origem na certidão enviada uma noção clara da situação actual, como deveria, obviamente, fazer, haverá que solicitá-la, a bem da segurança e da certeza do que se vai decidir”.
Ademais, estes longos espaços temporais entre a condenação e o trânsito em julgado não são anódinos, se se tiver em vista que, no quadro de uma interpretação restritiva acerca do momento determinante para a definição de presença de concurso ou sucessão, todas as condutas perpetradas nesse intervalo caberiam em caso de sucessão e não de concurso.
Face ao exposto, certificada a dupla conforme total nos três casos, assegurada está a exacta conformação das penas convocadas a concurso, as quais mantêm os exactos contornos de espécie e medida, fixados na primeira instância.
Assim, reunidos estão os requisitos primários, incluindo as datas do trânsito em julgado e o desfecho dos recursos.
II – Fundamentação de facto – Excessiva transcrição – Ausência de esforço de síntese
Na indicação da matéria de facto fundamentadora da aplicação da pena única o acórdão recorrido optou por transcrever os factos constantes dos acórdãos condenatórios, na sua integralidade.
Como referiu o acórdão de 14-02-2013, proferido no processo n.º 241/99.1PBVNO-A.S1, da 5.ª Secção, é passível de reparo a fundamentação do acórdão de cúmulo jurídico que segue o método, mais simples e fácil, de reproduzir, integralmente, a matéria de facto dada por provada em todas as decisões condenatórias, em vez de proceder à elaboração de um resumo dos factos subjacentes às condenações integradas no cúmulo, mas no caso, não obstante, considerou-a feita.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, pág. 291, assinala que o dever de fundamentação, sendo um dever “legal e materialmente indeclinável” não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos no artigo 72.º (ora artigo 71.º).
Este Supremo Tribunal tem afirmado que no cumprimento do dever de fundamentação da pena única emergente de cúmulo por conhecimento superveniente não se mostra imperiosa a fundamentação alongada com as exigências do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, nem sendo exigível o rigor e extensão nos termos do artigo 71.º do Código Penal, bastando uma referência sucinta, resumida, sintética aos factos, colhendo o essencial para estabelecer as conexões existentes entre os factos e a ligação à personalidade do autor daqueles. Assim, os acórdãos de 14-05-2009, processo n.º 6/03.8PTLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 232 (cita acórdãos de 2-04-2009, processo n.º 580/09-3.ª e de 27-03-2003, processo n.º 4408/02, afirmando: “do que não pode prescindir-se é de uma específica fundamentação, sob a forma sucinta”); de 27-05-2009, processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 119/04.9GCALQ.S1-3.ª e do mesmo relator, o de 26-01-2011, processo n.º 563/03.0PRPRT.S2; de 13-01-2010, processo n.º 1022/04.8PBOER-3.ª (“Sendo a decisão de cúmulo proferida em julgamento, não se mostrando imperiosa a fundamentação alongada com exigência no art. 374.º, n.º 2, do CPP, nem por isso a decisão deve deixar de evidenciar ante o seu destinatário e o tribunal superior os factos que servem de base à condenação, de per si, sem necessidade de recurso a documentos dispersos pelos vários julgados certificados. Seria um trabalho inútil e exaustivo exigir a menção dos factos de cada uma das sentenças pertinentes a cada pena, de reportar ao cúmulo, mas sempre será desejável que se proceda a uma explicitação por súmula dos factos das condenações, que servirão de guia, de referencial, ao decidido, em satisfação das exigências de prevenção geral, e bem assim, os que se provem na audiência em ordem a caracterizar a personalidade, modo de vida e inserção do agente na sociedade”); de 24-02-2010, processo n.º 563/03.9PRPRT-3.ª e n.º 3/09.0PECTB.C1.S1-3.ª; de 07-04-2010, processo n.º 312/09.8TCLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 27-05-2010, processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 666/06.8TABGC.-K.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 3/03.3JACBR.S1-3.ª; de 15-03-2012, processo n.º 236/07.3GEALR.E1.S1-3.ª; de 17-10-2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1-3.ª.
De forma clara, há mais de treze anos, disse o acórdão de 27 de Março de 2003, no processo n.º 4408/02-5.ª:
“Não é necessário, nem útil, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas já transitadas em julgado, venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas.
Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única.
Mas será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da decisão, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra, bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente”.
Neste exacto sentido, veja-se do mesmo relator, o acórdão de 31-01-2008, no processo n.º 121/08-5.ª.
Como referimos nos acórdãos de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209/227, de 29-03-2012, processo n.º 316/07.5GBSTS.S1, de 17-10-2012, processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1 e n.º 39/10.8PFBRG.S1, de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 11/11.0GCVV.S1, de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1 e de 9-09-2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1: “O especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, se, por um lado, não pode reconduzir-se à vacuidade de fórmulas genéricas, tabelares, imprecisas e conclusivas, desprovidas das razões do facto concreto, por outro, dispensa a excessividade de exposição da matéria de facto dada por provada em todos e cada um dos processos convocados.
Há que ter em consideração que do que se trata nestes casos é de fundamentar minimamente em sede de matéria de facto uma pena final, desenhada numa nova decisão final, na sequência de um novo julgamento, que fará a síntese de penas anteriores já transitadas em julgado, aplicadas em diversos processos, que se segue a uma audiência (artigo 472.º do CPP), o que é completamente diferente de um cúmulo em que são englobadas e unificadas penas acabadas de aplicar em julgamento conjunto e no mesmo processo, em simultâneo, e em que os factos constam da fundamentação de facto da própria decisão em causa, havendo então apenas que ponderar o conjunto dos factos e avaliá-los no contexto global.
Neste particular, a decisão que fixa a pena única deve funcionar como peça autónoma, uma decisão autónoma, que deve reflectir a fundamentação, própria, de forma individualizada, sucinta, mas imprescindivelmente de forma suficiente, que se baste a si própria (auto-suficiente), sob pena de violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, constituindo a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal”.
Neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 20-09-2005, proferido no processo n.º 2310/05-3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 02-09-2009, processo n.º 181/03.1GAVNG-3.ª; de 04-11-2009, com voto de vencido, no processo n.º 386/06.3S4LSB-A.L1.S1-3.ª; de 17-12-2009, processo n.º 468/06.1PGLSB.S1-3.ª e do mesmo relator de 10-02-2010, processo n.º 39/03.4GCLRS-A.L1.S1-3.ª, onde se pode ler: “a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial. Constituindo a sentença do concurso uma decisão autónoma, ela tem de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes ou qualquer outro leitor, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir”; de 15-04-2010, no processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, no processo n.º 29/05.2GGVFX.L1.S1-3.ª; de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1-3.ª; de 31-10-2012, processo n.º 207/12.8TCLSB.S1-3.ª (a decisão que imponha uma pena única deve bastar-se a si mesma no que respeita aos elementos de facto relevantes para a integração dos pressupostos de determinação da pena única); de 22-01-2013, processo n.º 14447/08.0TDPRT.S2-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 457/11.4PCBRG.S1-3.ª (a sentença do concurso constitui uma decisão autónoma, motivo pela qual ela tem necessariamente de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes, antes de mais, a apreender a situação de facto ali julgada e a compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir – decisão anulada nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP)); de 27-02-2013, processo n.º 693/09.3GBFND.C2.S1-3.ª (o texto da decisão judicial deve ser por si só suficiente para que os seus destinatários possam, sem necessidade de recorrer a outros elementos ou peças processuais, avaliar a sua conformidade com a lei; o acórdão recorrido enferma de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por insuficiente fundamentação de matéria de facto julgada provada); de 03-04-2013, processo n.º 1458/07.2PCSTB.E1.S1-3.ª; de 30-04-2013, processo n.º 11/06.2PHLRS.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª (com anulação nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP); de 10-07-2013, processo n.º 548/08.9TAPTG.E1.S1-3.ª; de 18-09-2013, processo n.º 968/07.6JAPRT-A.S1-5.ª e n.º 1864/08.5PTLSB.S1-5.ª; de 25-09-2013, processo n.º 1751/05.9JAPRT.S1-3.ª (A decisão de facto não cumprindo o imposto pelo n.º 2 do art. 374.º é nula por força do art. 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP); de 3-10-2013, processo n.º 562/10.4GBCNT.S2-5.ª, aí se afirmando “não será necessário reproduzir os factos dados como provados em cada uma das decisões condenatórias, mas, simplesmente, referir de forma sucinta as circunstâncias em que foram cometidos os vários crimes, de maneira a ter-se uma visão global da conduta que forneça as possíveis interligações entre os vários ilícitos e o sentido que presidiu a toda a actuação do arguido, em correlação com a sua personalidade encarada unitariamente”; de 16-10-2013, processo n.º 341/08.9PCGDM.P2.S1-3.ª (a decisão de aplicação da pena conjunta deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria, sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões; a decisão recorrida não se basta a si própria, pelo que, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, é nula); de 17-10-2013, processo n.º 420/11.5TCGMR.G1.S1-5.ª pode ler-se: “Não se pretende a descrição exaustiva das condutas integradoras de cada um dos ilícitos, mas apenas a sua caracterização sumária, com indicação dos elementos de facto que relevam em sede de determinação da pena do concurso. Mas não basta essa indicação. É ainda necessário que se labore sobre esses dados de facto, extraindo-se deles conclusões ou consequências que se reflictam na pena conjunta, de modo a conhecerem-se as concretas razões que presidiram à operação da sua determinação”; de 29-10-2013, processo n.º 506/05.5PBMAI.P2.S1-5.ª pode ler-se “desejável que o tribunal apresente um resumo dos factos que deram motivo às condenações, por só assim ser possível valorar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”; de 15-01-2014, processo n.º 73/10.8PAVFC.S1-3.ª; (resumos dos factos pertinentes); de 20-03-2014, processo n.º 1375/09.1PBEVR.S1-5.ª (descrição sumária dos factos); de 26-03-2014, processo n.º 401/07.3GBBAO.P2.S1-5.ª; de 30-04-2014, processo n.º 330/08.3PATNV.C2.S1-3.ª (anulado por insuficiente fundamentação de matéria de facto julgada provada – artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP); de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 10-09-2014, processo n.º 103/11.6GAMGL.S1-5.ª (nulo o acórdão por carência de fundamentação); de 10-09-2014, processo n.º 118/09.4GESLV.E2.S1-5.ª (nulidade por falta de fundamentação); de 17-09-2014, processo n.º 1015/07.3PULSB.L4.S1-3.ª; de 18-09-2014, processo n.º 171/11.0GEGMR.S1-5.ª; de 1-10-2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 1/09.3JAPTM.E1.S1-3.ª (citando o acórdão de 6-02-2013 e anulando a decisão, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, a), do CPP); de 04-03-2015, processo n.º 1179/09.1TAVFX.S1-3.ª (nulidade por omissão total quanto à descrição dos factos dados por provados nos processos relativos aos crimes em concurso); de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1-3,ª; de 9-09-2015, no processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1 e da mesma data igualmente por nós relatado no processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S1 (nulidade por falta de fundamentação); de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, que aqui seguimos de perto; de 19-11-2015, processo n.º 94/11.3JELSB.L2.S1-5.ª (não é necessária uma reprodução exaustiva de todos os factos considerados provados pelas decisões condenatórias referentes aos diversos crimes em concurso, bastando uma simples exposição sintética daquela factualidade, desde que se mostre suficiente para avaliar a ilicitude global do facto e a personalidade do agente); de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.1.P1.S1, desta Secção, sendo variadíssimos os acórdãos neste sentido, pelo menos, os 108 citados no acórdão de 4-11-2015.
A situação é bem diferente e muito diverso o grau de exigência, ao nível de fundamentação, nas situações de concurso real/efectivo de crimes previstas no artigo 77.º ou no artigo 78.º do Código Penal, o que bem se compreende, pela diferente abrangência de uma e de outra realidades.
Sobre o ponto especificamente, os acórdãos de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GOAZ.P2.S1 e de 5-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1, em que estavam em causa cúmulos efectuados nos termos do artigo 77.º do Código Penal, transcritos na parte que interessa nos acórdãos de 17-10-2012 (dois), 1-10-2014, 3-06-2015, 9-09-2015 e de 4-11-2015.
Neste aspecto o acórdão recorrido seguiu/adoptou o caminho fácil de proceder à transcrição do que consta da fundamentação de facto dos vários processos.
A transcrição mecânica pode induzir em alheamento face à necessária percepção e apreensão do essencial, nuclear, relevante e pertinente de um trecho de vida constante do texto e contexto da singularidade de cada caso chamado a concurso, englobando aspectos que não importarão para a conformação do essencial, por vezes, vazando, inclusive referências a condutas que dizem respeito a outro co-arguido, como ocorre no processo n.º 2.8 (n.º 1754/10.1GACSC), ao referir o co-arguido UU nos pontos 6.º e 9.º, no processo n.º 2.9 (n.º 1458/5GACSC), ao referir o mesmo co-arguido nos pontos 1.º, 2.º, 4.º, 6.º, 7.º, no processo n.º 2.10 (n.º 2087/11.1GACSC), nos pontos 4.º, 10.º, 11.º, 17.º e 18.º, ao referir o co-arguido CCC, sendo ainda neste processo despiciendos para o efeito o que se contém nos pontos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 14.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º, para além das omnipresentes, em todos os processos, referências ao elemento subjectivo de cada caso.
Algumas das inserções de matéria de facto provada são de forma manifesta e exuberante, sem o correspectivo grande proveito e utilidade, muito extensas e extremamente longas, como acontece com os factos insertos no processo indicado no ponto de facto provado n.º 2.6 (processo n.º 812/08.7GACSC), nos pontos 4.º a 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º a 21.º, sendo que no ponto 1, refere-se a marca, modelo, cor e matrícula de ciclomotor que o arguido conduzia sem trazer colocado o capacete, no n.º 2.7 (processo n.º 1833/10.5GACSC), nos pontos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º, 11.º, 14.º a 17.º, 24.º, 26.º a 29.º, n.º 2.11 (processo n.º 1521/11.5GACSC), nos pontos 2 a 8, 11, 13 a 16, n.º 2.12 (processo n.º 1657/11.2PBCSC), nos pontos 9 a 20, ou no facto provado n.º 5 (processo n.º 145/11.1GACSC), nos pontos 2 e 3 e nos gastos com tratamento hospitalares, no ponto 10.º, o que de resto foi vertido, igualmente, no ponto 11.º do FP 2.4 (processo n.º 416/08.4GACSC).
III – Pena suspensa extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal
Da não integração no cúmulo jurídico da pena suspensa declarada extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal
De entre as penas potencialmente em concurso figurava a aplicada no processo n.º 365/08.6GACSC - pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, aplicada por sentença de 19-06-2012 e transitada em 9-07-2012, relativa a factos de 12 de Março de 2008 - a qual não foi integrada, e bem, por ter sido declarada extinta a pena suspensa aplicada.
A questão que se coloca é a de saber se deve ou não integrar o cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa na sua execução, mas já declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.
A questão da integração ou não de pena nestas condições, extinta dessa forma, não é anódina, pois que a não consideração da pena de prisão suspensa na execução, que venha a ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, para efeitos de integração no cúmulo, de acordo com o disposto no novo texto do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, tem sido assumida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, expressa nos acórdãos de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª; de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, e no domínio da anterior versão, veja-se o acórdão de 19-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121.
Nos termos do citado artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal e de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, será de desconsiderar, na feitura do cúmulo, tal pena no caso de ter sido declarada extinta nos citados termos.
Já no mencionado acórdão de 19-03-1999, in BMJ n.º 485, pág. 121, se entendia que na operação do cúmulo jurídico não deve ser considerada a pena declarada extinta pelo decurso do prazo de suspensão, verificando-se a insuficiência da matéria de facto para a decisão, se esta não contiver elementos sobre a existência do decurso desse prazo.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª, a Lei n.º 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, sendo tal pena doravante descontada no cumprimento da aplicável ao concurso de crimes nos termos da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do CP.
E segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.
Estas últimas não entram no concurso, pois de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”.
Como referimos no acórdão de 17-12-2009, no processo n.º 328/06.6GTLRA.S1, por nós relatado, «não é de operar a inclusão da pena suspensa declarada extinta, por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, por não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade.
A defender-se a integração de tal pena estar-se-ia a aumentar o limite máximo da moldura aplicável, pois integraria o somatório das penas parcelares concretamente aplicadas, como no caso presente, (…), ou mesmo noutras hipóteses, elevaria o limite mínimo nos casos em que tal pena correspondesse à mais elevada das parcelares em presença, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, sem que daí adviesse qualquer vantagem para o condenado por nada haver para descontar, o que redundaria num retrocesso relativamente ao regime anterior».
E como referimos no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, publicado na CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191 (citado no acórdão recorrido), «A mostrar-se extinta a pena será de colocar a questão de saber se a mesma integra ou não o cúmulo, atenta a nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.
No que respeita a este processo, a pena aplicada foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período da suspensão da execução da pena.
Face a tal extinção é de colocar a questão de saber se o cumprimento de uma pena de substituição como é a prisão suspensa na sua execução, que pode corresponder ao mero decurso do tempo, sem o arguido praticar outro ilícito criminal, deverá ser descontada, sendo a resposta negativa.
Sendo uma pena extinta não pode integrar o cúmulo».
De acordo com o acórdão de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª, devem ser excluídas da pena conjunta as penas prescritas ou extintas que entraram no concurso, justificando que “se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver qualquer desconto a realizar”.
Ainda no sentido de afastamento de desconto na pena única, de pena extinta nos termos do artigo 57.º do Código Penal, pronunciou-se o acórdão de 29-04-2010, proferido no processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, considerando que “não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final”.
Defendendo o entendimento de que não são de englobar, mas antes de desconsiderar na elaboração do cúmulo, as penas suspensas posteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período de suspensão da execução da pena, podem ver-se, para além dos já referidos de 17-12-2009 (processo n.º 328/06.6GTLRA.S1) e de 20-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, publicado na CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, os acórdãos por nós relatados, de 23 de Novembro de 2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1; de 16 de Dezembro de 2010, processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02 de Fevereiro de 2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1; de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2; de 11 de Maio de 2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1; de 26 de Outubro de 2011, processo n.º 312/05.7GAEPS.S2; de 18-01-2012, no processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227; de 02-05-2012, no processo n.º 841/06.5PIPRT-J.P1.S1; de 12-07-2012, processo n.º 76/06.7JBLSB.S1; de 17-10-2012, processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1; de 30-04-2013, processo n.º 207/12.8TCLSB.S2; de 1-10-2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1; de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1; de 27-05-2015, processos n.º 173/08.4PFSNT-C.S1 e n.º 232/10.3GAEPS.S1; de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1 e de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1 (breve referência).
No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos 11-05-2011, processo n.º 8/07.5TBSNT.S1-5.ª; de 25-01-2012, processo n.º 521/07.4TAPFR.S1-3.ª; de 08-02-2012, processo n.º 8534/08.2TAVNG.S1-5.ª; de 29-03-2012, processo n.º 117/08.3PEFUN-C.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 60/11.9TCLSB.S1-5.ª; de 17-05-2012, processo n.º 471/06.1GALSD.P1.S1-5.ª; de 30-05-2012, processo n.º 15/06.5JASTB-A.S1-3.ª; de 21-06-2012, processo n.º 778/06.8GAMAI.S1; de 5-07-2012, processo n.º 134/10.3IPM.S1-5.ª; de 17-10-12, processo n.º 182/03.0TAMCN.P2.S1-3.ª; de 25-10-2012, processo n.º 242/10.0GHCTB.S1-5.ª; de 28-11-2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-AQ.S1-3.ª; de 5-12-2012, processo n.º 1213/09.VPOER.S1-3.ª; de 14-02-2013, processos n.º 300/08.1GBSLV.S1-5.ª e n.º 241/99.1PBVNO-A.S1, da mesma relatora, defendendo que tal englobamento agravaria injustificadamente a pena única final, redundando no cumprimento de duas penas pelo mesmo facto (o cumprimento da pena de substituição e, depois dele, o cumprimento da pena substituída, na medida em que relevaria para a determinação da pena única conjunta); e n.º 194/05.9PLLSB.S1-5.ª (não são consideradas no concurso superveniente as penas de prisão suspensas na sua execução e, posteriormente, extintas nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, isto é, sem cumprimento da pena principal); de 22-05-2013, processo n.º 900/05.1PRLSB.S1-5.ª (O segmento do art. 78.º do CP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, em que se refere que “a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada”, justifica o entendimento de que é de desconsiderar, na feitura do cúmulo jurídico, a pena suspensa que tenha sido declarada extinta); de 12-06-2013, processo n.º 2234/10.0PBBRG.S1-5.ª; de 12-09-2013, processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª; de 05-11-2013, processo n.º 37/09.4JAPRT.S1-5.ª; de 12-06-2014, processo n.º 300/08.1GBSLV.S2-5.ª, defendendo que tal englobamento traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena; de 9-09-2015, processo n.º 342/10.7JALRA-A.C1.S1-5.ª; de 30-09-2015, processo n.º 425/070PBBRR:L2.S1-3.ª; de 15-10-2015, processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1-5.ª (com conhecimento da extinção da pena no decurso da audiência que decorreu no STJ, não sendo integrada no cúmulo, assim se cumprindo o disposto no artigo 625.º do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP); de 26-11-2015, processo n.º 268/09.7TAGMR-A.G1.S1-5.ª (Se a pena de execução suspensa é extinta pelo decurso do prazo sem revogação, essa pena não deve integrar o cúmulo e, por conseguinte, também não deve ser descontada na pena única pois não houve cumprimento da pena de prisão substituída); de 4-02-1016, processo n.º 1081/06.9TAAGH-B.S1-5.ª; de 25-02-2016, processo n.º 13/13.2PJOER.S2-5.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.1.P1.S1-3.ª.
Como refere André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pág. 610, citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2001, da 5.ª Secção, se a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida em conta para efeitos de reincidência.
Daqui decorre que a pena de substituição extinta por tal modo deve ser colocada no mesmo plano de desconsideração, quer se esteja face a cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, ou fora desse quadro, para efeitos de não consideração da agravativa de reincidência.
Revertendo ao caso concreto.
O acórdão recorrido justificou a não consideração da pena em causa, nos termos que constam a fls. 1047/8:
“O arguido foi ainda condenado no processo comum singular n.º 365/08.6GACSC do ex-4.º Juízo Criminal da Comarca de Cascais, por sentença de 19.06.2012, transitada em julgado em 09.07.2012, e por factos de 12.03.2008, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.
Se atendermos à data da prática dos factos, verifica-se que se mostram também numa relação de concurso superveniente com todos os supra referidos processos.
Contudo, por despacho proferido em 09.09.2013, transitado em julgado, esta pena foi julgada extinta nos termos do disposto no artigo 57.º do Código Penal.
Não é de operar a inclusão no cúmulo jurídico de pena suspensa entretanto declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, por não corresponder a cumprimento de pena de prisão, donde não estar em causa a privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas da liberdade. (Cita o acórdão de 20 de Janeiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ, 2010, tomo 1, pág. 191).
Posto isto, a pena em que o arguido foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 365/08.6GACSC não irá integrar o cúmulo jurídico”.
O acórdão recorrido excluiu, de forma correcta, a pena aplicada ao condenado no referido processo, embora sem reportar elementos probatórios do afirmado.
Vistos os boletins de registo criminal de fls. 503 e 504, repetidos a fls. 731 e 732, e de novo, a fls. 954 e verso, que certificam as datas da prática dos factos, da sentença condenatória e do respectivo trânsito em julgado, verifica-se que figura como data da extinção o dia 9-07-2013, ou seja, decorrido um ano após aquele trânsito, constando como data da decisão o dia 9-09-2013, sendo que no “Extrato da decisão”, consta “Decisão/Pena – prisão suspensa simples” e no “Motivo da pena: Extinção da pena suspensa art.º 57.º C.P.”.
Face a esta conformação fáctico-jurídica, não era de considerar tal pena como integradora do cúmulo efectuado, sendo correcta a opção do Colectivo de Cascais.
Como se referiu no acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1 “A extinção opera pelo cumprimento da pena de substituição como tal, para a qual basta o decurso do prazo da suspensão sem que sejam cometidos outros ilícitos e só o cumprimento da prisão efectiva, o cumprimento da pena principal, é tido em conta na pena final.
O condenado que no período da suspensão da execução da pena não comete crimes nesse lapso de tempo, cumpre a simples obrigação, como qualquer comum cidadão, de não cometer crimes, não tem direito a descontos (de que teria?), porque apenas se comportou como um cidadão normal, fiel ao direito.
Em tais casos a pena é declarada extinta sem haver lugar a cumprimento da pena de prisão e para efeitos de desconto na pena única final só conta o cumprimento de pena de prisão efectiva”.
Concluindo.
Mostra-se correcta a não consideração no cúmulo efectuado (rectius, no primeiro dos cúmulos efectuados) da pena aplicada no processo n.º 325/08.6GACSC.
IV – Pena de prisão cumprida – Artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - Ausência de factualização – Tempo de cumprimento – Desconto.
Neste ponto focar-se-ão os aspectos seguintes:
Inclusão das penas de prisão aplicadas nos processos n.º 416/08.4GACSC e n.º 327/11.6GACSC e já cumpridas
Não factualização de extinção de penas de prisão pelo cumprimento
Desconto da pena cumprida – Natureza – Caso especial de determinação da medida da pena, ou regra legal em matéria de execução de penas?
Entre os doze processos cujas penas integram o cúmulo jurídico realizado pelo acórdão recorrido, contam-se os processos n.º 416/08.4GACSC e n.º 327/11.6GACSC, que apresentam alguma singularidade, que passou despercebida, desde já se adiantando que o que venha a ser dito não interfere com a justeza da integração em si, não sendo violado o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.
Lido o acórdão recorrido não se enxerga qualquer alusão ao facto de terem sido integradas no cúmulo jurídico realizado penas de prisão que já se mostram cumpridas, nada se dizendo sobre o ponto e nada se factualizando quanto ao factor de extinção, cumprimento, em si, como aos tempos de cumprimento, que poderão entrar em linha de conta para efeitos de desconto, preconizado nos artigos 78.º e 80.º do Código Penal.
Face ao silêncio do acórdão, sempre se assinalará que o Ministério Público tocou o ponto na promoção de 16-11-2015, a fls. 996, ao afirmar: “O arguido tem estado preso no âmbito de outros processos em que lhe foram aplicadas penas de prisão e que integrarão, previsivelmente, o cúmulo jurídico de penas que resultará de audiência de julgamento agendada para o próximo dia 9 de Dezembro de 2015…”.
Vejamos.
Processo Comum Singular n.º 327/11.6GACSC
Neste processo, narrado no FP 2.3, a fls. 1053/4, o arguido foi condenado na pena de 9 meses de prisão.
Esta pena de 9 meses de prisão mostra-se cumprida.
O arguido esteve preso em cumprimento da pena de 9 meses de prisão desde 6 de Fevereiro de 2013 até 6 de Novembro de 2013, passando depois, a partir do dia seguinte, a cumprir pena à ordem do processo n.º 416/08.4GACSC.
Do boletim de registo criminal n.º 17, de fls. 955 (3.º volume), consta como “Data de extinção” o dia “6-11-2013”, e no boletim n.º 18, emitido em 15-10-2015, junto a fls. 955 verso, para além desta indicação, consta igualmente a de “Data da decisão”, como sendo “15-11-2013”.
Como se alcança da certidão agora junta, a fls. 1242/3, o despacho de extinção da pena pelo cumprimento data de 15-11-2013, tendo transitado em julgado em 13-01-2014.
[Cfr. infra, nova abordagem, a págs. 140/1 deste acórdão].
Processo Comum Singular n.º 416/08.4GACSC
Neste processo comum singular, narrado no FP 2.4, a fls. 1054/7, o arguido foi condenado na pena única de 2 anos de prisão.
Esta pena única de 2 anos de prisão foi cumprida entre 7 de Novembro de 2013 e 7 de Novembro de 2015.
Esta pena única de dois anos de prisão foi julgada extinta, pelo respectivo cumprimento, por despacho de 27 ou 28-11-2015, proferido a fls. 529 do processo da condenação, ora fazendo fls. 1006.
A dúvida sobre a data prende-se com o facto de o despacho ser dado na sequência de conclusão aberta em 27-11-2015, com a aposição de “ds”, seguindo-se abaixo a inscrição “2015/11/28-SÁBADO”.
Na sequência de nossa solicitação foi junta resposta, fazendo fls. 1236 a 1238, adiantando-se no ofício de fls. 1236, subscrito por escrivão auxiliar, “esclarecimento” sobre as datas, que obviamente não colhe, tendo indicado como data do trânsito a data da decisão, assinalada como sendo 27-11-2015.
Foi ordenada a remessa de boletins ao registo criminal, que não consta destes autos, pois o último junto a fls. 956 é anterior, pois que emitido em 15-10-2015, sendo cumprido o despacho em 2-12-2015, conforme fls. 1238.
[Cfr. infra, nova abordagem, a págs. 136/7 deste acórdão].
Estas penas de 9 meses e de 2 anos de prisão serão descontadas na pena única final.
Como se viu, a partir de 7-11-2015, o arguido passou a cumprir pena à ordem destes autos.
Apreciando.
Sobre o conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março de 1995, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte):
“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o n.º 1 do artigo 78.º (intocado nas posteriores dezassete alterações) passou a ter a seguinte redacção:
“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
E no n.º 2: “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.
Como assinalava Maia Gonçalves no Código Penal Português, Almedina, 18.ª edição, Setembro de 2007, em anotação ao artigo 78.º, pág. 305 “A eliminação da expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta” veio prescrever que, contra a solução anterior, o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso de infracções acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já cumprida, prescrita ou extinta, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave”.
Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, pág. 236, colocavam algumas dúvidas, não deixando de assinalar que o legislador com a solução encontrada cumpria um “respeitável esforço pro reo”.
À luz do regime anterior a 15 de Setembro de 2007, pronunciaram-se no sentido da não integração das penas de prisão cumpridas, por as considerarem como “penas não existentes”, i. a., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-1986, processo n.º 38.182, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-10-1986, processo n.º 38.366, BMJ n.º 360, pág. 340; de 14-12-1988, processo n.º 39.760, BMJ n.º 382, pág. 319; de 06-05-1992, processo n.º 42.593; de 11-06-1992, processo n.º 42.589 (Código Penal Anotado de Henriques-Leal e Simas Santos, 1995, pág. 615); de 07-01-1993, processo n.º 43.359; de 21-04-1994, processo n.º 46.045; de 19-04-1995, processo n.º 47.709; de 14-11-1996, processo n.º 603/96-3.ª, BMJ n.º 461, pág. 186; de 12-02-1997, processo n.º 938/96-3.ª, SASTJ, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 85; de 14-05-1998, processo n.º 61/98; de 08-07-1998, processo n.º 554/98-3.ª, com dois votos de vencido, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (as penas já extintas pelo cumprimento não devem ser consideradas para efeito de cúmulo jurídico a que haja de proceder-se); de 06-05-1999, processo n.º 245/99 (afasta, “face à letra expressiva da lei”, a integração de pena cumprida, citando Figueiredo Dias “Só uma pena que ainda se não encontra, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta”); de 07-07-1999, processo n.º 605/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 2, pág. 243 (a não elaboração do cúmulo jurídico de penas quando estas já se encontram extintas pode dizer-se que traduz jurisprudência pacífica deste Tribunal); de 24-02-2000, processo n.º 1202/99-5.ª, in SASTJ, n.º 38, pág. 83 (as penas cumpridas, extintas e prescritas não podem ser consideradas para efeito de elaboração de cúmulo); de 31-05-2000, processo n.º 157/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 207 (seguindo de perto o acórdão de 08-07-98 antes citado, mas tendo em vista apenas a questão de saber qual o tribunal competente para efectuar o cúmulo e afirmando: “As penas já extintas pelo cumprimento, embora impostas em condenações anteriores, não podem ser consideradas para efeitos de cúmulo jurídico com outras penas, nem consequentemente, para determinação do tribunal competente para o efectuar”); de 26-04-2001, processo n.º 3413/00-5.ª, SASTJ n.º 50, pág. 52 (só se podem cumular realidades existentes, não se podendo fazer cúmulos de penas que existem com outras que não existem); de 09-02-2005, processo n.º 51/05-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194; de 07-12-2005, SASTJ n.º 96, pág. 61; de 08-06-2006, processo n.º 1558/06-5.ª; de 22-06-2006, processo n.º 1570/06-5.ª (este com um voto de vencido) e de 15-11-2006, processo n.º 1795/06-3.ª.
Neste mesmo sentido se pronunciava, à luz da lei então em vigor, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 426, págs. 293/4, afirmando ser necessário que “a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta” e criticando na nota 113, na pág. 294, a orientação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-06-1984, CJ, Ano IX, tomo 5, pág. 293.
Caso de fronteira na interpretação do artigo 79.º do Código Penal de 1982, indicado como albergando tese contrária, mas que não o é na realidade, é versado no acórdão de 19-10-1994, processo n.º 47.143, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 215, abordando caso particular, tendo-se em consideração nesse aresto que, embora extinta pelo cumprimento uma das penas englobadas, não havia impedimento ao cúmulo, a partir da expressão «…se mostrar…» contida no n.º 1 do dito artigo 79.º, mostrando-se então que a pena ainda não estaria extinta (na verdade já se mostrava cumprida desde 10-03-1994, mas à data de 25-02-1994, mostrava-se no processo a existência da sentença, mas que a pena aí aplicada ainda não estaria extinta), justificando do seguinte modo: “Se o arguido não foi julgado antes da extinção da pena não há que penalizá-lo pelo facto, retirando-lhe as vantagens muito provavelmente decorrentes de poder ser objecto de uma pena única por todos os crimes em concurso, tanto mais que, entre a instauração do presente processo, em Março de 1992, e o seu julgamento, transcorrem passante de 2 anos”. Prossegue: “porque a letra da lei consente que o artigo 79.º seja interpretado no sentido de que a sua aplicação terá ainda lugar quando, havendo concurso de crimes e algum ou alguns deles tenha sido já objecto de condenação com trânsito em julgado, do processo conste – se mostre – que a pena já aplicada e transitada ainda não se havia extinguido por qualquer forma quando da sua instauração. Só assim se porá termo às desigualdades que podem verificar-se quando há concurso de crimes e os julgamentos são demorados”. (Negrito do texto. Sublinhados nossos).
No domínio da versão anterior, pronunciaram-se em sentido oposto, ou seja, assumindo posição favorável à inclusão da pena cumprida, adoptada expressamente pela alteração legislativa de 2007, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-10-1990, processo n.º 40.593, publicado no BMJ n.º 400, pág. 331, na Colectânea de Jurisprudência Ano XV, 1990, tomo IV, pág. 32 e sumariado em Actualidade Jurídica, Ano 2, n.º 12, pág. 4, e em Código Penal Anotado, de Henriques-Leal e Simas Santos, 1995, págs. 614 e de novo pág. 624 (Há lugar ao cúmulo das penas, ainda que já cumpridas, quando num julgamento se verifica que o arguido já foi condenado por outra infracção que com a da causa cuja pena está por cumprir, forma concurso – artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal de 1982. O artigo 79.º do mesmo diploma dispõe para o conhecimento superveniente da situação, só não havendo lugar a cúmulo quando todas as penas se mostrem cumpridas); de 14-06-1995, processo n.º 47.672, in Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 2.ª edição, 1995, volume I, pág. 627 (Têm de entrar no cúmulo mesmo as penas que ficaram extintas pelo perdão, já que o trânsito em julgado das condenações parcelares, anteriormente proferidas, não representa obstáculo à realização do cúmulo a que o conhecimento superveniente do concurso obriga); de 21-04-1999, processo n.º 593/98-3.ª, SASTJ n.º 30, pág. 77; de 24-05-2000, processo n.º 28/2000-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204 (o cúmulo final deve abranger as penas extintas, total ou parcialmente, por perdão, invocando o acórdão de 14-06-1995, processo n.º 47672, e de forma a evitar um duplo perdão) e de 30-05-2001, processo n.º 2839/00-3.ª (com dois votos de vencido, por seguirem a tese oposta constante do citado acórdão de 31-05-2000), in SASTJ, n.º 51, pág. 83 e CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211 (no caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes, o cúmulo final a efectuar deve abranger também as penas que devem entrar no concurso, mesmo que extintas, total ou parcialmente, pelo cumprimento. A interpretação correcta do artigo 78.º, n.º 1, do CP, à face do disposto no art. 9.º do CC, é a de que só se exclui do seu âmbito a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º. A não se entender assim, padece a dita norma do art. 78.º, n.º 1, de inconstitucionalidade material, pela desigualdade injustificada, não conforme com o art. 18.º da CRP).
Anteriormente à revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, exigia-se que a pena constante da condenação anterior ainda se não mostrasse cumprida, prescrita ou extinta.
Então, não integravam o cúmulo jurídico as penas de prisão já extintas pelo cumprimento; a partir de 15 de Setembro de 2007, com a nova lei que alterou substancialmente o regime de concursos, tal impedimento deixou de existir, passando a ser englobadas no cúmulo e descontando-se na pena conjunta o tempo de prisão cumprida.
Actualmente é claro que as penas de prisão cumpridas integram o concurso, havendo que proceder ao desconto das mesmas no cumprimento da pena final.
Como referimos nos acórdãos de 2-04-2009, processo n.º 581/09, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187 (citando-se o acórdão de 19-10-1994); de 02-09-2009, processo n.º 181/03.1GAVNG.S1; de 17-12-2009, processo n.º 328/06.6GTLRA.S1; de 16-12-2010, processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1; de 11-05-2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1; de 26-10-2011, processo n.º 312/05.7GAEPS.S2; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209; de 29-03-2012, processo n.º 316/07.5GBSTS.S1; de 12-07-2012, processo n.º 76/06.7JBLSB.S1; de 27-05-2015, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1 e de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, a nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, introduzida em Setembro de 2007, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.
Pela alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal pela Lei n.º 59/07, passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido, como evidencia o acórdão de 25-03-2009, proferido no processo n.º 577/09-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 233.
Como se referiu no acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, face à nova regulamentação, decorrente das alterações aos artigos 78.º e 80.º do Código Penal, introduzidas pela reforma de 2007, impor-se-á a adopção de novos procedimentos, necessariamente preliminares, na elaboração da pena de síntese, a ter em devida conta, alargando-se o campo dos “requisitos primários”.
Estabelece o artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção da citada Lei n.º 59/07:
“A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”.
Como referimos nos acórdãos de 02-09-2009, proferido no processo n.º 181/03.1GAVNG.S1 (onde foi ponderada a integração de penas de prisão subsidiária, sendo o acórdão anulado, entre o mais, por falta de factualização de dados de facto sobre cumprimento de penas, apontando-se a necessidade de fazer constar o cumprimento, como expresso ficou na conclusão “9.ª – Serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados”); de 20-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 191/198; de 24-02-2010, no processo n.º 655/02.1JAPRT.S1; de 23-11-2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1; de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1 (em causa cumprimento de pena de multa e existência de casos de cumprimento de prisão subsidiária, sendo anulado o acórdão); de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ, tomo 1, págs. 209 a 227 (aborda inclusão no cúmulo jurídico de penas de prisão cumpridas na sequência de revogação da suspensão da execução); de 29-03-2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1 e de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1 “sendo essencial e absolutamente indispensável, no plano da exposição/enunciação/enumeração da matéria de facto, face à nova versão do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal (“a pena cumprida será descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”), narrar o cumprimento da pena imposta em algum (ns) dos processos englobados no cúmulo, importa, no presente, inovador, quadro legal, factualizar o que ocorre a esse nível, o que determinará a prévia recolha dos elementos imprescindíveis e desde logo os requisitos primários.
Ora, no caso concreto, e a este específico respeito, sempre haverá de narrar - se (dar-se notícia) para posterior ponderação, o que consta dos autos, pois as penas extintas pelo cumprimento actualmente integram o cúmulo”.
E como se referiu nos acórdãos de 16-12-2010, proferido no processo n.º 11/02.1PECTB-C2.S1, de 23-02-2011, no processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2 e de 29-03-2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1, por nós relatados, impõe-se a necessidade de “recolha prévia de eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir”.
Como aplicação concreta, pode ver-se o acórdão de 26-11-2008, por nós relatado no processo n.º 3175/08.
Anteriormente, no acórdão de 25-09-2008, proferido no processo n.º 2891/08, considerámos o desconto de 1 ano de prisão sofrido pelo condenado à ordem de processo de que foi absolvido.
A matéria não fora abordada nem incluída na decisão recorrida, considerando-se então não haver impedimento a decisão por os autos fornecerem os elementos necessários para a plena integração da questão.
Os crimes em concurso haviam ocorrido de 2002 a 17-02-2004, transitando a primeira condenação em 26-10-2004, tendo o arguido estado preso desde 21-10-2004 a 21-10-2005 à ordem de processo em que foi condenado por roubo, mas depois absolvido por acórdão da Relação do Porto, transitado em julgado em 13-09-2006.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª, a Lei n.º 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, sendo tal pena doravante descontada no cumprimento da aplicável ao concurso de crimes nos termos da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do CP.
E segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.
Estas últimas não entram no concurso, pois de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”.
E acrescenta o mesmo acórdão: “Aquando do conhecimento superveniente do concurso de penas, impende sobre o tribunal averiguar se elas estão ou não prescritas ou extintas. Tendo a decisão recorrida incluído na pena conjunta penas de prisão suspensas na sua execução, sem que previamente averiguasse se as mesmas foram declaradas extintas – caso em que não poderiam ter sido englobadas no cúmulo jurídico – ou se foi revogada a suspensão, cujos prazos já decorreram, omitiu pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade”.
No acórdão de 14-05-2009, processo n.º 606/09-3.ª, foi referido: “a pena já cumprida integrará o concurso de crimes segundo a regra geral de definição que parte da anterioridade da prática dos crimes em relação ao trânsito em julgado da condenação por qualquer deles que primeiramente ocorrer”.
[Far-se-á um parêntesis para sublinhar que “Deste entendimento, com que se concorda, retira-se que para a definição do cúmulo passa a relevar a consideração do trânsito em julgado da decisão que tenha cominado a pena entretanto extinta. Dantes, não era de considerar esta, porque a pena cumprida não integrava o cúmulo. Esse trânsito em julgado passa a elencar o conjunto de trânsitos a ter em conta na definição do que ocorre em primeiro lugar”.].
Como referimos no acórdão de 17-12-2009, processo n.º 328/06.6GTLRA.S1, enferma de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão ao não ponderar a possibilidade de as penas extintas poderem integrar o cúmulo jurídico.
Para o acórdão de 10-02-2010, processo n.º 39/03.4GCLRS-A.L1.S1-3.ª “A modificação legislativa introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, ao art. 78.º do CP foi no sentido de incluir no cúmulo de penas as que se mostram cumpridas, que serão descontadas na pena única. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado”.
O acórdão de 11-03-2010, proferido no processo n.º 19996/07.1TDLSB-L.S1-5.ª, versando o artigo 81.º do Código Penal, afirma que a pena é descontada “na medida em que já estiver cumprida”, ou seja, incluindo o tempo da liberdade condicional. O legislador quis que, por imperativos de reinserção social, o condenado passasse uma fase do cumprimento da pena de prisão, em que foi condenado, sujeito a um regime que lhe facultasse a necessária adaptação à vida em liberdade.
Daí que também tenha que ser considerado em cumprimento de pena de prisão, quem se encontrar a beneficiar de uma saída precária prolongada, ou em regime penitenciário aberto para o interior, ou sobretudo para o exterior, da prisão, sem que o tempo a eles respeitante se exclua do desconto.
Para o acórdão de 17-06-2010, processo n.º 240/02.8GMTA-B.S1-5.ª, a omissão de pronúncia sobre a existência de penas cumpridas constitui nulidade.
O acórdão de 2-12-2010, processo n.º 1533/05.8GBBCL.S1-5.ª, versando a redacção do artigo 78.º, n.º 1, do CP, anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, que excluía do cúmulo jurídico as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, afirmava:
“Este regime, se era compreensível e justificado em relação às penas prescritas ou extintas, não o era relativamente às penas cumpridas, pelas desigualdades e injustiças que podia originar, apenas em função da maior ou menor celeridade no desenvolvimento dos diversos processos, pois num caso em que os processos se desenvolvessem de forma célere haveria mais possibilidades de, na altura da decisão que operasse o cúmulo final, as penas não estarem cumpridas do que noutro em que um dos diversos processos, o da última condenação, sofresse consideráveis atrasos.
No que toca às penas prescritas ou extintas a sua inclusão nem se coloca, por se tratar de penas “resolvidas”, de penas cujo englobamento no cúmulo não traria vantagem de qualquer ordem (neste sentido, acs. do STJ de 20-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, de 29-04-2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1 e de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1).
O acórdão de 9-12-2010, processo n.º 163/10.7YFLSB.S1-5.ª, pronuncia-se sobre desconto em sede de providência de habeas corpus, afirmando:
O art. 80.º do CP manda descontar, no cumprimento de pena de prisão, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, mesmo que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado for anterior à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas de coacção foram aplicadas; mas tendo estado o requerente da providência em cumprimento de pena, num determinado período, não pode esse tempo ser descontado na pena que agora cumpre (sublinhado nosso).
No acórdão de 10-03-2011, proferido no processo n.º 91/04.5GBPRD.S1, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ, 2011, tomo I, pág. 206, foi considerada a omissão de pronúncia quanto a desconto das penas que, integrando o cúmulo, se encontram já cumpridas.
Invocando Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 286, afirma o acórdão que a redacção vigente do artigo 78.º, n.º 1, “ao mandar descontar na pena única aplicada ao concurso a pena já cumprida, cria tal obrigação para o tribunal que proceda ao cúmulo”, especificando que:
“Cumpre, por isso, ao tribunal calcular o número de dias de prisão que o recorrente já cumpriu, descontando-os na pena que vier a fixar”.
Adianta ainda que, na sequência da anulação da decisão recorrida (não apenas com este fundamento – entenda-se), no novo acórdão a elaborar, que dê cabal cumprimento ao disposto no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal, “deverá também ser referido o desconto que deve sofrer a pena única por via das penas parcelares que se encontrem já cumpridas e que forem integradas na pena conjunta”.
No acórdão de 14-04-2011, processo n.º 136/08.0JELSB.S1-5.ª, em caso de actividades de tráfico de estupefacientes cometidas em países distintos, improcede a pretensão do recorrente de que a pena aplicada pela justiça francesa seja descontada na pena que vier a ser-lhe aplicada nos autos, pois, para se operar o desconto da pena que o agente tenha sofrido no estrangeiro, torna-se necessário que tal pena diga respeito ao mesmo facto pelo qual o agente é julgado em Portugal e, por força do direito convencional, são distintas as infracções.
O acórdão de 27-04-2011, proferido no processo n.º 2/03.5GBSJM.S1-3.ª, pondera: “actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido”.
Segundo o acórdão de 2-11-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB-D.L1.S1-3.ª, a modificação legislativa de 2007 impõe se incluam no cúmulo jurídico de penas a efectuar nos termos do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, as penas já cumpridas, que serão descontadas na pena conjunta.
Afirma-se no acórdão de 17-11-2011, processo n.º 267/10.6TCLSB.L1.S1-5.ª: “É agora inquestionável que na pena única são englobadas as penas dos crimes em concurso, ainda que já cumpridas, descontando-se as mesmas no cumprimento da pena única aplicada, conforme decorre do segmento final do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal”.
Lê-se no acórdão de 10-05-2012, processo n.º 60/11.9TCLSB.S1-5.ª: “O artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, pressupõe que na formulação do cúmulo jurídico entram crimes, desde que em concurso, cujas penas já tiverem sido cumpridas”.
Para o acórdão de 17-05-2012, processo n.º 471/06.1GALSD.P1.S1-5.ª “Após a revisão do CP operada pela Lei 59/2007, todas as penas aplicadas por crimes praticados em data anterior a uma condenação transitada em julgado passaram a integrar o cúmulo a que tem de se proceder nas situações de conhecimento superveniente, uma vez que da actual redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP foi eliminado o segmento “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”.
Para o acórdão de 30-05-2012, processo n.º 15/06.5JASTB-A.S1-3.ª, o artigo 78.º, n.º 1, do CP, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, ao estatuir que em caso de a pena ter sido cumprida ela é descontada no cumprimento da pena, suprimindo o requisito do antecedente de a condenação se não mostrar ainda cumprida, prescrita ou extinta, traz evidente vantagem ao arguido no caso de a anterior pena se mostrar cumprida. Em caso de revogação, a pena de substituição deve ser englobada no cúmulo, mas apenas se tiver sido cumprida.
Extrai-se do acórdão de 5-07-2012, processo n.º 134/10.3TAOHP.S1-5.ª: “Nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, no concurso superveniente, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. O que implica que as penas extintas pelo cumprimento sejam englobadas na pena única.
Consta do acórdão de 17-10-2012, processo n.º 182/03.0TAMCN.P2.S1-3.ª – Face à actual redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, é necessária a realização do concurso mesmo nestes casos, o que implica pelo tribunal que realiza o concurso o ónus de descontar a pena já cumprida, quando da efectivação da pena conjunta do concurso.
Os acórdãos de 28-11-2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-A.S1 e de 5-12-2012, processo n.º 1213/09.SPDOER.S1, em que interviemos como adjunto, reportam a integração de penas cumpridas, invocando o acórdão de 2-09-2009, proferido no processo n.º 181/03.1GAVNG.S1.
Extrai-se do acórdão de 10-01-2013, processo n.º 218/06.2PEPDL.L3.S1-5.ª, in CJSTJ 2013, tomo 1, pág. 187, “em caso de pena de multa convertida em prisão subsidiária reduzida a 2/3, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do CP, e executada, em conformidade com o estatuído no artigo 49.º, n.º 3, do CP, porque conserva a sua originária natureza de pena de multa, “mesmo que entrasse no cúmulo jurídico, não seria descontada na pena de prisão, tanto mais que as penas de diferente natureza, sendo umas de prisão e outras de multa, conservam essa distinta natureza na operação de cúmulo”.
O acórdão de 30-01-2013, proferido em providência de habeas corpus n.º 958/11.4TXLSB-G.S1-3.ª, afirma que o desconto do artigo 80.º do Código Penal não opera ope legis, sendo da competência do tribunal da condenação, a quem compete igualmente a liquidação da pena.
Extrai-se do acórdão de 14-02-2013, processo n.º 194/05.9PLLSB.S1-5.ª: “As infrações cujas penas se mostrem cumpridas são consideradas no concurso superveniente, se praticadas antes da data da sentença que primeiro transitou em julgado e as penas respectivas serão descontadas no momento do cumprimento da pena única fixada – independentemente da data da condenação, pois aplica-se sempre a lei mais favorável (art. 2.º, n.º 4, do C. Penal), sendo que a lei mais favorável é a actual”.
O acórdão de 14-02-2013, proferido no processo n.º 19996/07.1TDLSB-L.S1-5.ª (Habeas corpus), do mesmo relator do acórdão de 11-03-2010, no mesmo processo, mas em outro contexto, ponderou que só devem ser descontadas na pena a cumprir em Portugal as medidas processuais aplicadas no estrangeiro que tenham equivalência razoável às que existam entre nós susceptíveis de serem descontadas (artigos 82.º e 81.º, n.º 2, do Código Penal).
Para o acórdão de 18-04-2013, processo n.º 276/11.8GCBRG.S1-5.ª – Face a pena de multa, que foi substituída por prisão subsidiária (aliás extinta pelo cumprimento), entende-se ser de considerar pena de espécie diferente para efeito de cúmulo, à luz do artigo 77.º, n.º 3, do CP, pelo que não deve entrar no cúmulo a efectuar.
Lê-se no acórdão de 12-06-2013, processo n.º 2234/10.0PBBRG.S1-5.ª: “O art. 78.º, n.º 2, do CP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, manda descontar a pena já cumprida no cumprimento da pena única, o que significa que mesmo as penas já cumpridas e extintas entram no cúmulo jurídico, se os respectivos crimes estiverem em relação de concurso”.
Respiga-se do acórdão de 05-06-2014, proferido no processo n.º 8/13.6GAFND.S1, da 5.ª Secção: Duas perspetivas podem ser adotadas relativamente à natureza jurídica do desconto – a da consideração de que a operação de desconto constitui uma regra legal em matéria de execução de penas, e só nessa fase deve ser realizado, e a perspetiva que entende o desconto como um caso especial de determinação da pena. Entende-se, na linha do exposto no AFJ 9/2011, de 20-10, que se justifica “plenamente o tratamento sistemático do instituto do desconto no quadro da determinação da pena porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir; embora a pena, na sua espécie e gravidade, esteja definitivamente fixada antes de o tribunal considerar a questão do desconto, o que é certo é que a gravidade da pena a cumprir é também determinada pela decisão da questão do desconto (…). Tudo leva, assim, a que o desconto - mesmo quando legalmente predeterminado - deva ser sempre mencionado na sentença condenatória (…)”, ou quando tal não ocorra “o desconto deve ser ordenado em decisão judicial posterior, nomeadamente no momento da homologação do cômputo da pena (...) ou, mesmo, mais tarde, rectificando-se, então, a anterior contagem.” Assim, dado que o desconto não foi expressamente mencionado na sentença condenatória e em atenção à preservação dos atos judiciais já realizados, entende-se que deve o desconto ser ordenado na decisão de homologação, pelo juiz, do computo da pena, de harmonia com o disposto no art. 744.º, n.º 4, do CPP.
Segundo o acórdão de 12-06-2014, processo n.º 179/13.1TCPRT.S1-5.ª, “como decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em caso de concurso de crimes, o cúmulo jurídico abrange tanto as penas não cumpridas como as cumpridas, sendo questão posterior o desconto que se imponha fazer”.
Para o acórdão de 3-07-2014, processo n.º 180/11.0PATNV.S1-5.ª, “O desconto dos períodos de privação de liberdade, regulado nos arts. 80.º a 82.º do CP, embora resultasse vantajoso, quando possível, constar da decisão condenatória, não constando tal menção do elenco das exigências feitas pelo n.º 2 do art. 374.º do CPP, numa situação como a dos presentes autos, em que a obrigatoriedade e a medida do desconto são pré-determinadas pela lei (art. 80.º, n.º 1, do CP), não têm as mesmas de ser indicadas na decisão condenatória”.
Extrai-se do acórdão de 10-09-2014, processo n.º 118/09.4GESLV.E2.S1, da 5.ª Secção: Duas perspetivas podem ser adotadas quanto à natureza jurídica do desconto: a de que a operação de desconto constitui uma regra em matéria de execução das penas e a que entende o desconto como um caso especial de determinação da pena.
Ainda que se justifique o tratamento sistemático do desconto no quadro da determinação da pena, a sua omissão não é bastante para considerar o acórdão nulo, dado que, em atenção à preservação dos atos judiciais já realizados, sempre o desconto poderia ser ordenado na decisão de homologação, pelo juiz, do cômputo da pena. Mas, atendendo à nulidade do acórdão recorrido o desconto deve ser efetuado aquando da sua reformulação.
No acórdão de 1-10-2014, por nós relatado no processo n.º 106/14.9YFLSB.S1 (Habeas corpus), o requerente pretendia que a prisão preventiva sofrida no processo x em que foi absolvido (foi solto no dia do acórdão absolutório), verificada entre 14-02-2009 e 29-09-2010, fosse computada no processo à ordem do qual se encontrava em cumprimento de pena.
Foi considerado que a prisão preventiva sofrida durante um ano, sete meses e catorze dias à ordem do processo em que o peticionante acabou por ser absolvido não podia ser considerada no processo cuja pena então cumpria.
Após citar o artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, referiu-se:
“Acontece que os factos por que o requerente foi condenado no processo são posteriores ao acórdão absolutório do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo x, que data de 29 de Setembro de 2010 e os factos que conduziram à aplicação da pena única ocorreram em 2 de Maio de 2011.
O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 218/2012, de 26 de Abril de 2012, não julgou inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada”.
Segundo o acórdão de 13-11-2014, processo n.º 813/11.8TAPTM-E1.S1 - 5.ª Secção - Deverá ainda fazer-se referência expressa aos períodos de privação da liberdade que a arguida tenha cumprido ao abrigo de qualquer um dos processos que integram este concurso, para que, sendo caso disso, se proceda ao desconto. Pois, considerando o desconto como um caso especial de determinação da pena, entendemos que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória. Porém, isto não seria o bastante para que se considerasse o acórdão nulo, dado que em atenção à preservação dos atos judiciais já realizados, sempre se poderia considerar que o desconto poderia ser ordenado na decisão de homologação, pelo juiz, do cômputo da pena, de harmonia com o disposto o art. 477.º, n.º 4 do CPP. (Sublinhados nossos).
No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, nos crimes em concurso, foram aplicadas penas de prisão efectiva, respectivamente, 5 e 7 meses de prisão, constando num caso e noutro estarem já extintas pelo seu cumprimento.
O Ministério Público recorrente insurgiu-se contra a indevida exclusão do cúmulo jurídico realizado das penas de prisão efectiva aplicadas nos dois processos, invocando violação da norma constante do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, por o fundamento da exclusão ter assentado em que tais penas se mostram extintas pelo cumprimento, pedindo a integração no cúmulo das penas aplicadas naqueles processos.
Afirmou-se na circunstância: “A opção do Colectivo está, pois, errada, incorrendo em violação do disposto no n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, devendo proceder-se à inclusão das penas referidas.
No caso presente, os dados relativos a cumprimento de pena para efeitos de desconto não foram factualizados, nem, aliás, podiam sê-lo, considerando que as penas de prisão cumpridas foram, pura e simplesmente, votadas ao ostracismo, foram excluídas do concurso, em manifesto prejuízo do condenado.
Mas como será efectuado novo cúmulo onde se integrarão necessariamente estas duas penas de prisão cumpridas na totalidade, importará ter em atenção este aspecto, com concretização do “requisito primário” que sustenta a necessária/prévia recolha dos elementos atinentes”.
No acórdão de 2-07-2015, processo n.º 70/10.3GAPNL.C1.S1-3.ª, reporta-se a integração de penas cumpridas, invocando o citado acórdão de 30-05-2012, processo n.º 15/06.5JASTB-A.S1-3.ª.
No acórdão de 9-07-2015, igualmente por nós relatado no processo 19/07.0GAMNC.G2.S1, foi considerada correcta a integração no cúmulo de um dos processos, contestada pelo recorrente, uma vez que o arguido cumprira à sua ordem 3 anos de prisão, pena a descontar na pena única fixada.
No acórdão de 17-09-2015, processo n.º 78/15.2T8VCD.S1 - 5.ª Secção, entende-se que não existe obrigação legal de consignar no segmento decisório do acórdão ou da sentença que tem de ser feito o desconto do período temporal da medida de coacção de OPHVE que o arguido cumpriu à ordem do processo, ainda que tal menção se possa ter como uma boa prática, pois a obrigação de efectuar tal desconto decorre da lei, de acordo com o artigo 80.º, n.º 1, do CP, e o momento próprio para a ponderar e levar em consideração é o da liquidação da pena a que há-de proceder-se, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 477.º do CPP.
Para o acórdão de 08-10-2015, proferido no processo n.º 5314/12.4TALRS.S1 - 5.ª Secção, sempre que possível, devem ser mencionados na sentença cumulatória os períodos de privação da liberdade que o arguido tenha cumprido ao abrigo de qualquer um dos processos que integram o concurso, para que, sendo caso disso, se proceda ao desconto, sendo certo que, a omissão de tal indicação não é o bastante para que se verifique a nulidade do acórdão, dado que em atenção à preservação dos atos judiciais já realizados sempre se poderia considerar que o desconto poderia ser ordenado na decisão de homologação, pelo juiz, do cômputo da pena, de harmonia com o disposto no artigo 477.º, n.º 4, do CPP, assim se assegurando a preservação do ato judicial.
Procedendo a desconto equitativo, respiga-se do acórdão de 15-10-2015, proferido no processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1, da 5.ª Secção: “Estando a arguida a cumprir as penas de substituição (penas de prisão suspensas na sua execução sob condição de pagamento aos ofendidos) em que tenha sido condenada - penas essas que foram englobadas no presente cúmulo - tal é determinante para que, em atenção ao disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CP, se possa fazer um desconto equitativo.
Porque não é o mesmo sofrer uma privação da liberdade e admitir o seu desconto integral na pena de prisão em que venha a ser descontada, ou cumprir diversas imposições em liberdade, considera-se como equitativo o desconto de 2 anos na pena única aplicada, pois verifica-se que a arguida cumpriu apenas alguns dos pagamentos impostos aquando da suspensão da execução da pena imposta no processo B, mas ainda muito longe do seu cumprimento total” (Sublinhados nossos).
Extrai-se do acórdão de 15-10-2015, proferido no processo n.º 294/11.6GAVVD.G4.S1-5.ª: “O art. 78.º, n.º 1, do CP, parece fazer uma clara distinção entre as penas extintas e as penas já cumpridas, uma vez que as penas já cumpridas são descontadas, o que apenas poderá ocorrer quando estas tenham sido englobadas para determinação da moldura da pena do concurso (nos termos dos arts. 77.º, n.º 1, in fine e 81.º, n.º 1, ambos do CP), o mesmo não sucedendo quanto às penas extintas que não são integradas naquele concurso.
Deve integrar o cúmulo jurídico uma pena única de 9 meses de prisão que foi substituída pelo cumprimento em regime de permanência na habitação, e que o recorrente cumpriu entre 15-03-2013 e 15-12-2013, na medida em que se trata de uma pena já cumprida”.
No acórdão de 12-11-2015, processo n.º 1/09.3JAPTM.S1-5.ª, ponderou-se que tendo a decisão recorrida incluído a pena principal de prisão substituída por multa (e posteriormente substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade), a qual foi cumprida mediante trabalho comunitário, tal implica, por analogia favorável ao condenado, que seja realizado o desconto do trabalho comunitário cumprido na pena única de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do Código Penal.
O acórdão de 26-11-2015, processo n.º 856/07.6TAVNG-B.S2-5.ª - Habeas corpus - considera o desconto de pena já cumprida, mas estando o peticionante a cumprir pena de prisão ao abrigo de outro processo, é indeferida a providência.
Pondera o acórdão de 26-11-2015, proferido no processo n.º 268/09.7TAGMR-A.G1.S1-5.ª Secção: “As penas que tenham sido cumpridas e que hajam integrado a pena única determinada por força de concurso superveniente que haja sido reconhecido têm de ser descontadas no cumprimento da pena única, mas o momento adequado para esse procedimento, transitada a decisão que fixou a derradeira pena única, é o da liquidação e respectiva homologação judicial (art. 477.º, n.º 2, do CPP) passível de recurso, naturalmente.
O mesmo se diga a respeito do desconto das medidas processuais sofridas no âmbito de cada um dos processos cujas penas integrem a pena única que foi fixada, desconto esse previsto no art. 80.º, do CP”.
Para o acórdão de 10-12-2015, processo n.º 331/09.4GFPNF.P2.S1-5.ª Secção, “Face ao disposto no art. 78.º, n.º 1 do CP, as penas de prisão efetiva, de facto cumpridas, deverão entrar no cúmulo, sendo descontadas na íntegra em sede de liquidação da pena conjunta, e, no entanto, como só uma parte delas será computada para cômputo dessa pena conjunta, assim se beneficiará o arguido.
Não faz sentido integrar no cúmulo uma pena substituída, quando já tenha sido cumprida a pena de substituição, pelo que, o n.º 1, in fine, do art. 78.º, do CP, tem que ser interpretado restritivamente, no sentido de só ser aplicável a penas principais (prisão e multa).
Em matéria de desconto, o art. 81.º, n.º 2, do CP, exige que “A pena anterior e posterior” sejam de diferente natureza e tal pressupõe “a modificação da pena anterior por outra de espécie diferente”. Não seria esse o caso, se a pena suspensa extinta fosse transfigurada em pena de prisão, para entrar no cúmulo, porque nessa eventualidade, no cúmulo, só entrariam penas de prisão (mesma espécie de pena), como de prisão seria a pena conjunta aplicada.
Repugnaria considerar a pena anterior e a posterior da mesma espécie para efeito de desconto, porque o que fora efetivamente cumprido teria sido a pena suspensa”.
Defendendo a integração de penas cumpridas e respectivo desconto, pronunciou-se o acórdão de 28-04-2016, processo n.º 27/11.7JBLSB.L1.S1-3.ª, invocando o acórdão de 21-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1-3.ª.
Sobre pena de prisão subsidiária cumprida, pronunciou-se o acórdão de 02-09-2009, proferido no processo n.º 181/03.1GAVNG.S1, onde foi ponderada a integração de penas de prisão subsidiária cumpridas, entendendo-se ser de incluir no cúmulo condenação em processo sumário por condução intitulada em pena de multa, que veio a ser convertida em 40 dias de prisão subsidiária e como tal cumprida, para além de declarada nulidade por omissão de referência a cumprimento de uma pena subsidiária de 140 dias, para tanto interrompendo cumprimento de outra pena de prisão.
No acórdão de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, estava em causa cumprimento de pena de multa e existência de casos de cumprimento de prisão subsidiária, sendo anulado o acórdão, e afirmando-se: “Deverá ainda atentar-se em que deverá ser descontado o tempo de prisão sofrido com o cumprimento da pena de prisão subsidiária”, e concluindo no ponto “3 - Ao não indagar do cumprimento de penas de multa e de prisão subsidiária resultante de conversão daquela, omitindo referência a um caso de efectivo cumprimento de pena de multa e um outro de prisão subsidiária resultante de conversão por parte da condenada, o acórdão recorrido incorreu igualmente em nulidade por omissão de pronúncia”, e na conclusão “4 - Cumprirá indagar se as penas de multa aplicadas nos processos indicados nos n.º s 5 e 8, foram, ou não, cumpridas como tais, ou se foram eventualmente convertidas em prisão subsidiária, e, a ser esse o caso, qual o tempo de prisão cumprida”.
No acórdão de 6-05-2015, processo n.º 9599/14.3T2SNT.S1, caso em que é abordada a questão de saber se a prisão subsidiária deve ser integrada no cúmulo, cumprindo indagar se já cumprida, foi o acórdão sido anulado por omissão de pronúncia a tal respeito.
No acórdão de 27-05-2015, no processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, foi versado caso em que a pena de multa foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária, a qual foi cumprida como pena privativa da liberdade na íntegra, sendo o arguido desligado do processo a cuja ordem se encontrava para cumprir tal pena.
Transcreve-se: “Estando-se perante uma pena de prisão subsidiária cumprida, integralmente cumprida, não fora o impedimento do arrastamento e tal pena deveria ser integrada no cúmulo e a respectiva medida descontada na pena conjunta, então a definir nesse hipotético quadro mais alargado.
Não se desconhece o entendimento de que a prisão subsidiária não deve ser integrada no cúmulo jurídico atenta a disposição do n.º 3 do artigo 77.º do Código Penal, como foi entendido nos acórdãos do STJ de 27-04-2011 e 10-01-2013, processos 2/03.5GBSJM.S1 e 218/06.2PEPDL.L3.S1, citados na decisão recorrida e igualmente, de 27-05-2010, processo n.º 601/05.0SLPRT.P1.S1-5.ª, de 7-12-2011, processo n.º 93/10.2TCPRT.S2-5.ª, de 14-02-2013, processo n.º 241/99.1PBVNO-A.S1-5.ª (as penas de prisão subsidiária devem acumular-se materialmente com a pena única do concurso de crimes punidos com pena de prisão).
A partir do momento em que por despacho é convertida a inicial pena de multa em pena de prisão subsidiária, passa a ser aplicada ao condenado uma pena de prisão, subsidiária, é certo, mas, a ser cumprida, igualmente privativa da liberdade.
Certo que, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º do Código Penal, o condenado poderá evitar no todo ou em parte o cumprimento desta pena privativa de liberdade, efectuando o pagamento da totalidade ou parte da multa imposta.
Segundo Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, pág. 284 “Em caso de concurso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza mantém-se na pena conjunta”. “Havendo (…) concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de prisão subsidiária resultante de multa não paga nem executada, verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente (…) as penas de prisão subsidiária da multa, o que tem particular relevância prática para efeitos de extinção da pena de multa pelo pagamento”.
Ora, como se retira desta última parte, o que é considerado é algo que se situa num estádio anterior, em que ainda é possível o pagamento da multa e aí estaremos de acordo que o cúmulo seja material.
Caso diferente é o presente, em que a pena de prisão subsidiária foi cumprida na íntegra, tendo o arguido sido desligado do processo cuja pena de prisão se encontra cumprida, no processo n.º 24/09.2SOLSB, em 11 de Maio de 2014, para cumprir a prisão subsidiária, não podendo olvidar-se a mudança operada com a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, em 2007, em que o legislador pretende o desconto de penas de prisão cumpridas.
No presente caso, acontece que a prisão subsidiária foi cumprida na totalidade, e tal como a pena de prisão, aplicada como pena principal, a pena de prisão subsidiária é executada em reclusão, sendo igualmente, uma pena de privação de liberdade.
A não ser assim, teríamos de concluir que o legislador nacional acolheu o princípio de cúmulo material de penas privativas de liberdade...».
No acórdão de 2-12-2015, proferido no processo n.º 465/14.3TBLGS.S1, foi abordada situação em que tendo o arguido cumprido 66 dias de prisão subsidiária, entende-se que tal pena deveria ser objecto de cúmulo.
E mais recentemente, pronunciou-se no sentido da integração e desconto, o acórdão de 28-09-2016, proferido no processo n.º 1511/02.9PBAVR.1.P1.S1, desta Secção, de que se extrai o passo seguinte:
“Importa ainda salientar que presentemente, para a aplicação da pena única, não importa se a pena está ou não cumprida, se a prisão é ou não efectiva ou se a multa foi ou não convertida em prisão subsidiária (neste caso, a pena a contabilizar para a pena única será sempre a pena de multa e se o arguido tiver cumprido prisão subsidiária ela poderá vir a ser descontada na pena de prisão que a final for liquidada ao arguido) - cfr. nova redação do art 78.º do Código Penal”.
Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 394, em comentário ao artigo 78.º, entendem que uma decisão final cumulatória deverá integrar, sob pena de nulidade por falta de fundamentação (379.º/1, a) CPP), i. a., “d) A referência aos dados pertinentes ao estado de cumprimento das penas concretamente aplicadas, a final”.
Concluindo.
As penas de prisão efectiva aplicadas nos processos n.º 416/08.4GACSC e n.º 327/11.6GACSC foram correctamente englobadas no cúmulo jurídico realizado, e pese embora não tenha sido factualizado o respectivo cumprimento integral, será de descontar na pena única em que se insiram, a privação de liberdade sofrida à ordem de ambos os processos, ou seja, 2 anos e 9 meses de prisão.
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Passando à apreciação das questões colocadas pelo recorrente, começando pela questão do cúmulo por arrastamento.
Questão I – Realização de um único cúmulo jurídico, com fixação de uma só pena única – Cúmulo por arrastamento
Nas “conclusões” 1.ª a 28.ª, o recorrente coloca a questão da indevida realização de dois cúmulos jurídicos, por, em seu entender, haver lugar a um único cúmulo jurídico, com aplicação de uma única pena única, no que é acompanhado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, que defende que “deverá ser efetuado novo cúmulo em que seja excluída apenas a única decisão condenatória que colide com as três outras condenações, que entram no cúmulo superveniente efetuado no processo onde foi proferido o acórdão recorrido por lhe ser mais favorável um único cúmulo e na pena autónoma, devendo ser dado provimento parcial ao recurso do arguido AA ”, ou seja, efectuar-se-ia um único cúmulo jurídico, abrangendo todas as penas, com excepção da cominada na decisão que primeiro transitou em julgado, em 28-03-2011.
Estas posições remetem-nos para a questão do cúmulo por arrastamento, que o acórdão recorrido afastou, invocando o acórdão de 18-01-2012, por nós relatado, no processo n.º 34/05.9PAVNG.S1 (CSTJ 2012, tomo 1, págs. 209/227), por isso, efectuando dois cúmulos jurídicos autónomos, fixando duas penas únicas de cumprimento sucessivo, o que fez a partir do separador constituído pelo primeiro trânsito em julgado, verificado em 28 de Março de 2011, no processo n.º 1710/08.0GLSNT.
Na abordagem do tema do cúmulo por arrastamento, o que está em causa é a definição de uma relação de concurso de crimes relevante para efeitos de cúmulo jurídico de penas, havendo que indagar se há uma efectiva relação de concurso (de crimes) justificativa da cumulação (de penas).
A partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, que se verifique em primeiro lugar, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma primeira fase, em que o agente não é censurado, atempadamente, muitas vezes por deficiências do sistema de justiça, ganhando assim, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, após a admonição, abrindo-se um ciclo novo, autónomo, em registo sucessivo.
Sobre esta questão do “cúmulo por arrastamento”, seguir-se-á, na exposição que segue, o constante dos acórdãos de 19-12-2007, de 27-02-2008, de 19-11-2008, de 26-11-2008, de 27-01-2009, de 25-06-2009, de 02-09-2009, de 17-12-2009, de 23-11-2010, de 16-12-2010, de 02-02-2011, de 23-02-2011, de 18-01-2012, de 30-04-2013 e de 03-06-2015, por nós relatados, nos processos n.º s 3400/07, 4825/07 (este publicado na CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 236), 3553/08, 3175/08, 4032/08, 2890/04.9GBABF-C.S1, 181/03.1GAVNG, 328/06.6GTLRA.S1, 93/10.2TCPRT.S1, 11/02.1PECTB.C2.S1, 994/10.8TBLGS.S1, 1145/01.5PBGMR.S2, 34/05.9PAVNG.S1 (in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209/227), 207/12.8TCLSB.S2 e 336/09.5GGSTB.E1.S1, não havendo necessidade/justificativo, por ora, e a nosso ver, de revisão das posições assumidas, até pela manifestação de posteriores referências jurisprudenciais outras visitadas, em sintonia, o que não significa a não achega de outros dados posteriormente recolhidos.
Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, no § 393, pág. 277 e no § 424, pág. 293, afirma que pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes, ou da formação da pena do concurso, é que os crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.
E depois de no § 396, pág. 278, frisar que o que importa é apenas que a prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, adianta: Exigência que bem se compreende: sendo a prática do crime posterior – e se bem que, do ponto de vista da doutrina do crime, continue a existir uma «pluralidade» ou um «concurso» de crimes -, a hipótese já não relevará, para efeitos de punição, como concurso de crimes, mas só, eventualmente, como reincidência.
Mas no § 425, na pág. 293, a propósito da determinação superveniente da pena do concurso, mais concretamente, do pressuposto temporal de que depende a extensão do regime da pena do concurso, nos casos em que o concurso só venha a ser conhecido supervenientemente - único hoje subsistente face à nova redacção do actual artigo 78.º, que excluiu o segundo pressuposto da “pena anterior ainda não cumprida, prescrita ou extinta” - diz: «É necessário, por um lado, que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento. Momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida – e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena conjunta –, não o do seu trânsito em julgado. Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência».
Na jurisprudência numa primeira fase foi defendido o cúmulo por arrastamento.
O acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Outubro de 1988, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIII, tomo IV, pág. 18, decidiu que “mesmo que alguns crimes não sejam anteriores às condenações de cada um dos processos, os que o são e por sua vez constituem cúmulo com os das condenações anteriores, fazendo cúmulo com as restantes, acarretam o cúmulo de todos”.
“É o chamado cúmulo por arrastamento, pois, não sendo possível cumular penas parcelares com cúmulo de penas, essa é a solução aceitável, por ser a mais benévola para o réu”.
Em sentido idêntico tinha decidido o acórdão de 2 de Julho de 1986, com um voto de vencido, no processo n.º 38.387, in BMJ n.º 359, pág. 339.
Rompendo com tal posição o Supremo Tribunal de Justiça passou a entender de forma diversa, a partir de 1992, afastando a aplicação do princípio in dubio pro reo, defendendo que não são de admitir os cúmulos por arrastamento, citando-se, entre muitos outros, o acórdão de 20 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 233/96, publicado no BMJ n.º 458, pág. 119, que adoptando a perspectiva que afasta a possibilidade do chamado «cúmulo por arrastamento», por entender ser essa a doutrina correcta, decidiu que “As penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação”. (…) “É pressuposto essencial da formação de uma pena única, por virtude de um concurso de crimes, que a prática das diversas infracções tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas. É isto o que resulta do estabelecido no artigo 78.º do Código Penal de 1982. O artigo 79.º, n.º 1, desse mesmo Código (hoje artigo 78.º n.º 1, do Código Penal revisto em 1995) não pode ser interpretado cindido do disposto naquele artigo 78.º”.
Anteriormente a solução foi encontrada sem referência concreta a “arrastamento”, mas considerando o trânsito em julgado como o factor de impedimento de uma acumulação total, como aconteceu nos acórdãos que seguem:
Acórdão de 13 de Maio de 1992, processo n.º 42573, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo 3, pág. 21 - “Não se verifica concurso de infracções quando o arguido, em liberdade condicional, comete outros crimes pelos quais é condenado”.
O acórdão historia o caso de conhecimento superveniente do concurso, mencionando o Parecer da Procuradoria-Geral da República (n.º 112/51), de 26 de Junho de 1952, in BMJ n.º 36, pág. 48, o qual definiu que «em caso de acumulação de infracções é obrigatório o cúmulo jurídico das penas autónomas aplicadas, mesmo que as decisões respectivas tenham transitado em julgado», e dando conta das posições de Eduardo Correia em 1963, que vieram a ser consagradas nos artigos 78.º e 79.º do Código Penal de 1982.
Pode ler-se na fundamentação “…temos um julgamento, com a sua solene advertência ao réu, que interrompe qualquer situação de benefício que deriva da acumulação; todos os crimes anteriores a esse julgamento formam uma acumulação, com as suas consequências. Ficam de fora todos os crimes anteriores, que não tenham outros anteriores a eles e que já tenham sido objecto de uma sentença transitada, porque, relativamente a estes, os restantes crimes que existem já são posteriores a uma sentença transitada.”
No acórdão de 21 de Abril de 1994, processo n.º 46.045, consta: “Deve proceder-se a cúmulo jurídico das penas, nos termos do artigo 79.º do C. Penal, quando o crime de que haja conhecimento posteriormente tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal modo que esta devia tê-lo tomado em conta, quando a sentença proferida na condenação anterior ainda se não mostrar cumprida, prescrita ou extinta e quando a prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
O acórdão de 23 de Junho de 1994, processo n.º 46.680, considerando que os artigos 78.º e 79.º [do CP de 1982] consagraram a solução adoptada no artigo 38.º do Código Penal de 1886, afasta a hipótese de cúmulo por o crime julgado no processo em recurso ter sido cometido já depois de haverem transitado em julgado as sentenças proferidas em outros processos com cujas penas o recorrente pretende o cúmulo.
Afirmava o acórdão de 20 de Junho de 1996, BMJ n.º 458, pág. 119: “As penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação”.
Na formulação do acórdão de 14 de Novembro de 1996, processo n.º 756/96-3.ª, Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria, STJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 72, consta o seguinte: “1. É pressuposto essencial da formação de uma pena única por virtude de um concurso de crimes, que a prática das diversas infracções tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas”. “2. O normativo do art. 79.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (hoje 78.º, n.º 1) não deve ser interpretado sem ter presente o que dispõe aquele art. 78.º, n.º 1 (actual 77.º, n.º 1)”.
No acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, processo n.º 983/96-3.ª, SASTJ n.º 8, Fevereiro de 1997, págs. 98/9, pode ler-se: “A condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas implica a efectivação de um cúmulo jurídico por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar por todos esses crimes.
Não é legal proceder ao cúmulo de penas parcelares com o cúmulo de penas anteriores, pelo que o tribunal tem obrigação de proceder a um novo cúmulo jurídico com todas as penas parcelares eliminando os cúmulos parcelares anteriores.
Como pode ler-se no acórdão de 12 de Março de 1997, processo n.º 981-3.ª, SASTJ n.º 9, Março de 1997, pág. 69 “A aplicação de uma pena única com cabimento na previsão do art. 78.º, n.º 1, do Código Penal de 1995 – conhecimento superveniente do concurso – corresponde sempre e tão só a situações de punição de concurso de crimes, ou seja, quando se está perante uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente antes de qualquer delas ter sido objecto de uma sentença transitada em julgado. É pressuposto essencial da formação de uma pena única – ainda que nos casos de conhecimento superveniente do concurso – que a prática dos diversos crimes tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas”.
E de acordo com o acórdão de 15 de Outubro de 1997, processo n.º 646/97-3.ª, in SASTJ, volume II, n.º 14, Outubro de 1997, pág. 146: “Não se verificam os pressupostos legais para a condenação em pena única, através do cúmulo jurídico (arts. 77.º e 78.º do Código Penal), quando o arguido comete um crime após ter sido condenado, pela prática de um outro, por meio de sentença transitada em julgado”.
Extrai-se do acórdão de 11 de Setembro de 1997, processo n.º 447/93-3.ª, SASTJ n.º 13, Julho/Setembro 1997, pág. 127: “Os arts. 78.º do CP 1982 e 77.º do CP 1995 só impõem a realização de cúmulo jurídico das penas quando ocorre uma situação de acumulação ou concurso de infracções, ou seja, uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente antes de qualquer deles ter sido objecto de sentença transitada em julgado”.
Nos termos do acórdão de 4 de Dezembro de 1997, recurso n.º 909/97-3.ª, in CJSTJ 1997, tomo 3, págs. 246/9, é pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
Acerca da problemática do chamado cúmulo jurídico por arrastamento, seguindo o citado acórdão de 20-06-1996, ali se afirma que o mesmo contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do CP/95, ou no CP/82 no correspondente art. 78.º, n.º 1, sendo decisivo para afastar esse cúmulo, “a circunstância de nele se ignorar a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando, relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação”.
E mais adiante, diz o mesmo aresto: «Tal “espécie” de cúmulo jurídico contraria o princípio fundamental da incompatibilidade entre os conceitos de concurso de penas e da reincidência lato sensu (abrangendo a reincidência genérica ou imprópria, também chamada sucessão de crimes, e a reincidência específica ou própria)”.
Em termos idênticos se pronunciou o acórdão de 21 de Maio de 1998, processo n.º 1548/97-3.ª.
Como se elucidou no acórdão de 28 de Maio de 1998, processo n.º 112/98 – 3.ª: «O disposto no art. 78.º, n.º 1, do Código Penal de 1995, não pode ser interpretado cindido do que se estabelece no respectivo art. 77.º, do mesmo modo que não se deve ignorar que há uma substancial diferença entre os casos em que o agente apesar de já ter recebido uma solene advertência por via de uma condenação transitada em julgado, prossegue na sua actividade delituosa, (situação que determina uma sucessão de penas) e os casos em que o agente comete diversos crimes antes de ser condenado por qualquer deles (situação de concurso de penas)».
Para o acórdão de 6 de Maio de 1999, processo n.º 245/99 - 3.ª: I - Nos casos de conhecimento superveniente do concurso de infracções (art. 78 do Cód. Penal de 1995), o momento temporal relevante para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação e para saber se a pena anterior já está ou não extinta, é aquele em que a nova condenação é proferida. II – O chamado “cúmulo por arrastamento” contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77, n.º 1 do Cód. Penal”.
O acórdão afasta do cúmulo crimes praticados depois do trânsito de condenação anterior, afirmando “Aqui, existe, já a razão de ser da reincidência…”.
Afastado o cúmulo jurídico e presente antes a figura da reincidência é a solução dada no acórdão de 15 de Março de 2000, proferido no processo n.º 1156/99-3.ª, in SASTJ, n.º 39, pág. 55.
Como se pode ler no acórdão de 7 de Fevereiro de 2002, processo n.º 118/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 202, resulta dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal que “para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito. O trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois”.
E seguindo de perto o mencionado acórdão de 21-05-1998, processo n.º 1548/07-3.ª, diz-se no mesmo aresto:
“O cúmulo dito “por arrastamento”, não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do C. Penal, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação, pelo que como tal, não deve ser aceite”.
Este acórdão de 7 de Fevereiro de 2002 veio a ser objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, a págs. 583 a 599, por Vera Lúcia Raposo, que a fls. 592, diz: “O cúmulo por arrastamento aniquila a teleologia e coerência internas do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência”.
Esta Autora defende uma interpretação restritiva do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - sufragada por Figueiredo Dias a propósito do enquadramento temporal do crime para efeitos da sua punição a título de concurso - no sentido de permitir a aplicação de uma pena única somente aos crimes cometidos antes da condenação.
Explicita tal posição nos seguintes termos “… ao cometer crimes após uma condenação judicial, o arguido manifesta maior desconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia. Embora a mera condenação não configure a solene advertência que só o trânsito em julgado pode representar (e que distingue a figura da reincidência), tal condenação assinala necessariamente um qualquer tipo de advertência (ainda que susceptível de ulterior modificação em sede de recurso)”.
Continuando a citar: “Este comportamento desrespeitoso do arguido deverá denegar-lhe a condenação em pena única conjunta quanto aos vários crimes em jogo, resultado que, em regra, se revelaria mais favorável do que o cumprimento sucessivo de penas. Ainda que não seja aplicável o instituto da reincidência, por carência de pressupostos, não é despicienda a existência de uma condenação anterior. Esta poderá não ser suficiente para fundar o juízo de censura agravada típico da reincidência, mas é certamente suficiente para afastar o «benefício» que geralmente o concurso de crimes apresenta face ao cumprimento sucessivo de penas.
A partir do momento em que existe uma advertência, seja solene (condenação transitada em julgado) seja simples (condenação tout court) deixa de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos praticados (antes e depois dessa advertência) e da personalidade do agente”.
Após expender estas considerações, adianta a mesma Autora que, por maioria de razão, se deverá também excluir o cúmulo por arrastamento, na medida em que este implica uma subversão ainda mais flagrante da teleologia interna do concurso de crimes.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça podem ver-se ainda a propósito deste tema os acórdãos de 11-10-2001, processo n.º 1934/01-5.ª e de 17-01-2002, processo n.º 2739/01-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 180, (ambos referenciados no supra citado acórdão de 07-02-2002); de 23-01-2003, processo n.º 4410/02 – 5.ª; de 29-04-2003, processo n.º 358/03 – 5.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2617/03 – 3.ª; de 27-11-2003, processo n.º 3393/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 3293/03 – 5.ª.
No acórdão de 17-03-2004, processo n.º 4431/03-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 229, diz-se: A punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma - o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais.
As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do C. Penal têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.
Esta abordagem/orientação é seguida no acórdão de 02-06-2004, processo n.º 1391/04-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217, relatado pelo mesmo relator do anterior, onde se refere que o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes, para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente, e ainda do mesmo relator, o acórdão de 10-01-2007, no processo n.º 4051/06-3.ª, donde se extrai:
“A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial.
O conhecimento posterior (art. 78.º, n.º 1, do CP) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293-294).
Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime”.
No sentido de impedimento e repúdio do chamado “cúmulo por arrastamento”, podem ver-se ainda os acórdãos de 18-03-2004, processo n.º 760/04 – 5.ª; de 17-06-2004, processo n.º 1412/04 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2625/05 – 5.ª; de 21-06-2006, processo n.º 1914/06-3.ª; de 28-06-2006, processo n.º 1713/06-3.ª; de 21-12-2006, processo n.º 4357/06-5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4082/06-3.ª; de 28-02-2007, processo n.º 2971/05-3.ª; de 15-03-2007, processo n.º 4796/06-5.ª (citando os acórdãos de 4-12-1997, de 7-02-2002 e de 17-03-2004 supra aludidos, afirma que o momento decisivo para a verificação da ocorrência de um concurso de crimes a sujeitar a uma pena única, segundo as regras fixadas pelo art. 77.º, n.º 1 e 2, aplicáveis também ao conhecimento posterior de um crime que deva ser incluído nesse concurso por força do art. 78.º, n.º 1, do C. Penal, é o trânsito em julgado; os crimes cometidos posteriormente à 1.ª condenação transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas, defendendo a realização de dois cúmulos); de 09-05-2007, processo n.º 1121/07-3.ª; de 05-09-2007, processo n.º 2580/07-3.ª; de 12-09-2007, processo n.º 2594/07-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 3187/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 681/08-5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1315/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1518/08-3.ª; de 10-07-2008, processo n.º 2034/08-3.ª; de 10-09-2008, processos n.ºs 1887/08 e 2500/08, ambos da 3.ª Secção (e do mesmo relator dos acórdãos de 10-01-2007 e de 04-06-2008); de 25-09-2008, processo n.º 1512/08-5.ª; de 19-11-2008, processo n.º 3553/08-3.ª; de 26-11-2008, processo n.º 3175/08-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 3628/08-5.ª; de 14-01-2009, processo n.º 3772/08-3.ª e n.º 3974/08-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 198, e ainda de 14-01-2009, nos processos n.º 3856/08 (“Exige-se que as diversas infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito”) e n.º 3975/08, ambos da 5.ª Secção; de 25-03-2009, processo n.º 389/09-3.ª e n.º 577/09-3.ª, este in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 235, nota 5; de 30-04-2009, processo n.º 99/09-5.ª; de 14-05-2009, processos n.º 6/03.8TPLSB.S1, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 232 e n.º 606/09, ambos da 3.ª Secção (constando do último: “o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeitos de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente”); de 18-06-2009, processos n.º 678/03.3PBGMR-5.ª e n.º 482/09-5.ª; de 10-09-2009, nos processos n.º 181/08.5TCPRT.P1.S1-3.ª, onde se pode ler “O STJ vem repudiando a operação de cúmulo por arrastamento por entender que a reunião de todas as penas aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” e n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª; de 23-09-2009, processo n.º 210/05.4GEPNF.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 996/04.3JAPRT.S1-3.ª e n.º 309/04.4PDVNG.S1-3.ª; de 13-01-2010, processo n.º 1022/04.8PBOER.L1.S1-3.ª; de 24-02-2010, processo n.º 676/03.7SJPRT-3.ª; de 19-05-2010, com voto de vencido, no processo n.º 1033/03.0GAVNF.P1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 21/03.1JAFUN-B.L1.S1-3.ª; de 17-06-2010, processo n.º 240/02.8GAMTA-B.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 124/05.8GEBNV.L1.S1-3.ª (a lei impede o chamado “cúmulo por arrastamento”, ou seja, a acumulação de todas as penas, quando existe uma “pena-charneira” entre dois concursos de penas, não podendo o condenado beneficiar da violação da solene advertência consubstanciada no trânsito da condenação) e processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª; de 26-01-2011, processo n.º 563/03.0PRPRT.S2-3.ª; de 2-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSBS1-3.ª; de 24-02-2011, processo n.º 3/03.3JACBR.S2-5.ª e do mesmo relator, de 16-03-2011, processo n.º 92/08.4GDGMR.S1-5.ª; de 27-04-2011, processo n.º 2/03.5GBSJM.S1-3.ª; de 07-12-2011, processo n.º 93/10.2TCPRT.S2-5.ª; de 17-05-2012, processo n.º 471/06.1GALSD.P1.S1-5.ª; de 05-07-2012, processo n.º 134/10.3TAOLH.S1-5.ª; de 12-07-2012, processo n.º 16/06.3GABCL-O.S1-3.ª; de 19-09-2012, processo n.º 303/06.0GEVFX:l1.S1-3.ª; de 3-10-2012, processos n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1-3.ª e n.º 149/09.4GAPTL.L1.S1, do mesmo relator; de 25-10-2012, processo n.º 242710.0GHCTB.S1-5.ª; de 07-11-2012, processo n.º 481/09.7SYLSB.S1-3.ª; de 28-11-2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-A.S1-3.ª (a efectivação de cúmulo por arrastamento, proibido por lei, importa a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP); de 05-12-2012, processo n.º 1213/09.5PBOER.S1-3.ª, de 11-12-2012, processo n.º 193/05.0GALNH.L2.S1-3.ª; de 17-01-2013, processo n.º 503/09.1JELSB.S1-3.ª (pena posterior deve ser cumprida autonomamente); de 14-02-2013, processo n.º 194/05.9PLLSB.S1-5.ª (O momento determinante para fixar quais as infracções em concurso superveniente é o da data da sentença que primeiro transitou em julgado. Estão em concurso superveniente de infrações todas as que foram praticadas antes da data da sentença que primeiro transitou em julgado. As infrações praticadas posteriormente estão numa relação de sucessão de crimes, embora, entre elas, possa formar-se um outro concurso de crimes, a apurar pelo tribunal da última condenação (de entre elas), que será cumprido sucessivamente à pena única do primeiro concurso); de 28-02-2013, processo n.º 7179/04.0TDPRT.S1-5.ª (Como tem repetidamente afirmado o STJ, aceitar o chamado «cúmulo por arrastamento» contraria os pressupostos substantivos do cúmulo jurídico de penas, designadamente por nela se ignorar a relevância de uma condenação transitada em julgado, e aniquila a teleologia e coerência internas do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso e da reincidência); de 14-03-2013, processo n.º 287/12.6TCLSB.L1.S1-3.ª (na relação de concurso, tal como definida no art. 77.º e aplicável ao conhecimento superveniente, nos termos do n.º 1 do art. 78.ºdo CP, não se integram os crimes cometidos posteriormente ao trânsito de uma condenação por crime anteriormente cometido); de 16-10-2013, processo n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1-3.ª (com elaboração de duas penas conjuntas a cumprir sucessivamente); de 20-11-2013, processo n.º 125/07.1SAGRD.S2-3.ª; de 15-01-2014, processo n.º 73/10.8PAVFC.S1-3.ª; de 16-01-2014, processo n.º 22/09.6JALRA.C1.S1-5.ª; de 26-03-2014, processo n.º 31/09.5GAVNH.S1-3.ª; de 10-12-2014, processo n.º 18/10.5GBLMG.S1- 3ª (O STJ tem vindo a entender que não são de admitir os cúmulos por arrastamento: as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação); de 6-05-2015, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1- 3ª (não há que proceder a cúmulo jurídico das penas quando os crimes foram cometidos depois de transitadas em julgado as anteriores condenações, ou seja, as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação); de 2-07-2015, processo n.º 70/10.3GAPNL.C1.S1-3.ª; de 25-02-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-A.S1-5.ª Secção; de 28-04-2016, processo n.º 27/11.7JBLSB.L1.S1-3.ª.
Por seu turno, o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 212/02, de 22 de Maio de 2002, proferido no processo n.º 243/2002, publicado in Diário da República, II, n.º 147, de 28 de Junho de 2002, em recurso interposto do supra aludido acórdão do STJ de 17 de Janeiro de 2002, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 180, pronunciou-se no sentido de que a interpretação normativa atribuída ao artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, considerando como momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória, não ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito, da tipicidade, da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 29.º, n.º 1 e 30.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Vejamos os contributos da Doutrina.
Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, pág. 313, a propósito da distinção entre acumulação de crimes e reincidência, afirma que se aplicarão as regras do concurso se os crimes forem cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um deles, não se aplicando as regras do concurso, mas eventualmente as da reincidência, verificados que sejam os respectivos pressupostos, se confluírem crimes objecto de condenação já transitada em julgado com crimes cometidos posteriormente a esse momento temporal.
Paulo Dá Mesquita, em Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, a págs. 45, defende igualmente que “o trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido”.
O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infracções que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o artigo 78.º não pode ser interpretado cindido do artigo 77.º do Código Penal” - fls. 64/7.
Defende ainda que o sistema de cúmulo jurídico das penas deve ser aplicado apenas nos casos de concurso de penas e já não nos de sucessão de penas, já que a generalização de tal sistema em todos os casos de pluralidade de penas traduzir-se-ia num perverter do sistema penal no seu todo dando-se carta branca a determinados agentes para a prática de novos crimes - fls. 65.
Conclui a fls. 68, que “a designada teoria do cúmulo por arrastamento parte de postulados errados e revela-se teleologicamente infundada, pois ignora a relevância da condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido”.
No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2.ª edição actualizada, 2010, pág. 288, ao dizer que o conhecimento superveniente do concurso de vários crimes novos, sendo uns cometidos antes da anterior condenação e outros depois da anterior condenação, obedece a um regime diferenciado. O tribunal deve proceder então a dois cúmulos distintos: um referente a todos os crimes cometidos antes da anterior condenação e outro referente a todos os crimes cometidos depois da anterior condenação. (…) A pena conjunta de cada um destes cúmulos é executada separada e sucessivamente, porque não há lugar a cúmulo jurídico entre os crimes cometidos antes e os crimes cometidos depois da anterior condenação.
Já antes, a fls. 286, nota 3, afirmara que a prática de novos crimes posteriormente ao trânsito de uma certa condenação dá origem à aplicação de penas autonomizadas, mesmo que os novos crimes tenham sido cometidos no período de cumprimento da pena anterior.
Em 1965, em Direito Criminal, Almedina, volume II, pág. 161, Eduardo Correia, a propósito do trânsito como elemento aferidor da distinção entre qualquer das formas de reincidência (stricto sensu) e da sucessão de crimes, e da solene advertência ínsita na condenação, escrevia: “ (…) qualquer das formas apontadas de reincidência tem de particular, relativamente à simples acumulação de crimes (…) a circunstância de que “quem viveu as consequências de uma condenação encontra-se, no caso de renovação da sua actividade criminosa, numa situação inteiramente diferente daquele a quem falta essa experiência”.
Em conclusão, e como é dominantemente entendido, poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.
A ter em conta a advertência adveniente da mera condenação poderá muito bem acontecer que em recurso a condenação imploda e então desaparece a referência de qualquer condenação e pena a integrar no concurso.
O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.
O trânsito em julgado de uma condenação em pena de prisão, consubstanciando a advertência solene de que há que tomar novo rumo, obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem outras infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, o qual funcionará assim como dique, barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.
Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, “reincidirá”.
Revertendo ao caso concreto.
Antes de avançarmos na análise da questão ora proposta no recurso, com particular interesse para a questão de saber se deverá haver um ou dois cúmulos jurídicos, convirá passar em revista as condenações sofridas pelo recorrente ora convocadas a concurso.
Para uma melhor abordagem e percepção das questões a debater e maior facilidade de “visualização” dos elementares elementos fácticos referenciais a ter em conta, proceder-se-á a uma enumeração das sucessivas condenações sofridas pelo recorrente, e a ter em conta nesta análise, passando-se a ordenar os processos onde ocorreram as mesmas, segundo um critério cronológico da data da prática dos factos integrantes das infracções em concurso, contemplando os doze processos convocados.
Assim, temos as seguintes doze condenações sofridas pelo ora recorrente por factos praticados num trecho de vida, de cerca de 3 anos e 9 meses, situado entre o facto mais antigo, datado de 20 de Março de 2008 e o mais recente facto, praticado em 17 de Dezembro de 2011, de forma interpolada (entre 25 de Setembro de 2008 e 29 de Outubro de 2010 - 25 meses - o recorrente não cometeu crimes, estando preso em cumprimento de pena à ordem de condenações anteriores, entre 17-02-2009 e 15-10-2010, conforme mais detalhadamente acima se explicitou).
Ao longo do mencionado período temporal, cometeu o recorrente nove crimes em 2008, de 20 de Março a 24 de Setembro, quatro crimes nos finais de 2010, em 30 de Outubro e em 13 de Novembro e oito crimes em 2011, de 8 de Abril a 17 de Dezembro, sendo um na área de Sintra – o cometido em 11-09-2008, julgado no processo n.º 1710/08.0GLSNT, onde se verificou o primeiro trânsito em julgado – e os restantes na área de Cascais.
As doze condenações impostas ao arguido ora recorrente nos doze processos convocados, como se viu, respeitam a factos praticados entre 20 de Março de 2008 e 17 de Dezembro de 2011.
No âmbito dos presentes autos teve lugar a última condenação a transitar em julgado, sendo o arguido condenado por sentença proferida em 10 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em 10 de Fevereiro de 2014, por factos ocorridos em 26 de Junho de 2008 pela prática, em autoria material, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
Enunciando as condenações.
1 – Processo comum singular n.º 416/08.4GACSC do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Cascais – certidão de fls. 399 a 410 do 2.º volume e certificado de registo criminal de fls. 507, repetido a fls. 735, e de novo, a fls. 956 - boletim n.º 19 – factos praticados em 20 de Março de 2008 – condenação por sentença de 22 de Fevereiro de 2012, transitado em julgado em 22 de Janeiro de 2013, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Dezembro de 2012, conforme certidão de fls. 411 a 417 verso, foi negado provimento ao recurso.
Como se alcança da promoção de liquidação feita neste processo n.º 416/08.4GACSC, datada de 13-11-2013, de fls. 418/9 do presente processo, o arguido terá atingido o termo da pena no processo n.º 327/11.6GACSC em 06-11-2013, passando, a partir de 07-11-2013, a cumprir pena no processo n.º 416/08.4GACSC, com termo final previsto para 7-11-2015, o que foi homologado por decisão de 15-11-2013, a fls. 420 do presente processo.
Esta pena única de dois anos de prisão foi julgada extinta, pelo respectivo cumprimento, por despacho de 28-11-2015, proferido a fls. 529 do respectivo processo, ora fazendo fls. 1006 (e fls. 1237).
[Cfr. supra, uma primeira abordagem, a págs. 95/6 deste acórdão].
E após cumprimento, como se retira do mandado de desligamento/ligamento de 4-11-2015, junto a fls. 995, o arguido foi desligado do processo n.º 416/08.4GACSC no dia 7 de Novembro de 2015 e colocado a partir de então à ordem do processo n.º 804/08.6PCCSC - este processo.
2 – Processo comum singular n.º 812/08.7GACSC, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – certidão de fls. 423 a 442 e certificado de registo criminal de fls. 509, repetido a fls. 737 do 2.º volume, e de novo, a fls. 957 - boletim n.º 21 – factos praticados em 31 de Maio de 2008 – condenação por sentença de 8 de Abril de 2013, transitada em julgado em 8 de Maio de 2013, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao artigo e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão para cada um, e em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
3 – Processo comum singular n.º 804/08.6PCCSC, do então 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actualmente 2.ª Secção Criminal – Juiz 2 – da Instância Central de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste – os presentes autos, de fls. 373 a 392 do 2.º volume e certificado de registo criminal de fls. 517, repetido a fls. 744 – factos praticados em 26 de Junho de 2008 – condenação por sentença de 10 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em 10 de Fevereiro de 2014 (certidão de fls. 457 e de novo, a fls. 687), pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
4 – Processo comum singular (e não colectivo) n.º 1710/08.0GLSNT, do então Juízo de Média Instância Criminal – 2.ª Secção – Sintra – Juiz 4, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, actualmente, Instância Local – Sintra – Secção Criminal - Juiz 4 (e não 3) - da Comarca de Lisboa Oeste – certidão de fls. 853 a 862, do 3.º volume. E de novo, de fls. 971 a 980 e certificado de registo criminal de fls. 502 e ainda fls. 730 – factos praticados em 11 de Setembro de 2008 – condenação por sentença de 28 de Fevereiro de 2011, transitada em julgado em 28 de Março de 2011, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na pena de dois anos de prisão, suspensa na execução.
Por despacho de 15-07-2015 foi revogada a suspensão da execução da pena e ordenado o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença – fls. 883 a 886, e de novo a fls. 982 a 984.
Tal despacho transitou em julgado em 30-09-2015, conforme informa fls. 944, repetido a fls. 971.
5 – Processo comum singular n.º 1458/08. 5GACSC, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – certidão de fls. 467 a 480 e certificado de registo criminal de fls. 516, repetido a fls. 743 do 2.º Volume, e de novo, a fls. 960 – boletim n.º 27 – factos praticados em 24 de Setembro de 2008 – condenação por sentença de 24 de Abril de 2012, transitada em julgado em 18 de Dezembro de 2013, pela prática de crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
6 – Processo comum colectivo n.º 1754/10. 1GACSC, do então 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actualmente 2.ª Secção Criminal – Juiz 2 – Cascais - Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste – certidão emitida em 21-12-2015, dia de leitura do acórdão cumulatório, de fls. 1012 a 1042, com a rectificação de fls. 1042 verso/1043 e certificado de registo criminal de fls. 514, repetido a fls. 742 do 2.º volume, e de novo, a fls. 959 verso – boletim n.º 26 – factos praticados em 30 de Outubro de 2010 – condenação por acórdão do Colectivo do então Círculo Judicial de Cascais, de 11 de Outubro de 2013, transitado em julgado em 11 de Novembro de 2013, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, nas penas de um ano de prisão e de dois anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão.
Neste processo, como consta da certidão de fls. 631 a 649 do 2.º volume, por acórdão de 28-04-2014, transitado em julgado em 29-05-2014, pretendendo-se efectuar o cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n.º 804/08.6PCCSC, foi declarada a incompetência do tribunal para realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA.
7 – Processo comum colectivo n.º 1833/10. 5GACSC, do extinto 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actualmente Instância Central - 2.ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais – certidão de fls. 756 a 766 e certificado de registo criminal de fls. 512, repetido a fls. 740 do 2.º volume, e de novo, a fls. 958 verso – boletim n.º 24 – factos praticados em 13 de Novembro de 2010 e em 8 de Abril de 2011 – condenação por acórdão de 1 de Julho de 2013, transitado em julgado em 16 de Setembro de 2013, pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão (ambos cometidos no dia 13-11-2010); um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (cometido no dia 8-04-2011), na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.
8 – Processo comum colectivo n.º 145/11.1GACSC, do então 3.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Cascais, actualmente 2.ª Secção Criminal – Cascais – Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste – certidão de fls. 767 a 772 e certificado de registo criminal de fls. 508, repetido a fls. 736 e de novo fls. 956 verso – boletim n.º 20 – factos praticados em 27 de Janeiro de 2011 – condenação por acórdão de 3 de Abril de 2013, transitado em julgado em 3 de Maio de 2013, pela prática de um crime, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea d), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
9 – Processo comum singular n.º 327/11.6GACSC, do então 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actual Secção Criminal da Instância Local de Cascais – Juiz 1 – Comarca de Lisboa Oeste – certidão de fls. 823 a 836 do 3.º Volume e certificado de registo criminal de fls. 505/6, repetido a fls. 733/4, e de novo a fls. 955 e verso - boletim n.º 17 e n.º 18 – factos praticados em 26 de Fevereiro de 2011 – condenação por sentença de 27 de Junho de 2012, transitada em julgado em 3 de Setembro de 2012, pela prática, como reincidente, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
Consta da promoção lavrada no processo em causa em 19-02-2013, a fls. 204 deste processo, em que foi feita a liquidação da pena, que o arguido esteve preso em cumprimento de pena de 9 meses de prisão desde 6 de Fevereiro de 2013, estando previsto o termo final para 6 de Novembro de 2013, sendo a liquidação da pena homologada por decisão de 21-02-2013, a fls. 205 do 1.º volume deste processo.
Este termo final é confirmado na liquidação de pena aplicada ao arguido no âmbito do processo n.º 416/08.4GACSC, a fls. 418/9 deste processo, homologada por decisão de 15-11-2013, a fls. 420, passando a partir de 7-11-2013 a cumprir pena nesse processo.
No boletim de registo criminal, a fls. 505 e fls. 955, e fls. 506 e 955 verso, neste último boletim n.º 18, está a data da decisão - 15-11-2013.
Como se alcança da certidão agora junta, a fls. 1242/3, o despacho de extinção da pena pelo cumprimento data de 15-11-2013, tendo transitado em julgado em 13-01-2014.
Em suma: o arguido esteve preso à ordem deste processo, a cumprir a pena de 9 meses de prisão, de 6-02-2013 a 6-11-2013, passando a estar à ordem do processo n.º 416/08.4GACSC, para cumprir a pena de dois anos de prisão, a partir de 7-11-2013 e até 7-11-2015; a partir desta data, passou a cumprir a pena à ordem do processo n.º 804/08.6PCCSC, o presente processo.
[Cfr. supra, sobre este ponto, pág. 95, deste acórdão].
10 – Processo comum singular n.º 1521/11. 5GACSC, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais – certidão de fls. 796 a 807 e certificado de registo criminal de fls. 511, repetido a fls. 739 do 2.º volume, e de novo, a fls. 958 – boletim n.º 23 – factos praticados em 18 de Setembro de 2011 – condenação por sentença de 22 de Abril de 2013, transitada em julgado em 22 de Maio de 2013, pela prática de um crime de violência após subtracção, p. e p. pelo artigo 211.º, com referência ao artigo 210.º, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
11 – Processo comum singular n.º 1657/11.2PBCSC, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, actual Instância Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais, Juiz 1 – certidão de fls. 776 a 794 e certificado de registo criminal de fls. 513, repetido a fls. 741 do 2.º volume, e de novo, a fls. 959 – boletim n.º 25 – factos praticados em 10 de Dezembro de 2011 – condenação por sentença de 11 de Julho (e não Junho) de 2013, transitada em julgado em 26 de Setembro de 2013, pela prática, como reincidente, em co-autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
12 – Processo comum colectivo n.º 2087/11.1GACSC, do então 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, ora 2.ª Secção Criminal – Juiz 1 – da Instância Central de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste – certidão de fls. 531 a 588 do 2.º volume, e de novo a fls. 888 a 942, sendo o acórdão do Colectivo de Cascais de fls. 532 a 588 e de novo, de fls. 914 a 942 e certificado de registo criminal de fls. 510, repetido a fls. 738 do 2.º volume, e de novo, a fls. 957 verso – boletim n.º 22 – factos praticados em 17 (e não 16) de Dezembro (e não Novembro) de 2011 – condenação por acórdão do Colectivo do então Círculo Judicial de Cascais, de 4 de Dezembro de 2012, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-04-2013, transitado em julgado em 8 de Maio de 2013, como reincidente, pela prática de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão e em co-autoria de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.
Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4-04-2013, foi negado provimento aos recursos, confirmando-se o acórdão recorrido (fls. 589 a 629 do 2.º volume, e de novo, a fls. 893 a 913).
Analisando.
No presente caso o elemento separador impeditivo de um efectivo concurso entre todas as infracções referidas no acórdão recorrido, que obsta à aglutinação de todas as penas aplicadas a estes diversos crimes num único cúmulo, é a primeira condenação transitada em julgado, tendo-se verificado o primeiro trânsito em julgado em 28 de Março de 2011, o que significa que a solene advertência teve lugar antes da prática do crime de roubo em 8 de Abril de 2011 e crimes subsequentes.
Por outras palavras: tendo em vista a prática de todos os crimes cometidos pelo arguido e considerados no acórdão recorrido como estando em concurso, entre o primeiro, cometido em 20 de Março de 2008, e os últimos, praticados a partir de 8 de Abril de 2011, “intrometeu-se” uma primeira condenação transitada em julgado em 28 de Março de 2011.
Este trânsito constitui barreira inultrapassável para efeitos de consideração de concurso, pois a partir daqui passa a haver sucessão.
O que significa que as penas aplicadas nos processos 1521/11.5GACSC, 1657/11.2PBCSC e 2087/11.1GASCS e ainda a pena aplicada no processo n.º 1833/10.5GACSC pelo crime de roubo cometido em 8-04-2011 não podem cumular-se com as restantes que integraram o cúmulo.
Face a este trânsito, haverá que proceder a dois cúmulos jurídicos, com fixação de duas penas únicas, autónomas, de execução sucessiva.
O primeiro ciclo abrange uma primeira série de 16 crimes, preenchida com as condutas de 20-03-2008, 31-05-2008, 26-06-2008, 11-09-2008, 24-09-2008, 30-10-2010, 13-11-2010, 27-01-2011, 26-01-2011 e 8-04-2011.
Um outro, subsequente ciclo de vida, em que figuram os 5 crimes cometidos em 18-09-2011, 10-12-2011 e 17-12-2011.
Daqui decorre a necessidade de efectuar dois cúmulos jurídicos, como fez, e bem, o acórdão recorrido.
Um primeiro, que engloba todos os crimes praticados antes do primeiro trânsito - ocorrido em 28-03-2011 no processo n.º 1710/08.0GLSNT - e um segundo, integrando os subsequentes.
Impõe-se aqui uma rectificação, pois que o crime de roubo praticado em 8-04-2011, julgado no processo n.º 1833/10.5GACSC, deve integrar o segundo cúmulo e não o primeiro, o que conduz a outras molduras penais, no que toca ao limite máximo.
Engloba, assim, o primeiro cúmulo, as penas aplicadas nos processos (por ordem da data da prática dos factos):
- comum singular n.º 416/08.4GACSC [factos praticados em 20-03-2008];
- comum singular n.º 812/08.7GACSC [factos praticados em 31-05-2008];
- comum singular n.º 804/08.6PCCSC [facto praticado em 26-06-2008];
- comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT [facto praticado em 11-09-2008];
- comum singular n.º 1458/08.5GACSC [facto praticado em 24-09-2008];
- comum colectivo n.º 1754/10.1GACSC [factos praticados em 30-10-2010];
- comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC [factos praticados em 13-11-2010];
- comum colectivo n.º 145/11.1GACSC [factos praticados em 27-01-2011];
- comum singular n.º 327/11.6GACSC [factos praticados em 26-02-2011].
Já o segundo cúmulo integrará todas as penas em que o arguido foi condenado por factos praticados após o trânsito em julgado da condenação no processo n.º 1710/08.0GLSNT e antes do primeiro trânsito em julgado dessas condenações.
O primeiro trânsito deste segundo grupo ocorreu no processo comum colectivo n.º 2087/11.1GASCS [factos cometidos em 17-12-2011] no dia 08-05-2013.
Integram este cúmulo, para além deste processo, os processos comum singular n.º 1521/11.5GACSC [facto cometido em 18-09-2011] e comum singular n.º 1657/11.2PBCSC [factos cometidos em 10-12-2011] e ainda do processo n.º 1833/10.5GACSC [facto cometido em 8-04-2011].
Face a esta modificação, a moldura penal do primeiro concurso é de 4 anos de prisão a 22 anos e 2 meses de prisão e a do segundo, de 5 anos e 6 meses de prisão a 15 anos e 6 meses de prisão.
Concluindo.
Improcede a pretensão do recorrente expressa nas conclusões 1.ª a 28.ª, mantendo-se a realização de dois cúmulos jurídicos, autónomos, e a fixação de duas penas conjuntas, de execução sucessiva, embora em termos não coincidentes com o acórdão recorrido, no que tange à integração dos cúmulos.
Questão II – Medida da pena única – Violação do artigo 71.º do Código Penal (Atendibilidade dos requisitos)
Nas “conclusões” 29.ª a 33.ª, o recorrente pugna por redução de pena, invocando a violação do artigo 71.º do Código Penal, por em seu entender não terem sido ponderados factos posteriores à condenação, atenuantes que especifica nessas conclusões, sem contudo adiantar qualquer pena em concreto.
Neste caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas supra referidas), que:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (introduzida pela reforma de 1995):
“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o artigo 78.º (intocado nas referidas dezassete posteriores alterações de 2008, 2010, 2011, 2013, 2014 e 2015) passou a ter a seguinte redacção:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, a moldura penal do primeiro concurso se situa entre 4 anos de prisão (pena aplicada no processo n.º 145/11.1GACSC) e não 24 anos e 2 meses de prisão, como consta do acórdão recorrido, mas antes a de 22 anos e 2 meses de prisão (como se verá infra é de excluir a pena de 2 anos de prisão aplicada pelo roubo cometido em 8-04-2011, julgado no processo n.º 1833/10.5GACSC) e a do segundo concurso, entre 5 anos e 6 meses de prisão (pena aplicada no processo n.º 2087/11.1GACSC) e não 13 anos e 6 meses de prisão, como indica o acórdão recorrido, mas antes 15 anos e 6 meses de prisão, aumento determinado com o ingresso da referida pena de 2 anos de prisão.
A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.
Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.
Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.
A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.
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No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.
Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.
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Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
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Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 e de 13 de Julho de 2016, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processo n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 e processo n.º 101/12.2SVLSB:S1:
“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.
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Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.
Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.
Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).
A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.
É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2 e de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.
Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.
Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes ”.
Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.
Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.
Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.
Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.
Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).
Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.
Revertendo ao caso concreto.
O acórdão recorrido a fls. 1101 a 1104, sobre determinação da medida da pena única, disse:
“Quanto aos critérios da determinação da pena, há a considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O percurso criminal do arguido é preocupante.
Isto não só por, sendo ainda jovem, ter sofrido a primeira condenação no ano de 2003 e, apesar de ter sofrido um primeiro período de reclusão, uma vez em liberdade, ter voltado a delinquir.
Após o trânsito da pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, que sofreu no processo n.º 1710/08.0GLSNT voltou a praticar crimes de enorme gravidade, designadamente roubos envolvendo grande violência, como foi o caso dos factos pelos quais foi condenado no processo comum colectivo n.º 2087/11.1GASCS.
Aliás, daí veio a decorrer que a suspensão da execução da pena lhe foi revogada.
No primeiro cúmulo, com excepção dos crimes praticados e pelos quais foi condenado nos processos comum singular n.º 804/08.6PCCSC, 1710/08.0GLSNT e um dos crimes do processo comum singular n.º 416/08.4GACSC, todos os outros envolvem a violação de bens de natureza pessoal. Isto mesmo no que se refere aos roubos os quais, tendo uma natureza complexa, afectam bens patrimoniais mas também pessoais.
As condenações sofridas pelo arguido manifestam bem a enorme dificuldade que tem em viver, pacificamente, em sociedade.
É também notória a reiterada prática de crimes contra agentes de autoridade e militares da GNR, demonstrando bem a desadequação da sua conduta ao que se espera de um cidadão que cumpra regras básicas do viver com os outros.
A conduta do arguido revela grande agressividade, como é bem revelado nos factos que levaram à sua condenação no processo comum colectivo n.º 145/11.1GACSC em que desfere uma facada nas costas do ofendido que determinaram 30 dias de doença, sendo certo que se tratava de questão que envolvia terceiros, que não ele próprio.
Os factos em análise prolongaram-se por um período temporal bastante alargado - 7 de janeiro de 2008 os factos praticados no âmbito do processo comum colectivo n.º 145/11.1GACSC e 13 de Novembro de 2011 aqueles pelos quais foi condenado no comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC.
Não se trata, assim, de prática de factos criminais situados em curto espaço de tempo, mas antes uma actividade delituosa reiterada, que as condenações já anteriormente sofridas não foram aptas a evitar.
Por outro lado, valoriza-se o que vem referido no relatório social no sentido de que, pela primeira vez, o arguido interiorizou, já em meio prisional, a necessidade de se valorizar académica e profissionalmente.
Casou, parecendo que a mulher importa para a sua vida uma estabilidade que antes não procurou.
Está a frequentar um curso no EP e a estudar.
O limite mínimo da pena a aplicar é, no caso do 1.º cúmulo, de 4 anos [pena aplicada no processo comum colectivo n.º 145/11.1GACSC] e o máximo de 24 anos e 2 meses.
Pelas razões que se deixaram expostas, julga-se adequada a condenação, no primeiro cúmulo, na pena única de 12 anos de prisão.
Quanto ao segundo cúmulo a efectuar, valem por inteiro as considerações que s everteram supra.
Acresce que, neste caso, todos os crimes em análise, sem excepção, envolvem também a violação de bens de natureza pessoal.
Tendo transitado em julgado a decisão de condenação em 2 anos de prisão no processo n.º 1710/08.0GLSNT no dia 28 de Março de 2011, traduzindo a mesma uma solene advertência feita ao arguido, e mesmo tendo-lhe sido suspensa na sua execução, logo em 18 de Setembro, 16 de Novembro e 10 de Dezembro desse ano volta a praticar todos os factos criminosos que integram este segundo cúmulo, correspondendo, respectivamente, aos processos comum singular n.º 1521/11.5GACSC, comum colectivo nº 2087/11.1GASCS e comum singular n.º 1657/11.2PBCSC.
De forma, agora muito manifesta, nem as condenações anteriores sofridas nos processos que não se encontram numa relação de cúmulo jurídico, nem a ameaça da pena foram suficientes para o demover da prática de crimes.
Atender-se-á também aqui à activamente demonstrada vontade de se valorizar.
O limite mínimo da pena a aplicar é, no caso deste 2.º cúmulo, de 5 anos e 6 meses [pena aplicada no processo comum colectivo nº 2087/11.1GASCS] e o máximo de 13 anos e 6 meses.
Entende este Tribunal colectivo que a análise global a efectuar sobre a conduta e personalidade do arguido neste segundo cúmulo impõem uma maior censura, que necessariamente se traduzirá numa pena mais severa.
Ju[l]ga-se, assim, adequada, a condenação na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão”.
O parágrafo inserto a fls. 1102, onde se afirma “Os factos em análise prolongaram-se por um período temporal bastante alargado - 7 de janeiro de 2008 os factos praticados no âmbito do processo comum colectivo n.º 145/11.1GACSC e 13 de Novembro de 2011 aqueles pelos quais foi condenado no comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC”, padece de erro, quer quanto às datas, quer quanto aos processos.
Como já foi referido, o período temporal de actividade delitiva vai de 20 de Março de 2008, por factos praticados no âmbito do processo n.º 416/08.4GACSC a 17 de Dezembro de 2011, por factos praticados no processo n.º 2087/11.1GACSC, com um interregno de 25 meses, sendo que nesse intervalo o arguido cumpriu 1 ano e 8 meses de prisão à ordem de processos mais antigos.
Por outro lado, após o trânsito em julgado da sentença que suspendeu a execução da pena no processo n.º 1710/08.0GLSNT, ocorrido em 28 de Março de 2011, o arguido comete o primeiro crime, não em 18 de Setembro, mas logo decorridos onze dias, em 8 de Abril de 2011 (processo comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC).
Analisando.
Como se viu, as molduras penais rectificadas são de 4 anos a 22 anos e 2 meses de prisão no primeiro concurso e de 5 anos e 6 meses a 15 anos e 6 meses de prisão, no segundo.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.
Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.
Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.
Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.
E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.
No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.
No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).
E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.
Concretizando.
Vejamos se no caso em reapreciação como pretende o recorrente são de reduzir as penas únicas aplicadas na sequência da confluência de 15 crimes abrangidos no primeiro cúmulo, estando em causa um crime de detenção de arma proibida, dois crimes de dano, sete crimes de ofensas à integridade física (sendo quatro simples e três qualificados), três crimes de coacção, um de resistência e um de falta de carta, e de outros 6 crimes no segundo cúmulo (quatro crimes de roubo, um deles agravado, um crime de violência após apropriação e um crime de importunação sexual), cometidos numa primeira fase entre 20-03-2008 e 13-11-2010 e depois do primeiro trânsito em julgado entre 8-04-2011 e 17-12-2011.
***
Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora postos em causa, concretamente, nos crimes de roubo (quatro roubos, sendo um agravado) e de ofensas à integridade física qualificadas (três) e outros quatro simples, os quais assumem maior relevo no contexto global dos 21 crimes cometidos.
Procurando estabelecer conexão entre os crimes cometidos, a mesma está presente na prática dos vários crimes em que actuou sempre acompanhado nos mais graves e com uso de violência.
No caso presente é elevado o grau de ilicitude dos factos e intenso o dolo.
Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.
Há que atender às condições pessoais dadas por provadas, incluídas as pertinentes à vida actual que foram atendidas no acórdão recorrido.
O recorrente nasceu em 16-07-1982, o que significa que à data da prática dos factos tinha entre 25 e 29 anos de idade, contando actualmente 34 anos de idade.
Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.
Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.
A facticidade provada permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapassa a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, e muito embora não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido, certo é que a pluriocasionalidade foi procurada em termos não muito abonatórios, havendo a reter que após ter cumprido uma pena de 1 ano e 8 meses de prisão à ordem de processos que não entram no presente concurso, entre 17-02-2009 e 15-10-2010, tendo sido colocado em liberdade em 15-10-2010, decorridas apenas duas semanas, comete os dois crimes de ofensa à integridade física qualificados em 30 de Outubro, o que significa que pratica os dois crimes de 30 de Outubro de 2010 e os posteriores oito crimes, depois de um período de reclusão.
Por outro lado, decorridos escassos onze dias depois do trânsito em julgado da sentença que decretou pena suspensa, comete em 8-04-2011 um crime de roubo, a que se seguiram outros cinco crimes, sendo três de roubo, um deles agravado.
Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.
Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, a idade do arguido, o período temporal da prática dos crimes em causa, afigura-se-nos justificar-se intervenção correctiva no primeiro cúmulo, cujo arco penal foi modificado, sendo retirado o crime de roubo punido com 2 anos de prisão, fixando-se, na sequência de um maior factor de compressão, a pena única em 9 anos de prisão, e mantendo a pena única fixada no segundo cúmulo, o qual alberga quatro crimes de roubo, sendo que tais penas não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes são adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa do recorrente.
Concluindo.
1 – Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão cumulatório, ainda que as penas parcelares sejam iguais ou inferiores a cinco anos de prisão;
2 – Na formulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, há que atender ao elemento fundamental e incontornável do trânsito em julgado das condenações pelas infracções potencialmente em concurso;
3 – Tendo sido interpostos recursos é de factualizar o facto e o resultado final;
4 – Na fundamentação da decisão de cúmulo, que obedece a um critério especial, concretamente, na descrição da matéria de facto, dever-se-á ter em conta a matéria de facto pertinente às condenações, a descrever de forma muito sucinta, no que respeita aos crimes que integrarão o cúmulo, de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, merecendo reparo a solução de transcrição integral, sem mínimo esforço de síntese;
5 – A pena de prisão suspensa na execução, posteriormente declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, não deve integrar o cúmulo;
6 – A partir da alteração legislativa de Setembro de 2007, atento o disposto nos artigos 78.º, n.º 1 e 80.º, n.º 1, do Código Penal são de incluir no cúmulo jurídico as penas de prisão cumpridas, as quais, como de resto, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, operando o desconto na pena única final;
7 – Serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados a ter em conta, factualizando-os, em observância do disposto nos artigos 78.º, n.º 1 e 80.º do Código Penal.
8 – É de afastar o cúmulo por arrastamento.
9 – A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções;
10 – No presente caso, face ao trânsito em julgado de 28 de Março de 2011, impõe-se a realiza ção de dois cúmulos jurídicos, em termos não inteiramente coincidentes com o constante do acórdão recorrido, a executar de forma sucessiva, nos termos seguintes:
11 – O primeiro cúmulo engloba as penas aplicadas nos processos (por ordem da data da prática dos factos): comum singular n.º 416/08.4GACSC; comum singular n.º 812/08.7GACSC; comum singular n.º 804/08.6PCCSC; comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT; comum singular n.º 1458/08.5GACSC; comum colectivo n.º 1754/10.1GACSC; comum colectivo n.º 1833/10.5GACSC; comum colectivo n.º 145/11.1GACSC e comum singular n.º 327/11.6GACSC.
12 – O segundo cúmulo integra as penas cominadas nos seguintes processos: comum colectivo n.º 2087/11.1GASCS; comum singular n.º 1521/11.5GACSC; comum singular n.º 1657/11.2PBCSC e ainda do processo n.º 1833/10.5GACSC, a pena de 2 anos de prisão aplicada pelo crime de roubo simples cometido em 8-04-2011.
13 – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas;
14 – À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta;
15 – Para o primeiro cúmulo é fixada a pena única de 9 anos de prisão;
16 – Para o segundo cúmulo é mantida a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;
17 – À pena única fixada pelo primeiro cúmulo deverá ser descontada a prisão de 2 anos e 9 meses de prisão sofrida pelo recorrente à ordem dos processos n.º 416/08.4GSCSC e 327/11.6GACSC.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em:
I – Rectificar o acórdão recorrido, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código de Processo Penal, de modo a que no segmento 2 – FACTOS PROVADOS – Condenações sofridas pelo arguido AA
- no facto provado (FP) 2.7. Comum colectivo n.º 1833/10. 5GACSC, a fls. 1065, em vez de “13-11-2010”, passe a constar como data da prática dos factos os dias “13-11-2010 e 8-04-2011”;
- no facto provado (FP) 2.10. Comum colectivo n.º 2087/11.1GACSC, a fls. 1078, em vez de “16-11-2011”, passe a constar como data da prática dos factos o dia “17-12-2011”;
- no facto provado (FP) 2.2, a fls. 1051, em vez de “Comum colectivo n.º 1710/08.0GLSNT”, fique a constar “Comum singular n.º 1710/08.0GLSNT” e, na primeira linha, em vez de “acórdão” fique “sentença”;
- no facto provado (FP) 2.12, a fls. 1087, no processo n.º 1657/11.2PBCSC, como data da sentença, em vez de “11-06-2013”, passe a constar “11-07-2013”.
II – Julgar o recurso parcialmente procedente, mantendo a formulação de dois cúmulos jurídicos autónomos, integrados nos termos agora expostos, fixando a pena única para o primeiro cúmulo jurídico em nove anos de prisão, na qual se descontará a pena de 2 anos e 9 meses de prisão, já cumprida, mantendo-se a pena única fixada no segundo cúmulo, de 8 anos e 6 meses de prisão, a cumprir sucessivamente.
Sem custas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 30 de Novembro de 2016
Raul Borges (Relator)
Manuel Augusto de Matos