I - É de aplicar a lei processual penal vigente à data em que é proferido o despacho de pronúncia, pois só então é delimitado o objecto do recurso, nascendo então a pretensão de impugnação. No caso a vigência da nova lei opera escassos 8 dias após a autuação do inquérito, numa data em que os recorrentes não estavam constituídos arguidos.
II - A aplicação da lei nova, tolhendo o recurso da pronúncia, não tem o efeito de faze transitar a decisão que se pretende impugnar por não ocorrer caso julgado, podendo por isso ser conhecida a final. Aplicando-se a lei nova, na versão de 2007, não há que invocar a doutrina do assento 6/2000, que valia para a anterior versão, tendo caducado. E porque caducou, não há violação de jurisprudência fixada. A decisão recorrida foi proferida no domínio da nova versão do art. 410.º, do CPP, que é a aplicável.
I. Contextualização - Artigos 1 a 6;
II. Da contradição entre o acórdão recorrido e o Assento n.º 6/2000 – Artigos 7 a 21;
III. Da tempestividade do recurso – Artigos 22 a 30 (segmento transcrito infra na totalidade, a fls. 28/9);
IV. Da inexistência de modificação legislativa – Artigos 31 a 39 (segmento transcrito infra, na totalidade).
Terminam desta forma:
TERMOS EM QUE, requer-se, atento o exposto e as disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 2, al. a); 310.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto; 120.º, n.º 1, alínea d), 438.º, n.ºs 1 e 2 e 446.º do CPP; 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1 d) do CPC, aplicáveis por força do artigo 4.º do CPP; 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), 420.º, n.º 1, alínea b) do CPP, seja o presente Requerimento de Interposição de Recurso julgado admissível, sendo consequentemente ordenada a notificação dos Recorrentes para apresentarem Alegações, e, a final, com a revogação do Acórdão de 27 de Maio de 2015, assim como do Acórdão de 23 de Maio [Julho] de 2015, que integra o primeiro, e o conhecimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa do recurso interposto pelos Arguidos.
O recurso foi interposto em 28 de Abril de 2016, visando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-05-2015, complementado pelo acórdão de 23-07-2015, que apreciou nulidades arguidas pelos recorrentes, alegando violação da jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2000, publicado com a designação de “Assento n.º 6/2000” no Diário da República, I Série -A, n.º 56, de 7 de Março de 2000.
No âmbito do processo comum singular n.º 446/07.3ECLSB do então … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …. (actual Comarca de Lisboa Oeste, … – Instância Local – Secção Criminal – J…), foram submetidos a julgamento os arguidos AA e BB - Equipamento de escritório, S.A. (dantes CC - Equipamento de Escritório, Lda).
Como consta da certidão de fls. 190 a 250 do 1.º volume e fls. 251 a 256 do 2.º volume deste processo (fazendo no processo principal, fls. 2573 a 2639), por sentença de 14 de Novembro de 2014, foi decidido:
Condenar:
I – O arguido AA, pela prática, em autoria material, de:
1 – Um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo artigo 323.º, alíneas a) e c) do Código de Propriedade Industrial (aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 5-03), na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 30,00 €;
2 – Um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo artigo 324.º, do Código de Propriedade Industrial, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 30,00 €;
3 – Operando o cúmulo jurídico das penas de multa, condenar o arguido na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de 30,00 €, perfazendo o montante de 6.600,00 €;
II – A arguida BB - Equipamento de escritório, S.A.., pela prática, em autoria material, de:
1 – Um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 323.º, alíneas a) e c) do Código de Propriedade Industrial e artigos 3.º e 7.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, aplicados por força do artigo 320.º do CPI, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 100,00 €;
2 – Um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 324.º do Código de Propriedade Industrial e artigos 3.º e 7.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, aplicados por força do artigo 320.º do CPI, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 100,00 €;
3 – Operando o cúmulo jurídico das penas de multa, condenar a arguida na pena única de 240 dias de multa à taxa de 100,00 €, perfazendo o montante de 24.000,00 €.
Absolver
1 – O arguido da prática da contra-ordenação por que vinha pronunciado, por prescrição.
2 – A arguida da prática da contra-ordenação, por que vinha pronunciada, por prescrição.
Pedido cível
Condenar os arguidos, nos termos do artigo 338.º-L, n.º 4, do CPI, a pagarem, solidariamente, à assistente, o montante que se vier a apurar em execução de sentença.
Enquadramento geral
Para melhor percepção do ocorrido ao longo do processo, passa-se a enunciar os vários passos dos autos, no que é possível detectar pela análise dos elementos disponíveis deste processo constituído por certidão do processo principal que ultrapassa as 3.700 folhas.
Em 6 de Setembro de 2007 foi apresentada queixa crime por DD, S.A.. contra CC, Lda., estando em causa a violação de direitos privativos de propriedade industrial, nomeadamente da marca “Cavalinho” de sua titularidade. (Cfr. fls. 49 a 60 e documentos de fls. 61 a 97).
Autuado como processo crime em 7 de Setembro de 2007.
Notificados do despacho de pronúncia, em 24 de Janeiro de 2012, vieram os arguidos “requerer a correcção de nulidades”, para tanto invocando o artigo 666.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do CPP, tudo conforme requerimento de fls. 98 a 101 (fazendo fls. 794 a 797 do processo principal).
Em causa nulidade do despacho de pronúncia por omissão de decisão sobre questão essencial e nulidade do despacho de pronúncia por alegada confissão do arguido AA.
Por despacho de 23 de Março de 2012, conforme consta de fls. 105 a 117 (fls. 990 a 1002 do processo principal), o Juiz de Instrução Criminal na Comarca de … julgou improcedentes as nulidades da decisão instrutória invocadas pelos arguidos.
Notificados deste despacho, em 2 de Maio de 2012, os arguidos, como consta de fls. 118 a 141 (fls. 1007 a 1030 dos autos principais), e em original, de fls. 143 a 189 (fls. 1032 a 1078, no principal), interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a declaração de nulidade do despacho de pronúncia com a revogação deste e actos antecedentes conexos, incluindo o debate instrutório.
Realizado o julgamento, por sentença proferida em 14 de Novembro de 2014, constante de fls. 190 a 256 (fls. 2573 a 2639 dos autos principais), foram os arguidos condenados nos exactos termos supra expostos.
Inconformados com tal condenação, os arguidos em 16 de Dezembro de 2014 interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, conforme fls. 257 a 384, (fls. 2642-2769 do processo principal), pedindo a revogação da sentença e respectiva absolvição, declarando, a fls. 257 (fls. 2642 no principal), e no final da motivação, a fls. 384 (fls. 2769 do principal), o seu interesse na apreciação e julgamento dos recursos pendentes, de 31-01-2012 (fls. 881) e de 3-05-2012 (fls. 1032).
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, na vista a que alude o artigo 416.º do CPP, no parecer emitido em 17 de Março de 2015, de fls. 386 a 394 (fls. 3453 a 3461), quanto aos recursos retidos, a fls. 394 (3461), afirmou que nenhum poderia ser conhecido: o primeiro (fls. 881) porque não foi admitido; o segundo (fls. 1007 e 1032), porque deveria ser rejeitado, em virtude de não constituir o meio processual próprio de reacção contra a decisão de não admissão de recurso, o qual deve revestir a forma de reclamação (artigo 405.º do CPP).
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Maio de 2015, constante de fls. 410 a 486 (fls. 3477 a 3554 dos autos principais), foi deliberado, para além de proceder à rectificação dos plúrimos lapsos de escrita que a sentença continha:
Quanto aos recursos interlocutórios pendentes:
Não apreciar o recurso (fls. 881 - vol. 4.º), porquanto o mesmo não foi admitido e rejeitar o recurso interposto pelos arguidos/recorrentes com o requerimento de fls. 1007 e 1032 (vol. 4.º), ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 414.º e da al b) do n.º 1 do art. 420.º, ambos do CPP.
(O acórdão aborda este ponto a págs. 140/141 – fls. 3546-7 do principal –, fazendo fls. 478 verso e 479 deste).
Quanto ao recurso da sentença
Conceder parcialmente provimento ao recurso e, consequentemente, revoga a sentença recorrida, eliminando-se dos factos provados o ponto 6, alíneas a) e b), constante de fls. 32 da decisão recorrida (fls. 2604-vol. 10.º); e procede-se à integração do ponto 16 como alínea e) do ponto 15 dos factos provados, que passam a ter outra redacção;
Uma vez operada a rectificação dos lapsos de escrita já realizada, quanto ao mais, pese embora com fundamentos em parte diversos, manter a sentença recorrida.
Notificados do acórdão confirmatório, vieram os arguidos em 11 de Junho de 2015, a fls. 496 a 504 (fls. 3564 a 3572 do processo principal), de novo, de fls. 505 a 513 (fls. 3573 a 3581), e em original, de fls. 516 a 524 (2.º volume, fazendo no principal fls. 3584-3592) apresentar requerimento de arguição de nulidades do acórdão.
Os arguidos vieram ainda em 15 de Junho de 2015, conforme fls. 526 a 531 (fls. 3595 a 3600 no processo principal), repetido de fls. 536 a 541 do 2.º volume (fls. 3605 a 3610) e em original, de fls. 545 a 550 do 3.º volume (fls. 3614 a 3619 do processo principal), reclamar para a conferência da decisão de rejeição, por inadmissível, do recurso interposto de fls. 1007 (1032), segmento integrado no acórdão de 27-05-2015, a págs. 140 in fine e 141, fazendo fls. 478 verso e 479 deste processo, que os arguidos apelidam de “despacho integrado” no acórdão de 27-05-2015.
A assistente veio apresentar resposta ao requerimento de arguição de nulidades em 29-06-2015, conforme peça de fls. 558 a 564 (3627 a 3633 do principal) e em original de fls. 565 a 571 do 3.º volume (3634- 3640), pugnado pelo indeferimento liminar das arguidas nulidades.
Os arguidos em 2 de Julho de 2015, a fls. 574-581 (3643-3650), repetido a fls. 584 a 591 (3653-3660) e em original de fls. 592 a 599 (3661-8 do principal) interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão de rejeição, por inadmissível, do recurso interposto de fls. 1007 (1032) a 1078, contida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2015, defendendo a admissibilidade do recurso, com fundamento na observância do Assento 6/2000, por ser aplicável a versão originária do artigo 310.º do CPP, pedindo na procedência do recurso fosse ordenada a apreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa do recurso de fls. 1007 (1032) a 1078, por ser admissível.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Julho de 2015, constante de fls. 605 a 611 (fls. 3674 a 3680 verso do principal) foi deliberado:
- declarar que o acórdão de fls. 3477-3554 do 12.º volume [de 27 de Maio de 2015] não padece de qualquer nulidade, designadamente as invocadas pelos requerentes no seu requerimento de fls. 3564-3572, nem carece de qualquer “correcção”;
- indeferir a arguição das nulidades apresentadas pelos requerentes a fls. 3564-3572;
- rejeitar o requerimento “Reclamar para a conferência” apresentado pelos requerentes a fls. 3595-3600 do 12.º volume.
Por despacho de 22 de Setembro de 2015, a fls. 618 (fls. 3687 do principal), não foi admitido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, por inadmissível.
Contra este despacho foi apresentada reclamação (Apenso B - cfr. fls. 626, 627, 628 e 629), que foi desatendida, por despacho do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 4-12-2015.
Notificados em 10-12-2015, do despacho que indeferiu a reclamação, vieram os arguidos em 21 de Dezembro de 2015 recorrer para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade da norma resultante da alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do CPP, conforme consta de fls. 629 a 631 (fls. 3698 -3700) e original de fls. 632 a 634 (fls. 3701-3).
Por despacho do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2016, constante de fls. 640 (fls. 3709 no principal), repetido a fls. 644 (fls. 3713), foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com subida imediata e efeito suspensivo.
Seguiu-se decisão sumária n.º 79/2016 (sendo decisão recorrida o despacho do senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 4-12-2015), no sentido do não conhecimento do recurso.
Os recorrentes deduziram reclamação para a conferência e por acórdão de 29 de Março de 2016 (Acórdão n.º 181/2016 - processo n.º 20/16-1.ª Secção) foi indeferida a reclamação deduzida pelos recorrentes (fls. 652 a 658 verso (fls. 3721 a 3727dos autos principais).
Como consta do ofício de fls. 651 (fls. 3720), o Acórdão n.º 181/2016 transitou em julgado em 14-04-2016.
Na sequência é interposto o presente recurso – Apenso C - ver fls. 662 (3731) um segundo recurso, o presente.
Antes fora interposto um outro, formando o Apenso A em 5-10-2015 - fls. 624 (fls. 3693) – Cfr. despacho a fls. 664.
Por despacho de 4 de Maio de 2016 o relator no processo principal, a fls. 3732, aqui fazendo fls. 663, proferiu despacho dizendo: “Uma vez devidamente instruído o novo recurso de fixação de jurisprudência remeta os autos à 1.ª instância a fim de se executar a decisão final”.
[A desapensação do recurso penal e remessa à 1.ª instância tiveram lugar em 12-05-2016, conforme atesta fls. 670].
Por despacho de 4 de Maio de 2016 o relator, agora no apenso A, a fls. 50, aqui fazendo fls. 664, abordando o recurso de fixação de jurisprudência interposto em 5 de Outubro de 2015, considerando-o intempestivo, por o Acórdão do TC n.º 181/2016, de 29-03-2016, ter transitado em julgado em 14-04-2016, não o admitiu.
Notificado do presente recurso o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, em 12-05-2016, apresentou a resposta de fls. 667-9, concluindo:
a) O acórdão recorrido não aplicou qualquer norma em contradição com a jurisprudência fixada no assento n.º 6/2000;
b) Pelo que o recurso deve ser rejeitado por não se mostrarem verificados os pressupostos de admissibilidade estabelecidos no artigo 416.º, n.º 1, do CPP.
Por despacho 31 de Maio de 2016, proferido a fls. 672 e verso destes autos, o Exmo. Desembargador relator não admitiu o recurso por não se mostrarem verificados os respectivos pressupostos de admissibilidade estabelecidos no artigo 446.º do CPP.
Contra este despacho foi deduzida reclamação, que admitiu o recurso, como se deduz dos termos de fls. 677, 679 e certidão de fls. 678 e do despacho de fls. 681 e termo de fls. 685.
Finalmente, por despacho de 10 de outubro de 2016, de fls.681, face ao decidido na Reclamação D, foi ordenada a subida dos autos ao STJ.
O processo foi remetido a este Supremo Tribunal de Justiça em 25-10-2016, ut fls. 690.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o artigo 440.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 446.º, n.º 1, do CPP, a fls. 693/5, considerou ser o recurso tempestivo e não se verificar oposição, devendo ser rejeitado.
Apreciando.
A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça processa-se mediante o recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, regulado nos artigos 446.º e 448.º do Código de Processo Penal.
No presente recurso extraordinário os recorrentes defendem que foi violada a orientação definida no Assento n.º 6/2000, de 19 de Janeiro de 2000, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 56, de 7 de Março de 2000, a qual deveria ter sido aplicada, no acórdão ora recorrido proferido no dia 27 de Maio de 2015, complementado pelo de 23 de Julho de 2015, com a apreciação das nulidades arguidas.
O referido Assento fixou a seguinte jurisprudência:
“A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.”
Vejamos.
Requisitos primários – Legitimidade e tempestividade.
Constituem requisitos primários do presente recurso extraordinário a legitimidade do recorrente e a tempestividade do mesmo.
Inserto no Livro IX do Código de Processo Penal – Dos Recursos – no Título II - Dos Recursos Extraordinários – e integrado no Capítulo I, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça está previsto no artigo 446.º (correspondente ao artigo 670.º do Código de Processo Penal de 1929).
Estabelece o artigo 446.º do Código de Processo Penal:
1 – É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.
2 – O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.
3 – O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.
[O n.º 1 tem a redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, mantendo-se o preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008 (Regulamento das Custas Processuais – altera artigos 374.º, 376.º, 377.º, 397.º, 510.º a 515.º, 517.º, 519.º a 521.º e 524.º, adita artigo 107.º-A, e republica no anexo II o livro XI do CPP), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 28-08, aprova a Nova LOFTJ e opera a 17.ª alteração) que pelo artigo 161.º altera os artigos 318.º, 390.º e 426.º-A, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (Diário da República, 1.ª série, n.º 197, de 12-10-2009, que Aprova o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e procede a alterações às LOFTJ 3/99 e 52/2008 e no CPP altera os artigos 470.º, 477.º, 494.º, 504.º e 506.º e adita ao livro X o artigo 491.º-A), pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 168, de 30 de Agosto, 19.ª alteração ao CPP, que altera os artigos 1.º, 68.º, 69.º, 86.º, 103.º, 194.º, 202.º, 203.º, 219.º, 247.º, 257.º, 276.º, 333.º, 334.º, 379.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 386.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391.º, 391.º- A, 391.º- B, 391.º- D, 391.º - E, 391.º - F e 393.º), pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-02, opera a 20.ª alteração do CPP, e introduz alterações aos artigos 13.º, 14.º, 16.º, 40.º, 61.º, 64.º, 99.º, 101.º, 103.º, 141.º, 144.º, 145.º, 154.º, 155.º, 156.º, 172.º, 194.º, 196.º, 214.º, 260.º, 281.º, 287.º, 315.º, 337.º, 340.º, 342.º, 356.º, 357.º, 364.º, 379.º, 381.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 387.º, 389.º, 389.º-A, 390.º, 391.º-B, 397.º, 400.º, 404.º, 411.º, 413.º, 414.º, 417.º e 426.º), pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto (aprova o Regime do segredo de Estado e altera o artigo 137.º, n.º 3), pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril (Diário da República, 1.ª série, n.º 72, de 14-04, opera a 22.ª alteração – altera os artigos 105.º, 283.º, 284.º, 285.º, 315.º, 316.º, 328.º, 364.º, 407.º e 412.º e adita o artigo 328.º-A), pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 120, procede à 23.ª alteração, actualizando a definição de terrorismo e alterando o teor da alínea i) do artigo 1.º), pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, procede à 23.ª (rectius, 24.ª) alteração e aprova o Estatuto da Vítima, alterando os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita artigo 67.º-A) e Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 39, que procede à 25.ª alteração ao CPP, eliminando a possibilidade de aplicação do processo sumário a crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, alterando os artigos 13.º, 14.º, 16.º, 381.º, 385.º, 387.º, 389.º e 390.º)].
Para melhor se entender o alcance da inovação introduzida em 2007, passa-se a transcrever a redacção anterior do preceito.
Estabelecia então o artigo 446.º do Código de Processo Penal, na redacção originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988, sob a epígrafe “Recursos de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória”:
1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência obrigatória, sendo o recurso sempre admissível.
2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.
Com a revisão de 1998 (Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), passou a estabelecer:
1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível.
2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.
3 – O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.
Tal como aconteceu com o n.º 1, no n.º 3, foi substituída a originária designação de jurisprudência obrigatória por jurisprudência fixada.
O recurso em causa não dispunha de regulamentação própria directa, decorrendo do então n.º 2 do artigo 446.º nas duas versões, que o regime a aplicar seria o correspondente aos recursos para fixação de jurisprudência e recursos no interesse da unidade do direito, recorrendo-se, de acordo com o artigo 448.º, nos casos omissos e subsidiariamente, às normas que disciplinavam os recursos ordinários.
Para além do mais, era patente o recurso não ter norma própria quanto a prazos de interposição, diversamente dos prazos de 30 dias previstos para a fixação de jurisprudência - artigo 438.º, n.º 1 - e para os recursos no interesse da unidade do direito - artigo 447.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
Ali, devendo o recurso ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
No último, prevendo a possibilidade de interposição de recurso de decisão transitada “há mais de trinta dias”.
Relativamente à lacuna quanto a prazo de interposição do recurso, defendeu-se no acórdão do STJ de 26-09-1996, processo n.º 697/96, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 146, que o recurso devia ser interposto no prazo geral de 10 dias, a contar da notificação da decisão.
Não era então possível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme então decidiu o citado acórdão de 26-09-1996, processo n.º 697/96, in CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 146, a lei não permitia que da decisão do juiz singular pudesse recorrer-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que da decisão do juiz singular proferida contra jurisprudência obrigatória recorria-se, em primeiro lugar, para o Tribunal da Relação, podendo, depois, recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça.
A nova redacção (introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08) veio, para além do mais (previsão de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, alargamento do leque de recorrentes e definição do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal), clarificar a aludida lacuna quanto ao prazo de interposição de recurso e transpor a solução constante do artigo 438.º, dispondo-se no n.º 1 do artigo 438.º (inalterado em 2007, 2008, 2009, 2010, 2013, 2015 e 2016) que o recurso para a fixação de jurisprudência é de interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. (Neste sentido, os acórdãos por nós relatados de 16-01-2008, processo n.º 4818/07, de 8-01-2015, processo n.º 1039/10.3IDLSB.L1.S1, de 1-07-2015, processo n.º 3907/10.3T3SNT.L1-A.S1).
Significa isto que o recurso a interpor nos termos do artigo 446.º do Código de Processo Penal deverá ter lugar dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito da decisão de que se pretende recorrer.
Pressuposto incontornável do presente recurso extraordinário é o trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo de exigir a verificação do requisito do prévio trânsito em julgado, por esgotada a possibilidade de recurso ordinário.
Da oposição de julgados
Requisito substancial de admissibilidade do recurso é a oposição entre a decisão recorrida e o acórdão de fixação de jurisprudência.
Como requisito fundamental deste recurso extraordinário a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência – acórdão de 3-02-2011, processo n.º 38/07.7GBSTB.E1-A.S1 - 3.ª Secção.
O recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada tem como escopo fundamental, não a tutela do caso concreto, não sendo o remédio jurídico de primeira linha para um erro de julgamento, sendo antes um meio de proporcionar a reanálise da jurisprudência fixada, designadamente, quando surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada.
(Sobre o condicionalismo que poderá atingir a jurisprudência fixada, podem ver-se Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, pág. 1493, nota 7, e os acórdãos de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção; de 03-06-2009, proferido no processo n.º 21/08.5GAGDL.S1-5.ª, de 19-01-2011, processo n.º 1/08.0GAPRT.S1-3.ª; de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1-3.ª e de 4-06-2014, proferido no processo n.º 41/07.7IDSRR.S1-3.ª).
A norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal conexiona-se directa e sequencialmente com o antecedente artigo 445.º do CPP, igualmente inserto no Título II, dedicado aos recursos extraordinários, ora no Capítulo I, prevendo o recurso para fixação de jurisprudência.
O preceito em causa tem como fundamento a necessidade de fazer acatar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador, que ao tempo dos “Assentos”, era obrigatória para os tribunais judiciais, como decorria então do disposto no artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, antes da revogação do artigo 2.º do Código Civil pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (corporizando com o Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, a Reforma do Processo Civil de 1995/1996).
Antes, de acordo com o n.º 1 do artigo 445.º do CPP, a decisão uniformizadora de jurisprudência, para além de aplicável ao próprio processo em que o recurso fora interposto, sem prejuízo do disposto no artigo 443.º, n.º 3, constituía jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais.
Actualmente o artigo 445.º do CPP, sob a epígrafe “Eficácia da decisão”, estabelece:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 443.º, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do n.º 2 do artigo 441.º
2 - O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo.
3 - A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.
A redacção do n.º 1 e do n.º 3, sendo que este n.º não tinha correspondente na versão originária, foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999.
As alterações introduzidas no n.º 1 e o aditamento do n.º 3 visaram aproximar o regime dos recursos para uniformização de jurisprudência em processo civil – então constante dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC – e em processo penal, e sobretudo acatar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que quebrara a força vinculativa genérica dos assentos.
Aliás, o relatório preambular do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, que introduziu alterações no CPC, referia-se à quebra pela jurisprudência constitucional da força vinculativa genérica dos assentos e a imposição do princípio da sua ampla revisibilidade.
Após a publicação deste Decreto-Lei, mas ainda antes da sua entrada em vigor (inicialmente marcada para 1 de Março de 1996, de acordo com o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a vigência do diploma foi objecto de adiamentos, pela Lei n.º 6/96, de 29-02, que diferiu o início de vigência para 15 de Setembro, e finalmente, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, que deu nova redacção àquele artigo 16.º, marcando a entrada em vigor para 1 de Janeiro de 1997) o Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 743/96, de 28 de Maio de 1996, proferido no processo n.º 240/94, da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 165, de 18-07-1996 e BMJ n.º 457, pág. 98, decidiu:
«Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º do Código Civil, na parte aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição».
Já anteriormente o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 810/93, de 7 de Dezembro de 1993, processo n.º 474/88 da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 51, de 2-03-1994 e BMJ n.º 432, pág. 85 e RLJ Ano 127.º, págs. 35 e 63, julgara inconstitucional a norma do artigo 2.º do Código Civil na parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º da Constituição.
(Depois de o n.º 1 definir como actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, o n.º 2 dispõe: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”).
A doutrina assim definida foi perfilhada nos acórdãos n.º 407/94 e 410/94, passando a ser orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional.
Na esteira do acórdão n.º 810/93, o Decreto-Lei n.º 329.º-A/95 – artigo 4.º, n.º 2 – pôs termo à existência do instituto dos assentos e revogou o artigo 2.º do Código Civil.
Na antecâmara da revisão de 1998, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII, Diário da Assembleia da República, II Série - A, n.º 27, de 28-01-1998, no n.º 16, respeitante a alterações em matéria de recursos, constava:
h) Altera-se o regime do recurso para uniformização da jurisprudência, valorizando as ideias de independência dos tribunais e de igualdade dos cidadãos perante a lei e evitando os riscos de rigidez jurisprudencial.
Como refere Pereira Madeira em comentário ao preceito no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1591, nota 3: “Não se trata de jurisprudência de observância obrigatória, como resulta claro do n.º 3. Porém, os tribunais judiciais que doravante divirjam dela, terão de fundamentar as divergências relativas àquela jurisprudência. Esta menção explícita à necessidade de fundamentação das divergências inculca a ideia de que se exige aqui uma fundamentação mais aprofundada, completa e cuidada do que o habitual, pois de outra forma o artigo seria neste ponto meramente redundante, atenta a imposição geral de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente (art. 205.º, n.º 1, da Constituição). Como tem sido enfatizado pelo STJ, o tribunal judicial divergente não pode limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer relevante argumento novo não ponderado ainda, sem percepção de alteração notória nas concepções ou da composição do Supremo, vg, através de arestos publicados, baseando essa divergência tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal”.
Na 2.ª edição revista, de 2016, veja-se o que consta da pág. 1486, notas 3 e 4.
Sobre esta norma disse o acórdão de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção:
“O n.º 3 do art. 445.º do CPP, na redacção dada pela Lei 59/98, veio permitir que os tribunais judiciais se afastassem da jurisprudência fixada pelo STJ, desde que fundamentem as divergências em relação à jurisprudência fixada.
Este dever de fundamentação não corresponde ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais (arts. 97.º, n.º 4 e 374.º do CPP), mas traduz-se num dever especial de fundamentação destinado a explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.
Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma “fiscalização difusa” da jurisprudência fixada (art. 446.º, n.º 3, do CPP)
De seguida, enuncia as únicas três razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.
Mas acrescenta que seguramente tal não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do STJ, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”.
E finaliza, afirmando: «Se o TC vem emitindo um juízo de inconstitucionalidade de norma interpretada por um acórdão uniformizador de jurisprudência, deve o STJ reexaminar a posição assumida no acórdão uniformizador de jurisprudência».
Mais recentemente, o acórdão de 30-11-2011, proferido no processo n.º 55/10.0PFSTB.E1.S1-5.ª, afirmou: “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências, quando decidam de maneira diversa, afrontando a jurisprudência fixada. Em tal caso, a lei prevê como admissível recurso directo para o STJ, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo aplicáveis ao recurso as regras do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 446.º do CPP). Ao permitir que os tribunais decidam de maneira diversa, a lei pretende revitalizar a jurisprudência e criar condições para a sua reformulação ao longo do tempo, do mesmo passo que estimula a criatividade jurisprudencial, pela busca de novas perspectivas e de novos argumentos. No caso, a decisão recorrida «repescou» os argumentos da posição minoritária para violar a jurisprudência fixada pelo Ac. n.º 8/2008, nada trazendo de novo, pelo que é de determinar a sua substituição por outra que aprecie o requerimento do M.º P.º de acordo com a jurisprudência fixada”.
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2012, proferido no processo n.º 395/08.8PBSTB-A.S1-5.ª, “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências em relação a tais arestos, quando decidam de maneira diversa, prevendo a lei recurso directo para o STJ, que pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, ou a proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada (art. 446.º, n.º 3, do CPP).
A sentença recorrida, se bem que fundamentada, limita-se a repetir argumentos que não obtiveram vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência, não trazendo argumentos novos”.
Para o acórdão de 11-04-2012, processo n.º 3786/02.4TDLSB-C1-C.S1-3.ª: Constitui pressuposto básico do recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ que as duas decisões, ou seja, a recorrida e a de fixação de jurisprudência, hajam sido proferidas no domínio da mesma legislação - cf. o n.º 1 do art. 446.º e o n.º 1 do art. 437.º do CPP.
Segundo o acórdão de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1-3.ª, “O recurso extraordinário contra jurisprudência fixada tem como requisito substancial de admissibilidade, a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência fixada pelo STJ; ou seja, um acórdão uniformizador de jurisprudência, tirado em julgamento, em conferência, pelo pleno das secções criminais, presidida pelo Presidente do STJ, nos termos do art. 443.º do CPP e sujeito a publicação na 1.ª série do DR.
A jurisprudência tem apontado como factos-índice que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada pelo STJ pelo facto de estar ultrapassada quando:
- o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo ou argumentos novos e de grande valor não ponderado no acórdão uniformizador (no texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;
- se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso”.
(NOTA: Em causa estava o Assento n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 07-05-1994 e no BMJ n.º 435, pág. 49, que versou sobre a natureza do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17-10) e a Lei n.º 107/09, de 14-09, relativa a processo de contra-ordenação laboral e de segurança social – contagem de prazo).
Diz o acórdão de 25-10-2012, processo n.º 393/08.1ECLSB.L1-B.S1-5.ª: A norma do artigo 446.º está directamente relacionada com a do n.º 3 do artigo 445.º, que imediatamente a precede: embora a jurisprudência fixada pelo STJ não seja obrigatória para os tribunais judiciais, «estes devem fundamentar as divergências relativas» a essa jurisprudência.
No voto de vencido, que mereceu voto de adesão do Presidente da Secção, pode ler-se: “O recurso existe, primacialmente, para que o STJ defenda a validade da decisão tomada pelo Pleno das Secções Criminais, obrigando o tribunal que dela se desviou, sem fundamento válido e inovador, a se conformar com jurisprudência fixada, já que a mesma, por lei, não tem força vinculativa geral”.
No acórdão de 17-01-2013, por nós relatado no processo n.º 430/09.2TATVD.L1.S1-3.ª, foi revogado o acórdão recorrido de modo a observar a orientação jurisprudencial fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15-11-2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, respeitante a admissibilidade de dedução de pedido cível em processo crime relativo a abuso de confiança contra a segurança social. (No caso o Tribunal da Relação de Lisboa revogara a sentença que condenara no pedido deduzido pelo ISS.IP).
Para o acórdão de 28-02-2013, processo n.º 90/06.2TAPMS-B.S1-5.ª “A decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, para o efeito do art. 446.º do CPP, é, necessariamente, a que foi proferida depois de publicado no DR o AUJ (art. 444.º, n.º 1, do CPP), pois só então a jurisprudência uniformizadora assume o carácter moderadamente vinculativo, imposto para os tribunais judiciais. Como do acórdão recorrido não cabia recurso ordinário, o mesmo transitou em julgado no prazo geral de 10 dias a contar da notificação, pois é esse o prazo para arguir nulidades, ou para pedir a aclaração ou rectificação de erros (cfr. artigo 105.º, n.º 1, do CPP), ou, então, para interpor recurso para o TC (cfr. art 75.º, n.º 1, da LTC). Não relevam, para o efeito da data do trânsito, os 3 dias úteis durante os quais o acto ainda pode ser praticado com o pagamento de uma multa (art. 145.º do CPC), pois, como refere a norma, trata-se dos «três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo»”.
No acórdão de 21-03-2013, processo n.º 34/08.7ECLSB-B.S1-3.ª, o recurso foi rejeitado por o acórdão recorrido alegadamente violador da orientação fixada ainda não ter transitado em julgado.
Segundo o acórdão de 12-09-2013, processo n.º 267/09.9PGALM.L1-A.S1-3.ª – A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ não se processa através do recurso para fixação de jurisprudência, regulado nos artigos 437.º a 445.º e 448.º do CPP, antes mediante o recurso de decisão contra jurisprudência fixada pelo STJ, recurso regulado nos artigos 446.º e 448.º do CPP.
O critério de aferição da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, conquanto a lei adjectiva penal o não enuncie expressamente, não pode deixar de ser o da oposição de julgados, critério aplicável ao recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência, previsto no n.º 1 do art. 437.º do CPP.
No acórdão de 26-09-2013, processo n.º 454/06.1PASTB.P1-B.S1-5.ª, pode ler-se:
Como pressuposto deste recurso extraordinário, que agora pode ser interposto directamente para o STJ, enquanto que, na vigência da redacção anterior, se entendia (jurisprudencialmente) que era necessário esgotar primeiro os recursos ordinários, a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador de jurisprudência, por não acatamento da sua doutrina. Falta este pressuposto quando o acórdão recorrido foi proferido em data anterior ao AFJ. Como tal, o acórdão recorrido não podia ter decidido em sentido divergente àquele aresto, que ainda não existia, não acatando a sua doutrina.
Não é admissível ao recorrente socorrer-se do recurso previsto no art. 446.º do CPP e, para a hipótese de insucesso, lançar mão, enquanto pedido subsidiário, do recurso para fixação de jurisprudência a que alude o art. 437.º do mesmo Código.
De acordo com o acórdão de 17-10-2013, proferido no processo n.º 5/05.5TELSB-O.S1-5.ª, o art. 446.º do CPP não reclama, como pressuposto do recurso extraordinário contra jurisprudência fixada pelo STJ, a existência de um acórdão que contrarie jurisprudência fixada. Refere-se o n.º 1 do art. 446.º a qualquer decisão.
(Neste sentido se pronunciara já o acórdão de 7 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 287/99, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 221, “A figura de “decisão sumária” integra o conceito de “qualquer decisão” a que se refere o art. 446.º do CPP como pressuposto do recurso de decisão contara jurisprudência fixada).
No acórdão de 29-10-2013, processo n.º 16136/09.0IDPRT.P1-A.S1-5.ª, teve lugar rejeição do recurso por extemporaneidade.
Refere o acórdão de 21-11-2013, processo n.º 189/02.4TABGC.P1-A.S1-5.ª: O acórdão recorrido suspendeu a execução da pena de prisão fixada pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal e de fraude fiscal, sob a condição do condenado, no período de suspensão, proceder ao pagamento do imposto devido e dos legais acréscimos.
Segundo o AFJ 8/2012, nos crimes fiscais não se exige ao julgador apenas o juízo de prognose acerca da adequação da mera censura do facto e da ameaça, da prisão às necessidades de prevenção geral e especial, conveniência da suspensão, mas, em resultado da imposição legal da condição de pagamento da dívida fiscal, também um juízo sobre a real dimensão do dever imposto.
É obrigatória a formulação de um juízo de prognose sobre a razoabilidade da satisfação dessa condição legal pelo condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, sob pena de a decisão estar ferida de nulidade por omissão de pronúncia, mas sendo omitida essa ponderação, anula-se a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra que observe a jurisprudência fixada.
Como se extrai do acórdão de 27-11-2013, processo n.º 432/06.0JDLSB-P.S1-3.ª – No caso de desrespeito pela jurisprudência fixada pelo STJ, consumada através duma decisão judicial posterior, o emprego do recurso extraordinário a que alude o art. 446.º do CPP está justificado. No entanto, importa precisar que a tipologia do recurso em causa tem inscrita, na sua concretização prática, a aplicabilidade das regras processuais relativas ao recurso para fixação de jurisprudência.
Segundo o acórdão de 12-12-2013, processo n.º 533/04.0TAAB T-C.S1-5.ª – Não tem lugar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando um acórdão do STJ ou da Relação está em oposição com um acórdão de fixação de jurisprudência.
Neste caso o que há é uma decisão contra jurisprudência fixada (art. 446.º do CPP).
Para o acórdão de 29-01-2014, processo n.º 29/08.0IDAVR-A.S1-5.ª, O recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ é um recurso extraordinário que, independentemente dos recursos ordinários qua a decisão admita, permite ao próprio STJ controlar decisões contrárias à jurisprudência que fixou, garantindo a coerência e estabilidade da jurisprudência.
Não se pode falar em violação da jurisprudência fixada, quando o AFJ (no caso o n.º 8/2012) determina que seja levado a efeito «um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta condição económica, presente e futura» e tal juízo foi efectuado na decisão recorrida.
Diz o acórdão de 12-02-2014, processo n.º 85/11.4GSTB.L1-A.S1-3.ª: O art. 446.º, n.º 1, do CPP prevê um recurso extraordinário para as decisões proferidas contra jurisprudência que esteja fixada pelo STJ nos termos dos arts. 437.º e ss. do CPP.
Só há violação da jurisprudência fixada quando a doutrina estabelecida sobre a questão de direito nela tratada venha a ser infringida ou contrariada.
Como o acórdão recorrido não manifestou divergência relativamente à doutrina vertida no AFJ n.º 7/95 [de 19-10-1995, Diário da República, I Série, de 28-12], ou seja, como não defendeu que os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP não são de conhecimento oficioso, mas apenas que, no caso em apreciação, nenhum desses vícios se verificava, não há violação da jurisprudência fixada, devendo o recurso interposto ao abrigo do art. 446.º, n.º 1, do CPP ser rejeitado.
Como refere o acórdão de 12-02-2014, processo n.º 34/11.0GAPND-C.S1-3.ª “ A jurisprudência fixada pelo AFJ 11/2013 teve por objecto a proibição da convolação antes de ser produzida a prova, em audiência.
A decisão recorrida não contraria a jurisprudência fixada se a convolação ocorreu após a produção de prova em audiência, integrando o dispositivo do acórdão condenatório.
De acordo com o acórdão de 13-02-2014, processo n.º 432/06.0JDLSB-O.S1-5.ª, “Conquanto a lei processual penal não o afirme expressamente, para apurar da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o critério a utilizar é o da oposição de julgados que, usado no recurso de uniformização de jurisprudência (art. 437.º do CPP), há-de aplicar-se também a este recurso extraordinário, por via do n.º 1 do art. 446.º do CPP”.
O recurso foi rejeitado por a questão de direito não ser idêntica à versada no Assento de 24-06-1992, Diário da República, I Série, de 6-08 e BMJ n.º 418, pág. 327 (artigo 403.º do CPP e princípio da cindibilidade).
Para o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 329/09.2TAVFR.P1-A.S1-5.ª, o Tribunal da Relação não se colocou contra a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 8/2012, ao considerar que o tribunal da 1.ª instância efectuou um juízo prognóstico sobre a razoabilidade da condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelo art. 107.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT.
Segundo o acórdão de 2-10-2014, processo n.º 154/11.0PAPNI.L1-B.S1-5.ª – Para apurar da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o critério a utilizar tem de ser o da oposição de julgados, que usado no recurso de uniformização de jurisprudência (art. 437.º do CPP), também se aplica nesta espécie de recurso extraordinário, por via do n.º 1 do art. 446.º do CPP.
Para o acórdão de 13-11-2014, processo n.º 261/07.4PAALM-A.S1-5.ª “Pelo recurso previsto no art. 446.º do CPP estabelece-se a verdadeira garantia da uniformização de jurisprudência. Consiste ela no controlo difuso das decisões que contrariem jurisprudência fixada, pelo próprio STJ, por via da obrigatoriedade de interposição do recurso imposta ao MP.
No acórdão de 8-01-2015, processo n.º 1039/10.3IDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, por nós relatado, afirmando-se poder recorrer-se de qualquer decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, como claramente resulta do n.º 1 do artigo 446.º e apontando-se como requisito substancial de admissibilidade, a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência fixada pelo STJ, e estando em causa o AFJ n.º 8/2012, o recurso foi rejeitado por não ter transitado ainda o acórdão recorrido, sendo ordenada correcção de tramitação nos termos do artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e remessa dos autos ao Tribunal da Relação.
No acórdão de 28-01- 2015, processo n.º 423/10.7TABGC.P2.-A.S1 - 3.ª Secção, foi entendido não violar o acórdão recorrido o AFJ n.º 8/2012, por estarem em causa crimes de abuso de confiança e de falsificação de documentos previstos no Código Penal e os critérios de suspensão da pena de prisão aí previstos, sendo rejeitado o recurso.
No acórdão de 25-02-2015, processo n.º 14/14.3IYUSTR.L1-A.S1-5.ª, foi rejeitado o recurso por o acórdão recorrido não ter abordado, implícita ou explicitamente, a temática do desconto rappel, não invadindo nem contrariando a jurisprudência fixada no AFJ n.º 9/2014, de 14-05-2014, in Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 17-06-2014, versando desconto rappel escalonado, venda com prejuízo.
No acórdão de 1-07-2015, processo n.º 3907/10.3T3SNT.L1-A.S1, por nós relatado, foi consignado: “O acórdão recorrido, que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, numa data em que já estava em vigor a jurisprudência fixada no AUJ n.º 8/2012, não realizou o necessário juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade do condenado satisfazer esta condição legal, sendo que o argumento da eventual alteração de fortuna do arguido não preenche o necessário juízo de prognose sobre a razoabilidade da imposição.
Concluindo: O acórdão recorrido ao omitir formulação do juízo sobre razoabilidade de cumprimento da condição imposta, incorreu em omissão de pronúncia, determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP.
E assim foi decidido “anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro nos moldes referidos”.
Por acórdão de 9-09-2015, proferido no apenso n.º 118/08.1GBAND.P1-A.S1 desta 3.ª Secção, o recurso extraordinário interposto pelo arguido foi rejeitado por manifesta falta de fundamento legal.
O arguido considerava no caso ter o acórdão por nós relatado e transitado em julgado em 12-06-2015 sido decidido contra a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99, de 30-10-1997, publicado no Diário da República, I Série, de 10-08-1999 (no acórdão então impugnado fora reconhecida legitimidade e interesse em agir por parte da assistente que pretendia impugnar a medida da pena aplicada pelo homicídio do marido).
Vejamos a situação no caso concreto.
Legitimidade
A legitimidade dos recorrentes, arguidos que viram confirmada a condenação da primeira instância pelo acórdão ora recorrido, é clara, face ao disposto no artigo 446.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Tempestividade do recurso
Como vimos, resulta do disposto no artigo 446.º, n.º 1, do CPP, que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.
Como referido acima, pressuposto incontornável do presente recurso extraordinário é o trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo de exigir a verificação do requisito do prévio trânsito em julgado.
Como resulta do actual artigo 628.º do Código de Processo Civil, que sucedeu ao artigo 677.º do mesmo diploma legal, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP, a decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
Os recorrentes dedicaram o segmento III do requerimento recursório à defesa da tempestividade do presente recurso ao longo dos artigos 22 a 30, referindo o primeiro recurso extraordinário intentado em 5-10-2015 (artigo 27, a fls. 35), e defendendo que o trânsito em julgado ocorreu em 4-04-2016, por terem sido notificados do acórdão do Tribunal Constitucional por notificação datada de 30-03-2016.
No caso concreto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-05-2015, complementado pelo acórdão de 23-07-2015, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que definiu definitivamente a questão pelo Acórdão n.º 181/2016, de 29 de Março de 2016, o qual transitou em julgado em 14 de Abril de 2016, como certificado está nos autos.
Da certidão de fls. 48 emitida pela Relação de Lisboa em 5-05-2016 e da certidão junta a fls. 651 consta que o acórdão do Tribunal Constitucional de 29 de Março de 2016 transitou em julgado em 14 de Abril de 2016.
Diferentemente do que parecem entender os recorrentes no artigo 30 do requerimento de recurso, a decisão não transita em julgado no dia em que a respectiva notificação chega ou presumidamente chega ao conhecimento do destinatário.
Dando-se por certo que tal aconteceu no dia 4 de Abril de 2016, havia que esperar por mais dez dias.
A partir da notificação há que observar o prazo geral de 10 dias a contar da notificação, pois como decorre do artigo 105.º, n.º 1, do CPP, é esse o prazo para arguir nulidades, ou para pedir a aclaração ou rectificação de erros.
Daí que esteja correcta a data indicada como sendo a do trânsito em julgado.
Tendo os arguidos interposto o presente recurso extraordinário em 28 de Abril de 2016, conforme consta de notação em cima à esquerda e do carimbo aposto a fls. 2, há que concluir que, observando o prazo de 30 dias, é o recurso tempestivo.
O requisito de a violação de jurisprudência fixada se verificar no “domínio da mesma legislação”
Artigo 310.º do CPP
A modificação legislativa de 2007 da redacção do artigo 310.º do CPP altera por completo o panorama da recorribilidade de nulidades da decisão instrutória.
A questão que se coloca é a de saber se a nova versão, impedindo o que antes era possível, aplica-se a um exercício do direito de recurso concretizado na sua vigência, em processo iniciado no domínio da lei antiga, em que estava em vigor a doutrina fixada pelo Assento n.º 6/2000.
Como proclama o n.º 1 do artigo 437.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 447.º do mesmo diploma, o recurso pressupõe a exigência de que a contradição se verifique no “domínio da mesma legislação”.
Para que se afirme que estamos no domínio da mesma legislação, sabido que ocorreu alteração legislativa decorridos oito dias após o início do processo, o critério de aferição adequado à defesa dessa tese é obviamente o da aplicação da norma vigente ao tempo do início do processo.
Esta é a posição dos recorrentes exposta no requerimento de recurso no segmento “IV. Da inexistência de modificação legislativa” ao longo dos artigos 31 a 39, cujos termos se transcrevem, incluídos os realces:
«IV. DA INEXISTÊNCIA DE MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA
31. Como brevemente foi referido supra, a recorribilidade da decisão instrutória rege-se, no presente processo, pelo artigo 310.º do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
32. Isto porque o presente processo penal foi iniciado no dia 7 de Setembro de 2007, encontrando-se então em vigor o artigo 310.º do CPP, na redacção ora identificada.
33. Foi exactamente no âmbito desta redacção que foi proferido o Assento n.º 6/2000.
34. O facto de o artigo 310.º do CPP ter sido alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não releva para o presente processo, uma vez que a referida Lei apenas entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007.
35. Isto porque, de acordo com o artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPP, a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar o agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
36. Ora, a aplicação da nova redacção do artigo 310.º do CPP implicaria exactamente o agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação da composição do seu direito de defesa, numa das suas dimensões mais relevantes: o direito de recurso.
37. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Abril de 2008, proferido no âmbito do processo n.º 08P113:
“I - A questão da aplicação da lei no tempo é regulada no artigo 5.º do CPP (quer estejam em causa normas processuais materiais ou formais), que dispõe que a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, e ainda que a nova lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
II - O eixo fundamental de decisão, acentua Figueiredo Dias, é a posição processual do arguido e, nomeadamente, do seu direito de defesa.
III - O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. O facto de a lei nova retirar ao arguido o direito a um recurso que estava inserido no seu complexo de direitos e garantias, se aplicada a lei antiga, leva a considerar que, por aplicação do artigo 5.º do CPP, é aquela mesma lei aplicável, sendo admissíveis os recursos interpostos.” (negrito e sublinhado nossos).
38. Outro entendimento, decorrente da aplicação do disposto no artigo 310.º do CPP na formulação actualmente vigente (redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, com entrada em vigor no dia 15 de Setembro de 2007), com o consequente agravamento da situação processual dos Arguidos, designadamente com eliminação do seu direito de defesa - o direito de recurso do despacho de apreciação das nulidades da instrução, bem como do despacho de pronúncia, no que respeita às nulidades indicadas - é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
39. Pelo exposto, a exigência de que a contradição entre Acórdãos ocorra no domínio da mesma legislação, contida no artigo 437.º, n.º 1, aplicável por via do artigo 446.º, n.º 1, encontra-se cumprida».
Alteração Legislativa
Vejamos as alterações operadas no artigo 310.º do Código de Processo Penal.
Na versão originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, estabelecia o
Recurso da decisão instrutória
2 - É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.
Com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, Diário da República, I-A Série, n.º 195/98, de 25 de Agosto, é introduzida a 4.ª alteração ao Código de Processo Penal, que é republicado.
Pelo artigo 1.º é alterado o artigo 310.º, mas apenas no que toca à epígrafe, que passa a “Recursos”, mantendo-se intocado o texto dos n.ºs 1 e 2.
Recursos
2 - É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.
Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, Suplemento, n.º 207, de 26 de Outubro de 2007), que efectuou a 15.ª alteração no Código de Processo Penal e o republicou, foi alterado o artigo 310.º, que passou a ter a redacção a seguir indicada, mantendo-se intocado nas subsequentes onze alterações do CPP.
Integrado na Parte II, Livro VI - Das fases preliminares - Título III - Da instrução - Capítulo IV - Do encerramento da instrução – estabelece o último preceito:
Recursos
2 - O disposto no número anterior não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas.
3 - É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.
No domínio da versão originária de 1987, mantida em 1998, o Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 216/99, de 21-04-1999, processo n.º 1007/98-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 6-08-1999 e em ATC, volume 43, pág. 239 e Acórdão n.º 387/99, de 23-06-1999, concluiu que a irrecorribilidade do despacho de pronúncia na parte em que conhece de questões prévias ou incidentais não viola a Constituição.
No primeiro acórdão o Tribunal Constitucional decidiu:
“a. Não julgar inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com respeito à matéria versada no artigo 308.º, n.º 3, do mesmo Código, por considerar que não existe violação dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”.
O que é dizer: Não são inconstitucionais as normas dos artigos 308.º, n.º 3 e 310.º, n.º 1, do CPP, na interpretação de que são irrecorríveis as decisões prévias ou incidentais constantes do despacho de pronúncia
No acórdão n.º 387/99, de 23-06-1999, processo n.º 407/97, da 2.ª Secção, www.tribunalconstitucional.pt foi decidido: a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, com referência ao artigo 308.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de estender a irrecorribilidade do despacho de pronúncia à decisão dele constante sobre questões prévias ou incidentais.
Em sentido oposto, veio a pronunciar-se o Supremo Tribunal de Justiça através do Assento n.º 6/2000, com dois votos de vencido.
Ainda a esse tempo, o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 7/2004, de 21-10-2004, publicado no Diário da República, I-A, Série, n.º 282, de 2-12-2004, decidiu no sentido de que sobe imediatamente o recurso de decisão instrutória que conhece de nulidades.
(O acórdão teve 4 votos de vencido e uma declaração de voto em que se considerou que a fixação de jurisprudência constante do Acórdão n.º 6/2000 se mostrava ultrapassada pela prática forense).
Direito intertemporal
Estando-se perante situação de direito intertemporal, não olvidando que estamos face a exercício do direito a arguição de nulidade de instrução e despacho de pronúncia e apreciação em sede de recurso de decisão que a denegue, no âmbito das garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República Portuguesa), há que, obviamente, encarar o problema à luz da
Sucessão de leis
Estando em causa aplicação de direito intertemporal é de chamar à colação o quadro normativo integrado pelo disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República (Aplicação da lei criminal), no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal (Aplicação no tempo) e no artigo 5.º do Código de Processo Penal, preceito regulador da sucessão de leis no domínio do processo penal, os quais estabelecem:
Aplicação da lei criminal
Aplicação no tempo
Aplicação da lei processual penal no tempo
2. A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo”.
(Note-se que a actual redacção do corpo do n.º 2 do preceito resulta de uma rectificação, operada alguns dias antes da entrada em vigor do CPP de 1987, a qual foi diferida de 1 de Junho de 1987, conforme previsto inicialmente no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal de 1987, para 1 de Janeiro de 1988, por força do artigo único da Lei n.º 17/87, daquele dia 1 de Junho.
A redacção originária do corpo do n.º 2 do artigo 5.º do CPP era do teor seguinte:
«A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados após a sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata puder resultar:».
A alteração/rectificação foi feita pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro (publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 298, 2.º Suplemento, da mesma data).
Sucessão de leis – Doutrina
A doutrina geral aceite no direito civil é a de que a nova lei só dispõe para o futuro – artigo 12.º do Código Civil – não se aplicando aos factos pretéritos.
Orientação paralela vigora no domínio das leis penais incriminadoras – artigo 29.º, n.º s 1 a 4, da Constituição da República Portuguesa.
No caso presente interessam as normas do processo, sendo que o direito processual é um ramo do direito público e do direito adjectivo, com natureza publicística e carácter instrumental, que legitimam a regra da aplicação imediata das leis processuais.
Como dizia José Alberto dos Reis, em Processo ordinário e sumário, 2.ª edição, Coimbra, 1928, n.º 11, pág. 32: “Quando se publica uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar-se imediatamente”.
O mesmo Autor na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 81, n.º 2886, págs. 202/3, em Jurisprudência crítica sobre processo civil, afirmava: “As leis de processo são de aplicação imediata; mas este princípio entendeu-se sempre, e não pode deixar de se entender, nos seguintes termos: a lei nova aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor; quanto aos actos já praticados à sombra da lei antiga, subsiste o império desta lei. O que está feito ao tempo em que a lei nova começa a vigorar, mantém-se sob o domínio da lei anterior; o que está para fazer é que cai sob a autoridade da lei nova, embora seja a sequência de processo instaurado na vigência da lei velha”.
Como é pacífico e conforme jurisprudência comum, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre – assim, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-12-1969, BMJ n.º 192, pág. 192, de 04-12-1976, BMJ, n.º 254, pág. 144, de 11-11-1983, processo n.º 64 - 4.ª secção, BMJ n.º 331, pág. 438 e de 10-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 474, sendo o terceiro da Secção Social e os restantes da Secção Criminal.
No primeiro e no terceiro acórdãos cita-se José Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, pág. 84, quando refere que “o direito ao recurso não surge com o acto da proposição da acção; trata-se de simples expectativa que só se concretiza quando é proferida a decisão que se pretende atacar”. (Realce nosso).
Diversamente do que acontece com o Código de Processo Penal, que no artigo 5.º contém as regras sobre aplicação da lei processual penal no tempo, o Código de Processo Civil não contém uma norma específica para a matéria, sendo a norma base a do artigo 12.º do Código Civil, segundo o qual a nova lei só rege para o futuro.
Como referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, págs. 48-49, “o princípio da aplicação imediata da nova lei processual não se encontra formulado no Código de Processo Civil. Ao invés do Código de 1876, que regulava a matéria nos artigos 1.º a 8.º das disposições transitórias, nem o Código de 1939, nem o Código de 1961 fixaram doutrina geral sobre aplicação das leis processuais no tempo”, havendo que “estender ao domínio do processo civil, com as necessárias adaptações, a doutrina estabelecida em termos genéricos, no artigo 12.º do Código Civil”.
Para José Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, n.º 3001, no comentário “Aplicação das leis de processo quanto ao tempo”, o artigo 142.º do CPC nada tem a ver com o problema geral da aplicação das leis de processo quanto ao tempo; o que o artigo teve em vista significar foi que, no tocante à forma que os actos de processo hão-de revestir, a lei a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que o acto haja de ser praticado. A verdade é que não temos textos legais relativos à aplicação temporal das leis de processo. O CPC de 1876 tinha regulado esta matéria nos artigos 1 a 8 das disposições transitórias; o Código actual não se ocupou do assunto, por entender que eram suficientes os princípios geralmente enunciados pela doutrina. Ora, um dos princípios pacificamente admitidos é o de que as leis de processo são de aplicação imediata, no tocante aos actos e termos a realizar a partir da data em que a lei nova começou a vigorar.
Este preceito estabelece a regra tempus regit actum: a lei processual penal é aplicada a todos os actos processuais praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se os actos até então realizados, os quais mantêm plena validade (só assim não acontecendo em relação às normas processuais penais de natureza substantiva).
É princípio pacificamente admitido que as leis de processo são de aplicação imediata, no tocante aos actos e termos a realizar a partir da data em que a lei nova começou a vigorar.
No plano civilístico, a doutrina e jurisprudência reconhecem que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida - lex temporis regit actum.
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, com revisão e actualização de Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1993, pág. 41, versando a questão da aplicação das leis no tempo, assinalava três pontos de referência abstractamente plausíveis na consideração do problema, a saber, lei do tempo do facto em causa, lei do tempo da propositura da acção, ou lei do tempo da prática do acto, referindo que “Quanto ao direito processual, trata-se principalmente de saber se o processo deve ser regulado pela lei do tempo do facto ou relação material cuja apreciação está em causa, ou se deve ser inteiramente disciplinado pela lei do tempo da propositura da acção, ou ainda se para cada acto de processo não rege antes a lei do tempo da sua realização”.
Versando as leis sobre recursos, a págs. 48 e 49, distingue as que regulam a admissibilidade e a tramitação dos recursos e indica como doutrina a seguir que aplica-se imediatamente a nova lei aos trâmites do recurso, visto tratar-se de puro formalismo processual.
No que tange a admissibilidade do recurso distingue, consoante a lei nova admita recurso onde antes não havia ou suprima recurso onde o havia.
“A nova lei não se aplica às decisões anteriores quando admite recurso onde anteriormente o não havia. De contrário, violar-se-iam as expectativas fundadas sobre o caso julgado formado ao abrigo da antiga lei.
A nova lei que negue o recurso onde o havia não se aplica certamente às decisões anteriores, se o recurso já estiver interposto. Quanto à hipótese de o recurso ainda não estar interposto, o ponto já não é tão líquido. Prefere-se em todo o caso a inaplicabilidade da nova lei. De outro modo, a decisão passaria a ter um valor que lhe não competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.
Todas estas soluções se filiam na máxima do respeito pelos actos processuais anteriores”.
Explicita ainda que “ c) A nova lei deve aplicar-se a todas as decisões que venham a ser proferidas nas causas pendentes”.
José Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, n.º 3001, no comentário “Aplicação das leis de processo quanto ao tempo”, estando em causa lei aplicável a um processo de expropriação, a págs. 52, advertia que o princípio geral da aplicação imediata das leis de processo não basta, por si só, para resolver todas as dificuldades que podem suscitar-se, salientando que um dos pontos em que a aplicação do princípio geral dá lugar a embaraços é justamente o que se refere a recursos.
João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, I volume, edição da AAFDL, 1969, pág. 59, ponderava que os actos processuais são mais do que forma e por isso a regra tempus regit actum ou o princípio da aplicabilidade imediata da lei nova são insuficientes para dirimir o problema da aplicação no tempo das leis que os regem e disciplinam.
Em registo semelhante ao de Manuel Andrade pronunciam-se Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, em 2.ª edição, de 1984, revista e actualizada (de acordo com o Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho – Reforma intercalar do CPC), Coimbra Editora, Limitada, 1985, págs. 55-57, na rubrica “Leis sobre recursos”, no ponto 19. C), começando por salientar que entre as normas que regulam os recursos importa distinguir, para o efeito da sua aplicação no tempo, entre as que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso.
No que respeita a estas, porque não interferem na relação substantiva, cuidando do puro formalismo processual, são imediatamente aplicáveis, não só aos recursos que venham a ser interpostos no futuro em acções pendentes, como aos próprios recursos pendentes.
No que toca às normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso, considerando que a sua aplicação pode ter influência decisiva na relação substantiva pleiteada, a doutrina distingue os tipos de situações que podem verificar-se.
I – «A nova lei que admita recurso de decisões que anteriormente o não comportavam, é ponto assente que não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor.
De outro modo, a nova lei destruiria retroactivamente a força do caso julgado que a decisão adquirira à sombra da antiga legislação». (Aqui citando José Alberto dos Reis, Aplicação das leis de processo quanto ao tempo, RLJ, Ano 86.º, pág. 84, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Coimbra 1981, pág. 61).
II – A nova lei que afaste a possibilidade de recurso, em casos onde anteriormente era admitido, não deve aplicar-se aos recursos já interpostos à data da sua entrada em vigor. De contrário, ofenderia gravemente as legítimas expectativas do recorrente, fundadas na lei vigente à data da interposição do recurso.
Se o recurso ainda não está interposto na data em que a nova lei (negando para tais casos a sua admissibilidade) entre em vigor, a solução é mais duvidosa (aqui citando e discordando de José Alberto dos Reis).
Defendem que na dúvida, a solução mais criteriosa é a da não aplicabilidade da nova lei às decisões que admitissem recurso, de acordo com o direito em vigor à data em que foram proferidas. (Citado o acórdão do STJ de 11-11-1983, BMJ n.º 331, pág. 438).
Explicam que “De contrário, a nova lei atribuiria (retroactivamente) força de caso julgado a decisões que a não possuíam, no momento capital em que foram tomadas”.
E rematam que “não deixaria de ser chocante que, em relação a decisões da mesma espécie e proferidas na mesma data, umas transitassem e outras não transitassem em julgado, consoante a parte vencida fosse menos ou mais pressurosa na interposição do recurso, dentro do prazo concedido às partes para recorrer pela lei vigente à data da decisão”.
III - Em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis.
As expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei”.
José Alberto dos Reis, na citada Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 86.º, n.º 3001, págs. 49 a 53 e n.º 3003, págs. 84 a 87, após citar Manuel de Andrade, Noções elementares, pág. 16, sobre o problema da admissibilidade do recurso, focava três pontos:
1 – Recurso introduzido pela lei nova e que a lei velha não admitia
2 – Recurso admitido pela lei velha e interposto durante a vigência desta lei
3 – Recurso admitido pela lei velha, eliminado pela lei nova, e que ainda não estava interposto à data em que esta começou a vigorar.
Este último caso, que é o único que ora nos importa, distinguia:
a) Pretende recorrer-se de decisão proferida já no domínio da lei nova;
b) Pretende recorrer-se de decisão proferida antes de a lei nova entrar em vigor.
Defendia que na primeira hipótese deve ter-se como certo que a lei nova é aplicável e que, portanto, o recurso não tem cabimento.
Na hipótese de ao tempo em que a lei nova (que suprimiu um recurso que a lei velha admitia) começou a vigorar, já tinha sido proferida a decisão que se pretende impugnar, mas o recurso ainda não estava interposto, poderá a parte vencida interpô-lo?
Manuel Andrade adoptava a solução da inaplicabilidade da nova lei e portanto da admissibilidade do recurso. Pois de outro modo, a decisão passaria a ter um valor que lhe não competia pela lei do tempo em que foi pronunciada.
Considerava, por seu turno, José Alberto dos Reis que esta era uma solução de compromisso e de transigência. Mas aceitava a solução com a consideração de que “a decisão foi elaborada e proferida dentro de condicionalismo legal que a sujeitava à censura de tribunal superior; torná-la irrecorrível é alterar profundamente as condições e circunstâncias em que foi emitida”.
Após afirmar a págs. 85 que “O direito ao recurso não pode conceber-se enquanto não existir a decisão que por meio dele se pretende atacar”, insiste na proclamação de ausência de pressuposto fundamental de recorribilidade, na pág. 86, ao afirmar, como que sublinhando o antes expresso, e como se necessário fosse para afastar algum resquício de dúvida ou mal entendido, que “o direito ao recurso não surge com a propositura da acção; enquanto não for proferida a decisão, objecto do recurso, este é inconcebível como direito subjectivo”. (Realces obviamente nossos).
Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Coimbra, 1981, págs. 60/63, abordando o tema sobre se uma lei nova concede ou nega recurso que a anterior negava ou concedia, expende:
“Se a lei nova vem admitir recurso onde anteriormente o não havia, ela não se aplicará às decisões anteriores que continuam irrecorríveis”.
Concorda com Manuel de Andrade na solução, mas não na justificação que em seu entender estará antes, em face do caso julgado, automaticamente se produzir a irrecorribilidade da sentença, indo a aplicação da lei nova atingir um processo já encerrado. O caso julgado constitui um limite à aplicação de qualquer nova norma e daí a inadmissibilidade do recurso.
Para a hipótese da lei nova proibir recurso antes admitido, deve aplicar-se imediatamente a lei nova, quer a decisão já tenha sido proferida no domínio da lei nova, o que então é óbvio, quer tenha sido proferida no domínio da lei antiga e, quer o recurso já esteja interposto, quer ainda não esteja interposto, mas se não tenha esgotado o prazo para o requerer. (Realce nosso).
Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2008, refere, a págs. 349 e 351, que os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável aplicam-se às normas processuais penais materiais, em que se incluem as normas que dizem directamente respeito aos direitos e garantias de defesa do arguido, como os graus de recurso.
Após afirmar claramente que todo o artigo 5.º só é aplicável às leis (normas) processuais penais formais, defende que o momento decisivo para determinar, no caso de conflito temporal de leis processuais penais materiais (onde se incluem as normas sobre o direito de defesa do arguido, referidas, indevidamente, na al. a)), a lei aplicável é, não o momento em que se inicia o processo, mas o tempus delicti, recusando, in limine, a pretensão de situar e fazer coincidir o momento-critério da lei aplicável com o momento em que se inicia o processo penal. (Cfr. págs. 362 a 372).
Em sua opinião, diz a págs. 365, o disposto na al. a) do n.º 2 não devia constar do artigo 5.º, por versar uma questão que, por exigência constitucional e do Estado de Direito, está submetida ao princípio da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável, e portanto, abrangida pelo artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal.
Conclui: “Se a intenção foi boa, a disposição é inútil e oxalá que não venha a servir de pretexto para decisões injustas e inconstitucionais”, acrescentando a págs. 367, que o teor literal do artigo 2.º, n.º 4, é suficientemente amplo para compreender a sucessão de leis processuais penais materiais.
Para Eduardo Correia, Processo Criminal, 1956, pág. 71, o critério a tomar em consideração é a lei do tempo do acto processual penal cuja prática estiver em causa, pois “ (…) É óbvio que não são os delitos, que poderão servir de ponto de referência, mas sim os actos processuais, uma vez que são estes e não aqueles o seu verdadeiro objecto de regulamentação”.
Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1.ª edição, 1974, reimpressão 2004, pág. 112, expende que o princípio jurídico-constitucional da legalidade estende-se, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal, importando que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa. (Cfr. do mesmo Autor, Direito Penal Português, Das Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 71-72, a propósito da extensão do princípio da legalidade ao processo penal).
Sobre aplicação da lei processual no tempo, no domínio do Código de Processo Penal de 1929, expendia Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 1955, pág. 62: “São diversos os princípios sobre aplicação da lei no tempo em direito penal e em processo penal. Estes antes se confundem com os de todo o direito processual. É por isso que, sob este aspecto, tem extrema importância a qualificação de alguns institutos como de direito substantivo ou de direito adjectivo. A questão tem sido discutida sobretudo a propósito da acusação particular ou autorização ministerial, que já em direito penal, qualificámos como condições de procedibilidade, e por conseguinte, de natureza processual.
O princípio geral, em processo, quanto à aplicação da lei no tempo é o de aplicação da lei vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido.
Deste princípio geral resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.
Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a nova lei será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo: assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5º.
Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, I Volume, pág. 96, nota 1, só se impõe a excepção do n.º 2, alínea a), do artigo 5.º do CPP, “quando da aplicação imediata da nova lei resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas da defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da nova lei”.
José António Barreiros, em Processo Penal, I, págs. 207/8, expendeu que se a nova lei estabelecer um regime processual mais gravoso para o arguido, com minimização dos direitos processuais deste, a lei processual anterior, sob vigência da qual o processo conheceu o seu início de tramitação, deverá estender a sua aplicabilidade até ao fim do processamento, pondo-se porém aqui questões paralelas às que em direito substantivo se suscitam quanto a saber qual o regime mais favorável.
Para o mesmo Autor, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, pág. 190, “em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da lei vigente no momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso, a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do mesmo”.
Pedro Caeiro, Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: “Um caso prático”, em Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, vol. I, Novembro de 2001, versando no ponto 3 “O problema específico da aplicação no tempo da lei processual penal”, refere, a págs. 241/2, que “Não pode esquecer-se que todo o processo-crime, independentemente do momento em que é instaurado (na vigência da lei antiga ou já na vigência da lei nova), tem sempre por causa referente uma infracção penal cometida em certo momento. E daqui decorre uma importante consequência: se a lei processual em vigor no momento da prática do acto processual for diversa da que vigorava no momento do tempus delicti, a sua aplicação “imediata” (sc., a sua aplicação ao acto processual presente) coenvolve sempre, em qualquer caso, uma eficácia retroactiva imprópria, porquanto toma para a produção dos efeitos presentes a que tende um facto que ocorreu antes da sua entrada em vigor”.
A págs. 243 considera correcta a proposta de Taipa de Carvalho ao distinguir entre “normas processuais penais materiais” e “normas processuais formais”.
“As primeiras, incidindo sobre a responsabilidade penal do arguido, encontram-se sujeitas às mesmas garantias constitucionais que regem as normas substantivas e que podem excepcionar a regra lex posterior derogat priori. As segundas limitam-se a estabelecer formalidades técnicas do procedimento criminal e, por não contenderem directamente com a responsabilidade do agente nem com a sua posição processual, não se encontram subordinadas àqueles princípios”.
Conclui, a págs. 244: “Em suma: a lei processual penal deve seguir o brocardo tempus regit actum (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto processual em causa), salvo se tal aplicação “imediata” agravar a responsabilidade do arguido ou a sua posição processual (v. g., uma norma que alargue um prazo prescricional, ou crie factos interruptivos ou suspensivos da prescrição não previstos na lei antiga, ou admita meios de prova proibidos pela lei antiga)”.
Comentando o artigo 5.º do Código de Processo Penal, Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, a págs. 62/63, pontos 1 e 2, diz que “A aplicação da lei processual penal no tempo depende da natureza da norma em causa. Há dois tipos de normas processuais: normas processuais materiais e normas processuais proprio sensu.
As normas processuais materiais estão sujeitas ao princípio da legalidade criminal, tratando-se de normas que representam, em termos materiais, uma verdadeira pré-conformação da penalidade a que o arguido poderá ficar sujeito.
O termo de referência para aferir da sucessão de normas processuais deste tipo é o da data dos factos. As normas da lei nova são retroactivas quando são aplicadas a factos verificados no período da vigência da lei anterior.
O artigo 29.º, n.º 4, da CRP não só proíbe que se aplique retroactivamente normas processuais materiais menos favoráveis ao arguido, como impõe que se aplique retroactivamente as normas processuais materiais mais favoráveis (ou menos desfavoráveis) ao arguido.
Por outro lado, quando as normas processuais materiais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicável “o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”. (…).
“São exemplos de normas processuais materiais: normas relativas à natureza pública, semi-pública ou particular do ilícito criminal e, nomeadamente, normas que transformem um crime público em crime semi-público (…), normas relativas ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa e de constituição como assistente (…), normas relativas à prescrição do procedimento criminal e, nomeadamente, aos prazos, causas de interrupção e suspensão e efeitos da prescrição (…), normas relativas à aplicação, substituição e revogação de medidas de coacção, com a excepção do termo de identidade e residência (…), normas relativas ao ónus da prova (…), normas relativas à fundamentação das decisões (…), normas relativas à reformatio in pejus em recurso interposto apenas pelo arguido (…) e normas relativas à liberdade condicional e liberdade para prova (…) ou normas relativas à fixação do limite da pena aplicável no âmbito dos procedimentos sumários (…). Em qualquer um destes casos, a sucessão de leis no tempo é, pois, regida pelo artigo 29.º, n.º 4, da CRP (também neste sentido Fernanda Palma (…), concluindo que “ não deixa de se poder invocar directamente o artigo 29.º, n.º 4, a partir de um conceito amplo de leis penais, quando a lei nova interferir com uma posição processual do arguido, reconhecendo direitos essenciais à defesa que, em última análise, a não serem reconhecidos, poriam em causa uma condenação de acordo com o princípio da legalidade ou do processo justo e equitativo”)”.
Mais à frente, no ponto 16, págs. 65/6, refere que “O artigo 5.º rege a sucessão de normas processuais proprio sensu. O CPP fixa um princípio de aplicabilidade imediata das normas processuais proprio sensu aos actos praticados nos processos pendentes após a entrada em vigor da lei nova e aos novos processos instaurados após a entrada da lei nova (concordando expressamente com esta doutrina, acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 4/2009…). Este princípio é conforme com o artigo 7.º da CEDH segundo o acórdão Brualla Gomez de la Torre v. Espanha e o acórdão Coeme e Outros v. Bélgica
O mesmo Autor, no “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, Universidade Católica Editora, Outubro 2011, pág. 152, vai no sentido de que, quando a decisão da autoridade administrativa é proferida após a entrada em vigor da lei nova, é esta que deve ser aplicada.
57 - Havendo sucessão de leis processuais no tempo, é aplicável o disposto no artigo 5.º do CPP, como direito subsidiário, pelo que no caso de se sucederem regimes jurídicos sobre recursos de decisões administrativas o regime da lei nova deve ser aplicado aos processos em que a decisão administrativa tenha sido proferida depois da entrada em vigor da lei nova (acórdão do TRC, de 17.6.2010, in CJ, XXXV, 3, 68)”.
Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, pág. 29, afirma que não sendo a questão da sucessão de normas processuais [proprio sensu] resolvida por disposições transitórias, gerais ou especiais, o princípio geral que a doutrina dominante tem aceitado é o da aplicação imediata da lei processual nova aos processos já iniciados anteriormente, que se fundamenta na consideração do interesse público que domina todo o direito processual e que pressupõe que a nova lei é a que melhor (e mais actualmente) corresponde aos interesses prosseguidos e a realizar pelo direito processual. A natureza pública e instrumental do processo justifica a aplicação imediata da lei nova.
Sobre aplicação da lei processual no tempo, pode ver-se J. J. Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123.º (1990-1991), págs. 94 a 96, em anotação ao acórdão do TC n.º 70/90, processo n.º 229/89, sobre o artigo 7.º do DL 78/87, de 17-2, estando em causa interpretação que impediu a aplicação ao caso, em habeas corpus, do prazo de prisão preventiva previsto no artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do CPP, enquanto norma mais favorável, o que se verificou em processo instaurado antes de 1-1-1988.
E ainda Fernanda Palma, em Linhas estruturais da reforma penal Problemas de aplicação da lei processual penal no tempo, integrado na colectânea Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Almedina, Outubro de 2008, volume II, págs. 1365 a 1377.
Na jurisprudência
Vejamos a jurisprudência sobre a aplicação da lei no tempo em matéria de recursos.
Em causa a recorribilidade relativa a arguição de nulidades de despacho de pronúncia, no presente caso, proferido, como vimos, em 23-03-2012.
A questão de recorribilidade perante normas que se sucedem a regular o recurso colocou-se a partir de 15 de Setembro de 2007, a propósito da recorribilidade a nível de graus de recurso, da admissibilidade de recurso da Relação para o Supremo e da definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo vindo do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do Júri, face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para as Relações, no primeiro caso, face à nova redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) e no segundo atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal.
No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, do Código de Processo Penal “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime mais restritivo nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15 de Setembro de 2007.
Adoptando a lei nova em caso de recurso directo de acórdão do Tribunal Colectivo de 4-10-2007, e declarando a competência do Tribunal da Relação, pronunciou-se a decisão sumária da 5.ª Secção de 28-11-2007, proferida no processo n.º 4459/07, com argumentação semelhante à constante do acórdão de 10-01-2008, proferida no processo n.º 4376/07, com o mesmo relator.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6-12-2007, processo n.º 4552/07, da 3.ª Secção “A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – é a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for proferida a decisão. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer”. (…) “A aplicação imediata da lei processual nova com a transferência de competência para o Tribunal da Relação não coloca, assim, em causa o exercício do direito ao recurso na dimensão constitucional do exercício do direito de defesa”, pelo que deve ser decidido pelo tribunal da relação.
No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos de 6-02-2008, processo n.º 4633/07-3.ª, em caso de recurso directo - considerando que o direito ao recurso nasceu no momento em que a decisão da 1.ª instância foi proferida (em 27-09-2007, já no domínio da lei nova) - defende que a apreciação do recurso cabe à Relação; acórdão da mesma data, proferido no processo n.º 111/08-3.ª, em sentido idêntico, estando em causa acórdão de Colectivo de 29-10-2007, e pena inferior a 5 anos de prisão; de 02-04-2008, processo n.º 898/08-3.ª - considerando que o direito ao recurso nasceu no momento em que a decisão de 1.ª instância foi proferida (em 13-11-2007), e face à medida da pena aplicada (de 4 anos e 3 meses de prisão), a sua apreciação cabe à Relação; de 17-04-2008, processo n.º 903/08- 3.ª; sendo a pena não superior a 5 anos, é competente a Relação.
Vejamos agora a questão no plano diverso da admissibilidade de recurso.
No início da vigência da nova lei processual e até 29 de Maio de 2008, foram grandes as diferenças adoptadas entre as duas Secções Criminais deste Supremo Tribunal sobre o tratamento da questão da recorribilidade dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações, o que se deveu a uma diversa concepção sobre o que deveria entender-se por decisão recorrida, ou seja, se esta era apenas a decisão proferida em recurso pelo Tribunal da Relação, atendendo à decisão então em recurso, ou se deveria atender-se à data da decisão proferida na primeira instância, por aí, e só aí, nascer o direito ao recurso e haver que garantir a sua efectivação, estando em causa diferentes interpretações do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
Na 5.ª Secção
Estando em causa a aplicação do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, era considerada apenas como “decisão recorrida” o acórdão da Relação, para tanto lançando-se mão de posições doutrinárias civilistas.
Só era atendida a data de prolação de acórdãos condenatórios – proferidos em recurso pelas relações – sem reportar a data da primeira condenação.
Espelha este entendimento o acórdão de 10-01-2008, proferido no processo n.º 4376/07 – confirmando em conferência a decisão sumária de 20-11-2007 – e invocado como acórdão fundamento no recurso extraordinário de fixação de jurisprudência que conduziu ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2009, de 18 de Fevereiro de 2009.
No caso concreto, o acórdão recorrido do Tribunal da Relação havia confirmado penas inferiores a 8 anos de prisão, tendo sido proferido no domínio da nova lei processual, em regra de aplicação imediata, sendo afastado o artigo 5.º do CPP.
Quanto a aplicabilidade imediata da lei nova aos processos iniciados antes da sua vigência (citando José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, p. 189), diz o citado acórdão que “no tocante à defesa por meio de «recurso» (uma fase processual excepcional, posterior à decisão final), «tem sido entendimento corrente da nossa jurisprudência o de que os recursos se regem pela lei em vigor à data da decisão recorrida (…)»”.
Acrescenta que esse entendimento «assume como ponto de referência para a determinação da lei aplicável (…) o momento em que, proferida a decisão, se configurar o exercício de dela se recorrer» (p. 190), no pressuposto de que, só depois de conhecida a decisão final, é que surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional (do condenado) ao recurso, [ou melhor, a um recurso], o concreto «direito material», em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário.
No que toca à excepção à aplicação imediata da lei nova constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP - possibilidade de resultar uma limitação do direito de defesa - citando Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, p. 96, nota 1, defende-se no mesmo acórdão que a mesma “só se imporia «quando desta resultasse, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficaram prejudicados pela aplicação da lei nova»”.
De seguida, citando Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, págs. 54-55, retorna que já não serão atendíveis as «expectativas [eventualmente] criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior» se, «na altura capital em que a decisão foi proferida», tais expectativas «já não tinham razão de ser» [«não [se] justificando, por isso, o retardamento da aplicação da nova lei»].
Daí que se entenda que «em relação às decisões [da Relação, em recurso], que venham a ser proferidas, (no futuro), em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis» (ibidem).
E termina o acórdão de 10-01-2008, afirmando que «Mesmo em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios – proferidos em recurso pelas relações – que, a partir de 15-09-2007, confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos».
Nesta orientação, não era contemplada, considerada, a data de decisão de primeira instância, mas apenas a decisão proferida em recurso pelo Tribunal da Relação.
Nesta linha de defesa do entendimento da imediata aplicação da nova lei, da nova versão mais restritiva do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, tendo em conta a data da decisão recorrida, ou seja, a data do acórdão da Relação proferido em recurso, podem apontar-se, inter altera, as decisões sumárias proferidas em 20-11-2007, no processo n.º 4376/07 (confirmada pelo citado acórdão de 10-01-2008, após reclamação); de 14-01-2008, nos processos n.º s 4562/07 e 4828/07; de 28-01-2008, processo n.º 212/08 e de 03-04-2008, processo n.º 110/08, de que houve reclamação, sendo confirmada a decisão de rejeição em acórdão de 30-04-2008 (cfr. infra).
E os acórdãos de 10-01-2008, processo n.º 3180/07 «A lei aplicável à questão da recorribilidade de certa decisão é a vigente ao tempo da sua prolação», e do mesmo relator, o de 03-04-2008, processo n.º 574/08 «A lei aplicável para se aferir da recorribilidade de certa decisão é a vigente na altura em que a mesma for proferida, o que, aliás, é uma decorrência do princípio da aplicação imediata da lei processual penal. O direito ao recurso afere-se no momento em que é proferida a decisão de que se quer recorrer e pela lei então aplicável»; e de 17-04-2008, processo n.º 423/08, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 198, “a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a lei que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre”. Seguindo de perto Antunes Varela, Manual, afirma-se que “Em relação às decisões que venham a ser proferidas no futuro em processos pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis”.
Distinguindo entre os recursos de decisões penais já proferidas antes da entrada em vigor da nova lei e os de decisões proferidas posteriormente, afasta a aplicação às primeiras da nova lei que não admita recurso de decisões que anteriormente o comportavam, pois isso traduzir-se-ia num agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
E podendo ver-se ainda os acórdãos de 03-04-2008, processo n.º 209/08 (com citação de J. A. Reis, A. Varela, J. A. Barreiros e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/01); de 17-04-2008, processo n.º 4732/07 e do mesmo relator, o acórdão de 30-04-2008, processo n.º 110/08, sobre reclamação de decisão sumária de 03-04-2008 “Tem sido entendimento jurisprudencial que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, ao menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação dessa decisão” (cita supra referida decisão sumária de 23-11-2007, proferida no processo n.º 4459/07, J. A. Barreiros, pág. 189 e no último ainda Germano Silva, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 565/2007, decisões sumárias da Secção e Paulo Albuquerque, Comentário do CPP, pág. 997, nota 12).
A propósito da questão da lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, a 5.ª Secção avançou para uma solução de compromisso, fazendo uma interpretação muito lata do que é a “decisão recorrida”, e repensando a jurisprudência que vinha sendo seguida, passou a admitir-se que “decisão recorrida” para o efeito do artigo 5.º do CPP, é a da 1.ª instância, pois a partir desse momento passa a existir na esfera jurídica do arguido o leque de graus de recurso contemplados na lei processual.
Tal consenso foi expresso no acórdão de 29-05-2008, no processo n.º 1313/08-5.ª, do modo seguinte:
«Para o efeito do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o processo (art. 61º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
A prolação da decisão final na 1.ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido». (Realces nossos).
A partir daqui, fazendo aplicação deste entendimento, desde então uniforme e sedimentado neste Supremo Tribunal, passou a ser consensual que é aplicável o regime processual vigente à data da decisão de 1.ª instância e que a excepção do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta de aplicação imediata, podendo ver-se, inter altera, os acórdãos de 05-06-2008, processo n.º 1151/08, com o mesmo relator dos acórdãos de 17-04-2008 e de 29-05-2008, publicado na CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 251; revendo a posição assumida em decisão sumária de 08-05-2008, que rejeitara os recursos por inadmissibilidade, aplica o acórdão de 29 de Maio, concluindo que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido e aplicando quanto ao prazo para interposição de recurso a lei nova, que já vigorava quando foi proferida a decisão recorrida “stricto sensu”; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08; de 25-06-2008, com o mesmo relator nos processos n.ºs 1312/08 e 1779/08; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08; de 08-01-2009, processo n.º 2041/08; de 27-01-2009, processo n.º 3854/08; de 05-02-2009, processo n.º 3166/08, mas aplicando a lei nova quanto a forma de julgamento em conferência.
Na 3.ª Secção
A propósito da questão da aplicação do direito intertemporal, no que respeita à lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, esta 3.ª Secção, maioritariamente, entendia que seria de aplicar o anterior regime sempre que a decisão na primeira instância, mesmo que não a recorrida perante o STJ, ou seja, a decisão inicialmente recorrida, tivesse sido proferida em data anterior a 15 de Setembro de 2007, por assim se mostrarem acautelados os direitos do arguido, pois de contrário, ficaria limitado o direito de defesa do arguido, por privado do direito ao recurso, que detinha à luz da antiga lei. Ou seja, nos casos de acórdãos proferidos em recurso pelas relações - artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP - seria de atender não à data do acórdão da Relação, decisão recorrida, mas da decisão de primeira instância.
Espelham este entendimento, aplicando a lei processual em vigor à data da decisão de 1.ª instância, que admitia o recurso para o Supremo face ao então vigente critério de “pena aplicável”, os acórdãos desta Secção:
de 23-01-2008, processo n.º 4641/07 – “A lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que a decisão é proferida. O direito ao recurso nasce com a emissão da decisão, em vista do assegurar de expectativas criadas ao seu destinatário, numa perspectiva garantística que seria injusto frustrar; a imediata aplicabilidade da lei nova a todos os processos pendentes, face à natureza particular dos interesses em jogo, contendendo com a liberdade individual, tem, desde logo, como limite incontornável a redução das garantias de defesa do arguido ou um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido; prolatado o acórdão recorrido à sombra da lei antiga, da lex temporis acti, assistindo ao arguido o direito ao recurso, a ver reapreciado o processo por este Supremo Tribunal, pese embora a disposição do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na versão actual, a sua imediata aplicabilidade cercearia a justa expectativa de reponderação pelo STJ, resultando redução do direito de defesa e eventual agravamento da sua posição processual”;
de 06-02-2008, processo n.º 117/08 - “a aplicação da nova lei traduzir-se-ia, em concreto, numa limitação ao direito de defesa do arguido, que assim ficaria privado do exercício do direito ao recurso, garantido pela redacção anterior”;
de 20-02-2008, processos n.º s 116/08, 4456/07, 4832/07 e 300/08; de 05-03-2008, processo n.º 100/08, onde se afirma: “Integrando o recurso, e o respectivo direito de interposição, o núcleo fundamental do catálogo de direitos que assistem ao arguido, e vindo a lei nova retirar-lhe um grau de recurso, para o STJ, que, em abstracto, lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto”; de 12-03-2008, no processo n.º 112/08; de 26-03-2008, nos processos n.ºs 105/08 e 444/08; de 02-04-2008, processo n.º 817/08; de 07-05-2008, processo n.º 294/08; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08.
E após 29 de Maio de 2008:
Os acórdãos de 12-06-2008, processo n.º 1660/08; de 18-06-2008, processo n.º 1624/08 (a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância); de 18-06-2008, processo n.º 1971/08; de 25-06-2008, processo n.º 449/08; de 10-07-2008, processos n.º 2146/08; de 10-07-2008, processo n.º 2193/08; de 10-09-2008, processo n.º 1666/08 e n.º 2506/08; de 22-10-2008, processo n.º 215/08; de 29-10-2008, processo n.º 2827/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-01-2009, processo n.º 4031/08; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08; de 11-02-2009, processo n.º 113/09; de 12-03-2009, processo n.º 3781/08.
Na 3.ª Secção no sentido da admissibilidade do recurso para o STJ, mas com o entendimento de ser aplicável a lei processual vigente aquando do início do processo, pronunciaram-se os acórdãos de 20-02-2008, processo n.º 4838/07 (acórdão recorrido no AUJ n.º 4/2009, no qual se considerou que “no caso vertente a aplicação imediata da lei nova iria … limitar os direitos de defesa dos arguidos, visto que lhes iria retirar um grau de jurisdição”, visto “estarmos perante processo iniciado antes da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e tendo em vista o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Penal”, decidiu que o Supremo Tribunal mantinha “a competência para conhecimento dos recursos”); de 26-03-2008, processo n.º 444/08 e processo n.º 105/08; de 09-04-2008, processo n.º 698/07 e processo n.º 113/08 (O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. O facto de a lei nova retirar ao arguido o direito a um recurso que estava inserido no seu complexo de direitos e garantias, se aplicada a lei antiga, leva a considerar que, por aplicação do art. 5.º do CPP, é aquela mesma lei aplicável, sendo admissíveis os recursos interpostos); de 23-04-2008, processo n.º 821/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 3331/07-3.ª; e de 10-09-2008, processo n.º 1959/08 - vejam-se, em consonância com esta posição, os dois votos de vencido no Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, um deles do relator do acórdão aí recorrido.
A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 - de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19 de Março de 2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, nos termos seguintes:
«Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».
Este acórdão fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância.
Esta fixação teve como acórdão recorrido o de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4838/07, da 3.ª Secção, acabado de citar e como acórdão fundamento o já citado acórdão de 10-01-2008, proferido no processo n.º 4376/07, da 5.ª Secção.
Especificamente em causa estava a radical modificação dos pressupostos de recorribilidade para o STJ, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância – os casos chamados de «dupla conforme» – previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.
Com interesse respigamos do texto do acórdão uniformizador:
«No que respeita ao arguido o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
O momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respectivos pressupostos de exercício será aquele ou a prática de acto que primeiramente define no processo a situação do sujeito interessado e que seja susceptível de ser questionado como objecto do recurso com a abertura da respectiva fase.
A decisão que conforma os termos, o conteúdo e, por decorrência, os efeitos – a concretização e o exercício – do direito de recorrer deve constituir também o momento determinante (uma sorte de «acto fundador») para a definição do regime e do sistema de recursos aplicável à decisão que estiver em causa.
A relação entre o arguido e o processo no que respeita à concretização e condições de exercício do direito ao recurso ficou definida com a leitura da decisão condenatória que pretendeu impugnar e que impugnou para a relação».
Aplicando a doutrina do acórdão uniformizador e defendendo que a aferição de admissibilidade de recurso se deve equacionar pela forma delineada no citado acórdão de uniformização de jurisprudência, ou seja, o momento em que é proferida a decisão de primeira instância, podem ver-se os acórdãos: de 12-03-2009, processo n.º 2884/08-3.ª; de 25-03-2009, processo n.º 610/09 - 5.ª; de 02-04-2009, processo n.º 310/09 - 3.ª e 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª - “Este STJ através do acórdão n.º 4/2009, fixou jurisprudência segundo a qual, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância”; de 14-05-2009, processo n.º 96/09-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 5/05.5PBOLH.S1-3.ª; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188, em caso de confirmação in mellius, em que interviemos como adjunto, onde se afirma: “É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir”; de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1, do mesmo relator, em que para além do passo citado se afirma: “A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido”; de 23-09-2009, processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª, que afirma: “O momento relevante para a determinação da lei aplicável aos recursos é a decisão da 1.ª instância, doutrina esta que acabou por ser afirmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2009 (DR I-A, de 19-03-2009”; de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6FAFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª e no processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 97/06.0JRLSB.S1-3.ª; de 27-01-2010, processo n.º 431/09.0YFLSB-3.ª e do mesmo relator, n.º 7/06.4TAVNO.C3.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 532/06.7TALSD.P1.S1 5.ª e de 12 de Maio 2010, processo n.º 7888/01.6TDLSB.G1.S1-5.ª, do mesmo relator.
No acórdão de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1-3.ª pode ler-se: “O acórdão n.º 4/2009 fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância”; e no acórdão da mesma data, proferido pelo mesmo relator no processo n.º 1429/01.2TAVIS.C1.S1 - 3.ª, pode ler-se que “No que concerne à aplicação da lei no tempo, refere o art. 5.º do CPP que a lei processual é de aplicação imediata sem prejuízo dos actos realizados na vigência da lei anterior. Por esta forma consagram-se dois princípios: o princípio do tempus regit actus, de acordo com o qual a lei processual penal é de aplicação imediata, excepto se daí resultar agravamento da posição processual do arguido (sensível e ainda evitável) ou anarquia processual (choque de legislações eventualmente conflituantes, perturbando a «boa ordem processual»; o princípio do respeito pelo anterior processado – a lei nova mantém íntegros os actos realizados à sombra da lei antiga.
O legislador não fornece critério algum para estabelecer as fronteiras da expressão «agravamento sensível» utilizada na al. a) do n.º 2. A abstracção do conceito empregue resulta de uma realidade de contornos fluidos e subjectivos que levaram o legislador a abster-se de avançar para uma formulação concreta, deixando antes ao intérprete o ónus de construir jurisprudencialmente o que constitui ou não agravamento sensível da situação processual do arguido.
Foi, nessa sequência, proferida a decisão de uniformização de jurisprudência do STJ de 18-02-2009, da qual constitui antecedente lógico o pressuposto de que é o momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer que constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso.
Mas, sendo assim, assumido que não se vislumbra razão para divergir da jurisprudência fixada, estamos em crer que o critério enunciado na referida fixação de jurisprudência constitui um princípio geral a observar em relação a todos os sujeitos processuais, sob pena de a coerência lógica e a unidade de tramitação serem substituídas pela quebra da unidade e harmonia processual”.
Segundo o acórdão de 20-10-2010, processo n.º 78/07.6JAFAR.E2.S1-3.ª - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
Como se extrai do acórdão de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª – Para efeitos de conjugação do regime dos recursos com o disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, o regime aplicável deve ser o que vigorava na data em que, pela primeira vez, se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso, não havendo a considerar qualquer questão de sucessão de regimes.
E de acordo com o acórdão de 26-01-2011, processo n.º 39/96.9TBCNF.S1-3.ª, «Constitui antecedente lógico da decisão de uniformização de jurisprudência do STJ de 18-02-2009 com referência ao acórdão n.º 4/2009 o pressuposto de que é o momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer que constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso.
Assumindo que não se vislumbra razão para divergir da jurisprudência fixada, estamos em crer que o critério enunciado na referida fixação de jurisprudência constitui um princípio geral a observar em relação a todos os sujeitos processuais, sob pena de a coerência lógica e a unidade de tramitação ser substituída pela quebra da unidade e harmonia processual.
Na mesma linha os acórdãos de 24-03-2011, processo n.º 12831/03-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 1, p. 216; de 31-03-2011, processo n.º 305/04.1TABRG.G1.S1-3.ª, do mesmo relator dos dois acórdãos de 29-09-2010 supra citados, publicado na CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 224; de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª e o de 15-06-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª, donde se extrai: “A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja a integração do interesse em agir e da legitimidade, sejam as condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação, definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for decidida uma decisão sobre a matéria da causa (1.ª instância)”.
Lê-se no acórdão de 06-07-2011, processo n.º 279/96.0TAALM.P1.S1-3.ª Secção – A jurisprudência fixada pelo STJ é no sentido de que, em matéria de recursos, a lei a aplicar é a que vigora na data da prolação da decisão em 1.ª instância – o momento em que «se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).
Refere o acórdão de 03-11-2011, proferido no processo n.º 67/08.3JAFAR.E1.S1-5.ª que “a aplicação da lei em vigor à data da prolação da decisão de 1.ª instância, independentemente do momento em que se iniciou o processo, é a que observa o princípio de aplicabilidade imediata das normas processuais, inscrito no art. 5.º, n.º 1, do CPP, e salvaguarda as restrições que decorrem das als. a) e b) do n.º 2”.
E no acórdão de 23-11-2011, proferido no processo n.º 56/06.2SRLSB.L1.S1-3.ª, pode ler-se “O STJ vem decidindo, perante sucessão de leis processuais penais, que, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da prolação da decisão em 1.ª instância”.
E mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 07-12-2011, processo n.º 1070/03.5SJPRT.S1, da 5.ª Secção, mantendo decisão sumária antes proferida, e de 21-12-2011, processo n.º 37/06.6GBMFR.S1; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1; de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª, onde se refere: “No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância, entendimento a que o STJ chegou no AUJ n.º 3/2009 [4/2009; de 28-06-2012, processo n.º 4/05.7ZCLSB.P1.S1; de 12-07-2012, no processo n.º 657/08.4GAVCD.P1.S1 e no processo n.º 350/98.4TAOLH.E1.S1-3.ª (em que o acórdão da primeira instância datava de 14-12-2005); de 07-11-2012, processo n.º 1198/04.4GBAGD.C4.S1 e de 15-11-2012, processo n.º 117/04.2PATNV.C1.S1 e processo n.º 5/04.2TASJP.P1.S1, todos da 3.ª Secção.
E ainda, os acórdãos de 10-01-2013, processo n.º 507/05.3GAEPS.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, em caso de recurso interposto por assistente; de 12-09-2013, processo n.º 680/11.1GDALM.L1.S1-3.ª; de 9-10-2013, processo n.º 772/11.7JAPRT.P1.S1-3.ª; de 8-01-2014, processo n.º 109/08.2TAETR.P1.S1-3.ª; de 26-03-2014, processo n.º 21/12.0GBPTM.E1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1-3.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª, do mesmo relator do anterior, de 25-02-2015, processo n.º 859/12.9GESLV.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1/11.3GHLSB.L1.S1-3.ª; de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1-3.ª; de 28-04-2016, processo n.º 318/14.5JAPDL.L1.S1-3.ª; de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª, de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1.3.ª e de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª Secção.
Conclui-se assim que é ponto assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, afirmada de forma reiterada, uniforme e sedimentada, que a aferição da recorribilidade se faz com referência à lei vigente à data da decisão da primeira instância, pois só então nasce, concretiza, o direito ao recurso.
A excepção do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta de aplicação imediata.
A interpretação do artigo 5.º, n.º 2, do CPP, no sentido de ser aplicável o novo regime de recursos delineado pela Lei n.º 48/2007 (nomeadamente as alíneas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP), aos processos em que a sentença tenha sido proferida depois da entrada em vigor da referida Lei, não está ferida de inconstitucionalidade, como decidiram os acórdãos n.º 263/2009, de 26 de Maio de 2009, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 75.º volume, pág. 249), n.º 551/2009, de 27 de Outubro de 2009, da 3.ª Secção, este referindo o AUJ n.º 4/2009 (ATC, 76.º volume, pág. 566, em sumário), n.º 645/09, de 15 de Dezembro de 2009, processo n.º 846/09-2.ª Secção, n.º 175/10, de 4 de Maio de 2010, processo n.º 187/10-1.ª Secção e n.º 486/12, de 24 de Outubro de 2012, processo n.º 403/12-2.ª Secção.
Aí se refere que a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória como factor de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, considerando-se que a interpretação em causa - no sentido de considerar momento processualmente relevante para aferir dos pressupostos da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça aquele em que foi proferida a sentença condenatória da 1.ª instância - não atenta contra as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas, uma vez que estas não envolvem nem a existência obrigatória de um duplo grau de recurso, nem que o momento processualmente relevante para a fixação daqueles pressupostos deva ser anterior à prolação da sentença condenatória em 1.ª instância.
Tudo visto, e ponderado o sentido da jurisprudência enunciada, a respeito de admissibilidade de recurso e de fixação do momento/critério da lei processual aplicável, afigura-se-nos nada impedir que se faça uma transposição deste entendimento sufragado no domínio do processo penal para efeitos de admissibilidade de recurso de condenação para a impugnação de decisão instrutória, entendendo-se que o que vale para a conformação dos contornos da admissibilidade do recurso de decisão final, vale do mesmo modo para a admissibilidade de recurso da pronúncia. Por outras palavras. O que vale para a fase final valerá para decisão proferida em fase preliminar.
Por outro lado, e como já vimos, estabilizando-se o direito ao recurso do despacho de pronúncia apenas com a prolação da decisão instrutória, e tendo esta sido proferida já na vigência da lei nova, em 29 de Março de 2012, não pode considerar-se que os arguidos tenham sido surpreendidos por uma inesperada e imprevisível alteração da possibilidade de impugnação do despacho de pronúncia.
De acordo com tal posição é de ter em consideração no presente caso o regime em vigor à data da prolação da decisão, ou seja, datando o despacho de pronúncia de 23 de Março de 2012, estando em vigor o novo regime processual, será de aplicar o regime decorrente da nova redacção.
Vejamos o que está em causa.
Como elucida o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2015, ao apreciar os recursos de despachos interlocutórios – Recursos de fls. 881 dos autos (vol 4.º) e de fls. 1032 dos autos (vol. 4.º), pendentes, relativamente aos quais os recorrentes declararam o seu interesse na respectiva apreciação e julgamento, a fls. 478 verso e 479, deste (fls. 3546/7do principal):
“O recurso de fls. 881 - 927 (vol. 4.º) tem por objecto o despacho de pronúncia no que respeita a nulidades: nulidade arguida na fase de instrução por omissão de decisão – decisão sobre a alegada questão de as marcas que suportam a acusação e pronúncia serem genéricas e abusivamente registadas pela assistente - e sobre duas alegadas nulidades do despacho de pronúncia – por insuficiência da instrução (recusa de inquirição de testemunhas e de um perito) e por alegada violação dos direitos de defesa “no que respeita à confissão do arguido”.
Ora tal recurso não foi admitido pelo despacho do Senhor juiz de instrução de fls. 991-1002 (cf. maxime fls. 998 dos autos – vol 4.º).
Desse despacho que não admitiu o recurso foi interposto recurso a fls. 1007 (1032), que foi admitido pelo despacho de fls. 1127, a subir a final, conjuntamente com o recurso da decisão final.
Este recurso deve ser rejeitado por este Tribunal ao abrigo do disposto no n.º 1, al. b), do art. 420.º do Código de Processo Penal, pela singela mas decisiva razão de não constituir o meio processual próprio de reacção contra a decisão de não admissão de recurso, o qual deve revestir a forma de reclamação ex vi do art 405.º do Código de Processo Penal.
Assim, nenhum dos recursos indicados poderá ser conhecido: o primeiro (fls. 881) porque não foi admitido; o segundo (fls. 1007 e 1032), porque deverá ser rejeitado.
A aplicação imediata do artigo 310.º do CPP não é inconstitucional.
Decidiu o Tribunal Constitucional:
No acórdão n.º 460/2008, de 25-09-2008, no processo n.º 495/08, da 1.ª Secção:
Não resultando, por conseguinte, da norma que determina a irrecorribilidade da decisão instrutória, que, ao determinar a pronúncia pelos factos constantes da acusação, decide questões prévias ou incidentais, a violação das garantias de defesa, nomeadamente da presunção de inocência e do direito ao recurso, a aplicabilidade imediata da lei nova que estabelece tal regime processual, correspondendo a uma legítima opção político-legislativa, não merece censura do ponto de vista constitucional.
No acórdão n.º 482/2014, de 25-06-2014, processo n.º 663/2013, da 1.ª Secção, decidiu:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de ser irrecorrível a decisão do juiz de instrução, subsequente à decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade da mesma decorrente da omissão de pronúncia sobre questões suscitadas pelo arguido no seu requerimento de abertura da instrução;
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de ser irrecorrível a decisão do juiz de instrução, subsequente à decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade da pronúncia decorrente da insuficiência da mesma relativamente aos elementos exigidos no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), aplicável “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, do CPP.
c) Julgar inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de ser irrecorrível a decisão do juiz de instrução, subsequente à decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade insanável decorrente da violação das regras de competência material do Tribunal de Instrução Criminal.
Como se viu, a fls. 31 supra, o Tribunal Constitucional tomara igual posição face à versão inicial do preceito no acórdão n.º 216/99, de 21-04-1999 e no acórdão n.º 387/99, de 23-06-1999.
O passo seguinte.
A nova versão de irrecorribilidade não agrava a posição processual do arguido
Nuno Brandão, “A nova face da instrução”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18.º, n.ºs 2-3, Abril-Setembro 2008, a págs. 238, refere que a principal novidade da reforma de 2007 residiu no âmbito da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (art. 310.º, n.º 1), abrangendo a irrecorribilidade, igualmente a pronúncia por crime particular em sentido estrito, na parte em que o Ministério Público tiver acompanhado a acusação particular, indo a revisão claramente mais longe e estendendo a irrecorribilidade também à parte da decisão instrutória em que sejam apreciadas nulidades e outras questões prévias ou incidentais, sendo assim derrogada a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ n.º 6/2000 que havia interpretado a norma revista no sentido oposto, referindo um documento de reflexão emanado em 2003 dos Juízes Conselheiros das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça «Reflexões sobre a reforma processual penal», preconizando uma alteração legal no sentido adoptado pela revisão.
Havendo nesta ampliação do âmbito de irrecorribilidade da decisão instrutória uma restrição acrescida do direito de defesa do arguido considera, a fls. 239, que a mesma não poderá reputar-se como constitucionalmente inadmissível.
Para tanto convoca três argumentos:
Primo – Mesmo no regime revisto o processo seguiria sempre para a fase do julgamento independentemente da interposição do recurso.
Secundo – A lei salvaguarda a possibilidade de o tribunal de julgamento excluir provas proibidas (artigo 310.º -2).
Tertio – A decisão instrutória não forma caso julgado sobre questões que possam contender com a afirmação da responsabilidade penal do arguido em julgamento, como a amnistia do crime ou a prescrição do procedimento criminal, não só porque a decisão do juiz de instrução que se debruce sobre estas questões é irrecorrível e como tal não pode assumir caracter definitivo, como ainda porque a última palavra sobre essas questões, atenta a sua natureza, deve caber sempre ao juiz de julgamento (ou, eventualmente de recurso).
Finalizando, diz, a págs. 239-240: “Não há aqui, em suma, uma restrição constitucionalmente intolerável nem do princípio da plenitude dos direitos de defesa, nem especificamente do direito ao recurso”.
No mesmo sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 247/2009, de 12 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 16/09, da 2.ª Secção, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), 75.º volume, 2009, págs. 211 a 226.
Questionava-se a constitucionalidade da aplicação imediata aos processos já pendentes da alteração ocorrida no regime de recursos da decisão instrutória resultante da alteração do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, efectuada pela Lei n.º 48/2007.
Com um voto de vencido, foi decidido:
“Não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a inadmissibilidade do recurso da decisão instrutória na parte em que aprecia nulidades e outras questões prévias ou incidentais, prevista na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é imediatamente aplicável aos processos pendentes”.
Com interesse, enquadrando o tema, respiga-se da fundamentação:
Apesar da actual Constituição não enunciar especificamente qualquer critério de aplicação da lei processual penal no tempo, na doutrina continua a defender-se que aqueles princípios [não retroactividade da lei penal desfavorável e o da retroactividade da lei penal mais favorável] são extensíveis não só às normas processuais que condicionam a aplicação das sanções penais (v. g. as relativas à prescrição, ao exercício, caducidade e desistência do direito de queixa, e à reformatio in pejus), mas também às normas que possam afectar o direito à liberdade do arguido (v.g. as relativas à prisão preventiva) ou que asseguram os seus direitos fundamentais de defesa, todas elas apelidadas de normas processuais penais substantivas. (…)
No caso sub iudicio, estamos perante a aplicação a processo criminal já pendente duma nova lei que determinou a irrecorribilidade das decisões instrutórias na parte em que apreciam a existência de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, quando o arguido é pronunciado pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público.
A irrecorribilidade duma decisão desfavorável ao arguido resulta numa restrição acrescida do direito ao recurso enquanto instrumento do direito à defesa em processo penal, pelo que importa verificar se a introdução da referida solução da irrecorribilidade das decisões proferidas em despacho de pronúncia que apreciem a existência de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, quando o arguido é pronunciado pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público, veio agravar a posição processual do arguido relativamente à solução da lei vigente na altura em que o processo se iniciou”.
Depois de afirmar que as decisões que passaram a ser irrecorríveis apenas valem para a pronúncia do arguido, não tendo a força do caso julgado formal, pelo que pode o tribunal do julgamento voltar a apreciar tais questões, com possibilidade de recurso para o tribunal superior, pondera:
“A decisão instrutória que se considera irrecorrível à luz da lei nova não apresenta os mesmos efeitos que a decisão instrutória reputada recorrível segundo a lei antiga (vigente no início do processo): enquanto a primeira não é dotada da força de caso julgado formal, a segunda tinha essa autoridade.
Não é possível, pois, equiparar as duas decisões, para concluir que a solução da irrecorribilidade agrava a posição do arguido no processo penal. (…)
Torna-se impossível, portanto, dizer que a nova redacção do artigo 310.º n.º 1, do CPP, na leitura que dela faz a decisão recorrida, agrave a posição processual do arguido, pelo que a sua aplicação imediata a processos pendentes não fere qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente, a necessidade de protecção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, como emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), o direito do acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição), as regras de aplicação da lei criminal no tempo (artigo 29.º da Constituição) ou os direitos de defesa do arguido (artigo 32.º da Constituição).
Neste mesmo sentido já decidiu este Tribunal no Acórdão n.º 460/08, de 25 de Setembro de 2008 (acessível no site www.tribunalconstitucional.pt).”
A reforma de 2007 visou impor maior celeridade ao processo penal.
A solução com a inclusão da expressão “mesmo na parte em que se apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais”, consagrando a posição do Tribunal Constitucional, é sinal claro de ruptura com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (a exemplo, aliás, do que ocorreu, com a mesma reforma, v. g. com o Acórdão n.º 1/2002, com a inovação do n.º 3 do artigo 400.º do CPP, a respeito da recorribilidade da parte cível, mesmo que transitada a parte penal), determinado a caducidade do Assento n.º 6/2000, como reflexamente do Acórdão n.º 7/2004, que definira apenas sobre o momento de subida do recurso do despacho de pronúncia.
Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 808, nota 9, entende não ser a boa doutrina constitucional, o que explana no ponto 10, afirmando que o artigo 310.º, n.º 1, é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Eduardo Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, pág. 986, nota 3, afirma: “A nova solução legal, embora recusando o direito de recurso, não agrava a posição processual do arguido, não podendo, portanto, ser arguida de inconstitucional. Do novo n.º 2 resulta que a decisão sobre nulidades e questões prévias e incidentais não faz caso julgado formal no processo, podendo o tribunal de julgamento reapreciar tais questões. Assim, perdendo o arguido o direito de recurso da decisão instrutória naquela parte, ganhou, porém, a possibilidade de ver essas questões reapreciadas em sede de julgamento, com o inerente direito de recurso da sentença. (Neste sentido, ver o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 247/2009, e Nuno Brandão, “A nova face da instrução”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18.º, n.ºs 2-3, p. 239; contra, defendendo a inconstitucionalidade da nova redação do artigo, ver P. Albuquerque, Comentário do CPP, 4.ª ed., pp. 808-9).
Sendo de rejeitar o recurso, uma palavra final para o requisito da oposição.
No caso presente não se verificaria qualquer contradição, suposta que fosse a vigência da doutrina do Assento n.º 6/2000.
Como refere o Exmo. PGA no parecer emitido a fls. 693-5, secundando as posições do M.º P.º, o acórdão recorrido da Relação não contrariou jurisprudência fixada, o de 27 de Maio rejeitou o recurso por «não constituir o meio processual próprio de reacção contra a não admissão de recurso» (fls. 429) e o de 23 de Julho limitou-se a decidir que o primeiro não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, terminando por defender a rejeição por ausência de oposição.
Concluindo: É de aplicar a lei vigente à data em que é proferido o despacho de pronúncia, pois só então surge o objecto do recurso, nascendo então a pretensão de impugnação.
No caso presente a vigência da nova lei opera escassos oito dias após a autuação do inquérito, numa data em que os recorrentes não estavam constituídos arguidos.
A aplicação da lei nova, tolhendo o recurso da pronúncia, não tem o efeito de fazer transitar a decisão que se pretende impugnar por não ocorrer caso julgado, podendo por isso ser conhecida a final.
Aplicando-se a lei nova, na versão de 2007, não há que invocar a doutrina do Assento n.º 6/2000, que valia para a anterior versão, tendo caducado.
E porque caducou, não há violação de jurisprudência fixada.
A decisão recorrida foi proferida no domínio da nova versão.
Decisão
Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso interposto pelos arguidos AA e BB - Equipamento de escritório, S.A..
Custas pelos recorrentes, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 448.º do mesmo diploma legal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º), pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), em 3 UC (unidades de conta).
Mantém-se em vigor o valor da UC vigente em 2016, conforme estabelece o artigo 266.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017).
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2017
Raul Borges (Relator)
Manuel Augusto Matos
Santos Cabral