I - Cabe ao STJ, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão condenatório, ainda que as penas parcelares sejam iguais ou inferiores a cinco anos de prisão.
II - No caso há que apreciar as questões colocadas a propósito dos cinco crimes de violência doméstica, todos punidos com penas inferiores a cinco anos, no caso a medida das penas parcelares.
III - Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.
IV - À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
V - À pena única fixada deverá ser descontada a prisão preventiva sofrida pelo recorrente à ordem do processo desde 13 de Março de 2015.
VI - É ajustado fixar como tempo da pena acessória de proibição de contacto com a vítima o correspondente ao período de conduta ofensiva.
VII - Na atribuição de indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em conta um padrão objectivo, procurar um justo grau de compensação e ter em conta que a intervenção do tribunal superior é limitada.
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 952/14.3PHLRS da Comarca de Lisboa Norte, Instância Central de Loures - Secção Criminal – J5, foi submetido a julgamento o arguido AA, filho de CC e de DD, natural e nacional de ..., nascido em ............., ..., residente na Urbanização ............, lote ...., ... direito, .., actualmente e desde 13-03-2015, em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa (fls. 492, 504, 557/8, 562 e 615).
O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática, como autor material e em concurso real, dos seguintes crimes:
a) – Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 2 do Código Penal, sendo ofendida EE, com as sanções acessórias previstas nos nºs. 4 e 5 do mencionado art. 152º.;
b) Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea d) e 2 do Cód. Penal, sendo ofendida FF, com as sanções acessórias previstas nos nºs. 4 e 5 do mencionado art. 152º.
c) Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea d) e 2 do Cód. Penal, sendo ofendido GG, com as sanções acessórias previstas nos nºs. 4 e 5 do mencionado art. 152º.;
d) Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea d) e 2 do Cód. Penal, sendo ofendido HH, com as sanções acessórias previstas nos nºs. 4 e 5 do mencionado art. 152º.;
e) Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1,alínea d) e 2 do Cód. Penal, sendo ofendida II, com as sanções acessórias previstas nos nºs. 4 e 5 do mencionado art. 152º.
O Ministério Público requereu que fosse arbitrada indemnização aos cinco ofendidos, ao abrigo e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A do CPP e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
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Foi admitida a intervenção nos autos, como assistente, da ofendida EE (fls. 411).
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Realizado o julgamento, com sessões em 17-11-2015, 15-12-2015 e 5-01-2016, conforme actas de fls. 443/9, fls. 472/4 e fls. 483/5, suspensa até conclusão de exame pericial a realizar na pessoa do arguido, prosseguindo em 3-05-2016, conforme consta da acta de fls. 560/1, foi proferido acórdão final.
Consta do relatório do acórdão recorrido a fls. 565/6:
“Por despacho exarado em acta, procedeu o Tribunal à comunicação da alteração não substancial de factos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358º, n.º 1 do C.P.P., nos seguintes termos:
1 – Factos imputados nos pontos 25 da acusação:
- Em data que não foi possível concretizar do mês de Novembro de 2014, no interior da casa de morada de família, o arguido quando estava ao passar por EE, com uma panela de água quente nas mãos disse-lhe: “devia era atirar com isto para cima de ti”.
2 – Factos imputados no ponto 31 da acusação:
– Nesse dia, quando instado pelo agente da PSP que se deslocou ao local, o arguido disse “A mulher tem que fazer o que o homem manda”.
Acontece que analisadas as quatro actas de audiência e julgamento e mesmo a de leitura do acórdão, junta a fls. 610/1 (e onde frequentemente vemos serem consignadas as alterações), não conseguimos enxergar notícia da ocorrência, bem como da posição do Ministério Público e da defesa acerca da alteração, sendo plausível a hipótese de não oposição, até porque tais factos foram vertidos na facticidade dada por provada, nos FP 24 e 30.
Parte Criminal
1 – Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e em concurso real, de:
a) - Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.ºs 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
b) - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2, 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
c) - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
d) - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2 e 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
e) - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
2 – Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas, condenar o arguido AA, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
3 - Condenar o arguido AA nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima EE – excepto no estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, e proibição de uso e porte de arma, pelo período de 4 (quatro) anos.
A referida pena acessória de proibição de contacto com as vítimas inclui o afastamento da residência e do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 152.º do Código Penal.
Parte Cível
4 – Ao abrigo do disposto no art.º 21.º, nºs. 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16-09, condenar o arguido AA no pagamento:
a) à ofendida EE, da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização.
b) à ofendida FF da quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), a título de indemnização.
c) a cada um dos ofendidos GG, HH e II da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização.
1) O Acórdão ora recorrido condenou o arguido AA pela prática como autor material e em concurso real de cinco crimes de violência doméstica na pena única de sete anos de prisão.
2) Assim, o arguido foi condenado em cinco penas parcelares, sendo a primeira pena parcelar de quatro anos e três meses de prisão – relativa à ofendida EE, a segunda pena parcelar de dois anos e nove meses de prisão - relativa à ofendida FF, a terceira e quarta penas parcelares de dois anos e três meses de prisão
cada uma - relativas aos ofendidos HH e GG e a quinta pena parcelar de dois anos de prisão – relativa à ofendida II.
3) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o ora Recorrente condenado na pena única de sete anos de prisão efectiva, tendo o arguido sido ainda condenado nas penas acessórias de proibição de contacto com a ofendida EE - excepto no que for estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores e proibição de uso e porte de arma pelo período de quatro anos.
4) O arguido BB foi ainda condenado no pagamento de indemnizações a cada um dos ofendidos.
5) O presente recurso reporta-se em primeiro lugar à medida da pena que foi aplicada a este arguido e em segundo lugar ao cúmulo jurídico que foi realizado pelo Acórdão ora recorrido relativamente às cinco penas parcelares em que o arguido foi condenado.
6) No que concerne à medida da pena em que foi condenado entende o arguido que face à factualidade dada como provada e face ao Direito aplicável não deveria ter sido condenado numa pena de prisão efectiva, pois que confessou parcialmente os factos, não possui mais processos pendentes e encontrava-se a trabalhar quando foi preso, sendo ele o único a prover ao sustento da família.
7) Neste caso concreto, entende-se ser de questionar se da aplicação de uma pena efectiva de prisão de sete anos de prisão resultam vantagens para a reinserção social do arguido.
8) Salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que relativamente ao crime de violência doméstica em que é ofendida EE deverá ser-lhe aplicada uma pena parcelar de dois anos e dez meses de prisão, que no que respeita ao crime de violência doméstica em que é ofendida FF deverá ser-lhe aplicada uma pena parcelar de dois anos e meio de prisão, que no que concerne ao crime de violência doméstica em que são ofendidos HH e GG deverá ser-lhe aplicada uma pena parcelar de dois anos e um mês de prisão por cada um destes crimes e no que respeita ao crime de violência doméstica em que é ofendida II deverá ser-lhe aplicada uma pena parcelar de dois anos de prisão.
9) Deste modo, em sede de cúmulo jurídico destas cinco penas parcelares defende-se a condenação do arguido numa pena única de cinco anos de prisão.
10) Porém, o arguido BB pretende que lhe seja imposta uma pena de cinco anos de prisão, mas suspensa na sua execução.
11) Mas, a esta pretendida suspensão da pena, acresceria a imposição ao ora Recorrente de regras de conduta nomeadamente as que aludem as alíneas a), b), c) todas constantes do n°. 1, do Art°. 52° do Código Penal ou então a suspensão da execução da pena deveria ser acompanhada de um regime de prova de acordo com o disposto no
Art°. 53°,n°. 1,2 e 3 do Código Penal.
12) 0 Relatório do Exame Médico-legal que consta de fis. 541 a 543 do 3°. Volume dos presentes autos, refere a fis. 541,no seu último parágrafo e no primeiro parágrafo de fis. 542 o seguinte: “Após a mulher ter deixado de trabalhar, sem razão aparente para o arguido (“ela arranjava desculpas, tentei várias vezes arranjar trabalho e não ia”) desde há cerca de sete anos e se terem agravado os problemas económicos em casa, começaram os conflitos familiares.” “Não consigo separar-me dela por não ter casa para dormir” disse.
13) Na Conclusão deste Relatório do Exame Médico legal a fis. 543,do 3° Volume dos presentes autos, no ponto quatro da resposta aos quesitos diz-se o seguinte: “Possível redução ou mesmo remissão destes comportamentos e da perigosidade se houver seguimento psiquiátrico e psicológico e melhoria do ambiente familiar, e ainda das condições sócio-económicas”, sendo que ponto sessenta e nove dos factos provados também se faz referência a este Relatório.
14) Deste modo, resultou provado que o ora arguido necessita de apoio psicológico e psiquiátrico, sendo o arguido o primeiro a reconhecer que necessita de tratamento psiquiátrico, devendo o arguido devido a esta recomendação constante de tal Relatório do Exame Médico-legal ser submetido a acompanhamento psiquiátrico e psicológico assim que seja possível.
15) Em segundo lugar, o presente recurso reporta-se ao cúmulo jurídico das cinco penas parcelares que foi realizado pelo Acórdão recorrido.
16) Em sede de cúmulo jurídico das cinco penas parcelares. O Recorrente foi condenado na pena única de sete anos de prisão, vindo agora recorrer de tal cúmulo jurídico destas cinco penas parcelares, pois salvo o devido respeito entende que em sede de cúmulo jurídico das cinco penas parcelares em que foi condenado pelo Tribunal de P Instância caso sejam confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa o ora Recorrente que deverá ser condenado numa pena de cinco anos e meio de prisão.
17) O arguido BB foi igualmente condenado na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida EE - excepto no que for estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, por um período de quatro anos.
18) Salvo melhor opinião, entende o ora Recorrente que lhe deverá ser imposta uma pena acessória de proibição de contacto com a ofendida EE não superior a três anos com excepção do que for estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores.
19) O ora Recorrente quando for colocado em liberdade irá viver para casa do seu filho mais velho JJ que convidou o pai para ir viver consigo. A morada da casa do JJ, filho do ora Recorrente é a seguinte: Rua ..........., Lote .......... Esquerdo, Bairro E....., 2690-204 Santa Iria da Azóia.
20) Relativamente à pena acessória de proibição de uso e porte de arma pelo período de quatro anos. o arguido BB não pretende recorrer do Acórdão nesta parte, pois que nunca teve qualquer arma, nem pretende vir a ter.
21) O ora Recorrente foi também condenado no pagamento de várias indemnizações ao cinco ofendidos, mas não possui meios económicos para custear o pagamento de indemnizações que para ele são muito elevadas, pois que encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos e perdeu o emprego quando foi preso, não dispõe de bens ou rendimentos e conta já quarenta e sete anos de idade.
22) Pelo que, face às razões invocadas no ponto anterior, o arguido BB vem igualmente interpor recurso relativamente ao valor das cinco indemnizações em que foi condenado para que lhe seja possível embora com muita dificuldade proceder ao seu pagamento.
23) Portanto, o ora Recorrente vem peticionar a este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a diminuição do valor das cinco indemnizações em que foi condenado, sendo que no que respeita á ofendida EE entende salvo melhor opinião que deve ser condenado no pagamento de uma indemnização que não exceda os quinhentos Euros.
24) No que concerne à ofendida FF entende o arguido que deve ser condenado no pagamento de uma indemnização de cerca de trezentos Euros e relativamente aos ofendidos GG, HH e II entende que deverá ser condenado no pagamento de uma indemnização no valor de duzentos e cinquenta Euros a cada um dos ofendidos.
25) O arguido BB tem projectos para a sua vida futura e uma vez em liberdade pretende ir viver para casa do seu filho mais velho JJ, pretende submeter-se a tratamento psiquiátrico e também psicológico tal como foi aconselhado a fis. 543 do Relatório do Exame Médico Legal e gostaria de arranjar um emprego para custear as suas despesas e contribuir com uma pensão de alimentos para os seus filhos menores.
26) Não se deve olvidar o disposto no Art°. 40°,n°. 1 e 2 do Código Penal e como tal a pena aplicada ao arguido BB não pode ultrapassar a medida da sua culpa.
27) O ora Recorrente trabalhava na construção civil como armador de ferro auferindo um salário muito humilde e a mulher do arguido não trabalhava apesar de o ora arguido lhe ter pedido várias vezes que fosse trabalhar para ajudar nas despesas em casa.
28) Portanto, num agregado familiar composto por seis pessoas, o ora Recorrente era o único que trabalhava para prover ao sustento da mulher e dos quatro filhos, três deles ainda menores, confrontando-se o arguido com grandes dificuldades económicas à data da prática dos factos, lutando sozinho pela sua sobrevivência, da sua mulher e dos filhos.
29) O arguido e a sua mulher nem sempre viveram juntos nos últimos anos, pois a ofendida EE no auto de inquirição a fis. 21, 3° parágrafo do 10 Volume dos presentes autos refere o o seguinte:” A ora declarante em Dezembro do ano passado foi para Angola” e no final do 3° parágrafo refere o seguinte:” regressou a
Portugal em Junho e voltaria em Agosto”.
30) Assim, o arguido BB e a mulher EE separaram-se pelo menos uma vez durante cerca de sete meses, desde Dezembro do ano de 2013 até Junho de 2014, tendo como é óbvio durante esse período de tempo cessado toda a conflitualidade entre o arguido e a ofendida EE.
31) O facto de trabalhar arduamente e não se conseguir libertar das garras da pobreza e da miséria também contribuiu para que o arguido praticasse actos desesperados e infelizes e tenha assumido comportamentos em relação aos quais hoje está arrependido, tendo actualmente uma atitude de maior autocrítica relativamente a esses comportamentos.
32) O arguido BB é uma pessoa de condição sócio-económica muito humilde e num meio de pobreza extrema e miséria é mais difícil germinarem princípios morais, sendo que a pobreza extrema não desresponsabiliza o arguido, mas pode atenuar a responsabilidade deste e salvo o devido respeito não se deve olvidar a repercussão do contexto social na culpa do arguido.
33) Em síntese, o aliás douto Acórdão ora recorrido violou os Art°s. 40°, n°. 1 e 2, 52°, n° 1, alíneas a),b) e c), 53°, n°. 1,2 e 3, 71°, n°.1 e 2, 77°, n.º 1 e 2, todos do Código Penal e ainda o disposto no Art°. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e também o disposto no Art°. 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso.
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As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
E como referia o acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.
As questões suscitadas são:
Questão I – Medida das penas parcelares – Conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª;
Questão II – Medida da pena única – Conclusões 9.ª a 16.ª, 26.ª e 33.ª;
Questão III – Pena suspensa – regras de conduta – Conclusões 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª
Questão IV – Pena acessória – Redução – Conclusões 17.ª, 18.ª, 19.ª e 20.ª;
Questão V – Montante indemnizatório – Conclusões 21.ª, 22.ª, 23.ª e 24.ª.
As conclusões 1.ª a 4.ª limitam-se a reproduzir as condenações; a partir da 5.ª já passa a ser exposição da divergência e a partir da 27.ª são apenas tecidas considerações.
Abordar-se-á ainda a extensão da capacidade cognitiva do Supremo Tribunal de Justiça relativamente às questões suscitadas com a condenação por crimes punidos com penas de prisão inferiores a cinco anos, sendo o caso de todas as penas parcelares, no segmento
Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única.
Apreciando. Fundamentação de facto.
Nota - Antes de avançarmos há que dar conta da existência de erros de apreciação que constam do Facto Provado n.º 70, respeitante aos antecedentes criminais.
Na enumeração dos factos dados por provados no acórdão recorrido, reportando as condenações sofridas pelo arguido, verifica-se existirem erros de apreciação, que importa corrigir, face a elementos factuais, que constam dos certificados de registo criminal, consubstanciando os mesmos documentos narrativos e que noutra perspectiva constituem documentos autênticos, com força probatória plena, nos conjugados termos dos artigos 363.º, n.º s 1 e 2, 369.º e 371.º, do Código Civil e artigo 169.º do Código de Processo Penal, tratando-se de prova vinculada, não infirmada, sendo a correcção ora feita de acordo com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo CPP, uma vez que a eliminação dos erros não importa modificação essencial (as alterações das datas em nada colidem com a definição do enquadramento afirmado no acórdão recorrido).
Vem dado por provado no FP 70:
70 - O arguido BB averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) – pela prática em 09-02-2004 de um crime de maus tratos de menores e pessoa indefesa, previsto e punido pelo art. 152º nº 1 do C. Penal, na pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução, sujeita a condição e acompanhamento, nos autos de Proc. 283/04.7PHLRS do 2º Juízo Criminal do Tribunal Loures. Declarada extinta em 29.01.2008.
b) – pela prática em 09.02.2008 de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo art. 152º nº 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos, nos autos de Proc. 233/08.1PHLRS do 4º Juízo Criminal do Tribunal Loures. Declarada extinta em 29.01.2015.
Em causa a data da decisão que declarou extinta a pena suspensa na execução em ambos os casos.
A questão não é anódina, pois que sobretudo no segundo caso dá uma perspectiva mais consentânea com a realidade e a postura do recorrente na conduta posterior à concessão do benefício da pena de substituição.
Em ambos os casos estão em causa condenações em pena de prisão, suspensa na execução, por período superior ao tempo da pena de prisão, sendo que decorrido o prazo da suspensão, a pena foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, como claramente e sem margem para dúvidas resulta dos boletins de registo criminal.
Em ambas as situações, o assentamento da facticidade dada por provada incorre em equívoco, ao dar como provada a declaração de extinção da pena nas datas que enuncia.
Começando pelo primeiro caso. E preenchendo as deficiências de factualização.
Como se alcança dos boletins de registo criminal de fls. 41 e 42 e de novo a fls. 164 e 165, a sentença é de 12-05-2006 e transitou em julgado em 29-05-2006, sendo a pena suspensa pelo período de 2 anos, sujeita a obrigações.
Por despacho de 10-01-2007 foi declarada definitiva a suspensão da execução da pena pelo período de 20 meses.
Consta do boletim n.º 3 como “Data de extinção” o dia 29-01-2008.
O boletim nada refere a respeito, mas a data da extinção é indicativo seguro de que tenha sido feita aplicação do regime mais favorável para o arguido. Referimo-nos ao encurtamento do período de suspensão, de modo a fazê-lo coincidir com o tempo da prisão, de acordo com a alteração da reforma de 2007, nos termos dos artigos 2.º, n.º 4 e 50.º, n.º 5, do Código Penal.
Sendo o período de suspensão de 20 meses, o mesmo exauriu-se em 29-01-2008, decorridos vinte meses sobre a data do trânsito em julgado.
O que consta do boletim com indicação desta data é a “data da extinção” da pena de substituição, o termo final do período de suspensão.
A declaração de extinção da pena vem mais tarde, após apuramento das condições para declaração de extinção, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, o que no caso ocorreu em 8-01-2013, como consta do boletim n.º 3 (fls. 42 e 165), ou seja, a declaração de extinção da pena sobreveio quase cinco anos após a data da extinção.
Passando ao segundo caso. E preenchendo igualmente as deficiências de factualização.
Como se vê do boletim de fls. 43 e de novo a fls. 166, a sentença é de 7-01-2011 e transitou em julgado em 16-02-2011, sendo a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos.
A fls. 167 é indicada como “Data de extinção” o dia 29-01-2015.
Sendo a sentença de 7-01-2011, não se entende como o período de suspensão não coincide com o tempo de prisão, pois com a reforma de 2007, o artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal passou a estabelecer “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Tendo em conta que a sentença transitou em 16-02-2011, não sendo a suspensão sujeita a condição, a data de extinção seria 16-08-2013, ou 16-02-2014, não havendo explicação para a apontada data de extinção, até pela data da declaração de extinção ocorrida escassos 6 dias depois! (Como é sabido, nem sempre, ao contrário do que seria expectável, os certificados de registo criminal contêm informação fidedigna, o que poderá ter a ver com a paternidade ou maternidade da inscrição registral).
De qualquer forma, há que reter que a declaração de extinção nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, foi proferida em 4-02-2015, como consta do boletim n.º 5, emitido 12 dias depois, conforme fls. 167, aproximando-se então do seu termo final o processo delitivo iniciado em 12 de Março de 2011 (decorridos iam escassos 24 dias após o trânsito em julgado da sentença que concedeu o benefício da substituição), por que o arguido respondeu nestes autos.
Ressalvados estes pontos, foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.
Factos Provados
1. O arguido e EE partilharam cama, mesa e habitação, durante cerca de vinte anos, residindo na Urbanização ............, lote 62, 3.º drt.º, Sacavém, nesta comarca de Loures, tendo dessa união nascido quatro filhos, FF, no dia 16 de Março de 1992, II, no dia 30 de Março de 1998, HH, no dia 12 de Setembro de 2001, e GG, no dia 13 de Fevereiro de 2006.
2. O arguido tem o vício do jogo e gastava o dinheiro que auferia nesse vício, pelo que o agregado familiar vivia sem água, indo EE buscar as refeições ao Banco Alimentar.
3. Durante a relação o arguido atingiu, em número de vezes indeterminado o corpo de EE, com pontapés, chapadas, puxões de cabelo e dos braços, murros e mordeduras; assim como a chamou de “vaca de merda, vaca, puta, filha da puta, chula, preguiçosa, cabra”, entre outros da mesma natureza; e das vezes que esta ripostou, o arguido disse-lhe, com foros de seriedade, que “lhe ia bater” e que “a ia matar”.
4. Bem como disse que ia usar um objecto decorativo em vidro, para “rachar a cabeça” de EE “em dois”, que “lhe tirava as tripas” e que “a ia esfolar toda”.
5. E, numa vez, disse-lhe que “ela merecia que a cortasse toda e que fosse metida dentro de sacos e atirada ao rio”.
6. Assim como partiu vários objectos da residência do casal, especialmente com pontapés, como sucedeu com a porta de entrada respectiva.
7. Para além do que, o arguido apodou FF, com frequência diária, de “vadia, ordinária”.
8. No dia 12 de Março de 2011, cerca das 21h15, o arguido após ter chegado a casa, pontapeou a porta da despensa, que se partiu, porque EE não lhe tinha preparado o jantar.
9. No dia 12 de Junho de 2011, da parte da manhã, o arguido atirou EE para o chão, no corredor junto ao quarto que foi o do casal, onde lhe desferiu vários pontapés.
10. Por ter sido alertada pelos irmãos mais novos que o pai estava a bater na mãe, FF, que estava no seu quarto, foi ao encontro da mãe, levantou-a do chão e foi com ela para a cozinha.
11. Acto contínuo, o arguido, porque não aceitou que FF tivesse ajudado a mãe, desferiu-lhe uma chapada na cara e outra no braço esquerdo.
12. Nesse mesmo dia, cerca das 22h10, por ter descoberto que FF tinha saído de casa sem a sua autorização – pois a mesma tinha ido ao médico da parte da tarde, por não aguentar as dores no braço esquerdo – o arguido foi-lhe perguntar onde é que tinha ido e como ela não lhe disse, deu-lhe uma semana para sair de casa.
13. Como FF lhe respondeu que não ia sair de casa pois não tinha para onde ir, nem tinha trabalho, agarrou-a pelo braço que de manhã tinha atingido e, desta forma, arrastou-a desde o quarto até ao exterior de casa.
14. Após o que atirou os objectos pessoais de FF para a rua pela janela e pelas escadas do prédio, ao mesmo tempo que, aos gritos, a apodou de “puta, vadia” e lhe disse “para não voltar mais para casa”.
15. Por ter prometido à filha que as coisas iam mudar, FF regressou a casa cerca de dois anos depois, tendo estado desde o dia 12 de Junho de 2011 a viver de favor em casa de amigos ou em quartos que foi arrendando mediante a disponibilidade económica que teve para o efeito.
16. Depois de ter regressado a casa, o arguido continuou a tratar FF da forma descrita, apodando-a de “vadia” e dizendo-lhe que “ela era um mau exemplo para os irmãos”, pelo que aquela, após alguns meses do seu regresso saiu de casa.
17. Há cerca de dois anos FF regressou a casa, tendo o arguido iniciado várias discussões com ela por exigir que a mesma fosse estudar, apesar de ela estar a trabalhar.
18. Passadas umas semanas FF ficou desempregada, exigindo então o arguido, novamente, que a filha fosse trabalhar, para o que lhe disse “se não fosse para a escola tinha de sair de casa”, o que sucedeu no dia 28 de Fevereiro de 2014, vivendo desde então de favor em casas de amigos ou nos quartos que foi arrendando com o produto dos trabalhos esporádicos que foi realizando na área de cabeleireiro.
19. Devido ao comportamento do arguido em relação à sua pessoa, bem como por tudo quanto vivenciou entre este e a mãe, FF teve necessidade de receber acompanhamento psiquiátrico no Hospital Júlio de Matos.
20. Em Agosto de 2014, o arguido escreveu uma carta dirigida à Câmara Municipal de Loures, que pretendeu que EE assinasse, na qual se dizia que esta se ia embora de casa para que a mesma ficasse apenas em nome dele.
21. No dia 10 de Setembro de 2014, cerca das 13h00, o arguido iniciou uma discussão com EE por não querer ir buscar a comida ao Banco Alimentar e exigir que fossem os filhos menores a fazê-lo, no decurso da qual a apodou de “puta, filha da puta” e lhe disse “vai para a cona da tua mãe; que não sabia porque se foi meter com ela e que ela é a desgraça da vida dele; que ficou grávida em Angola, arranjou um homem lá”.
22. Após o que a agarrou com as duas mãos pelo pescoço e empurrou-a contra a janela, onde lhe desferiu uma chapada na cara e lhe disse que “a atirava lá para baixo”, desferindo-lhe, de seguida, outra chapada na cara, deslocando-lhe um dente do sítio, ao mesmo tempo que lhe disse “vou-te dar sempre na cara; e é bom que fiques caladinha senão meto os miúdos numa instituição”.
23. Em data que não foi possível concretizar do mês de Novembro de 2014, quando regressou a casa vindo do trabalho, o arguido iniciou uma discussão com EE, na qual lhe disse que “ela tinha que trabalhar, que não podia ficar em casa todo o dia pendurada”, ao que a mesma lhe respondeu que “não estava a conseguir arranjar trabalho”, tendo aquele, em acto contínuo, lhe desferido uma chapada na cara, após o que lhe ordenou que saísse de casa.
24. Em data que não foi possível concretizar do mês de Novembro de 2014, no interior da casa de morada de família, o arguido quando estava ao passar por EE, com uma panela de água quente nas mãos disse-lhe: “devia era atirar com isto para cima de ti”.
25. Em data que não foi possível concretizar mas ocorrida durante o ano de 2014, o arguido iniciou uma discussão com EE quando esta lhe serviu a sopa do jantar, dizendo que a sopa estava estragada, após o que a agarrou pelo pescoço e lhe desferiu uma bofetada na cara.
26. No dia seguinte, cerca das 22h20, o arguido dirigiu-se ao quarto onde EE estava a dormir com os três filhos mais novos do casal e despejou-lhe um balde de água fria, ao mesmo tempo que lhe disse “vou-te matar; a água devia ser quente; da próxima vez vou mandar-te com água quente para cima em vez de fria”.
27. Cerca das 22.00 horas de dia que não foi possível concretizar mas, do primeiro trimestre do ano de 2015, o arguido iniciou nova discussão com EE, porque o bife não tinha molho, agarrou-a pelo pescoço, desferiu-lhe estalos na cara e vários socos nos braços, após o que a empurrou, fazendo com que a mesma caísse ao chão, onde lhe desferiu pontapés nas pernas, ao mesmo tempo que lhe disse “mato-te aqui no chão, os miúdos são entregues a uma instituição e eu fico com a casa”.
28. Em data que não foi possível concretamente apurar mas do ano de 2015, quando o arguido acordou iniciou uma discussão com EE por causa de umas caixas que estavam no quarto onde ela dorme com os filhos, no decurso da qual lhe disse “ou isto sai daqui ou deito tudo fora pela janela; ou tiras isto daqui dentro de quinze dias ou deito fora”; e, como a mesma lhe respondeu “a casa também é minha está em nome dos dois”, o arguido retorquiu “eu te arrasto agora na rua e arranco-te a cabeça, duvidas? duvidas?”.
29. Após o que, colocou o dedo indicador na cara de EE e disse-lhe “a casa é minha”, desferindo-lhe, em acto contínuo, uma cabeçada na testa e de seguida uma chapada com a mão direita no lado esquerdo da cara da mesma.
30. Nesse dia, quando instado pelo agente da PSP que se deslocou ao local, o arguido disse “A mulher tem que fazer o que o homem manda”.
31. Em data que não foi possível determinar do mês de Março de 2015, cerca das 21h00, o arguido entrou de repente no quarto onde EE estava a descansar com os filhos e disse-lhe “agora é assim dás jantar às crianças e eu não janto?”; e, em acto contínuo, agarrou-a pela roupa junto ao pescoço e arrastou-a cerca de treze metros até ao exterior da habitação, onde lhe desferiu um pontapé na perna direita e lhe disse “aqui você já não entra”.
32. O arguido disse a EE que “preferia que os miúdos fossem para a instituição do que perder a casa”.
33. Desde dia não apurado do mês de Agosto de 2014, que EE dorme no quarto dos filhos, onde o arguido entrou quando quis e sem lhe pedir licença ou autorização para o efeito.
34. O arguido desligou, em número indeterminado de vezes, a televisão a EE quando a mesma está a assistir a programas televisivos.
35. Nas discussões que teve com EE, o arguido disse-lhe, com frequência diária, que “um dia mato-te”, sendo que, em algumas situações, pegou numa faca e disse que “a rasga toda; um dia furo-te a barriga e tiro-te as tripas de fora, rasgo-te a barriga toda, arranco-te a cabeça” e que ela “não vai sair a ganhar”.
36. Nessas discussões, o arguido disse, várias vezes, a EE que “vai colocar de novo os filhos numa instituição”, onde estiveram institucionalizados, nos anos de 2011 e 2012.
37. Assim como lhe disse “se um dia me tirarem de casa eu te mato”.
38. A frequência, o contexto e a agressividade com que o arguido diz a EE que a mata, fazem-na acreditar na possibilidade de concretização do mal anunciado.
39. O arguido proibiu EE de entrar em casa depois das 20h00 e disse-lhe que “se ela sair não volta a entrar”.
40. O arguido não permitiu que EE utilizasse o fogão porque “foi ele quem comprou a bilha de gás”.
41. Com as condutas acima descritas EE sofreu, directa e necessariamente, equimoses, hematomas e dores nas zonas do corpo atingidas, bem como traumatismo de dente incisivo inferior, com luxação, o que lhe determinou dez dias de doença, todos sem incapacidade para o trabalho.
42. Assim como provocaram em EE sentimentos de vexame, humilhação e profundo receio pela sua vida e integridade física.
43. Os factos acima descritos foram cometidos na presença dos filhos mais novos do casal.
44. O arguido, atingiu HH com o chinelo, bem como com um pau em forma triangular e com a parte de trás de uma escova grossa de madeira de pentear cabelo, em várias partes do corpo deste, o que sucedeu, em número indeterminado de vezes, mas desde os nove anos de idade do menor.
45. E numa dessas ocasiões desferiu uma chapada na cara do menor, com tanta força que a cabeça do mesmo foi projectada contra a janela, onde embateu.
46. Pelo menos por três vezes, durante o ano de 2013, quando GG com 7 anos de idade estava a estudar, o arguido desferiu-lhe pancadas com força na cabeça.
47. Pelo menos por três vezes, o arguido desferiu pancadas no corpo da II com a parte de trás de uma escova grossa de madeira de pentear cabelo.
48. Assim como lhe disse, em número de vezes indeterminado e com foros de seriedade, que “lhe ia bater”, quando a menor não se portava como ele queria.
49. Com as condutas acima descritas FF, GG, HH e II sofreram, directa e necessariamente, equimoses, hematomas e dores nas zonas do corpo atingidas, assim como lhes provocaram sentimentos de vexame, humilhação e profundo receio pela sua vida e integridade física.
50. Nos meses que antecederam a sua prisão preventiva, o arguido proibiu FF de visitar a mãe e os irmãos e disse-lhe que “se a visse a falar com eles que lhes batia”.
51. O arguido agiu sempre de forma consciente e voluntária, sabendo que, de modo reiterado, molestava física e psiquicamente os ofendidos, que lhes infligia maus-tratos físicos e condicionava gravemente a vida, integridade física e bem-estar psicossocial, ofendendo-lhes a respectiva dignidade humana, liberdade, honra, consideração e bom nome.
52. Conhecia bem o perigo que a sua conduta representava para a saúde e equilíbrio mental da sua companheira e filhos.
53. Em toda a supra descrita actuação o arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Mais se provou:
54. O arguido ainda que de modo vago e genérico, admitiu parcialmente a autoria dos factos, designadamente as expressões ameaçadoras e os epítetos que dirigia à sua companheira.
55. O arguido BB, natural de S. Tomé e Príncipe, iniciou o seu processo de socialização com os pais e sete irmãos, num ambiente familiar tranquilo e satisfatório ao nível económico.
56. Frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade iniciando a sua actividade laboral aos 22 anos fazendo passeios turísticos de barco à volta da ilha.
57. Aos 23 anos, o patrão deslocou-o para Angola, para trabalhar na mesma actividade, todavia não se adaptou à função e acabou por começar a trabalhar na construção civil através da empresa Teixeira Duarte durante cerca de dois anos.
58. Foi nesta cidade que conheceu a EE, tendo já um filho de anterior relação em S. Tomé e Príncipe.
59. Veio para Portugal em 1992 na perspectiva de uma vida melhor começando por habitar num quarto de pensão e mais tarde numa casa que reconstruiu nos prédios abandonados da Quinta do Mocho.
60. A companheira veio posteriormente tendo a filha mais velha nascido em Angola e os outros três filhos já nasceram em Portugal, mandando também vir o filho mais velho de S. Tomé.
61. Quando as casas da Quinta do Mocho foram demolidas, o agregado foi realojado em 2002, na morada dos autos.
62. Na sequência de denúncias da escola que os filhos frequentavam e que constavam desde 2009, em Dezembro de 2011, por ordem do Tribunal de Família e Menores de Loures os três menores foram retirados aos pais e institucionalizados na Casa da Fonte em Oeiras, tendo contudo já regressado ao agregado familiar
63. À data dos factos, BB encontrava-se a viver na morada dos autos com o seu agregado constituído pela companheira e os três filhos mais novos do casal.
64. Aquando da prisão preventiva o arguido, encontrava-se a trabalhar depois de um longo período de desemprego.
65. Demonstra total ausência de juízo crítico evidenciando dificuldades de auto-análise.
66. BB encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa mantendo um comportamento adaptado às normas prisionais.
Consta do seu Relatório Social
67. O arguido aparenta não demonstrar preocupação com a sua situação jurídica e com as consequências que daí possam advir, revelando total ausência de juízo crítico e auto-análise perante o presente processo judicial, adoptando uma atitude de total desvalorização dos danos e fraca capacidade de descentração, relativizando o prejuízo para as vítimas e assumindo uma atitude de vitimização.
68. De acordo com o relatório de avaliação psicológica efectuado em Março de 2016, o arguido revela «Rendimento intelectual e cognitivo geral situa-se na média inferior. Imaturidade psicoafectiva, defensividade acentuada, dificuldade na elaboração, gestão e expressão dos afectos e das emoções, bem como nas relações interpessoais e na socialização. Sugere ainda, traços narcísicos e dependente, com recorrência à projecção, repressão e à negação como mecanismo de defesa para lidar com o seu dia-a-dia”
69. De acordo com o relatório do exame médico-legal efectuado em Abril de 2016-05-30, o arguido apresenta:
“1. Personalidade com traços de imaturidade, instabilidade afectiva e marcada reactividade do humor com episódios de irritabilidade e impulsividade.
2. Crítica parcial para esta alteração do humor e comportamentos associados, reconhecendo ser difícil o seu controlo.
3. Perigosidade, se não houver controlo destes comportamentos dependentes do estado emocional, do contexto e da impulsividade.
4. Possível redução ou mesmo remissão destes comportamentos e da perigosidade se houver seguimento psiquiátrico e psicológico e melhoria do ambiente familiar, e ainda das condições socioeconómicas”.
70. O arguido BB averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) – pela prática em 09-02-2004 de um crime de maus tratos de menores e pessoa indefesa, previsto e punido pelo art. 152º nº 1 do C. Penal, na pena de 20 meses de prisão suspensa na sua execução, sujeita a condição e acompanhamento, nos autos de Proc. 283/04.7PHLRS do 2º Juízo Criminal do Tribunal Loures. Declarada extinta em 29.01.2008.
b) – pela prática em 09.02.2008 de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo art. 152º nº 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos, nos autos de Proc. 233/08.1PHLRS do 4º Juízo Criminal do Tribunal Loures. Declarada extinta em 29.01.2015.
Questão Prévia
Recorribilidade – Recurso directo
Da definição da competência para cognição do recurso.
Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou pena única.
Analisando.
Da definição da competência para cognição do recurso.
Como se viu, o recurso interposto do acórdão do Colectivo da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa Norte – Loures – Juiz 5, foi incorrectamente dirigido pelo recorrente ao Tribunal da Relação de Lisboa, para onde foi encaminhado, após admissão do recurso, que não deu sinal em sentido contrário, sendo que o Ministério Público na Comarca dirigiu a resposta aos Exmos. Desembargadores, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta de turno promovido se declarasse a incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Exmo. Desembargador de turno, em decisão manuscrita de 13 linhas, excepcionado a incompetência da Relação para conhecer do recurso, sendo ordenada a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça.
Esta opção determinou a produção de processado anómalo, no caso, não tributado, e demoras de evitar, sendo que, datando o despacho de admissão do recurso de 4-07-2016, o processo foi dirigido para o Tribunal da Relação de Lisboa em 8-08-2016, tendo chegado ao Tribunal da Relação no dia seguinte, onde foi distribuído, sendo expedido para este Supremo Tribunal de Justiça em 2-09-2016, aqui chegando em 7-09-2016, o que significa perda de tempo escusado em processo de arguido preso preventivamente desde 13-03-2015, para além de dar causa a encargos extra, perfeitamente dispensáveis, não dando no caso azo a outras consequências, como conduzir a distribuições nas Relações causadoras de desequilíbrios, pois a quem couber em sorte um processo nestas condições pode dar baixa do mesmo com ligeira decisão sumária ou despacho ao correr da pena, pois a intervenção deu-se em turno de férias de Verão, sendo o caso de transição mais rápida pela Relação.
Dir-se-á que, infelizmente, não é caso único. Longe disso. Casos há em que a indevida circulação ocupa dois ou três meses.
Poder-se-ia ter evitado o trilho percorrido pelos autos no qual foram gastos, para além do mais, cerca de um mês, tendo em conta a data da indevida remessa para o Tribunal da Relação de Lisboa – 8 de Agosto de 2016 – e a entrada neste Supremo Tribunal de Justiça – 7 de Setembro de 2016.
O problema criado foi resolvido com prontidão, no que toca à intervenção dos Magistrados de turno, mas porque não é raro tal acontecer, há que tomar posição expressa, até porque o Tribunal da Relação, em casos como o presente, estando em causa pena única fixada em acórdão cumulatório superior a oito anos de prisão, apreciou mesmo o recurso, quando não tinha competência material no caso concreto, o que ocorreu por duas vezes, como se verá infra.
Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:
Está em causa um acórdão final proferido por um tribunal colectivo.
A pena única aplicada foi a de 7 (sete) anos de prisão.
O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida das penas parcelares e da pena única, que pretende ver reduzidas, o período da pena acessória de proibição de contacto com a assistente EE e os montantes indemnizatórios.
Vejamos.
Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”.
É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.
Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri.
Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007.
Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação.
Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência:
«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».
Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco).
Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que operou a 15.ª alteração do CPP, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima e pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração ao Código de Processo Penal).
O artigo 432.º do Código de Processo Penal passou a estabelecer:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».
Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007:
«2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».
Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.
Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere:
“Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”.
Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”.
No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.
A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1 e n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, todos por nós relatados.
No acórdão de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas.
Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência.
O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal e não como promovido fora enviado ao tribunal de 1.ª instância para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…)
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”.
No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/14.3T2SNT.E1.S1foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”.
No acórdão de 9-07-2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4-11-2015, por nós igualmente relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que haviam conhecido de recursos em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos recursos.
Como se referiu no acórdão de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”.
Como se disse no acórdão de 28-04-2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”.
No acórdão de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.
A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.
E no acórdão de 7-07-2016, processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada.
Do mesmo modo o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.
Revertendo ao caso concreto
No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, estando em causa, para além do mais, a aplicação de pena única superior a 5 anos de prisão – concretamente 7 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita na vertente criminal à discussão da pretendida redução da medida das penas parcelares e da pena conjunta e da pena acessória de proibição de contacto), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso.
Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única.
No caso em apreciação foi fixada ao ora recorrente a pena única de 7 anos de prisão.
Como o recorrente não cinge o recurso à medida da pena única, há que ter em consideração as penas parcelares aplicadas, que no caso concreto, vão de dois anos a quatro anos e três meses de prisão, ou seja, todas as penas aplicadas são inferiores a 5 anos de prisão.
Conexionada com a anterior coloca-se a questão de saber se dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame de direito, desde que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos.
No caso concreto, a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça incidirá apenas na medida da pena única, única fixada em medida superior a 5 anos de prisão, ou abrangerá também a apreciação das cinco penas parcelares aplicadas pelos crimes de violência doméstica, todas inferiores ao patamar de recorribilidade?
A resposta é que o STJ conhece de todas as penas.
Nestes casos o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer das questões relativas aos crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão, sendo tal posição correspondente ao que é assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal de Justiça.
O que se discute neste plano é a questão de saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo Tribunal, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta com tal conformação, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de recorribilidade/cognoscibilidade em sede de recurso.
Numa orientação que colheu numa fase inicial defensores em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal, foi defendido que, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, condenado o arguido por vários crimes, o recurso para o STJ ficava limitado aos crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos, ou então, cingir-se-ia à pena única, caso esta ultrapassasse o referido limite de 5 anos de prisão.
De acordo com tal orientação as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podiam ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que aplicadas em medida superior a 5 anos de prisão.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 26-03-2008, proferido no processo n.º 444/08 (defendendo que face à redacção do artigo 432.º, alínea c), do CPP, dada pela reforma de 2007, apenas a pena conjunta seria susceptível de apreciação pelo STJ, procedendo, no entanto, no concreto, à sindicância das penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, por a redacção anterior do artigo 432.º permitir objecto de recurso mais amplo); de 02-04-2008, proferido no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183 (conhecendo apenas do tráfico de estupefacientes, por que foi aplicada pena de 6 anos de prisão e da pena única de 7 anos, mas não do crime de detenção de arma proibida, por que foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão) e de 19-11-2008, no processo n.º 3776/08 (as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podem ser objecto de recurso para este STJ desde que superiores a 5 anos de prisão), todos da 3.ª Secção e do mesmo relator (mas, em sentido oposto, cfr. infra – acórdão de 4-11-2009); de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08, da 5.ª Secção (as relações, com a nova reforma, conhecem também de recursos de decisões do tribunal colectivo ou de júri que visem exclusivamente matéria de direito, se as penas aplicadas em concreto não foram superiores a 5 anos de prisão, citando os acórdãos de 2-04-2008 e de 19-11-2008; da mesma forma, no acórdão de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª, do mesmo relator, mas com concreta aplicação da lei antiga); do mesmo relator, o acórdão de 7-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª (citando o acórdão de 2-04-2008, processo n.º 415/08 da 3.ª Secção) e ainda do mesmo relator, o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 548/06.3PTLSB.L1.S1-5.ª (Não sendo embora jurisprudência dominante, mas constituindo uma corrente significativa, tem-se entendido que, quando se impugnam as penas parcelares aplicadas pelo tribunal colectivo em 1.ª instância, o recurso é para a Relação, se tais penas não estiverem, elas próprias, nas condições exigidas pelo art. 432.º, al. c), do CPP, nomeadamente no que se refere ao seu quantum, ou seja, não tiverem sido fixadas em medida superior a 5 anos de prisão).
Ainda neste sentido se pronunciou o acórdão de 14-01-2010, com outro relator no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 189, com o entendimento, então predominante na 5.ª Secção de que “tendo o recurso como objecto um concurso de crimes punidos com penas de prisão não superiores a 5 anos, mas cuja pena única seja de duração superior, se o recorrente puser em causa as penas parcelares a competência para conhecer do recurso em matéria de direito é da relação, podendo vir a ser interposto recurso para o Supremo do acórdão da 2.ª instância se a pena única for superior a 8 anos de prisão, ou a 5 anos e não se verificar situação de dupla conforme”. O acórdão demarca-se da posição do acórdão de 7-10-2009, processo n.º 611/07.3GFLLE da 3.ª Secção, que cita por duas vezes.
Neste mesmo sentido da atribuição de competência ao Tribunal da Relação, pronunciaram-se os acórdãos da 5.ª Secção e da mesma Exma. Relatora:
de 12-11-2009, no processo n.º 19/06.8JAFAR.S1, onde se pode ler: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação, segundo a regra geral contida no art. 427.º do CPP.
Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito.
A questão tem sido decidida uniformemente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”;
de 26-11-2009, proferido no processo n.º 1387/08.8JDLSB.L1.S1, este com voto de vencido do Exmo. Adjunto do anterior;
de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 206, citando o acórdão de 2-04-2008, proferido no processo n.º 415/08-3.ª “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”.(Com concordância do Exmo. Adjunto com a decisão de incompetência do STJ, mas apenas pelo 1.º fundamento);
de 14-07-2010, proferido no processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, da mesma relatora e com voto de vencido, pode ler-se: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal de júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação.
Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito.
E repristinando texto do acórdão de 27-01-2010 “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”;
de 21-09-2011, proferido no processo n.º 7406/04.4TDPRT.P1.S1, sendo aqui relatora por vencimento, com voto de vencido de outro Adjunto, publicado na CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 183, constando do sumário: “É ao tribunal da Relação que compete conhecer o recurso da decisão que aplica penas de prisão inferiores a cinco anos, ainda que, no cúmulo, a pena única seja superior a cinco anos”, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela Relatora, de 25-03-2010, processo n.º 70/09.6JAPRT.P1.S1 (aqui repetindo o constante do acórdão de 27-01-2010, com voto de vencido), de 14-07-2010, processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, já citado, de 16-09-2010, processo n.º 971/06.3GBLLE.S1 (neste repetindo o constante dos acórdãos de 27-01-2010 e de 14-07-2010, com voto de vencido do mesmo Adjunto), e de 21-10-2010, processo n.º 39/09.0PJSNT.S1 (nas mesmas condições e com o mesmo voto de vencido), bem como das decisões sumárias da mesma relatora de 11-11-2010, de 17-11-2010 e de 15-04-2011, proferidas nos processos n.º 415/05.8GTCSC.S1, 367/09.5GFVFX.S1 e 33/10.9GDSNT.S1.
Consta da declaração de desempate: “O STJ só seria hierarquicamente competente para julgar o recurso se este se tivesse limitado à pena única - superior a 5 anos de prisão - decorrente das penas parcelares emergentes da 1.ª instância”.
de 10-05-2012, proferido no processo n.º 356/10.7PBEVR.E1.S1, - igualmente Relatora por vencimento, com voto de vencido do Adjunto do anterior, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 191, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela relatora, já mencionados no acórdão de 21-09-2011, que não é citado, mas aditando o acórdão de 5-01-2012, proferido no processo n.º 62/11.5JACBR.S1, onde se pode ler: “O STJ não é competente para conhecer do recurso interposto, na medida em que uma das questões postas no recurso se reporta a uma das penas parcelares, em que o recorrente foi condenado, de medida inferior a 5 anos de prisão”.
Tal aconteceu num recurso em que estavam em causa dois homicídios, punidos com as penas parcelares de 15 e 18 anos de prisão e um crime de detenção de arma proibida, punido com a pena de 2 anos de prisão.
No mesmo sentido o acórdão de 21-11-2012, processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, com Relatora por vencimento, voto de vencido e desempate pelo Presidente da Secção.
(No acórdão de 14-10-2015, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, com vista a fixação de jurisprudência, foi reconhecido haver oposição de julgados entre esse acórdão recorrido e o acórdão de 21-11-2012, proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, apontado como acórdão - fundamento).
Nesta orientação entende-se que se uma das penas de prisão aplicadas for igual ou inferior a 5 anos, em concurso com outras penas superiores a tal limite, igualmente ultrapassado na pena única, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é do Tribunal da Relação.
Em sentido oposto, pronunciaram-se vários acórdãos.
Referir-se-á, desde logo, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção [com um voto de vencido, considerando competente o Tribunal da Relação (cfr. infra – acórdão de 4-11-2009)], em que o arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, e um de condução sem habilitação legal, e em que se diz “… não exigindo o legislador que as penas parcelares, por não distinguir, sejam superiores a 5 anos, o que reduziria de forma drástica o acesso ao STJ, bastando que no caso de pena conjunta, tida como referência na lei nova, como pressuposto de recorribilidade, se alcance tal patamar”.
E acrescenta: “Sempre que o arguido queira recorrer de forma directa, de acórdão condenatório de 1.ª instância, a pena concretamente aplicada em cúmulo exceda 5 anos - como é o caso vertente - e intente rediscutir a matéria de direito aplicada, só lhe resta interpor recurso para o STJ, face à clareza do texto legal, obediente à vontade do legislador da Proposta, não sendo visível qualquer imperfeição linguística de corrigir, passando a conhecer-se do recurso”.
No acórdão de 07-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, (citado nos supra referidos acórdão publicados na CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 189 e 206), defende-se que o “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. Interpreta-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.
Na mesma linha e do mesmo relator, o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1, onde se pode ler: “Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas; a competência abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais”.
Ainda do mesmo relator, o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª, onde se refere que “sendo a pena única aplicada ao arguido superior a 5 anos de prisão, e visando o recurso apenas matéria de direito, o STJ tem exclusiva competência para apreciar essa pena e, por arrastamento, para conhecer as penas parcelares, se elas forem impugnadas, ainda que estas sejam inferiores a 5 anos”.
No acórdão de 04-11-2009, proferido no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção, o respectivo relator, “revendo posição assumida em relação à questão prévia”, maxime, nos três acórdãos de 2008 supra referidos, de 26 de Março, de 2 de Abril e de 19 de Novembro (processos n.º 444/08, 415/08 e 3776/08) e no voto de vencido no acórdão de 17-09-2009, no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1 (cfr. supra), afirma que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para o conhecimento das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão), na medida em que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral de fixação de pena conjunta, pronunciando-se no mesmo preciso sentido no subsequente acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228, convocando o acórdão de 7-10-2009, processo n.º 611/07.3 (em causa dois crimes de roubo agravado, um crime de burla informática e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, punidos com 3 anos e 8 meses de prisão, por duas vezes, e 6 meses de prisão, por duas vezes e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, defendendo-se que o STJ pode, e deve, proceder à sindicância de penas parcelares e da pena conjunta aplicada e abordando a questão da eventual consumpção do crime de burla informática pelo crime de roubo).
Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1-3.ª (debitando sobre penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão) e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1-3.ª (reduzindo penas parcelares).
Fora deste quadro, há que assinalar os vários casos de ampla apreciação, à luz da redacção da alínea d) do artigo 432.º do CPP na versão de 1998, por força do artigo 5.º do mesmo CPP, atendendo ao facto de a decisão recorrida ter sido proferida em data anterior a 15-09-2007, e fazendo aplicação da doutrina do AUJ n.º 8/2007, como ocorreu nos acórdãos de 12-09-2007, nos processos n.º 2587/07, n.º 2601/07, n.º 2583/07 (após passagem pelo TRL que se declarou incompetente e com invocação do AUJ n.º 8/2007) e ainda n.º 2702/07 (com invocação no tribunal recorrido do AUJ n.º 8/2007), de 19-09-2007, processo n.º 2806/07, de 3-10-2007, processo n.º 2576/07 (CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198), de 24-10-2007, processo n.º 3238/07, de 7-11-2007, processo n.º 3225/07, de 28-11-2007, processos n.º 3294/07 e n.º 3253/07, de 13-12-2007, processo n.º 3210/07 (com invocação do AUJ n.º 8/2007), de 19-12-2007, processo n.º 4275/07, com voto de vencido, de 9-01-2008, processo n.º 3485/07, de 6-02-2008, processo n.º 3991/07, de 20-02-2008, processo n.º 4639/07 (aqui convocando o AUJ n.º 8/2007) e de 10-07-2008, processo n.º 3490/07.
Como exemplos de concretizações da tese da ampla recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça e alargada competência cognitiva, atento já o disposto no actual artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, podem ver-se os seguintes acórdãos igualmente relatados pelo ora relator, em que foram apreciadas, para além do mais, as medidas das penas parcelares, iguais e inferiores a 5 anos de prisão, e questões conexas, conhecendo-se do recurso na sua globalidade.
No acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 4833/07, estando em causa as penas de 6 anos de prisão por homicídio qualificado tentado, três penas de 18 meses, duas por coacção grave e outra por detenção de arma proibida e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, foi declarada a nulidade por falta de fundamentação quanto a reincidência.
No acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08, em caso de assaltos a táxis, estavam em causa penas aplicadas por roubo agravado e por roubo simples - penas de prisão de 5 anos por aquele, de 2 anos e 6 meses por este, e pena única de 6 anos, sendo conhecidas todas.
No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM, em causa, a prática pelo arguido, como reincidente, de dois crimes de furto qualificado, por que foram aplicadas as penas de 3 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, e de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, com as penas de 10 e de 20 meses de prisão, e sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única.
No acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD, estando em causa a prática de três crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses, 4 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, e pena única de 7 anos de prisão, foram conhecidas as questões de unificação como único crime continuado de dois crimes praticados na mesma vítima, bem como atenuação especial e a medida das penas parcelares e única.
No acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB, em que estavam em causa a prática por cada um dos dois arguidos de um crime de roubo qualificado e um outro de sequestro, pelos quais haviam sido condenados, cada um, nas penas de 5 anos e de 10 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, foram apreciadas a medida da pena do roubo (5 anos de prisão), única impugnada pelos recorrentes, e a pena única.
No acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT - em causa estando um crime de roubo agravado, pelo qual um dos arguidos foi condenado na pena de 6 anos e o outro de 5 anos de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, por que aquele foi condenado na pena de 18 meses e este de 15 meses de prisão, e nas penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo-se conhecido da questão de eventual opção por pena de multa quanto ao segundo crime, conheceu-se ainda da medida da pena aplicada ao segundo arguido pelo crime de roubo.
No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, estando em causa as penas aplicadas por um crime de furto simples e seis crimes de roubo simples, sendo dois tentados, em medidas que variavam entre o mínimo de 10 meses de prisão pelo crime de furto e o máximo de 2 anos e 3 meses, por um dos roubos, e a pena única de 7 anos de prisão, conheceu-se da questão de opção por pena de multa ou prisão quanto ao furto, reduzindo-se as penas parcelares dos dois roubos tentados e de um dos roubos consumados.
No acórdão de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.S1, estando em causa quatro roubos qualificados, sancionados cada um com 3 anos e 6 meses de prisão e três roubos simples, punidos com 1 ano e 6 meses de prisão, cada um deles, e pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, foi apreciada a pretensão de atenuação especial por aplicação do regime especial penal para jovens adultos.
No acórdão de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, em caso de recurso directo, pese a referência “P2”, a questão colocava-se relativamente às cinco penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas inferiores a 5 anos de prisão, em medidas concretas que variam entre a mais baixa de 6 meses, pelo crime de furto simples (aqui discutindo-se a tentativa impossível), e a mais elevada de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação de documento.
No acórdão de 31-01-2012, proferido no processo n.º 2381/07.6 PAPTM.E1.S1, em caso de recurso directo, pese embora a sigla “E1”, vindo o arguido condenado por roubo qualificado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e por extorsão, na pena de 2 anos, e pena única de oito anos, são apreciadas todas as penas, aí podendo ler-se:
«Antes do mais, porém, dir-se-á que se considera que o presente recurso é admissível, mesmo em relação à pena aplicada pelo crime de extorsão, muito embora a aplicada medida concreta seja inferior a cinco anos, que constitui o patamar de recorribilidade definido no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que se faz pelas razões expostas nos acórdãos de 23-02-2011, no processo n.º 250/10.1PDAMD.S1 e de 15-12-2011, no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, por nós relatados.
Aí se concluiu que em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação.
Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição».
No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 – em concurso real, crime de homicídio qualificado, punido com 18 anos de prisão, e crime de ameaça agravada, conhecendo quanto a este, o preenchimento do tipo, a escolha da espécie da pena prevista em alternativa e respectiva medida da pena de prisão – 10 meses.
No acórdão de 17-04-2013, processo n.º 237/11.7JASTB.S1, em caso de concurso de homicídio com profanação de cadáver, punidos com penas de 7 anos e 6 meses e de 10 meses de prisão e pena única de 8 anos, conhecendo de ambos os crimes, incluindo a afastada atenuação especial por força de aplicação do regime dos jovens adultos.
No acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1, estando em causa treze crimes sancionados com penas parcelares entre os 3 meses e 3 anos de prisão apenas vinha impugnada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, o que não impediu se conhecesse da questão prévia colocada pelo Exmo. PGA, tendo sido declarado extinto o procedimento criminal pelo crime de desobediência simples, entretanto descriminalizado, desconsiderando-se no cúmulo a pena de 3 meses de prisão.
No acórdão de 17-12-2014, processo n.º 1055/13.3PBFAR.S1, em caso de concurso de roubo qualificado (7 anos de prisão), receptação (2 meses) e dois crimes de condução ilegal (1 ano e 8 meses) conhecidas as penas parcelares e única, tendo sido reduzida a pena aplicada por um dos dois últimos, por não se verificar reincidência.
Não se tratando de recurso directo, no acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0DLSB.L1.S1, estavam em causa treze penas de 1 ano e 6 meses de prisão, por tantos outros crimes de abuso sexual de criança, e pena única de seis anos de prisão, aplicadas em primeira via pela Relação, que revogara a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada por um crime único e suspensa na execução, tendo sido mantida a qualificação jurídica operada pela Relação, reduzindo-se o número de crimes para 12, mantendo-se as penas parcelares e única.
Não foram apreciadas as penas parcelares, por vir impugnada apenas a pena única superior a 5 anos de prisão, no caso do acórdão de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, com pena única de 6 anos de prisão, estando em causa dois crimes de roubo, punidos com 3 anos e 6 meses de prisão cada, e dois crimes de coacção grave, sancionados, cada um, com 2 anos de prisão.
Podem ver-se ainda no mesmo sentido os seguintes acórdãos mais recentes:
de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 193, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada;
de 21-09-2011, processo n.º 95/10.9PGAMD.L1.S1-3.ª - Face ao actual sistema dos recursos penais, o conflito suscitado tem de ser decidido a favor da competência do STJ; o alargamento da competência do STJ nada tem de incongruente, uma vez que se trata de uma questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta;
de 12-07-2012, processo n.º 2/09.1PAETZ.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 238 (O STJ ao ter competência para conhecer da pena única tem também competência para conhecer das penas parcelares que a integram, ainda que estas não sejam superiores a 5 anos de prisão);
de 6-02-2013, processo n.º 94/12.6GAVGS.S1-3.ª – em presença de três penas parcelares de 3 anos e 6 meses, por furto qualificado, de outras duas, por furto qualificado tentado, de 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 4 meses de prisão, pugnando o recorrente pela redução à unidade da pluralidade de crimes por que foi condenado e da pena única, fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, afirma mostrar-se verificado o pressuposto específico de recorribilidade para este STJ determinado na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, abrangendo o recurso, também, a impugnação das penas parcelares, ainda que com penas inferiores a 5 anos, porquanto a pena única resulta do englobamento de tais penas, devendo ser concedido ao arguido um grau de recurso;
de 20-02-2013, processo n.º 29/11.3GALLE.S1-5.ª - “A al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que uma pena (conjunta) aplicada e que o arguido vai ter de cumprir, de acordo com a decisão recorrida, seja superior a 5 anos de prisão (com voto de vencida, relativamente à questão prévia da competência para o conhecimento do recurso, que caberá ao Tribunal da Relação); no mesmo sentido, do mesmo relator, e com idêntico voto, o acórdão de 28-02-2013, processo n.º 293/11.8JAFUN.L1.S1, acrescentando “Opta-se por atribuir a competência ao STJ por ser o tribunal vocacionado para o conhecimento das penas mais graves, podendo obviamente conhecer das menos graves, aplicadas por crimes em concurso”;
de 14-03-2013, do mesmo relator e com voto de vencida, proferido no processo n.º 149/10.1TAFND.C1.S1-5.ª (pondo enfoque na aferição da gravidade da situação pela pena que o condenado vai ter efectivamente de cumprir e não por questões técnicas de direito);
de 21-03-2013, processo n.º 267/11.9JELSB.L1.S1-3.ª, negando redução das penas parcelares fixadas na 1.ª instância: 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de falsificação;
de 13-04-2013, processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1, da 3.ª Secção - “No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares.
Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única.
de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1-5.ª, com voto de vencida - O STJ cobra competência para apreciar o recurso que incida sobre acórdão de tribunal de júri ou tribunal colectivo que tenha condenado o arguido em pena única superior a 5 anos, resultante de cúmulo jurídico de penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
de 8-01-2014, processo n.º 1096/12.8GCVIS.C1.S1-5.ª - “Interposto recurso que verse exclusivamente matéria de direito, designadamente a medida das penas (parcelar e única), face ao disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. c) e 2, e 400.º n.º 1, al. f), do CPP, o STJ é competente para conhecer da pena única superior a 5 anos de prisão e das respectivas penas parcelares, que vão de 4 meses de prisão a 2 anos e 8 meses de prisão”;
de 6-02-2014, processo n.º 1805/12.5PCCBR.S1-3.ª - O STJ é o único competente para apreciar a pena conjunta, cabendo-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do n.º 8 do art. 414.º (a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto);
de 26-02-2014, processo n.º 29/03.3GACNF.S1-3.ª – No caso de condenação em pena conjunta o STJ conhece de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito, a pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32.º);
de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª, a apreciação do recurso abrange penas aplicadas por crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, furto, ameaças, homicídio tentado, detenção de arma proibida;
de 23-04-2014, processo n.º 1603/09.3JAPRT.P1.S1-3.ª, onde consta: “Uma interpretação extensiva do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, conduz a que seja admissível recurso para o STJ da pena parcelar de 2 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de associação criminosa, quando as demais penas parcelares sejam todas elas excedentes a 5 anos de prisão”.
de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª, com voto de vencida;
de 10-09-2014, proferido no processo n.º 440/13.5POLSB.L1.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 169 (O STJ tem competência para conhecer da condenação de todas as penas parcelares se a subsequente pena única for superior a cinco anos de prisão), com declaração de voto no sentido de a competência pertencer à Relação;
de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 180, com voto de vencido, que teria decidido pela competência da Relação.
Neste sentido pode ver-se o acórdão de 21 de Janeiro de 2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1, que seguimos aqui de perto, com admissibilidade de recurso directo para o STJ, onde referindo-se variadíssimos acórdãos assumindo a mesma posição, se concluiu no sentido de optar pela solução de ampla recorribilidade, cabendo ao STJ, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de colectivo ou tribunal de júri e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – pena única ou única e parcelar(es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Assim, no concreto caso, em que a arguida fora condenada pela prática de um crime de peculato, na forma continuada, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão e de crime de falsificação de documento, na forma continuada, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, foram reduzidas as penas parcelares, fixando-se a pena única em 5 anos de prisão, suspensa na execução, com sujeição a regime de prova e pagamento de determinada quantia.
Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer de todas as questões suscitadas, incluindo as referentes aos crimes a que couberam penas inferiores a cinco anos de prisão.
No acórdão de 23 de Setembro de 2015, processo n.º 318/11.7GFVFX.L1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, é reduzida a pena do homicídio de 14 para 12 anos de prisão e na fundamentação e dispositivo diz-se manter a pena de um ano de prisão aplicada pelo crime de profanação de cadáver.
No acórdão de 30 de Setembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1, estavam em causa 6 crimes de abuso sexual de criança, sendo um sancionado com 8 anos de prisão, outro com a pena de 5 anos e 2 meses de prisão e os restantes com penas entre 1 ano e 6 meses e 4 anos de prisão e ainda um crime de actos sexuais com adolescente, sancionado com 2 anos de prisão, sendo a pena única de 14 anos de prisão. Foi apreciada a questão da alegada ilegitimidade do Ministério Público em relação aos dois tipos de crime, que foi afastada, a questão da determinação do número de crimes (concurso real ou crime único de trato sucessivo), que foi mantido, e a medida das penas parcelares, sendo fixada pena única de 12 anos de prisão.
E ainda o acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, sendo que no caso então em apreciação, a pena conjunta aplicada ao recorrente era de 9 anos e 6 meses de prisão. O recorrente cingia o pedido de reapreciação aos dois crimes de abuso sexual de criança, agravado, de trato sucessivo, pretendendo a unificação, tendo sido aplicada a pena de 6 anos de prisão pela prática de um deles e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do outro, defendendo haver uma ligação inextricável entre eles. Na sequência defendia abaixamento da medida da pena única.
Concluiu-se então: “Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer das questões suscitadas a propósito dos dois crimes de abuso sexual de crianças, agravado, de trato sucessivo, incluindo as referentes ao crime a que coube pena inferior a cinco anos de prisão, acrescendo a requalificação jurídica do crime de violação, agravada, na forma tentada, em que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão”.
Foi julgado improcedente o recurso no que toca à pretendida unificação dos dois crimes de abuso sexual de criança, mas revogada a condenação pelo crime de violação, agravada, na forma tentada, convolado para crime de actos sexuais com adolescente agravado, na forma tentada, sendo o recorrente condenado na pena de 1 ano de prisão, com reflexo na pena única.
Ainda do dia 28 de Outubro de 2015, no acórdão por nós relatado no processo n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1, estava em causa apreciação de recurso de um arguido condenado por tráfico de estupefacientes agravado e detenção de arma proibida, sancionado com 10 anos e 2 anos e 8 meses de prisão e pena única de 11 anos e 4 meses de prisão e recurso de um outro arguido condenado por tráfico simples na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto.
O primeiro pretendia a desqualificação e o segundo a convolação para tráfico de menor gravidade e em ambos os casos redução das penas.
Foi considerada patente a conexão de condutas de ambos, tendo-se apreciado as questões colocadas nos dois recursos.
No acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 455/13.3PLSNT.L1.S1-3.ª, seguindo de perto o acórdão de 21-01-2015, processo n.º 12/09.9GDODM.S1, supra citado, para além da pena conjunta de 7 anos de prisão, foram apreciadas as questões colocadas quanto a crime de tráfico de estupefacientes punido com 4 anos e 6 meses de prisão, de roubo consumado, punido com 5 anos de prisão e de roubo tentado, sancionado com 2 anos, apreciando aqui a tentativa impossível.
No acórdão de 2 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 8/08.8GALNH.L1.S1, estavam em causa um crime de sequestro, sancionado com a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, um crime de roubo agravado, sancionado com a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e um crime de burla informática, na forma tentada, punido com a pena de 6 meses de prisão, e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, punido com 4 meses (este não questionado), sendo a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.
Os arguidos foram absolvidos do crime de burla informática tentada (com extensão do julgado a arguida não recorrente, nos termos do artigo 402.º, n.º 1, alínea a), do CPP), tendo sido reduzida a pena do roubo e a pena única e suspensas as penas aplicadas.
No acórdão de 9 de Março de 2016, processo n.º 50/12.4SMLSB.L1.S1, por nós relatado, o recorrente pretendia redução das penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes (6 anos) e pelo crime de detenção de arma proibida (1 ano e 6 meses), para níveis próximos dos mínimos legais. Foi apreciada a medida da pena que puniu a detenção de arma proibida, a qual foi mantida.
No acórdão de 17 de Março de 2016, proferido no processo n.º 77/14.1P6PRT.S1, estavam em reapreciação várias penas inferiores a 5 anos de prisão por furtos qualificados.
No acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, versando crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, vinha o arguido condenado, respectivamente, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 3 meses de prisão e na pena única de 8 anos, tendo-se conhecido igualmente da pena inferior, que foi reduzida para 2 anos de prisão, passando a pena única a 7 anos de prisão.
No acórdão de 23 de Junho de 2016, processo n.º 181/15.9JAFAR.S1 – em causa violação agravada e ameaça agravada, apreciadas e mantidas as penas de 7 anos e de 1 ano de prisão, e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, conhecendo da opção por pena de prisão, em detrimento de multa – artigo 70.º do Código Penal -, quanto à ameaça agravada.
No acórdão de 7 de Julho de 2016, processo n.º 444/14.0PBEVR.S1-3.ª, em causa a reapreciação das penas de 5 anos de prisão aplicada por violação tentada e 9 meses por violação de domicílio e pena única de 5 anos e 6 meses, com escolha de espécie de pena quanto ao segundo, sendo reduzidas as penas parcelares para 3 anos e 10 meses de prisão e 6 meses de prisão e a pena única para 4 anos de prisão efectiva.
No acórdão de 7 de Setembro de 2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, em recurso dirigido por ambos os arguidos ao Tribunal da Relação do Porto, estando em causa a reapreciação de duas penas de homicídio qualificado e de duas penas pelo crime de roubo agravado, de 5 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, estas foram igualmente reapreciadas e mantidas.
No acórdão de 26 de Outubro de 2016, processo n.º 3367/15.2JAPRTS1-3.ª, em que interviemos como adjunto, o arguido foi condenado pela autoria de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão e de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Contrariando a posição da Exma. PGA que defendia a incompetência do STJ e a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, foi declarada a competência do STJ, citando-se: “Como salienta Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, 2016, 2.ª edição revista, Almedina, p. 1508, nota 5 (3.º parágrafo):
“A jurisprudência largamente maioritária, porém, assente em boas razões, mormente a necessidade de dar corpo ao inegável direito, ao menos, a um grau de recurso por banda do recorrente, vem entendendo que, em tais casos, o Supremo deve conhecer de todas as penas aplicadas, mesmo que alguma ou algumas delas sejam inferiores aos falados cinco anos de prisão. Aliás, como o postulado pelo artigo 402º, nº 1.”
Concluindo.
Optamos pela solução de ampla recorribilidade e competência alargada de cognição, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – seja pena única, ou pena única/e alguma (s) pena (s) parcelar (es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão.
Tal posição corresponde, como resulta do exposto, ao que é assumido em termos largamente maioritários, em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal.
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Passando à análise das questões propostas no recurso.
Questão I – Medida das penas parcelares
Nas conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª o recorrente insurge-se contra as penas aplicadas pelos cinco crimes por que foi condenado.
Relembrando, o arguido foi condenado por cinco crimes de violência doméstica, sendo um, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal, sendo ofendida a companheira de vinte anos, EE, e outros quatro crimes, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.ºs 2 e 4, do Código Penal, sendo ofendidos quatro filhos, FF, HH e II.
As penas aplicadas foram 4 anos e 3 meses de prisão - 2 anos e 9 meses de prisão - 2 anos e 3 meses de prisão - 2 anos e 3 meses de prisão e 2 anos de prisão.
Começando pela caracterização do crime de violência doméstica.
O crime está actualmente previsto no artigo 152.º do Código Penal, tendo sido introduzido neste formato pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
O novo tipo legal insere-se na atenção que têm merecido as matérias relacionadas com violência doméstica, e justifica-se como corolário da evolução legislativa no tratamento destas matérias, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), violência familiar e os maus tratos familiares, como, mais especificamente, decorre de várias iniciativas da Assembleia da República, e de diversos diplomas legais, da forma que de seguida se expõe.
Vejamos a evolução legislativa da chamada defesa contra a violência doméstica, que culminou em 2013 com a inclusão/consagração da igualdade de género nos exemplos padrão qualificativos do crime de homicídio, previstos no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
A questão da violência intra - familiar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II - Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família - elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984), especificou o conceito de violência física no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cfr. Boletim do Ministério da Justiça, BMJ n.º 335, págs. 5 a 22).
Muitos outros instrumentos internacionais têm abordado o tema, de que são exemplo:
A Convenção (da ONU) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e respectivo Protocolo Adicional, adoptada em 1979 e ratificada sem reservas por Portugal em 1980, a qual estabelece um conjunto de condutas que constituem actos discriminatórios contra as mulheres, bem como a agenda que deve orientar as acções nacionais de combate a tais discriminações.
A Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, define a violência doméstica como configurando uma grave violação dos direitos humanos, onde se considera que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz, e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
A Decisão – Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, substituída pela Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade.
A Estratégia Europeia de Combate à Violência contra as Mulheres, 2011 – 2015, visou a erradicação de todas as formas de violência sobre as mulheres no espaço da União Europeia.
Muitíssimos outros podem ver-se nas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 100/2010, de 25 de Novembro de 2010, que aprovou o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013) e n.º 5/2011, de 15 de Dezembro de 2010, que aprovou o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013.
Mais recentemente, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul em 11 de Maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 4/2013, de 14 de Dezembro de 2012, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de Janeiro de 2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de Janeiro de 2013, constando a versão portuguesa de pág. 413 a 427.
De acordo com o artigo 2.º a Convenção aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica que afecta desproporcionalmente as mulheres.
No artigo 3.º incluem-se as “definições” nas alíneas a) a f):
a) «Violência contra as mulheres»
b) «Violência doméstica»
c) «Género»
d) «Vítima de género exercida contra as mulheres»
e) «Vítima»
f) «Mulheres» abrange as raparigas com menos de 18 anos de idade.
A indemnização está prevista no artigo 30.º e no n.º 2, a indemnização estatal.
O mecanismo de monitorização da Convenção foi confiado ao GREVIO - Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.
No plano do direito interno, na consecução destes objectivos de política criminal, temos a considerar os seguintes diplomas legais:
A Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 189, de 17-08-1988), estabeleceu as garantias dos direitos das associações de mulheres, tendo por finalidade a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade entre mulheres e homens.
A Lei n.º 33/91, de 27 de Julho (Diário da República, I Série-A, n.º 171, de 27-07), pelo artigo único revogou o artigo 10.º da antecedente, que dispunha: “A presente lei é regulada pelo Governo no prazo de 180 dias”.
A Lei n.º 10/97, de 12 de Maio (Diário da República, I Série-A, n.º 109, de 12-05) reforçou os direitos das associações de mulheres, com o objectivo de eliminar todas as formas de discriminação e assegurar o direito à igualdade de tratamento.
(Estas três Leis foram revogadas pela Lei n.º 107/2015, de 25 de Agosto).
A Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 185, de 13-8-1991) - Garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência (abrangendo nomeadamente os casos de crimes sexuais, e de maus tratos a cônjuge, bem como de rapto, sequestro ou ofensas corporais – artigo 7.º, n.º 2 – e criação de um gabinete SOS- artigo 6.º - possibilidade de as associações de mulheres se constituírem assistentes em representação da vítima no processo penal e de deduzirem o pedido indemnizatório e requerer o adiantamento pelo estado da indemnização – artigo 12.º, n.º 1 e 2, prevendo no artigo 16.º a medida de coacção de afastamento da residência).
O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (Diário da República – I Série-A, n.º 250, de 30-10-1991) - Estabelecia as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas dos crimes violentos, determinando que a concessão da indemnização era da competência do Ministro da Justiça (alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23-03, e n.º 136/99, de 28-08, e Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22-03), aprovando o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos.
O diploma instituiu um mecanismo de reparação de danos compreendido como uma espécie de «seguro social», de acordo com o espírito que enformava o então n.º 1 do artigo 129.º (actual artigo 130.º) do Código Penal.
Revogado pelo artigo 25.º, alínea b), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro.
O Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, (Diário da República – I Série-B, n.º 44, de 22-02-1993) regulamentou o anterior, ou seja, definiu as condições em que o Estado indemnizaria as vítimas de crimes violentos.
Alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro.
Revogado pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro.
A Lei n.º 33/98, de 18 de Julho de 2007 (Diário da República – I Série-A, n.º 164, de 18-07-1998), criou os Conselhos Municipais de Segurança, integrando a violência doméstica e a sinistralidade rodoviária no âmbito dos seus objectivos e competências.
Alterada, nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, pela Lei n.º 106/2015, de 25 de Agosto.
A Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 25 de Março, in Diário da República, Série I-A, n.º 87/99, de 14 de Abril de 1999, pronunciou-se pela necessidade de regulamentação e execução, com carácter urgente e prioritário, da legislação que garante a protecção às mulheres vítimas de violência, ou seja, das medidas previstas na Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 27 de Maio de 1999, publicada no Diário da República, Série I-B, n.º 137, de 15 de Junho de 1999, págs. 3426/8, aprovou o I Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, no qual se considerou que «é-se vítima de violência por parte de outrem quando as manifestações agressivas deste, pela sua intensidade, criam no outro uma situação de constrangimento e de submissão de que não consegue sozinho(a) libertar-se, ficando, portanto, numa situação de sofrimento e risco psíquico e ou físico, de que o outro abusa de forma arbitrária e injusta».
A Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 179, de 3-08-1999) - Cria a rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência.
Regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro.
Revogada pela Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
A Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 194, de 20-08-1999) - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal.
Revogada pelo artigo 25.º, alínea a), da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro.
A alteração ao Código Penal, com a nova redacção dada ao artigo 152.º, e ao Código de Processo Penal, com a reformulação da redacção dos artigos 281.º e 282.º, operada pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio. (Diário da República - I Série-A, n.º 123, de 27 de Maio de 2000), que introduziu a 5.ª alteração ao Código Penal e a 9.ª ao Código de Processo Penal, reforçando as medidas de protecção a pessoas vítimas de violência.
O I Relatório Intercalar de Acompanhamento do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica elaborado pela Comissão de Peritos para o acompanhamento da execução de tal plano, em Maio de 2000, definindo violência doméstica como «Qualquer conduta ou omissão que inflija, reiteradamente, sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico ou que, não habitando, seja cônjuge ou companheiro ou ex-cônjuge ou ex-companheiro, bem como ascendentes ou descendentes» - cfr. “Violência Doméstica”, Seminário realizado em Lisboa, em 16 de Junho de 2000, promovido pela Procuradoria - Geral da República e pelo Ministério para a Igualdade.
O Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro, (Diário da República, I Série-A, n.º 291, de 19 de Dezembro), regulamenta a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, que estabeleceu o quadro geral da rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência.
Revogado pela Lei n.º 112/2009, de 16-09.
Pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, (Diário da República, I Série-A, n.º 109, de 11-05), foram definidas medidas de protecção para as situações de união de facto.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003, aprovada em 13 de Junho de 2003, publicada no Diário da República, Série I-B, n.º 154, de 07-07-2003, págs. 3866 a 3871, aprovou o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2003-2006), definindo a violência doméstica como «toda a violência física, sexual ou psicológica que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a, maus tratos, abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica».
O Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março (Diário da República – I Série-A, n.º 69, de 22 de Março), face à alteração introduzida ao artigo 508.º do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março, reequaciona a remissão feita no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 423/91 para os limites máximos de indemnização que se aplicariam também nos casos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes violentos, alterando a redacção do preceito.
O Decreto - Regulamentar n.º 1/2006, de 25 de Janeiro (Diário da República – I Série-B, n.º 18, de 25-01-2006) regulamentou as condições de organização, funcionamento e fiscalização das casas de abrigo previstas na Lei n.º 107/99, de 3-08 e no Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19-12.
Aprovou o modelo de regulamento interno de funcionamento das casas de abrigo.
O Decreto - Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro (Diário da República – 1.ª série, n.º 208, de 27-10-2000) aprova a Lei de Organização do Ministério da Justiça.
Nos termos do artigo 7.º
“No âmbito do MJ funcionam:
b) A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.
No artigo 24.º - Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, consta do n.º
1 - A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes tem por missão a instrução dos pedidos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes.
O n.º 1 do artigo 24.º foi alterado pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro.
A Resolução da Assembleia da República n.º 17/2007, aprovada em 12 de Abril de 2007, publicada no Diário da República – 1.ª série, n.º 81, de 26-04-2007, pronunciou - se sobre a iniciativa “Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres”.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 6 de Junho de 2007, publicada no Diário da República, I Série, n.º 119, de 22 de Junho de 2007, págs. 3949 a 3987, aprovou o III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010).
O III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010) corresponde a uma fase de consolidação da política nacional no domínio da igualdade de género, dando cumprimento aos compromissos assumidos quer a nível nacional, nomeadamente no programa do XVII Governo Constitucional e nas Grandes Opções do plano (2005 -2009), quer a nível internacional no roteiro para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2006-2010) da Comissão Europeia.
A igualdade de género é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa e um direito humano essencial para o desenvolvimento da sociedade e para a participação plena de homens e mulheres enquanto pessoas.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2007, de 6 de Junho de 2007, publicada no Diário da República, I Série, n.º 119, de 22-06-2007, págs. 3987 a 4002, aprovou o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2010).
Lê-se na introdução: “A violência doméstica identifica vários sub-universos de pessoas-vítimas, coabitantes ou não, sejam estas adultas ou crianças, do sexo masculino ou feminino.
Contudo, apesar da violência doméstica atingir igualmente as crianças, os idosos, pessoas dependentes e pessoas com deficiência, a realidade indica que as mulheres continuam a ser o grupo onde se verifica a maior parte das situações de violência doméstica, que neste contexto se assume como uma questão de violência de género.
A violência doméstica é um forte impedimento ao bem estar físico, psíquico e social de todo o ser humano e um atentado aos seus direitos á vida, à liberdade, à dignidade e à integridade física e emocional.
A Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 12-06), em execução do artigo 10.º da Decisão Quadro 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março, cria um regime de mediação penal relativa ao estatuto da vítima em processos penal.
Tal Lei exclui do seu âmbito material de aplicação os crimes de violência doméstica, exclusão que decorre desde logo, do facto de se ter restringido a possibilidade de mediação penal a alguns crimes particulares em sentido amplo, como defende Cláudia Cruz Santos em Violência Doméstica e Mediação Penal: Uma Convivência Possível? in Revista Julgar, n.º 12, Especial - Crimes no seio da família e sobre menores, Novembro de 2010, págs. 67 a 79, que adianta: “Todavia, o novo regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, constante da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, criou a possibilidade daquilo a que se resolveu chamar-se um “encontro restaurativo”, o qual supõe “um encontro entre o agente do crime e a vítima” assim como “a presença de um mediador penal credenciado para o efeito”.
A Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, publicada no Diário da República, I Série, n.º 168, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprova a Lei - Quadro da Política Criminal, proclama como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, alínea a) e 4.º, alínea a) e respectivo Anexo, onde se explicita que o período abrangido vai de 1 de Setembro de 2007 a 1 de Setembro de 2009.
A Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99), que aprova a Lei - Quadro da Política Criminal, proclama igualmente como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção prioritária e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea a) e respectivo Anexo, que delimita com precisão o período temporal abarcado, compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011.
A Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 178, de 14 de Setembro) aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, como concretiza no artigo 1.º, distinguindo no Capítulo I o adiantamento da indemnização às vítimas de crimes violentos – artigos 2.º a 4.º - e no Capítulo II, o adiantamento da indemnização às vítimas de violência doméstica – artigos 5.º e 6.º.
Foi criada a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, extinguindo-se a Comissão para a Instrução dos pedidos de Indemnização às Vítimas de Crimes Violentos, prevista no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e no Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro.
Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 (artigo 27.º).
Pelo artigo 25.º foram revogados a Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro.
(Alterada pela Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro de 2015).
Esta lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27-10, regulando a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes.
Pelo artigo 13.º foi alterado o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27-10 (Lei de Organização do Ministério da Justiça).
Pelo artigo 17.º foi revogado o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro.
A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 180, de 16 de Setembro de 2009, págs. 6550 a 6561) estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando pelo artigo 82.º a Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro.
No Capítulo III define os princípios e no Capítulo IV o Estatuto da vítima.
O diploma previu a aplicação por parte dos tribunais de dois instrumentos fundamentais de protecção às vítimas do crime de violência doméstica, os meios técnicos de teleassistência e de controlo à distância (artigo 35.º).
Versando o diploma pode ver-se André Lamas Leite, Revista Julgar, n.º 12, Novembro 2010, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, págs. 59 a 64.
Entretanto, esta Lei foi alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (29.ª alteração ao Código Penal), que modifica os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7, pelo artigo 173.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2015), Diário da República, 1.ª Série, n.º 252, de 31 de Dezembro de 2014), foi alterado o artigo 46.º e pela Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, que alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei 112/2009.
A Portaria n.º 220-A/2010, de 16 de Abril, (Diário da República, I Série, n.º 74, de 16-04-2010), estabelece as condições de utilização inicial dos meios técnicos de teleassistência previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 20. º e dos meios técnicos de controlo à distância previstos no artigo 35.º, ambos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, vigorando para os tribunais com jurisdição nas comarcas dos distritos do Porto e Coimbra.
A Portaria n.º 63/2011, de 3 de Fevereiro (Diário da República, I Série, n.º 24, de 3-02), procede à primeira alteração à Portaria n.º 220/-A/2010, de 16 de Abril, revê o âmbito territorial de experimentação, estendendo a utilização dos meios a todo o território nacional, vigorando para os tribunais competentes com jurisdição em todas as comarcas do território nacional (artigo 4.º da Portaria alterada).
A Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de Abril, (Diário da República, I Série, n.º 79, de 23-04-2010 – Suplemento), aprova os modelos de documentos comprovativos da atribuição do estatuto de vítima, previsto no n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2009 (Anexo I) e no n.º 3, situações excepcionais (Anexo II), estabelecendo os direitos (v.g., requerer a sua constituição como assistente) e deveres que aquele estatuto importa.
O Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 209, de 27 de Outubro de 2010), regula a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, em regulamentação da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, alterando pelo artigo 13.º o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27 de Outubro, e revogando pelo artigo 17.º o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15 de Fevereiro.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2010, aprovada em 25 de Novembro de 2010, publicada no Diário da República, I Série, n.º 243, de 17 de Dezembro de 2010, págs. 5763 a 5773, aprova o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013), publicado em Anexo.
No início do Capítulo I pode ler-se: “A violência doméstica configura uma grave violação dos direitos humanos, tal como foi definido na Declaração e Plataforma de Acção de Pequim, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995. Nestes documentos assume-se que a violência contra as mulheres é um obstáculo à concretização dos objectivos de igualdade, desenvolvimento e paz e que viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Ainda no Capítulo I, pág. 5766, afirma-se que “no âmbito do IV PNCVD, o conceito de violência doméstica abrange todos os actos de violência física, psicológica e sexual perpetrados contra pessoas, independentemente do sexo e da idade, cuja vitimação ocorra em consonância com o conteúdo do artigo 152.º do Código Penal. Importa salientar que este conceito foi alargado a ex-cônjuges e a pessoas de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem co-habitação”.
“A violência de género resulta de um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres, que se traduz em actos de violência física, psicológica e sexual, cujas vítimas são na sua grande maioria mulheres, e que no seu extremo podem conduzir ao homicídio conjugal. Assim, as medidas contempladas no IV PNCVD centram-se necessariamente no combate à violência exercida sobre as mulheres”.
Aborda a prevenção da vitimação na população juvenil, a violência nas relações de namoro.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 15 de Dezembro de 2010, publicada no Diário da República, I Série, n.º 12, de 18 de Janeiro de 2011, págs. 296 a 321, aprova o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013.
Ao iniciar o enquadramento geral afirma: “A igualdade entre mulheres e homens e a não discriminação constituem princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa e do Tratado que institui a União Europeia – Tratado de Lisboa.
O IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013, é o instrumento de políticas públicas de promoção da igualdade e enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias instâncias internacionais e europeias, com destaque para a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho da Europa (CoE) e a União Europeia (UE). Em qualquer destas organizações a estratégia de integração da dimensão de género em todas as políticas e programas, mainstreaming de género, é um princípio fundamental de boa governação.
De relevar a autonomização da «Área estratégica n.º 9 - Violência de Género» (págs. 312/3), onde depois de se afirmar que “a violência de género é um obstáculo à concretização dos objectivos da igualdade, desenvolvimento e paz e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” e de se acentuar que “a violência de género está associada a estereótipos, assimetrias de poder e representações sociais que condicionam atitudes e identidades de masculinidade e feminilidade e conduzem à reprodução das desigualdades. Está relacionada com as desigualdades de género e intimamente ligada aos processos de socialização”, se conclui que “Importa apostar no desenvolvimento de políticas e medidas que combatam a violência de género em todas as suas dimensões, promovendo a eliminação dos estereótipos de género e uma cultura de não violência”.
Mas não deixa de anotar-se que “Este domínio exige uma particular articulação entre este Plano, o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica e o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos”.
No contexto, há que anotar que Portugal assinou em 6 de Março de 1997 a Convenção Europeia Relativa à Indemnização das Vítimas de Crimes Violentos, a qual de acordo com o Aviso n.º 148/97, publicado in Diário da República, I Série – A, n.º 108, de 10-05-1997, entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 1998, sendo que pelo Aviso n.º 135/2001, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 301, de 31 de Dezembro, foi tornado público que, contrariamente a tal Aviso, entraria em vigor em 1 de Dezembro de 2001.
A Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2013), que procedeu à 29.ª alteração ao Código Penal, modificou a redacção dos artigos 69.º, 120.º, 132.º, 152.º, 204.º, 207.º, 213,º, 224.º, 231.º, 240.º, 347.º, n.º 3 e 359.º do Código Penal, aditou o artigo 348.º-A, procedeu a alteração sistemática ao Código Penal e introduziu a primeira alteração à supra referida Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, modificando os artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 7.
A alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
“Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima”.
E o artigo 152.º passou a estabelecer:
1 -………………………………………………………………………………………….
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou ma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação,
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite.
5 – A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
A Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, (Diário da República, 1.ª série, n.º 139, de 20 de Julho), aprova a Lei de Política Criminal – Biénio de 2015-2017 - em vigor em 1 de Setembro de 2015 (artigo 15.º).
Define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, que aprova a Lei - Quadro da Política Criminal.
No artigo 2.º, alínea f), a violência doméstica considerada fenómeno criminal de prevenção prioritária e pelo artigo 3.º, alínea c), crime de investigação prioritária.
No Anexo, onde se encontram os fundamentos das prioridades e orientações da política criminal a que se refere o artigo 14.º, consta: “O crime de violência doméstica continua a registar números muito elevados, pois foi assinalada, em comparação com o ano de 2013, uma mera redução de 0,004/prct., o que corresponde a menos um caso. As ocorrências em 2014 cifraram-se, deste modo, em 27.317”.
A Lei n.º 106/2015, de 25 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 165, de 25-08, págs. 6276/7/8), procede à primeira alteração à Lei n.º 33/98, de 18 de Julho, integrando a violência doméstica e a sinistralidade rodoviária no âmbito dos objectivos e competências dos conselhos municipais de segurança.
Republica a Lei n.º 33/98, a págs. 6277/8.
No que ora importa, foi alterado o artigo 3.º (Objectivos)
Constituem objectivos dos conselhos:
e) Proceder à avaliação dos dados relativos ao crime de violência doméstica e, tendo em conta os diversos instrumentos nacionais para o seu combate, nomeadamente os Planos Nacionais de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género - 2014-2017, e apresentar propostas de ações que contribuam para a prevenção e diminuição deste crime.
A Lei n.º 107/2015, de 25 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 165, de 25-08, págs. 6278/9) procede à consolidação da legislação em matéria de direitos das associações de mulheres (revoga as Leis n.º 95/88, de 17 de Agosto, n.º 33/91, de 27 de Julho, e n.º 10/97, de 12 de Maio)
Artigo 1.º (Objeto)
A presente lei visa a consolidação dos direitos das associações de mulheres com o objetivo de eliminar todas as formas de discriminação e assegurar o direito à igualdade de género.
A Lei n.º 121/2015, de 1 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 170, de 1 de Setembro, pág. 6637) – Introduz a primeira alteração à Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica).
A Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, (Diário da República, 1.ª série, n.º 172, de 3 de Setembro), alterou vários artigos, aditou outros e republicou a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, já antes alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.
A Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, de 4-09, págs. 7004 a 7010) procede à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio, e à protecção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão – Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001.
Altera os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita o artigo 67.º-A e procede a alteração sistemática do Código de Processo Penal.
Aprova em anexo o Estatuto da Vítima.
No plano processual penal releva o artigo 200.º do Código de Processo Penal.
Sob a epígrafe “Proibição e imposição de condutas”, estabelece:
1 – Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de:
a) Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes.
A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, aditou à alínea a) do n.º 1 a expressão “ou na residência” e alterou para “onde habitem” a expressão “onde residam”.
A Lei n.º 48/2007, de 29-08, acrescentou as alíneas e) e f) e eliminou o n.º 4 originário, tendo mudado a epígrafe de “Proibição de permanência, de ausência e de contactos” para “Proibição e imposição de condutas”.
Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, págs. 812/3, refere: “Como norma especial, mantém-se em vigor o art. 31.º da Lei n.º 112/2009, de 26-09, com a redacção da Lei n.º 129/2015, de 03-09, que prevê “medidas de coação urgentes” em matéria de violência doméstica. Pelo contrário, deve considerar-se (tacitamente) revogado o art.º 16.º da Lei n.º 61/91, de 13-08”.
A execução destas medidas de coação pode ser fiscalizada por intermédio de meios técnicos de controlo à distância (arts. 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16-09, e 1.º, e), e 26.º a 28.º da Lei n.º 33/2010, de 2-09).
*****
Na jurisprudência podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 15-01-1997, processo n.º 32/96, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 197 (maus tratos a filhos a passar fome), de 14-11-1997, processo n.º 1225/97, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 235 (maus tratos a cônjuge através de ofensas corporais), de 30-10-2003, processo n.º 3252/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208, infra referido, de 19-06-2008, processo n.º 438/08-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 258 (homicídio em conjugação e na sequência de maus tratos).
Com interesse, abordando a temática da violência doméstica, o acórdão de 2 de Julho de 2008, por nós proferido no processo n.º 3861/07, versando caso de maus tratos conjugais, sendo a versão então vigente a conferida pela Lei n.º 7/2000, o acórdão proferido na providência de habeas corpus de 13 de Julho de 2011, n.º 552/11.0PWPRT-A.S1-3.ª, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 189 (consta como sendo de 13 de Junho, mas a data é feriado municipal de Lisboa, dia de Santo António) e acórdão de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.VNG.S1.
No acórdão de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, estavam em causa crime de homicídio qualificado (uxoricídio), violência doméstica e dois crimes de ameaças agravadas. Por se verificar dupla conforme o recurso foi rejeitado no que toca a apreciação das penas aplicadas pelos crimes de violência doméstica e ameaças, sendo conhecido quanto à pena do homicídio qualificado e pena única.
No acórdão de 28-04-2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, já mencionado, versando crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, vinha o arguido condenado, respectivamente, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 3 meses de prisão e na pena única de 8 anos, tendo sido apreciada a pena aplicada pelo crime de violência doméstica, que veio a ser reduzida para 2 anos de prisão, passando a pena única a 7 anos de prisão.
O acórdão de 2 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 3681/08, versou sobre maus tratos a cônjuge, no quadro normativo traçado pelo artigo 152.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na redacção resultante da terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entretanto alterado pelas Leis n.º 65/98, de 2 de Setembro e n.º 7/2000, de 27 de Maio, constituindo este o regime legal aplicável vigente à data da prática dos factos - artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, do Código Penal, respigando-se do mesmo os passos seguintes:
«Este preceito [artigo 152.º] integra-se no âmbito da legislação que tem em vista prevenir o fenómeno da violência doméstica (conjugal), da violência familiar e dos maus tratos familiares e de que se dará conta infra.
A protecção do cônjuge contra os maus tratos surge pela primeira vez no Código Penal na versão do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09, sendo consagrada no n.º 3 do artigo 153.º do Código Penal de 1982 e introduzido na fase final dos trabalhos preparatórios, visando a protecção de quem se encontra carecido de assistência contra maus tratos infligidos pelo seu cônjuge - cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 6.ª edição, 1992, pág. 410.
A esse tempo, para a integração do crime, era indispensável a verificação de uma específica motivação, o dolo específico consubstanciado na expressão “devido a malvadez ou egoísmo”, constante da parte final do n.º 1 daquele artigo 153.º, exigência que foi suprimida na versão de 1995, no actual artigo 152.º.
Previamente à análise do âmbito de protecção da norma em causa, no que respeita ao bem jurídico protegido, Ricardo Jorge Bragança de Matos, Dos maus tratos a cônjuge à violência doméstica: um passo em frente na tutela da vítima?, in Revista do Ministério Público, ano 27, Julho–Setembro 2006, n.º 107, págs. 89 a 120, esclarece, a págs. 95, que, enquadrando-se o direito penal no princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem jurídica axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos, daqui decorre que os bens jurídicos que cada uma das normas penais visa proteger devem ser procurados no seu confronto com os valores constitucionalmente protegidos, por forma a justificar a restrição, que o direito penal envolve, de direitos, liberdades e garantias, como meio de salvaguarda daqueles interesses (cf. art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Estabelece o artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República que «A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros».
Afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 857) que «Não existe apenas, enquanto tal, o direito da família à protecção da sociedade e do Estado (…); existe também o direito das famílias às condições que propiciem a realização pessoal dos seus membros (n.º 1, 2.ª parte). Fica assim claramente afirmado que, constitucionalmente, a família é feita de pessoas e existe para realização pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que a constituem, muito menos contra elas».
Nas palavras de Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., págs. 95-96), «Foi esta conceptualização constitucional que determinou a tutela jurídico-criminal da dignidade e integridade das pessoas na sua veste de participante na sociedade conjugal (e nas suas vertentes de saúde física, psíquica, mental e emocional). (…) Na prática, tal consagração exprime que a comunidade entende ser um dever do Estado intervir face a atentados a este bem jurídico, e fazê-lo da forma mais gravosa, quando as condições propiciadoras à realização de cada um dos participantes na conjugalidade enquanto pessoa é posta em causa».
Considerando que o artigo 152.º está, sistematicamente, integrado no Título I do Código Penal, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, epigrafado de “crimes contra a integridade física”, entende Américo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, pág. 332) que «A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (…) A ratio deste art. 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas».
Acrescenta que «o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agravem as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde».
Para Augusto Silva Dias, Materiais para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, a págs. 110, bens jurídicos protegidos pelo tipo incriminador do art. 152.º são a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana (no caso das als. b) e c) do nº 1) em contextos de subordinação existencial (n.º 1), coabitação conjugal ou análoga (n.º 2), estreita relação de vida (n.º 3) e relação laboral (n.º 4).
Maria Manuela Valadão e Silveira, no trabalho Sobre o crime de maus tratos conjugais, Revista de Direito Penal, volume I, n.º 2, ano 2002, edição da UAL, Universidade Autónoma de Lisboa, págs. 32/3 e 42, depois de sublinhar a inserção sistemática da cláusula, encontrando-se por isso na primeira linha de protecção dos bens jurídicos essenciais ao funcionamento da sociedade, afirma: «Na Constituição, o direito à integridade pessoal insere-se, juntamente com a vida, a liberdade, a segurança, num núcleo de direitos fundamentais, sendo que a violação desses direitos denega, desde logo, a própria dignidade essencial da pessoa humana, que é o primeiro princípio em que se funda Portugal.
Neste contexto, o n.º 2 do art.º 152.º protege em primeira linha a integridade, a saúde, nas suas dimensões física e psíquica. Contribui, desta forma e em uníssono, com os outros tipos incriminadores do capítulo, para densificar o valor constitucional da integridade, que se analisa no n.º 1 do art.º 25.º da Constituição, em integridade moral e física. E isto, em si, nada terá de extraordinário; é um juízo que vale para todo e qualquer crime contra a integridade física».
Adianta que «a “mais valia” que o tipo incriminador trouxe à sociedade portuguesa, a partir de 1982, foi o reconhecimento ou, até, o aviso expresso de que o bem jurídico integridade pessoal é tutelado penalmente, mesmo quando as denegações desse bem jurídico ocorram intra muros de uma sociedade conjugal. Ou seja, a integridade pessoal mantém o seu valor, apesar da família».
No mesmo sentido, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que é exemplo o acórdão de 30-10-2003 (processo n.º 3252/03 - 5.ª), publicado em CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 208 e ss., no qual se considerou que «O bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar».
Veja-se no mesmo sentido o acórdão de 04-02-2004, no processo n.º 2857/03-3.ª.
Afirma Plácido Conde Fernandes, em Violência Doméstica. Novo Quadro Penal e Processual Penal, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre 2008, n.º 8, pág. 305, o seguinte:
«Seguindo o entendimento maioritário na jurisprudência e de acordo com a noção proposta por Taipa de Carvalho, a tutela funda-se no princípio da igual dignidade da pessoa humana, proclamado no artigo 1.º da Constituição da República.
Trata-se de eliminar desigualdades que, atingindo níveis insuportáveis, têm vindo a ser corrigidas também pela intervenção do direito penal.
A que acresce a garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, consagrada no artigo 25.º da Constituição da República, que constitui o “núcleo de protecção absoluta do direito fundamental à liberdade pessoal”.
Não se vê, assim, razão para alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral.
A dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos».
O ilícito em referência pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo: “quem infligir ao cônjuge ou a quem com ele conviver em condições análogas (…)”.
Nas palavras de Américo Taipa de Carvalho (ob. cit., pág. 333) «Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente (…), numa relação do coabitação conjugal ou análoga».
Como tal, o crime de maus tratos a cônjuge é um crime específico, isto é, conforme explicam Leal-Henriques e Simas Santos (Código Penal, 2.ª ed., 2.º vol., pág. 181), um delito que só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas, no caso, por quem tenha «dever de solidariedade conjugal, em relações de pura igualdade».
Maria Manuela Valadão e Silveira, loc. cit., pág. 33, defende a mesma caracterização, referindo que se trata de um tipo que só poderá fundamentar legalmente a punibilidade de quem, cometendo os factos descritos, detenha em relação à vítima a qualidade de cônjuge, em termos formais ou de facto, isto é, o tipo recorta o cônjuge (formal ou de facto) como único agente possível.
Já para Ricardo Bragança Matos, loc. cit., pág. 97, o crime assume a natureza de crime específico impróprio (na definição de Figueiredo Dias, crimes específicos impróprios são aqueles em que a qualidade do autor ou o dever que sobre ele impende não servem para fundamentar a responsabilidade, mas unicamente para a agravar), uma vez que só o agente com essa característica subjectiva relacional é passível de o cometer.
Segundo Augusto Silva Dias, loc. cit., pág. 111, trata-se de crime específico impróprio pela qualidade do agente.
Analisando os elementos objectivos integradores do ilícito em causa, de forma a aferir se os factos praticados pelo arguido se enquadram nas condutas previstas e punidas pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (na já referida redacção resultante da revisão operada pelo DL 48/95, de 15 de Março, alterada pelas Leis n.º 65/98, de 2 de Setembro e n.º 7/2000, de 27 de Maio), cumpre precisar o significado da expressão “maus tratos” constante do citado n.º 2 (“maus tratos físicos ou psíquicos”).
Esclarece Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., págs. 102-103), que: «Tal expressão visa traduzir uma específica realidade sociológica que pode ser caracterizada pelo exercício de inúmeras formas de violência, que ocorre num específico espaço social, em que surgem como agressor e vítima os membros de uma relação conjugal (ou de uma relação a esta análoga, ou de uma relação familiar de âmbito mais alargado) e que visa, a maior parte das vezes, a manutenção na prática de concepções estereotipadas dos papéis atribuídos ao homem e à mulher, concepções essas fundamentadas numa visão ainda patriarcal da sociedade. Mas, em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício de violência».
Vejamos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça mais recentes, sendo que na maioria dos casos a violência doméstica não tem tratamento a se, apenas sendo crime integrante de concurso de crimes, concorrendo para a confecção de pena única, sendo muitas das vezes pena definitiva por força de dupla conforme.
Para o acórdão de 5-11-2008, processo n.º 2504/08-3.ª Secção, versando o crime p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção da Lei n.º 7/2000, de 27-05, o bem jurídico protegido na incriminação, tendo em conta a sua inserção sistemática, era a pessoa do cônjuge (ou equiparado), a sua integridade física, a sua saúde e a sua dignidade, enquanto pessoa humana, e não a instituição familiar.
No acórdão de 12-03-2009, processo n.º 236/09-3.ª Secção, considera-se que no crime em causa protege-se a saúde física e mental do cônjuge, sendo que esse bem pode ser violado por todo o comportamento que afecte a dignidade pessoal daquele, designadamente por ofensas corporais simples, invocando os acórdãos de 30-10-2003, já citado, e de 04-02-2004, proferido no processo n.º 2857/03-3.ª. Mantém o montante de 20.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Para o acórdão de 28-04-2010, processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, existe concurso aparente entre o crime de violência doméstica e os dois crimes de ofensa à integridade física qualificada imputados ao arguido, relativamente às agressões de que foi vítima a ofendida. E, porque daquelas ofensas físicas praticadas pelo arguido contra a ofendida resultou perigo para a vida desta, a conduta do arguido subsume-se à previsão do artigo 152.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal.
No acórdão de 09-06-2010, processo n.º 583/07.4GFSTB.L1.S1 - 5.ª Secção, estava em causa apenas indemnização, tendo sido ponderado que face à vida em comum durante 38 anos, às pancadas e ameaças sofridas, era de fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 25.000,00.
No acórdão de 24 de Março de 2011, por nós proferido no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, foram apreciadas apenas a pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado (uxoricídio) e a pena única, tendo sido rejeitado o recurso quanto aos crimes de sequestro, punido com 4 anos de prisão, de violência doméstica, punido com 2 anos e 8 meses de prisão e dois crimes de ameaças agravadas, punidos cada um, com um ano de prisão, por verificada dupla conforme.
Abordada a questão da violência intra-familiar e a evolução do direito interno sobre o tema, sendo mantida a pena pelo homicídio qualificado, de 21 anos de prisão e reduzida a pena única de 24 anos e 6 meses para 23 anos de prisão.
No acórdão de 16-06-2011, processo n.º 600/09.3JAPRT.P1.S1 - 5.ª Secção, abordando caso de uxoricídio, reporta a violência doméstica como fenómeno enformador do exemplo padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal.
No acórdão de 13 de Julho de 2011, proferido na providência de habeas corpus n.º 552/11.0PWPRT-A.S1, por nós relatado, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 189, estava em causa crime de violência doméstica, tendo-se abordado o bem jurídico tutelado e a evolução do tratamento da questão no direito interno, considerando-se que o crime constitui criminalidade violenta e que justifica a aplicação da medida de prisão preventiva por cair na previsão dos artigos 1.º, alínea j) e 202.º, n.º 1, alínea b), do CPP, não havendo qualquer excesso de prazo por ter sido sujeito à medida em 21-06-2011.
No acórdão de 3-10-2013, processo n.º 45/10.2GGBJA.E2.S1-5.ª Secção, o recurso foi rejeitado quanto ao crime de violência doméstica, face à pena de 2 anos de prisão e a confirmação pela Relação em registo de dupla conforme.
No acórdão de 24-10-2013, proferido na providência de habeas corpus n.º 496/13.0PBSXL-A.S1-5.ª Secção, foi considerado que o crime de violência doméstica integra o conceito de criminalidade violenta previsto na alínea j) do artigo 1.º do CPP e conforma o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º do CPP.
No acórdão de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1 - 5.ª Secção, em caso de recurso directo, conhecendo das penas parcelares, considera correctas as penas de 5 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão aplicadas pelos crimes de incêndio e de violência doméstica, respectivamente, mantendo a pena única de 7 anos de prisão.
No acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, processo n.º 1514/12.VNG.S1, versando homicídio qualificado, sendo vítima a companheira de cerca de três anos, foi abordada a temática da violência doméstica e a evolução legislativa sobre o tema.
No acórdão de 22-07-2015, processo n.º 119/13.8JBLSB.L1.S1-3.ª Secção, o arguido foi condenado como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º1, alínea b) e 2 e 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena de 7 anos e 6 meses de prisão e na sanção acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de cinco anos. Interposto recurso pelo M.º P.º o Tribunal da Relação condenou o arguido em 8 anos de prisão. No recurso interposto para o STJ o arguido impugnou matéria de facto e invocou a violação do princípio in dubio pro reo, sendo rejeitado nessa parte. No mais, foi mantida a pena de 8 anos de prisão, considerada como pecando por defeito, mantendo-se intocada por estar vedada a sua agravação.
Passando aos casos em que teve apenas lugar a fixação de pena única.
Acórdão de 23-11-2011, processo n.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção (abrangendo homicídio qualificado de companheira e violência doméstica).
Acórdão de 30-11-2011, processo n.º 112/10.2JALRA.C1.S2 - 3.ª Secção (versando homicídio qualificado de filho de 6 meses de idade, punido com 24 anos de prisão e dois crimes de violência doméstica, sendo um na pessoa da mulher, punido com 4 anos de prisão e outro na pessoa daquele filho, punido com 3 anos e 6 meses de prisão).
Acórdão de 05-06-2012, processo n.º 1276/10.0PAESP.P1.S1 - 3.ª Secção (concurso abrangendo dois crimes de violência doméstica, dois de extorsão e detenção de arma).
Acórdão de 07-11-2012, processo n.º 711/11.5PBAGH.L1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, em caso de concurso de homicídio qualificado tentado, violência doméstica, três violações e detenção de arma proibida.
Acórdão de 02-12-2013, processo n.º 742/11.5TACTX.E1.S1 - 3.ª Secção (caso de autoria em série, sendo vítimas a mulher e enteadas, com concurso de 234 crimes de violação, 10 crimes de abuso sexual de criança agravados, três crimes de violência doméstica e um crime de detenção de arma proibida, tendo sido desagravada em função da primariedade, a pena única de 25 para 23 anos de prisão).
Acórdão de 27-02-2014, processo n.º 798/12.3GCBNV.L1.S1 - 5.ª Secção (concurso nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, de dois homicídios qualificados tentados, violência doméstica, violação de domicílio e detenção de arma).
Acórdão de 07-05-2014, processo n.º 2064/09.2PHMTS-A.S1 - 3.ª Secção (concurso de 4 burlas, burlas qualificadas, violência doméstica e maus tratos).
Acórdão de 11-02-2015, processo n.º 175/12.5GBLLE.E1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (concurso de violência doméstica, em quadro de relação amorosa, punida com 3 anos de prisão, furto simples, detenção de arma proibida e extorsão – mantida a pena única de 6 anos de prisão).
Acórdão de 18-03-2015, processo n.º 351/13.4JAFAR.E1.S1 - 3.ª Secção (concurso dos crimes de uxoricídio, agravado pelo artigo 86.º, n.º 3, da lei n.º 5/2006, de 23-02, punido com 19 anos de prisão, violência doméstica, punido com 2 anos e 6 meses de prisão e detenção de arma proibida, punido com 1 ano e 6 meses de prisão – fixada a pena conjunta de 21 anos de prisão).
Acórdão de 25-03-2015, processo n.º 224/09.5PAOLH.E1.S1 - 3.ª Secção (pena única de 13 anos de prisão para o conjunto de violência doméstica, quatro roubos, três deles agravados, doze crimes de falsificação, um deles agravado, três crimes de burla, um abuso de confiança e um crime de resistência e coação).
Acórdão de 11-06-2015, processo n.º 41/10.0JBLSB.S1 - 5.ª Secção (em caso de delinquente com tendência criminosa pena única de 5 anos de prisão para conjunto de violência doméstica, falsificação de documento e detenção de arma proibida).
Acórdão de 25-06-2015, processo n.º 814/12.9JACBR.S1 - 5.ª Secção (conhecida apenas a pena única por força de dupla conforme in mellius, sendo mantida a pena única de 9 anos de prisão fixada pela Relação, em substituição da pena de 12 anos, para o conjunto de um crime de violência doméstica, punido pela Relação com 3 anos de prisão, quatro crimes de violação agravada de menores, sendo o arguido avô, e dois crimes de ameaças agravadas).
Acórdão de 31-07-2015, processo n.º 248/12.5GBRMZ.E2.S1 - 3.ª Secção (pena única de 11 anos de prisão, englobando um crime de violência doméstica, considerada “uma forte preocupação social e dos poderes públicos”, um crime de maus tratos, um crime de violação e dois crimes de ameaças agravadas).
Acórdão de 17-09-2015, processo n.º 78/15.2T8VCD.S1 - 5.ª Secção (apreciando acórdão cumulatório de penas, englobando violência doméstica, furto simples e qualificado, condução sem habilitação legal, detenção de arma proibida, burla informática, condução perigosa de veículo rodoviário).
Acórdão de 22-10-2015, processo n.º 295/15.5T8VCD.P1.S1 - 5.ª Secção (apreciando acórdão cumulatório, com concurso englobando violência doméstica, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, detenção de arma proibida e falsificação de documento).
Acórdão de 05-11-2015, processo n.º 588/11.0JACBR.C2.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única para o conjunto homicídio qualificado e violência doméstica, punido com 2 anos e 6 meses de prisão, sendo mantida a pena única de 20 anos de prisão aplicada pelas instâncias).
Acórdão de 26-11-2015, processo n.º 371/13.9JAFAR.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única abrangendo as penas aplicadas por crime de homicídio simples, agravado nos termos do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 e por crime de violência doméstica).
Acórdão de 24-02-2016, processo n.º 389/14.4PDVNG.P1.S1 - 3.ª Secção (fixação de pena única para homicídio qualificado e violência doméstica).
Aacórdão de 25-02-2016, processo n.º 13/13.2PJOER.S2 - 5.ª Secção (fixação de pena única para tráfico de estupefacientes, extorsão e violência doméstica).
Acórdão de 25-05-2016, processo n.º 914/13.8PAVNG - 3.ª Secção (fixação de pena única para homicídios tentados e violência doméstica).
Acórdão de 25-05-2016, processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1 - 5.ª Secção (fixação de pena única de 16 anos de prisão para um crime de violência doméstica e 80 crimes de violação).
Passando à determinação concreta da medida da pena.
A moldura abstracta penal cabível aos crimes de violência doméstica, verificados no concreto caso, é de 2 anos a 5 anos de prisão.
Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- A intensidade do dolo ou da negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
***
No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.
Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
A propósito da medida das penas, diz Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, 3, pág. 130, que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.
Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.
Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”.
No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.
O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Como salientou o acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, in BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.
Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43", 1983, pag. IS) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatôria da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum].
Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.
Revertendo ao caso concreto.
A pena aplicável a cada um cos cinco crimes é de prisão de 2 anos a 5 anos.
Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar.
Sobre a questão da determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, de fls. 596 a 600, no segmento
“Determinação da medida da pena:
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de violência doméstica previsto pelo artigo 152, n.º 1, alíneas b) c) e d) e n.º 2 do Código Penal, é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Estabelece o n.º 4 do art. 152º que “Nos casos previsto nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.”
E o n.º 5 do referido normativo preceitua que “A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”
De acordo com o estabelecido no n.º 1, do art. 40º do Código Penal, “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” (n.º 2 do referido preceito legal).
As finalidades da punição são, pois, a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades são complementares no sentido de que não se excluem materialmente, havendo sempre que encontrar um justo equilíbrio na sua ponderação.
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade[1].
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização do agente.
Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido há que atender, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele e, que se encontram enumeradas, a título exemplificativo, no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, e voltando ao caso concreto, há que considerar que as exigências de prevenção geral são elevadas e as de prevenção especial afiguram-se-nos elevadíssimas, não só face à postura assumida pelo arguido em audiência, desculpabilizando-se, não assumindo a integralidade dos factos, mas sobretudo porque o arguido foi já condenado por duas vezes pela prática do crime de maus-tratos. Uma primeira condenação, que foi vítima o filho mais velho do arguido e a segunda por factos praticados contra a ora assistente. E apesar de ter sofrido condenações em pena de prisão ainda que suspensa e que com sujeição a regras de conduta e acompanhamento, o certo é que tais penas se mostraram absolutamente ineficazes apara afastar o arguido do cometimento de novos crimes.
Há, ainda, que ter em consideração:
- o nível de violência física exercido pelo arguido, traduzido no número de agressões, nas consequências da sua conduta traduzidos nos dias de doença sofridos pelos ofendidos, na forma como agrediu (com socos, pontapés, cabeçadas, paus ).
- o nível de violência psíquica, traduzida nas ameaças que lhes fez, especialmente à assistente e à ofendida FF;
- o espaço de tempo que o arguido manteve a conduta;
- as situações de aviltamento, amesquinhamento e vexame que impôs, designadamente expulsando de casa a ofendida FF e lhe atirando com a roupa para rua, e obrigar a assistente a fugir de casa, refugiar-se em casa de vizinho e até a dormir nas escadas do prédio.
- a intensidade do dolo que é intenso – dolo directo -;
- a existência de antecedentes criminais, como referido supra.
*
Tudo devidamente ponderado, fazendo uso de um critério razoável proporcionalidade e sem esquecer que, e na esteira do que foi defendido por Beleza dos Santos “a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente”[2],
A concretização dos dias de prisão far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: "como limite que é, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado, (...) não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 238).
Afigura-se necessário e adequado aplicar as seguintes penas
- 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e c) e nºs 2, 4 e 5, do Código Penal – ofendida EE;
- 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2, e 4 do Código Penal – ofendida FF;
- 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2, 4, do Código Penal – ofendido HH
- 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2, 4, do Código Penal – ofendido GG.
- 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2, 4, 5 e 6, do Código Penal – ofendida II”.
***
Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir as penas aplicadas pelos cinco crimes de violência doméstica, como vem peticionado pelo recorrente.
Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.
Para além do já referido no acórdão de 2 de Julho de 2008 e outros supra mencionados:
No âmbito do crime de violência doméstica, novo tipo legal de crime introduzido com a reforma de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 04-09), segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, UCE, pág. 464, os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexual e até a honra.
M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial, Almedina, 2014, pág. 617, reportam um conceito de bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e a liberdade, na suas expressões sexual e de natureza pessoal.
Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica Revista Julgar, N.º 12 (especial), Novembro 2010, págs. 10 a 24, em que é analisado o quadro normativo da resposta penal à violência doméstica saído da revisão penal de 2007, formado pelos crimes de homicídio qualificado, de ofensa à integridade física qualificada e de violência doméstica.
O Autor considera, pág. 23, que a principal e mais substancial novidade não reside no crime de violência doméstica, mas na alteração ao crime de homicídio qualificado, concretamente a introdução do exemplo-padrão que consta da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, por sua vez aplicável às ofensas à integridade física. Através desta modificação foi o sistema penal português dotado de um regime de tutela específica reforçada em todas as dimensões possíveis do fenómeno da violência doméstica.
Entende, a págs. 14, que a dignidade humana por muitos considerado como o bem jurídico protegido pela incriminação de violência doméstica não deve ser erigida a específico bem jurídico da violência doméstica.
“A dignidade humana como valor fundante e transversal a todo o sistema jurídico não está em condições de desempenhar a função de específico referente e padrão crítico da criminalização que deve ser própria de um bem jurídico-penal. Para quem queira, ainda assim, conferir-lhe o estatuto de bem jurídico-penal, será em todo o caso mais prudente reservar-lhe esse eventual papel para situações em que a vítima é submetida a uma condição infra-humana, por acção de um seu semelhante, com um consequente absoluto aniquilamento da sua dignidade pessoal. Ora, o delito em apreço pretende dirigir-se e actuar sobre condutas que estão muito longe de assumir uma tal gravidade”
Afastando-se da maioria da doutrina que o considera crime de dano, considera – págs. 16/7 - que o crime de violência doméstica assume a natureza de crime de perigo, nomeadamente, de crime de perigo abstracto. “É, com efeito, o perigo para a saúde do objecto de acção alvo da conduta agressora que constitui motivo da criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstracto”. Entende que o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação prende-se com os sérios riscos para a integridade psíquica da vítima, que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolonguem no tempo. E a págs. 18 considera que os maus tratos devem ser encarados na perspectiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima
Na mesma Revista, págs. 25 a 66, André Lamas Leite, no artigo A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia, analisa alguns aspectos do regime do crime, p. e p. pelo artigo 152.º do Código Penal, apenas no que contende com a «violência relacional íntima», ou seja, aquela que é perpetrada entre cônjuges ou quem vive em condições análogas.
Afirma o Autor a págs. 45: “Os «maus tratos físicos ou psíquicos» devem ser interpretados como lesões graves, pesadas de incolumidade corporal e psíquica do ofendido, diríamos que no campo de tensão entre os tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e a tutela da integridade física e moral”.
Ao abordar o bem jurídico começa por dizer que difícil será apontar um tipo legal em cuja base se encontre um bem jurídico tão multímodo como o da violência doméstica.
Explicita, pág. 49, que no seu modo de ver o fundamento último das acções e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo.
A págs. 52 sustenta que se exige no crime de violência doméstica uma certa estabilidade na relação interpessoal, a existência de uma proximidade existencial efectiva. Do mesmo passo, meros namoros passageiros, ocasionais, fortuitos, flirts, relações de amizade, não estão recobertas pelo âmbito incriminador do art. 152.º, n.º 1, al. b).”.
Por outras palavras, sublinha, que “ter-se-á de provar que há uma relação de confiança entre agente e ofendido, baseada em fundamentos relacionais mais ou menos sólidos, em que cada um deles é titular de uma «expectativa» em que o outro, por via desse laço, assuma um dever acrescido de respeito e abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro (a).”
Segundo Rui Abrunhosa Gonçalves, no estudo Agressores Conjugais: Investigar, avaliar e intervir na outra face da violência conjugal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 4, Outubro - Dezembro 2004, págs. 542/3, a expressão “violência conjugal” - que se distingue de conceitos mais abrangentes como os de “violência doméstica”, “violência familiar” ou “maus tratos familiares”, em que podem ser afectados outros elementos da família ou que coabitem com o casal - abarca um conjunto variado de actos agressivos que se distinguem entre si pela sua gravidade, mas que têm em comum o facto de serem exercidos por um elemento do casal (geralmente o homem) sobre o outro, de forma consciente, envolvendo a noção de que de que tais actos podem ocorrer numa fase pré matrimonial ou de vida em conjunto, durante esse período ou mesmo após esse período, quando o matrimónio ou a união de facto se encontra em vias de dissolução.
Nas palavras de Ricardo Jorge Bragança de Matos (loc. cit., pág. 103), «a prática de maus tratos entre cônjuges parece então poder analisar-se na perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária».
Concretizando.
Em primeiro lugar, dir-se-á que acompanhamos no geral as considerações tecidas pelo acórdão recorrido, que se mostram certeiras e fundamentadas, importando reter o seguinte.
No que respeita ao período temporal, a actividade delituosa do recorrente desenvolveu-se desde 12 de Março de 2011 até ao primeiro trimestre de 2015, conforme FP 8 e 27, maxime, até Março de 2015, como resulta do FP 31, sabendo-se que o recorrente se encontra preso preventivamente desde 13 desse mês.
A actuação perdurou durante cerca de quatro anos, ressalvando-se quanto à filha FF, os períodos de ausência, pois que esteve fora de casa durante dois anos, conforme FP 15, tendo saído definitivamente em 28-02-2014, como se alcança do FP 18, sendo que os demais filhos estiveram institucionalizados nos anos de 2011 e 2012, como ficou provado no FP 36, embora sem precisão, o que significa que em relação aos filhos se verificaram hiatos, não se estando perante uma conduta continuada como ocorreu em relação à companheira EE.
O modo de actuação vem caracterizado ao longo dos FP, expresso em agressões e ameaças e imposições de comportamentos.
No que toca aos antecedentes criminais, há a reter duas condenações anteriores em registo de homotropia, por factos praticados em 9-02-2004 e em 9-02-2008, como relata o FP 70.
No processo n.º 233/908.1PHLRS, a sentença de 17-01-2011, que condenou o arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por 3 anos, transitou em julgado em 16-02-2011, tendo a pena suspensa sido declarada extinta, nos termos do artigo 57.º do Código Penal, por decisão de 4-02-2015, conforme boletins de registo criminal de fls. 166 e 167, o que significa que a maior parte das condutas integrantes do quadro global da violência doméstica agora julgadas foram cometidas em grande parte no período de suspensão da execução da pena, tendo começado menos de um mês após o trânsito em julgado da decisão condenatória que efectuou um juízo de prognose favorável a que o arguido não correspondeu.
No que tange a motivações da conduta tem-se por certo estar presente a situação económica do agregado familiar.
As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde, a integridade física e psíquica e a liberdade pessoal e honra – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e das conhecidas consequências para os elementos dos agregados familiares, justificando resposta punitiva firme.
Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno, que em 2013 registou 27.318 ocorrências e em 2014 produziu 27.317 casos, como consta do Anexo da Lei de Política Criminal para o Biénio 2015-2017.
Já em 2009, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, durante o ano de 2009 as forças de segurança registaram um total de 30 543 participações de violência doméstica, sendo que 23 259 dessas participações foram por violência doméstica contra cônjuge/análogos.
Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.
A considerar que o tipo legal integra o conceito de «Criminalidade violenta», na definição da alínea j) do artigo 1.º do CPP, com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 4 de Julho de 1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência, sendo de realçar as duas condenações que o arguido contabiliza por crimes do mesmo tipo, o que não o impediu de encetar um terceiro ciclo.
Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de 2 anos a 5 anos de prisão, ponderando todos os elementos enunciados, não se estando perante unicidade de penas parcelares, antes se evidenciando tratamento diferenciado que cada caso impõe, entende-se não se justificar intervenção correctiva, afigurando-se equilibradas e adequadas as penas impostas no acórdão recorrido, por cada um dos cinco crimes.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Questão II – Medida da pena única
O recorrente nas conclusões 9.ª a 16.ª pugna por redução da medida da pena única, considerando a aplicada demasiado elevada e desadequada, entendendo que deve ser alterada
Na conclusão 9.ª, depois de na antecedente ter pedido redução de todas as penas parcelares, pretende que lhe seja imposta pena única de 5 anos de prisão e na conclusão 10.ª que essa pena seja suspensa na execução, defendendo na conclusão 16.ª que, caso sejam confirmadas, a pena única seja fixada em 5 anos e meio de prisão
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas supra referidas), que:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 4 anos e 3 meses de prisão (pena aplicada pelo crime de que foi vítima a assistente) e 13 anos e 6 meses de prisão.
A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.
Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.
Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.
A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.
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No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.
Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.
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Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
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Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 e de 13 de Julho de 2016, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processo n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 e processo n.º 101/12.2SVLSB.S1:
“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.
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Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.
Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.
Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).
A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.
É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2 e de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.
Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.
Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.
Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.
Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.
Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.
Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.
Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).
Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.
Analisando.
Como se viu, a moldura penal do concurso é de 4 anos e 3 meses de prisão a 13 anos e 6 meses de prisão.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.
Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.
Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.
Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.
E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.
No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.
No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).
E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.
Concretizando.
Vejamos se no caso em reapreciação, como pretende o recorrente, é de reduzir a pena única aplicada na sequência da confluência de cinco crimes de violência doméstica.
Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados no tipo legal ora em causa, já assinalados supra.
O acórdão recorrido, a fls. 600/1, sobre a determinação da medida da pena única, discorreu da seguinte forma:
“Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, de acordo com o critério consagrado no art. 77º do Código Penal, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas (4 anos e 3 meses de prisão) e como limite máximo a soma das penas parcelares concretamente aplicadas (13 anos e 6 meses de prisão), considerando a gravidade objectiva dos factos na sua globalidade, cuja reiteração ocorreu no período compreendido entre Março de 2011 e Março de 2015, data em que o arguido foi preso preventivamente, num contexto de homogeneidade de actuação e no âmbito da relação de conjugal e parental (SIC), e a personalidade do arguido, revelada em audiência e que con[s]ta do relatório social e do relatório de avaliação psicológica do arguido, o mesmo revela vulnerabilidade, dificuldade em lidar com as suas emoções e predisposição para agir impulsivamente, o que constitui factores de risco em termos de adequada reinserção social, aliado à circunstância do arguido ter apenas admitido parcialmente a autoria dos factos ilícitos criminais praticados, não demonstrando dessa forma uma interiorização consistente do desvalor da respectiva actuação, bem como os antecedentes criminais registados, afigura-se adequada a aplicação ao arguido BB da pena única de 7 (sete) anos de prisão”.
Há que atender às condições pessoais dadas por provadas, incluídas as pertinentes à vida actual.
O recorrente nasceu em 10-10-1968, o que significa que à data da prática dos factos tinha entre 42 e 46 anos de idade, contando actualmente 48 anos de idade.
Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.
Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.
A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, e muito embora não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido, certo é que há sinais de grande aproximação ao conceito, tendo o arguido no passado por factos de 2004 e de 2008 beneficiado da concessão do benefício da dúvida.
Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.
Ponderando o modo de execução, a homogeneidade de conduta, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, a idade do arguido, o período temporal da prática dos crimes em causa, afigura-se-nos não justificar-se intervenção correctiva, uma vez que a primeira instância já fez aplicação de um factor de compressão expressivo (situado entre 1/3 e ¼), sendo de manter a pena aplicada por ser a adequada, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.
Questão III – Pena suspensa – regras de conduta
Nas conclusões 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª o recorrente pede a imposição de pena de substituição.
Atenta a medida da pena única ora fixada/mantida fica prejudicada tal pretensão, por ultrapassado o limite máximo possível para ponderação de tal solução.
Questão IV – Pena acessória – Redução
O recorrente foi condenado na pena acessória de proibição de contacto com a assistente por um período de 4 anos.
Nas conclusões 17.ª, 18.ª, 19.ª e 20.ª, o recorrente defende redução para período não superior a 3 anos, esclarecendo na conclusão 20.ª não pretender recorrer da proibição de uso e porte de arma por não ter arma nem pretender vir a ter.
No acórdão recorrido a aplicação da pena acessória foi fundamentada, de fls. 601 a 603, nestes termos:
“Da Pena Acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas e de proibição de contactos.
Cabe, ainda, apreciar se existe razão para aplicar ao arguido qualquer pena acessória.
Na verdade, estatui-se no nº 4 e 5 do artº 152º do C.Penal que:
“4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Não obstante o mandamento constitucional (artigo 30.°, nº 4) repetido na lei ordinária (artigo 65.°, nº 1 do Código Penal) de que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos", isso não pode significar que, por mediação judicial e desde que respeitados os seus específicos pressupostos, não possam (e devam) ser aplicadas sanções acessórias.
A tal sanção deverá assinalar-se (e também pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação e que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do agente do crime que utiliza armas de modo imprudente ou leviano ou, pior ainda, tendo em vista directamente atingir bens jurídicos de relevante valor.
Assim, não há dúvida que com a aplicação desta sanção acessória visa-se também combater a perigosidade da utilização de armas pelo arguido.
Feitas estas brevíssimas considerações, não temos dúvida em afirmar que o arguido deve, efectivamente, ser condenado nesta pena acessória, já que cometeu um crime de violência doméstica, como está referenciado com um elevado grau de perigosidade.
Consequentemente, estão preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação desta medida que, no caso, terá grande utilidade para impedir o arguido de vir a obter e usar armas.
O período de interdição tem o limite mínimo de seis meses e o máximo cinco anos A interdição implica a proibição de detenção, uso e porte de armas, designadamente para efeitos pessoais, funcionais ou laborais, desportivos, venatórios ou outros, bem como a concessão ou renovação de licença, cartão europeu de arma de fogo ou autorização de aquisição de arma durante o período de interdição, devendo o condenado fazer entrega da ou das armas, licenças e demais documentação no posto ou unidade policial da área da sua residência no prazo de 15 dias contados do trânsito em julgado”.
Mais se decide, tendo em vista a ressocialização do arguido e prevenir a reincidência condenar o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a vítima EE
Considerando tudo quanto foi dito relativamente às exigências de prevenção geral e especial, atendendo aos limites dentro dos quais devem ser fixadas as penas acessórias, entende-se que adequado fixar as mesmas em 4 anos”.
Apreciando.
A pena acessória ora em causa foi introduzida pela primeira vez no Código Penal aquando da 5.ª alteração, operada pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio (Diário da República – I Série, n.º 123, de 27-05), que reforçou as medidas de protecção a pessoas vítimas de violência. (Antes a medida de afastamento da residência fora prevista no artigo 16.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto).
O artigo 152.º passou a estabelecer:
1 - …………………………………………………………………………………………
2 – A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos.
3 – A mesma pena é também aplicável a quem infligir a progenitor de descendente comum em 1.º grau maus tratos físicos ou psíquicos.
4 – A mesma pena é aplicável a quem, não observando disposições legais ou regulamentares , sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.
5 – (Anterior n.º 4).
6 – Nos caos de maus tratos previstos nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo, ao arguido pode ser aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos.
Inserto no Título III - Das penas, Capítulo II - Penas acessórias, do Código Penal (aprovado pelo Decreto - Lei n.º 400/2, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983) estabelece o
Artigo 65.º
(Princípio geral)
Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
Como dá nota Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, Almedina, 1984, 2.ª edição, o preceito teve por fonte o artigo 76.º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963.
Preceito semelhante foi introduzido na Constituição da República, posteriormente à elaboração do Projecto definitivo do Código Penal, reproduzindo o artigo 30.º, n.º 4, aquele texto ipsis verbis, apenas incluindo “quaisquer”.
Estabelece o artigo 30.º, n.º 4, da CRP:
«Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».
Este n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) e já proposto por Jorge Miranda em 1975, pretendeu acolher o entendimento de política criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas, impedindo o funcionamento de uma aplicação automática, meramente ope legis, relativamente a efeitos penais da condenação ou penas acessórias, constituindo um corolário do que o Professor Eduardo Correia chamava a “teoria unitária da pena”, a qual rejeita que se liguem automaticamente certos efeitos a certas espécies de penas, como acontecia dantes em relação às penas maiores.
Como dá nota Maia Gonçalves, ibidem, “Pouco tempo antes da promulgação do Código expendia o Prof. Figueiredo Dias, Novos Rumos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro, pág. 34: “Nenhuma pena deve envolver, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos: eis uma implicação directa fundamental da tendência político-criminal ora em explicitação (…)”.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., pág. 504, referem que a norma do n.º 4 proíbe os efeitos necessários das penas, quando aqueles se traduzem na perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Seguramente que ela não proíbe que as penas consistam, elas mesmas, na perda desses direitos (penas de interdição profissional, suspensão de direitos políticos, etc.). O que se pretende é proibir que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, mecanicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei (ope legis), uma outra «pena» daquela natureza
(cfr. Acs TC nºs 442/93 e 748/93). A teleologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que, de forma mecânica, sem se atender aos princípios de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (cfr. Acs TC nºs 16/84, 91/84, 310/85, 75/86, 94/86, 284/89, 748/93, 522/95, 202/00, 562/03 e muitos outros). Impõe-se, pois, em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do juiz (cfr. Acs TC nºs 522/95 e 422/01).
Muito se discutiu se seria admissível a imposição (automática) a um cidadão que tivesse cometido determinado tipo de infracções, sobretudo a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiro.
O princípio constitucional vertido no artigo 30.º, n. º 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência - por via directa da lei - da condenação por infracções de qualquer tipo.
Neste sentido e pronunciando-se pela declaração de inconstitucionalidade, por violação daquele n.º 4, podem ver-se, inter altera, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 282/86, in Diário da República, I.ª Série, de 11 de Novembro de 1986, n.º 284/89, in Diário da República, II- Série, Suplemento, de 22 de Junho de 1989, n.º 288/94, de 17 de Junho de 1994, in Diário da República, II Série, n.º 41/95, in Diário da República, II Série, de 27 de Abril de 1995.
Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 14/96 (proferido no recurso n.º 45 706, da 3.ª Secção), de 7 de Novembro de 1996, in Diário da República, I.ª Série - A, n.º 275, de 27 de Novembro de 1996, e BMJ n.º 461, pág. 54, firmado a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13/12, defendendo-se que a expulsão não podia ser decretada automaticamente, funcionando “ope legis”, ou como consequência necessária da condenação, antes devendo ser obrigatoriamente fundamentada e justificada, aí se ponderando que a proibição dos efeitos decorrentes da aplicação automática, seja na sequência da imposição de uma certa pena, seja na de condenação por certos crimes, não obstando a que a lei os preveja «com o conteúdo possível da condenação por determinado crime ou simples consequência, também possível, de uma pena», parte da premissa de que a sua ocorrência em cada caso concreto tenha como pressuposto a apreciação judicial de que, in casu, se mostram adequados e justificados pelas circunstâncias do crime.
Explicita-se ainda que “a proibição da previsão legal daqueles efeitos como necessários não obsta, porém, a que a lei os preveja como conteúdo possível da condenação por determinado crime ou simples consequência, também possível, de uma pena; ponto é que a sua ocorrência em cada caso concreto tenha como pressuposto a apreciação judicial de que, in casu, se mostram adequados e justificados pelas circunstâncias do crime” (realce nosso).
No caso em apreciação a imposição mostra-se justificada, não havendo razões para encurtamento do prazo, no caso, a coincidir com a prática dos factos por que o recorrente respondeu no processo, de que foi vítima a companheira e Mãe dos filhos, o que não deixará de corresponder a um bom critério.
Improcede, assim, a pretensão sintetizada nas conclusões 17.ª, 18.ª, 19.ª e 20.ª.
Questão V – Montante indemnizatório
Nas conclusões 21.ª, 22.ª, 23.ª e 24.ª o recorrente impugna apenas os valores atribuídos, pugnando pela sua diminuição, que concretiza nas duas últimas conclusões.
O acórdão recorrido versou a questão do seguinte modo, a fls. 604/5:
“Estipula o art. 21º, nºs. 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16-09, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência às suas vítimas, o direito à obtenção de uma indemnização por parte da vítima de crime de violência doméstica, havendo sempre lugar à aplicação do disposto no art. 82º-A do Código de Processo Penal, «excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.».
Salienta a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-07-2014 (http://www.pgdllisboa.pt) «Praticado o crime de violência doméstica, a lei impõem o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente.».
Visa tal tutela compensatória da indemnização, a reparação dos danos não patrimoniais causados na ofendida, vítima do crime de violência doméstica, em consequência da actuação do arguido.
De acordo com o disposto nos arts. 496º, n.º 3 e 494º do Código Civil, haverá que atender como critério de determinação equitativa para o equivalente económico dos danos não patrimoniais sofridos pelos ofendidos, à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à idade da vítima, à situação económica do lesado, ao valor actual da moeda e aos critérios jurisprudenciais.
Transpondo tais considerações para o caso em apreço, em face da gravidade objectiva dos factos praticados pelo arguido e das consequências resultantes para os ofendidos em termos de afectação do bem-estar físico e psicológico da mesma, nos termos que resultaram provados, considera-se adequada impor as seguintes condenações ao arguido:
No pagamento à ofendida EE da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização.
No pagamento à ofendida FF da quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) a título de indemnização.
No pagamento a cada um dos ofendidos GG, HH e II da quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de indemnização”.
Apreciando.
Está em causa compensação por danos não patrimoniais a atribuir a ofendidos com actos de violência doméstica, sendo que a indemnização está prevista actualmente na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas.
Anteriormente, o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, instituíra um mecanismo de reparação de danos, compreendido como uma espécie de seguro social, dando sequência ao espírito que enformava o então 129.º, n.º 1, do Código Penal “Legislação especial assegurará, através da criação de um seguro social, a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente”.
Após definir na alínea a) do artigo 1.º «Vítima» como “a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão, no âmbito do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal”, inserto no Capítulo IV- Estatuto da vítima – Secção I - Atribuição, direitos e cessação do estatuto de vítima, estabelece o
Artigo 21.º
Direito a indemnização e a restituição de bens
1 – À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 – Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
3 – ………………………………………………………………………………………...
4 –………………………………………………………………………………………....
O Código Civil de 1966 introduziu uma cláusula geral de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no artigo 496.º, consagrando essa possibilidade de ressarcimento com alcance geral.
Integrado na Subsecção I “Responsabilidade por factos ilícitos”, da Secção V “Responsabilidade civil”, do Capítulo II “Fontes das obrigações”, do Título I “Das Obrigações em geral” e Livro II “Direito das obrigações”, versando sobre os danos não patrimoniais, estabelecia o artigo 496.º do Código Civil, na versão originária em vigor desde 1 de Junho de 1967 e intocada até Agosto de 2010:
1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
O artigo 496.º do Código Civil sofreu alteração com a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (a qual procedeu à primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, 53.ª alteração ao Código Civil e 11.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência).
Com tal diploma, no que tange ao Código Civil - artigo 3.º - foram alterados os artigos 496.º, 2019.º e 2020.º, abarcando, pois, as vertentes de indemnização por danos não patrimoniais e direito a alimentos.
No que respeita ao artigo 496.º, mantendo-se intocado o n.º 1, e procedendo a pequenos retoques nos n.ºs 2 e 3, que passou para n.º 4, o aludido diploma inovou no n.º 3, ao prever a inclusão da situação de união de facto.
Passou a estabelecer o artigo 496.º do Código Civil:
1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado (…) de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. (apenas supressão de “judicialmente”)
3 – Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela ou aos filhos ou outros descendentes.
4 – O montante da indemnização é (dantes, será) fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. (anterior n.º 3).
Sobre a ressarcibilidade dos danos morais, podem ver-se Mário de Brito, Código Civil Anotado, edição do Autor, 1969, volume II, págs. 190/1; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4.ª edição, 1982, Coimbra Editora, Lda., págs. 296 a 302, afirmando, a propósito da sistematização da matéria que “o mais razoável parece que será desprender do seu contexto as disposições do artigo 496.º, n.º 1 e n.º 3, 2.ª parte, do vigente Código Civil, sobre danos não patrimoniais, e considerá-las como de ordem geral. Aparecem acidentalmente formuladas a propósito dos casos de lesão corporal, por deficiência de sistematização, mas devem considerar-se como de amplitude maior”; Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, págs. 374 a 376; Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição, 2008, pág. 599; Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 2003, vol. I, págs. 488 a 491; António Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, págs. 476 a 480, com indicação da evolução da jurisprudência desde 1947; Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, trabalho inserto no volume III, dedicado ao Direito das Obrigações, da obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Coimbra Editora, 2007, pág. 496.
Como afirmámos no acórdão de 25-11-2015, no processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, em caso de homicídio qualificado de companheira por companheiro em São Roque do Pico, Região Autónoma dos Açores:
“Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam, para além do bem vida, no caso de supressão, o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter o próprio de viver e conviver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente lesante, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada”.
Como expendia Figueiredo Dias, in Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal, Almedina, 1972, em publicação autónoma e reimpressão de trabalho publicado, pela primeira vez, como contribuição do Autor para os Estudos «in memoriam» do Prof. Beleza dos Santos que, em 1963, formaram o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, a págs. 38/39, “quanto aos chamados danos morais costuma acentuar-se que eles não comportam, por sua natureza, uma indemnização verdadeira e própria, mas tão só uma satisfação, daí provindo a inaplicabilidade, quanto a eles, dos critérios propostos pela teoria de diferença. Todavia, quando não se queira ver aquela satisfação como um corpo estranho ao instituto da responsabilidade civil, no qual se incrusta, há que atribuir-lhe, também a ela, a única função de colocar, quanto possível, o lesado na situação anterior ao facto lesivo; pelo que o critério de avaliação há-de ser o de procurar rigorosamente determinar uma quantia capaz de possibilitar ao lesado prazeres e alegrias que compensem os danos morais causados. Em suma, pois, quer se trate de danos patrimoniais quer morais a obrigação civil de indemnizar tem como critério determinante da sua extensão, fundamentalmente, - para não dizermos unicamente – o critério do dano”.
No caso em apreciação está apenas em causa a determinação do montante compensatório, havendo que ter em conta a adopção de um padrão objectivo e o alcance de um justo grau de indemnização, bem como a afirmação de intervenção limitada do Tribunal Superior.
Alguma jurisprudência defende uma intervenção do tribunal de recurso limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso.
Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.
Nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2002, revista n.º 4048/01 e de 11-07-2006, revista n.º 1749/06, ambos da 6.ª Secção, consignou-se que salvo em caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização o Supremo não deve sobrepor-se à Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.
Como se extrai do acórdão de 09-12-2004, processo n.º 4118/04, da 5.ª Secção, estando em causa danos não patrimoniais, os tribunais superiores limitam a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras do artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2000, processo n.º 2747/00; de 29-11-2001, processo n.º 3434/01; de 16-05-2002, processo n.º 585/02; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02; de 08-05-2003, processo n.º 4520/02; de 17-06-2004, processo n.º 2364/04; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05; de 13-07-2006, processo n.º 2172/06; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06; de 27-11-2007, processo n.º 3310/07; de 06-12-2007, processo n.º 3160/07; de 13-12-2007, processo n.º 2307/07; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08; de 11-09-2008, processo n.º 587/08, todos da 5.ª Secção; de 05-11-2008, processo n.º 3266/98-3.ª; de 11-02-2009, processo n.º 313/09-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 390/09-3.ª; de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 1632/01.5SILSB.S1-3.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª; de 15-07-2009, processo n.º 496/03.9PESNT.S1-3.ª; de 10-09-2009, processo n.º 341/04.8GTTVD-3.ª (citando os acórdãos de 05-03-2002, processo n.º 73/02 e de 11-07-2006, processo n.º 1749/06, afirma que o resultado do julgamento do tribunal a quo, especialmente quando houver concordância nas instâncias, não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável); de 1-10-2009, processo n.º 91/01.7GTLRA.C1.S1-3.ª; de 23-02-2011, processo n.º 395/03.4GTSTB.L1.S1-3.ª; de 07-12-2011, processo n.º 461/06.4GBVLG.P1.S1-5.ª; de 15-02-2012, processo n.º 476/09.0PBBGC.P1.S1-5.ª; de 29-02-2012, processo n.º 1115/02.6TAFAR.E1.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 451/06.7GTBRG.G1.S2-5.ª; de 24-05-2012, processo n.º 6/06.6PTLRA.C1.S1-5.ª.
Como referiu o acórdão de 21-02-2007, processo n.º 4594/06 - 3.ª Secção, “Sendo a decisão de fixação de uma indemnização equitativa o resultado de uma mediação inescapável do prudente critério do juiz entre a objectividade dos fins e o sentido da justa medida, o resultado do julgamento não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável”.
Como se extrai do acórdão de 08-05-2013, processo n.º 670/09.4JACBR.C1.S1 - 3.ª “Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. E tem-se feito jurisprudência no sentido de que, tal como escapam à admissibilidade de recurso as decisões dependentes da livre resolução do tribunal (arts. 400.º, n.º 1, al. b), do CPP, e 679.º do CPC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras”.
No mesmo sentido, os acórdãos de 22-10-14, processo n.º 84/13.1JACBR.S1-3.ª; de 03-12-2014, processo n.º 19/11.6TAMDL.P1.S2-3.ª; de 12-03-2015, processo n.º 185/13.6GCALQ.L1.S1-3.ª (citando o acórdão de 21-02-2007, processo n.º 4594/06- 3.ª), afirma: “sendo uma decisão baseada na equidade, com tudo o que ela contém de indeterminável e irredutível na tradução do juízo prudente do julgador sobre as circunstâncias do caso, a decisão só deverá ser censurada pelo tribunal superior se for claramente desconforme com essas circunstâncias, se for manifestamente inaceitável à luz dos factos apurados”.
Pelo exposto, atentos os valores atribuídos e o acervo factual em que assentaram, não se justifica intervenção correctiva, improcedendo a pretensão do recorrente, mantendo-se os montantes fixados.
Concluindo.
1 – Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão condenatório, ainda que as penas parcelares sejam iguais ou inferiores a cinco anos de prisão;
2 – No caso há que apreciar as questões colocadas a propósito dos cinco crimes de violência doméstica, todos punidos com penas inferiores a cinco anos, no caso a medida das penas parcelares;
3 – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas;
4 – À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta;
5 – À pena única fixada deverá ser descontada a prisão preventiva sofrida pelo recorrente à ordem do processo desde 13 de Março de 2015;
6 – É ajustado fixar como tempo da pena acessória de proibição de contacto com a vítima o correspondente ao período de conduta ofensiva;
7 – Na atribuição de indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em conta um padrão objectivo, procurar um justo grau de compensação e ter em conta que a intervenção do tribunal superior é limitada.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em:
I – Julgar o recurso improcedente, quer no que toca às medidas das penas parcelares, quer da pena única, mantendo-se o acórdão recorrido;
II - Julgar o recurso improcedente, no que toca à pena acessória, mantendo-se o período de duração;
III - Julgar o recurso improcedente, no que tange à parte cível, mantendo os montantes indemnizatórios fixados.
Custas criminais pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).
Custas cíveis pelo recorrente, nos termos do artigo 523.º do CPP.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2016
Raul Borges (Relator)
Manuel Augusto de Matos
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[1] Ac. do S.T.J. de 04.07.1996, in C.J. – Acs. Do S.T.J., ano IV, T 2, pág. 225.
[2] Autor citado In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 78, pág. 26