TRABALHADOR REFORMADO
CONTRATO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

I- Nos termos do art. 5º da LCCT e actual art. 392º, 1 do Código do Trabalho “a permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice”, fica sujeito ao regime do contrato a termo certo, com algumas excepções expressamente previstas na lei.
II- Este regime, isto é as excepções previstas na lei, não é contudo, aplicável a um trabalhador que, na mesma situação, celebra “ex novo”, um contrato de trabalho, que fica deste modo sujeito ao regime geral da contratação a termo, sendo nulo o termo aposto no contrato com a invocação do referido art. 5º da LCCT.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B………………. deduziu contra C…………………., ACE a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se:
a) declare que o A., à data da respectiva cessação, já estava abrangido por contrato de trabalho sem termo;
b) declare que o A. foi ilicitamente despedido;
c) condene a R. a pagar-lhe as retribuições vencidas desde 2005-10-21 até ao trânsito em julgado;
d) condene a R. a reintegrar o A. na empresa ou a pagar-lhe a indemnização por antiguidade;
e) sendo tudo acrescido dos legais juros.
Alega o A., para tanto e em síntese, que celebrou com a R. em 2003-08-18 um contrato de trabalho a termo incerto, para exercer as funções de Técnico Administrativo de Produção, na obra denominada Scut Interior Norte – Realização do Projecto do Novo Lanço da Auto Estrada IP3 – Lanço A. E, tendo exercido funções em tal obra até Julho de 2004, nesta passou a desenvolver actividade no Sub-Lanço E3 (Zona de Chaves), até Outubro seguinte. Em 2004-10-19 voltou a desenvolver actividade no Lanço A e em finais de Junho de 2005, passou a fazê-lo no Lanço B (Bigorna – Castro de Aire). Por carta datada de 2005-08-18, a R. comunicou ao A. a caducidade do contrato com efeitos reportados a 2005-10-21, sendo certo que se encontrava a desenvolver actividade diferente daquela para que havia sido contratado, pelo que foi despedido ilicitamente, pois o contrato já se havia transformado em contrato de trabalho sem termo.
Contestou a R. por impugnação e alegando em resumo – apenas no que ao recurso interessa – que o A. já se encontrava reformado quando celebrou o contrato de trabalho objecto destes autos, pelo que ele não se podia converter em contrato sem termo, atento o disposto no Art.º 392.º do Cód. do Trabalho.
O A. apresentou articulado de resposta, o que fez por impugnação.
Realizado o julgamento com gravação da prova pessoal, foi assente a matéria de facto provada, sem reclamações.
Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente, sendo a R. absolvida dos pedidos formulados.
Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença e tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1ª - Entre nós, a contratação a termo é excepcional e está regulada em termos muito restritivos, só sendo lícita se for utilizada para a satisfação de necessidades temporárias e transitórias da empresa (art. 41.° da LCCT(1) e art. 129.° do C. T.(2)
2ª - O art. 49.° da LCCT e o art. 144.° do C.T. dispõem que o contrato de trabalho a termo incerto dura por todo o tempo necessário para a conclusão da actividade, tarefa, obra ou projecto cuja execução justifica a celebração, pelo que, nos casos em que o trabalhador permaneça no desempenho da sua actividade decorridos 15 dias depois da conclusão da actividade, serviço, obra ou projecto para que haja sido contratado (art. 51.° da LCCT e art. 145.° do C.T.), ou quando a estipulação da cláusula acessória tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo (art. 41.° n.° 3 da LCCT e art. 130.° n.° 2 do C.T.), o contrato a termo converte-se num contrato por tempo indeterminado.
3ª - Desde a celebração do contrato, sempre esteve no horizonte e foi intenção da recorrida, atribuir ao recorrente funções que, muito embora integrassem a sua categoria profissional e fossem idênticas às que desempenhava na obra para a qual foi contratada, não se limitavam a esta.
4ª - Aliás a recorrida nunca tentou sequer dissimular esse desiderato pois na cláusula 6.ª do Contrato de trabalho em questão dispõe que "o local inicial de trabalho será na obra mencionada na cláusula 3.ª ou noutro local quando tal seja necessário para a execução das tarefas constantes da cláusula 1ª”. Ou seja, a mobilidade do local de trabalho seria determinada não pelo desempenho das funções relativas ao LANÇO A do SCUT INTERIOR NORTE (identificado na cláusula 3.ª), mas sim pela necessidade que a recorrida teria do desempenho das funções pelo recorrente (identificadas na cláusula 1.ª - conforme se refere na cláusula 6.ª) noutras obras.
5ª - No mesmo sentido afirmou ainda a recorrida no art. 3.° da sua contestação: "o fundamento que presidiu à contratação do autor encontra-se descrito nos artigos 2.º e 3. ° do Contrato de Trabalho a Termo celebrado (... ) ou seja a execução das tarefas inerentes à categoria de Técnico Administrativo de Produção na Obra da SCUT Interior Norte", e continua “prestação essa que se desenrolaria mormente, mas não exclusivamente, no Lanço A da SCUT Interior Norte", "sem prejuízo de, no decurso da relação laboral, o A. poder desenvolver actividades no quadro da sua categoria profissional, noutros locais da Obra (toda a Scut e não apenas o lanço A), se tal fosse necessário" (art. 10.° e 11.° da Contestação).
6ª - Foi ao abrigo desse poder que a recorrida pensava ter, determinado ao recorrente que em meados de Setembro de 2004 e pelo período de 3 a 4 semanas desempenhasse a sua actividade no denominado SUB-LANÇO E3 (Zona de Chaves) (cfr. ponto 3.4 e 3.12 dos factos dados como provados) e durante 2 a 3 meses (até Julho de 2005) no denominado Lanço B (Bigorne - Castro de Aire) (cfr. ponto 3.18 dos factos dados como provados).
7ª - Para além dos factos dados por provados, estão os presentes autos em condições de afirmar a comprovação de outros (complementares, instrumentais e essenciais), que por terem sido confessadas pela Ré (confissão essa que aqui expressamente se aceita para efeitos do disposto no art. 567.° n.° 2 do C.P.C.), dispensam a produção de prova adicional, preenchendo-se o disposto no art. 712.° n.° 1, alínea a), primeira parte e alínea b) do C.P.C. Assim pode e deve esse Venerando Tribunal ampliar a matéria de facto demonstrada nos presentes autos em função da confissão feita pela Ré (ao abrigo do disposto nos arts. 264.° n.° 2 e 3 e 712° n°1, alínea a) e b) do C.P.C.).
8ª - Segundo as disposições legislativas que regem a contratação a termo incerto, ao trabalhador apenas podem ser atribuídas funções que se compreendam no objecto do contrato (sendo este a obra ou projecto ao abrigo do qual se justificou a contratação a termo) e não aquelas que se inserem na categoria profissional contratada.
9ª - É pois manifesto, contrariamente ao sentenciado, que foi intenção da entidade patronal iludir as disposições que regulam o contrato a termo incerto, recorrendo de forma abusiva à contratação a termo.
10ª - Por este motivo o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre o recorrente e a recorrida converteu-se num contrato de trabalho sem termo (por força do disposto no art. 41.° n.° 3 da LCCT e art. 130.° n.° 2 do C.T.) a que acarreta que quando o primeiro viu o seu contrato de trabalho cessado, já estava abrangido por um contrato sem termo, isto, independentemente da data em que cessou a "Obra Lanço A" (cfr. art. 36.° da Contestação). Uma vez que a cessação desse contrato de trabalho não foi precedido de qualquer procedimento, tal implica que se tenha o recorrente como ilicitamente despedido (alínea a) do art. 429.° do C.T., devendo concluir-se como na P.I.
11ª - E não se diga, como disse o Meritíssimo Juiz a quo, que a actuação da recorrida neste caso não constitui uma fraude à lei, uma vez que "os trabalhos em causa, muito provavelmente, poderia ser objecto de outro contrato de trabalho a termo certo". Tal conclusão, além de especulativa e desprovida de qualquer elemento probatório que a sustente, não tem pois qualquer fundamento legal.
12.ª - A sentença posta em crise violou nomeadamente o disposto nos arts 41.° n.° 1 e n.° 3, e 49.° da LCCT e nos arts. 129.°, 130.° n.° 2, 144.° e 429.° do C. T.
A R. apresentou a sua alegação de resposta, pedindo a confirmação da sentença.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
O A. tomou posição quanto ao teor de tal parecer.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
3.1 O A. foi admitido pela Ré por contrato de trabalho a termo incerto em 18.08.2003, data a partir da qual passou a desempenhar as funções que a Ré categorizou como de Técnico Administrativo de Produção, sob as suas ordens direcção e fiscalização e mediante a retribuição mensal de € 1.200,00, acrescida de subsídio de refeição de € 110,00 – documento 1 junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por reproduzido.
3.2 No referido contrato de trabalho ficou acordado entre as partes que:

“Cláusula 1.ª
O segundo outorgante (aqui autor) é admitido ao serviço do primeiro outorgante (aqui ré) para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Técnico Administrativo de Produção, exercendo a função respectiva, com a seguinte caracterização sumária é o trabalhador que:
a) Executa tarefas de carácter administrativo, numa ou em várias áreas funcionais da empresa que variam consoante a natureza e importância da obra, designadamente na libertação de terrenos e expropriações, pode tomar decisões desde que apoiadas em directivas técnicas; não detém tarefas de chefia, subordinando-se organicamente a um responsável hierárquico, podendo ou não coordenar outros profissionais.
b) Acessoriamente pode desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria efectiva.
Cláusula 2.ª
O presente contrato terá início em (….) e vigorará pelo prazo e tempo estritamente necessário à conclusão das tarefas atribuídas pelo presente contrato de trabalho a termo incerto ao segundo outorgante (aqui autor) na obra denominada SCUT INTERIOR NORTE – REALIZAÇÃO DO PROJECTO DO NOVO LANÇO DA AUTO-ESTRADA IP3 – LANÇO A, sendo que os primeiros 30 (trinta) dias de contrato correspondem ao período experimental.
Cláusula 3.ª
O presente contrato é celebrado ao abrigo do art. 48.º, por remissão (do) art. 41.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 64-A/89, enquadrado no âmbito da CONCESSÃO DENOMINADA SCUT INTERIOR NORTE - REALIZAÇÃO DO PROJECTO DO NOVO LANÇO DA AUTO-ESTRADA IP3 – Lanço A.
Cláusula 6.ª
O local inicial de trabalho será na Obra mencionada na cláusula 3.ª ou noutro local quando tal seja necessário para a execução das tarefas constantes da cláusula 1.ª.” (fim de transcrição).
3.3 O A. desenvolveu a actividade descrita na alínea a) da cláusula 1.ª do referido contrato no denominado LANÇO A (Viseu/IP5 a Castro Daire Sul) até meados de Setembro de 2004.
3.4 A partir de meados de Setembro de 2004, o A. passou a desenvolver, transitoriamente, a sua actividade no denominado SUB-LANÇO E3 (Zona de Chaves) – SCUT Interior Norte, onde se manteve até meados de Outubro de 2004, durante 3 a 4 semanas.
3.5 Em meados de Outubro de 2004, o A. regressou ao Lanço A para resolver os problemas mencionados em 3.14.
3.6 A retribuição mensal do A. em Outubro de 2005 era de € 1.240,00, acrescida de € 110,00 mensais, a título de subsídio de refeições.
3.7 Por carta datada de 18 de Agosto de 2005 a Ré comunicou ao A. a caducidade do contrato de trabalho com efeitos a partir de 21.10.2005.
3.8 No dia 11.10.2005, a Ré processou e pagou ao A. as retribuições reportadas a 21.10.2005, nas quais se integrava a compensação por cessação do contrato de trabalho no montante de €2.989,27.
3.9 A ré C……………. é o Agrupamento Complementar de Empresas responsável pela execução da Obra denominada SCUT Interior Norte.
3.10 A SCUT Interior Norte constitui eixo viário em perfil de Auto-Estrada, que estabelecerá a ligação entre as cidades de Viseu (IP5) e Chaves (Vila Verde da Raia).
3.11 Como parte integrante do projecto da SCUT Interior Norte, encontramos o Lanço A, que faz a ligação entre o IP5/Viseu e Castro Daire Sul.
3.12 Em meados de Setembro foi ordenado ao autor que durante um período de tempo, que se previa de cerca de 3/4 semanas, até meados do mês de Outubro de 2004, prestasse a sua actividade noutro local da Obra da SCUT Interior Norte, no Sub-Lanço E-3.
3.13 O Autor acatou essa ordem e prestou mesmo a sua actividade no Sub-Lanço E-3.
3.14 Em Outubro de 2004 apareceram reclamações de proprietários ligadas às questões de cumprimento de acordos celebrados com proprietários dos terrenos onde foi implantado o Lanço A da SCUT Interior Norte.
3.15 Pelo que o autor voltou a trabalhar no Lanço A a fim de resolver esses problemas com os proprietários.
3.16 Depois trabalhou nas ligações do Lanço A às EN-16 e EN-2.
.17 A ligação da E.N.16 e da E.N. 2 faz parte do Lanço A e, por conseguinte, do projecto da SCUT Interior Norte.
3.18 Durante 2 a 3 meses e até Julho de 2005, o autor passou a desenvolver a sua actividade no denominado Lanço B (Bigorne – Castro Daire), com vista à libertação de terrenos para a instalação da área de serviço de Castro Daire.
3.19 O que aconteceu por ordem da sua entidade patronal e o autor acatou.
3.20 O Autor nasceu em 10.11.1936.
3.21 Tem actualmente 69 anos de idade (por referência à data da apresentação da contestação).
3.22 Encontra-se na situação de aposentado, por idade.
3.23 Quando celebrou contrato com o C…………… (18.08.2003) já se encontrava aposentado.
Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto(3), como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, o que mão ocorre in casu, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Ampliação da matéria de facto.
II – Despedimento ilícito do A.
Matéria de facto.
A 1.ª questão.
Trata-se de saber se deve ser ampliada a matéria de facto, pois o A., na conclusão 5ª da sua alegação de recurso afirma textualmente:
No mesmo sentido afirmou ainda a recorrida no art. 3.° da sua contestação: "o fundamento que presidiu à contratação do autor encontra-se descrito nos artigos 2.º e 3. ° do Contrato de Trabalho a Termo celebrado (... ) ou seja a execução das tarefas inerentes à categoria de Técnico Administrativo de Produção na Obra da SCUT Interior Norte", e continua “prestação essa que se desenrolaria mormente, mas não exclusivamente, no Lanço A da SCUT Interior Norte", "sem prejuízo de, no decurso da relação laboral, o A. poder desenvolver actividades no quadro da sua categoria profissional, noutros locais da Obra (toda a Scut e não apenas o lanço A), se tal fosse necessário" (art. 10.° e 11.° da Contestação).
Ora, se bem interpretamos o requerido pelo A., ora recorrente, pretende ele que se dê como provada a alegação constante dos artigos 3.º, 10.º e 11.º, todos da contestação, a fim de demonstrar a intenção fraudatória da R., pois os factos pertinentes, correspondendendo ao desiderato constante da petição, foram dados como provados.
Ora, tratando-se de alegação da R., constante do respectivo articulado, efectuada em consonância - neste sentido - com os factos alegados na petição, nenhum obstáculo se vê a tal ampliação, pois trata-se apenas de dar como provado o que foi alegado num articulado, sem qualquer impugnação da parte contrária ou retratação da própria.
Cremos, deste modo, que in casu não é necessário o preenchimento dos requisitos constantes do Art.º 690.º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, nada mais havendo a fazer que não seja aditar à lista dos factos dados como provados o declarado pela ora recorrida nos artigos 3.º, 10.º e 11.º, todos da contestação.
Assim, adita-se à lista dos factos provados, o seguinte:
3.24 Na contestação, a R. alegou:
3.º
O fundamento que presidiu à contratação do autor encontra-se descrito nos artigos 2º e 3º do Contrato de Trabalho a Termo celebrado pelo autor e o Réu em 18 de Agosto de 2003, ou seja a execução das tarefas inerentes à categoria de Técnico Administrativo de Produção na Obra da SCUT Interior Norte, cfr. doc. 1 junto pelo autor, com a p.i.
10.º
Prestação essa que se desenrolaria mormente, mas não exclusivamente, no Lanço A da SCUT Interior Norte.
11.º
Sem prejuízo de, no decurso da relação laboral, o A. poder desenvolver actividades no quadro da sua categoria profissional, noutros locais da Obra, se tal fosse necessário.
Assim, procede o recurso, nesta parte.
O Direito.
A 2ª questão.
Trata-se de saber se o A. foi ilicitamente despedido pela R.
Vejamos.
Como vem provado, o A. foi admitido pela R. por contrato de trabalho a termo incerto em 18.08.2003 para, segundo se refere na Cláusula 2.ª do respectivo acordo, trabalhar na obra denominada SCUT INTERIOR NORTE – REALIZAÇÃO DO PROJECTO DO NOVO LANÇO DA AUTO-ESTRADA IP3 – LANÇO A. Assim, como se encontra assente sob o ponto 3.3 da lista dos factos provados, O A. desenvolveu a actividade descrita na alínea a) da cláusula 1.ª do referido contrato no denominado LANÇO A (Viseu/IP5 a Castro Daire Sul) até meados de Setembro de 2004, e sob o ponto 3.4, A partir de meados de Setembro de 2004, o A. passou a desenvolver, transitoriamente, a sua actividade no denominado SUB-LANÇO E3 (Zona de Chaves) – SCUT Interior Norte, onde se manteve até meados de Outubro de 2004, durante 3 a 4 semanas e sob o ponto 3.5, Em meados de Outubro de 2004, o A. regressou ao Lanço A. Por último e como se encontra provado sob o ponto 3.18 da respectiva lista, Durante 2 a 3 meses e até Julho de 2005, o autor passou a desenvolver a sua actividade no denominado Lanço B (Bigorne – Castro Daire)…
Porém, como se aditou agora à matéria de facto, a R. já tinha intenção de colocar o A. a desempenhar outras tarefas para além das que integravam a obra do Lanço A, conforme espontaneamente alegou nos artigos 3.º, 10.º e 11.º, todos da contestação. Tal significa que as partes celebraram um contrato a termo incerto, mas a R. indicou um motivo que sabia que poderia não se verificar, como efectivamente veio a acontecer, pois o A. foi colocado a desenvolver actividade em obra que não foi indicada como motivo da contratação a termo, ou seja, no sub-lanço E3 e no lanço B.
Ora, pretendendo a R. argumentar com as funções desempenhadas e elencadas no contrato de trabalho e com a interpretação do que é um lanço e uma obra, certo é que a contratação a termo tem de ser suportada por um motivo e não por funções acordadas ou desempenhadas. In casu e conforme o disposto na alínea f) do n.º 1 do Art.º 41.º da LCCT, o motivo justificativo do termo [do contrato] é a obra correspondente ao Lanço A, decorrente do acordado sob a cláusula 2.ª do contrato de trabalho a termo incerto.
Porém, tendo a R. colocado o A. a desempenhar as suas funções no sub-lanço E3 e no lanço B, o contrato de trabalho ficou sem motivo justificativo do termo durante os períodos de tempo correspondentes, o que parece estar de acordo com o seu objectivo, como consta da contestação, pois sempre foi desiderato da R. que o A. trabalhasse em qualquer lanço do IP em construção, apesar de ter referido como fundamento do termo o lanço A. Parece, destarte, que a R. lançou mão da contratação a termo sem ter indicado os motivos que poderiam suportar toda a actividade a desenvolver pelo A., pois não indicou na cláusula 2.ª do contrato o sub-lanço E3 e o lanço B, como se impunha face ao disposto no Art.º 42.º, n.ºs 1, alínea e) e 3 da LCCT, pretendendo iludir as disposições legais que regulam tal contratação, o que torna o termo nulo, atento o disposto no Art.º 130.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho, [correspondente ao Art.º 41.º, n.º 3 da LCCT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho].
A R., porém, entende que mesmo considerando nulo o termo aposto no contrato, este não se converte em contrato sem termo, pois encontrando-se o A. aposentado aquando da sua celebração, é-lhe aplicável o disposto no Art.º 392.º do Cód. do Trabalho, norma que foi antecedida, com algumas diferenças de redacção, pelo Art.º 5 da LCCT.
Vejamos.
Estabelece este último artigo:
1. Sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo anterior, a permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice fica sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime definido no capítulo VII, ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição aos limites máximos estabelecidos no n.º 2 do artigo 44.º;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa da entidade empregadora, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador.
2. Logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o seu contrato caduque nos termos da alínea c) do artigo 4.º, este fica sujeito ao regime constante do capítulo VII, com as especificidades constantes das alíneas do número anterior.

A tal norma corresponde no Cód. do Trabalho o Art.º 392.º, do seguinte teor:
1 - A permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice determina a aposição ao contrato de um termo resolutivo.
2 - O contrato previsto no número anterior fica sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa do empregador, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - Quando o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem ter havido caducidade do vínculo por reforma, é aposto ao contrato um termo resolutivo, com as especificidades constantes do número anterior.

Tal norma regula a situação de trabalhador que continua ligado ao [mesmo] empregador, depois de operados os efeitos da reforma por velhice ou depois daquele ter atingido os 70 anos de idade. Entende a R. que tal disposição legal é aplicável ao caso do trabalhador reformado que celebrou contrato de trabalho com um empregador diferente do que teve anteriormente, sob pena de infracção ao princípio da igualdade, pois de outro modo tratar-se-ia de forma diferente trabalhadores – igualmente – reformados ou séniores, ao serviço da mesma empresa.
A questão não é de fácil solução, tanto mais que apenas se mostra tratada – e pouco – pela doutrina.
Cremos que a principal dificuldade está em saber se um trabalhador, reformado e/ou sénior, que continua ao serviço do [mesmo] empregador depois de atingir aquela situação, embora sujeito a contrato a termo especial e um trabalhador, também reformado e/ou sénior, que celebra ex novo um contrato de trabalho com empregador diferente do que teve anteriormente, se se encontram dentro do mesmo condicionalismo fáctico, em termos de se poder afirmar que se impõe a aplicação do princípio da igualdade, de tal forma que ao segundo trabalhador seja aplicável a norma prevista para o primeiro, ou seja, a disposição do Art.º 5.º da LCCT e, actualmente, a do Art.º 392.º do Cód. do Trabalho.
Sufragam a tese da identidade de situações Pedro Romano Martinez e outros(4) que entendem, por exemplo, que dois trabalhadores numa empresa, ambos com 70 anos de idade, não devem estar sujeitos a regimes diferentes, apesar de um ter lá trabalhado até à reforma e posteriormente e de outro ter sido admitido apenas depois de se ter reformado ao serviço de outro empregador.
Embora com a única certeza de que não podemos deixar de decidir o caso presente, pensamos que a identidade de pressupostos que subjaz à aplicação do princípio da igualdade não se compagina apenas com a situação do trabalhador, mas também com a situação do empregador e com a do mercado de trabalho, entre outras.
Na verdade, do ponto de vista do empregador, nenhuma norma impõe qualquer diferença na admissão de trabalhadores em função da idade ou da capacidade de trabalho reduzida, por exemplo(5); ao contrário, se o empregador fizer admissão de trabalhadores em função de critérios discriminatórios, tendo por base a idade ou a capacidade de trabalho reduzida, aí haverá violação do princípio da igualdade, atento o disposto no Art.º 22.º, n.,º 2 do Cód. do Trabalho e no Art.º 13.º da Constituição(6).
Mas, mesmo do lado do trabalhador reformado e/ou sénior, contratado ab initio depois desta situação, ele surge no mercado de emprego ex novo, tendo de estabelecer com o seu novo empregador as condições contratuais, mas sem quaisquer espartilhos como também acontece com o empregador, pois a lei não o impõe, como anteriormente se referiu. Na verdade, se o novo empregador não está sujeito aos limites constantes do Art.º 5.º da LCCT, o trabalhador que tem de acordar com ele as cláusulas do novo contrato, também não pode estar sujeito ao mesmo espartilho.
Por outro lado, visando a norma a libertação de postos de trabalho(7) numa conjuntura que permanece de acentuado desemprego, a admissão ex novo de trabalhador reformado e/ou sénior constitui naturalmente uma excepção, sabendo-se que a partir dos 40 anos de idade qualquer pessoa tem dificuldade em encontrar emprego, mesmo que não seja um trabalhador manual.
Por último, o Cód. do Trabalho alterou a redacção do n.º 1 do Art.º 392.º, comparado com o mesmo número do Art.º 5.º da LCCT, referindo-se agora, tal como já acontecia e continua a ocorrer com o trabalhador que complete 70 anos de idade, como previsto no último número de cada um dos artigos, que é aposto ao contrato um termo resolutivo, bem revelador do escopo do legislador no sentido de que o especial contrato a termo apenas é aplicado no caso do contrato que se mantém e não no caso do contrato celebrado ex novo com outro empregador.
Em suma, cremos que não são iguais as situações de trabalhador reformado e/ou sénior que continua no mesmo empregador e de outro que foi admitido ab initio, pelo que a norma do Art.º 5.º da LCCT e a do Art.º 392.º do Cód. do Trabalho, não deve ser aplicada a este último, face ao princípio da igualdade. Ou, dizendo de outro modo, como não se trata de casos análogos e a norma é excepcional, não pode ser aplicada por analogia, atento o disposto no Art.º 11.º do Cód. Civil [Cfr. Filipe Fraústo da Silva, in 30 ANOS DE CONTRATO DE TRABALHO A TERMO, a Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, págs. 251 e 252 e in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 69, Setembro – Dezembro de 2004, pág. 117].
Assim, não sendo aplicável ao caso dos autos o disposto no Art.º 5.º da LCCT, antes sendo aplicável o regime regra e como o termo aposto no contrato é nulo, a declaração de caducidade do contrato efectuada pela R. equivale a um despedimento ilícito.
Tem assim, o A. direito às retribuições vencidas desde 2005-10-21 até ao trânsito em julgado da decisão que, por facilidade de cálculo, se computam até 2007-04-21, em € 28.020,00 e à reintegração na empresa, conforme pediu.
Em síntese, o recurso merece ser provido, pelo que a sentença deve ser revogada, indo a R. condenada a pagar ao A. as retribuições vencidas desde 2005-10-21 até ao trânsito em julgado da decisão que, por facilidade de cálculo, se computam até 2007-04-21, em € 28.020,00 e à reintegração na empresa, conforme pediu.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder à apelação, assim revogando a sentença recorrida, indo a R. condenada a pagar ao A. as retribuições vencidas desde 2005-10-21 até ao trânsito em julgado da decisão que, por facilidade de cálculo, se computam até 2007-04-21, em € 28.020,00 e à reintegração na empresa, conforme pediu.
Custas pela R.

Porto, 28 de Maio de 2007
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro
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(1) Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
(2) Abreviatura de Código do Trabalho, também designado por Cód. do Trabalho.
(3) Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531
(4) In Código do Trabalho Anotado, 2003, nota III. Ao Art.º 392.º, a págs. 577 e 578, também transcrita no douto parecer do Ministério Público. Cfr., em idêntico sentido, João Zenha Martins, in Nótula sobre a Reforma por Velhice e a Caducidade do Contrato de Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 68, Maio – Agosto de 2004, págs. 101 e 102. Cfr. também António José Moreira, in Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho, 2002, a págs. 395, nomeadamente.
(5) O empregador é tão livre na admissão de um trabalhador com 70 anos de idade, como de outro com 20 anos apenas, nada na lei o impossibilitando também de contratar um trabalhador reformado por velhice.
(6) O princípio da igualdade tem de ser aferido em relação aos trabalhadores em geral, independentemente de serem reformados por velhice ou de terem mais de 70 anos de idade e não apenas entre os trabalhadores reformados por velhice e com idade superior a 70 anos.
(7) Cfr. Jorge Leite, in DIREITO DO TRABALHO, DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, Coimbra, 1978, pág. 106, nomeadamente.